29 de setembro de 2009

Ano Sacerdotal-2009/2010

PALAVRAS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS AOS SACERDOTES

"Atendamos, todos nós, clérigos, para o grande pecado e ignorância que alguns têm acerca do santíssimo corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e acerca dos sacratíssimos nomes e suas palavras escritas que santificam o seu corpo. Sabemos que o Corpo de Cristo não pode estar presente se antes não for santificado pela palavra.
Neste século, pois, nada temos e vemos corporalmente do mesmo Altíssimo, a não ser o corpo e o sangue, os nomes e as palavras pelas quais fomos feitos e remidosda morte para a vida. Portanto, todos aqueles que ministram tão santíssimos mistérios, principalmente aqueles que ministram ilicitamente, considerem no seu íntimo quão vis são os cálices, os corporais e as toalhas, onde é sacrificado o corpo e o sangue do Senhor. E por muitos é colocado e abandonado em lugares vis, carregado de modo deplorável, tomado indignamente e ministrado indiscretamente aos outros.
Igualmente, seus nomes e palavras escritas, às vezes, são calcados aos pés porque o homem animal não percebe as coisas de Deus. Porventura, todas essas coisas não movem nossa piedade, quando o próprio pio Senhor se oferece em nossas mãos, O tratamos e O tomamos todos os dias em nossa boca? Ou ignoramos que havemos de cair em suas mãos?
Por isso, emendemo-nos logo e firmemente de todas essas e outras coisas. Onde o santíssimo corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo for colocado e abandonado ilicitamente, removam-no daquele lugar e, bem sinalizado, coloquem-no em lugar precioso. Da mesma forma, quando os nomes e as palavras escritas do Senhor forem encontrados em lugares imundos, sejam recolhidos e colocados em lugar honesto.
Todos os clérigos devem observar, acima de tudo, todas estas coisas até o fim.E sabemos que devemos observar todas estas coisas acima de tudo, segundo os preceitos do Senhor e as constituições da Santa Mãe Igreja E os que não o fizerem, saibam que devem prestar contas no dia do juízo diante de Nosso Senhor Jesus Cristo [...] ."

21 de setembro de 2009

Os Rumos da O.F.S do Brasil

Reflexões de um assistente depois do Capítulo de Manaus

(21-23 de agosto de 2009)

Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)

1. A OFS do Brasil realizou sua XXXII Assembléia Nacional ou Capítulo Eletivo em Manaus. Um novo governo assumiu o serviço da Fraternidade Nacional. Todos se voltam para o paraense eleito Irmão Ministro Nacional, Antônio Benedito de Jesus da Silva Bitencourt e seu Conselho no sentido de que possam prestar um belo serviço à OFS. Penso que ele e seus colaboradores imediatos haverão de se revestir dos melhores propósitos de serviço e disponibilidade pela causa dos leigos e leigas que se consagram a Deus na OFS através de uma promessa/profissão de seguir o Evangelho à maneira de Francisco no meio do mundo, secularmente. As reflexões que seguem não são expressão da Conferência dos Assistentes, mas ponderações espontâneas de um irmão franciscano que há 9 anos acompanha de perto a vida da OFS nos Regionais e no Brasil.

2. No início deste triênio temos o dever irrenunciável de olhar a realidade, examinar os passos dados, as atitudes tomadas e traçar um caminho de futuro, marcado pela sinceridade em seguir Cristo Jesus. Por isso cabe esta pergunta: Para onde caminha, ou pode caminhar, a Ordem Franciscana Secular no Brasil? O Ministro Geral dos Menores (OFM), em texto dirigido aos frades fala da necessidade de que nos abramos ao futuro com confiança. O texto não se aplica, em primeiro lugar, aos irmãos da OFS, mas com as devidas adaptações pode nos ajudar a refletir: “Somos filhos e irmãos de um pai “gigante”, cuja santidade, audácia, intrepidez e criatividade permaneceram vivos por oito séculos e agora vivem no coração e na vida de muitos de nossos irmãos. Santidade, audácia, intrepidez e criatividade que todos nós somos chamados a reproduzir com coragem, deixando-nos arrastar pelo Espírito que nos impele para o futuro e nos dá a força da fidelidade criativa para recriar respostas novas para novos desafios. Neste contexto histórico em que vivemos, como muitos de nossos antepassados que, apaixonados por Jesus Cristo e seu Reino, agiram de tal forma que sua vida se incendiou ao invés de se apagar, assim também nós, longe de desperdiçar energias para conservar e manter uma vida consagrada e franciscana à qual falte energia e incisividade e, portanto, encanto e sedução, somos chamados a permanecer fiéis e atuais, de modo que o carisma de Francisco continue significativo para o homem de hoje. Agarrar-nos aos passado, chorá-lo nostalgicamente, levar-nos-ia a uma inevitável decadência. Não se trata de sermos aventureiros, mas também não nostálgicos. Não há alternativa para a vida consagrada e franciscana senão a de abrirmo-nos ao Espírito. Só a força do Espírito evitará que existam em nós vidas pela metade, sufocadas pela rotina e pela inércia, sujeitas ao funcionamento das estruturas. Só assim podemos abrir-nos com confiança ao futuro” ( Relatório do Ministro Geral José Rodriguez Carballo, ao Capitulo Extraordinário de 2006, n. 118).

3. Não é possível deixar de abrir caminhos novos. Não se trata da repetição monótona do que se vem fazendo. As visitas fraterno-pastorais não poderão deixar de incluir em sua pauta perguntas e indagações a respeito daquilo que as Fraternidades estão fazendo para criar o novo: fraternidades que sejam parábolas do reino, grupo de irmãos que andar ao encontro dos mais abandonados, pessoas que criam verdadeiros “eremitérios” onde as pessoas cheguem a uma oração profunda, jeito diferente de fazer uma pastoral que não seja repetição burocrática de exigências para a sacramentalização, mas conversas que levem as pessoas a sentirem o perfume do Evangelho. Os Conselhos regionais, de modo particular, deverão ajudar as Fraternidades a implementarem o novo na linha do jeito franciscano de viver. Sem isso morreremos de inércia, no dizer do Ministro Carballo.

4. Antes de mais nada espera-se que o Conselho eleito em Manaus, seja constituído de pessoas profundamente boas, transparentes, frágeis mas nitidamente buscadoras da santidade. Um Conselho não precisa ser constituído de peritos na arte da burocracia, mas de irmãos e de irmãs humildes, simples, fraternos e nunca buscadores do poder e do prestigio. A Regra da OFS lembra sempre isto: “Nos diversos níveis, cada Fraternidade é animada e conduzida por um Conselho e um Ministro que são eleitos pelos professor de acordo com as Constituições. Seu serviço, que é temporário, é um cargo de disponibilidade e de responsabilidade em favor de cada membro e dos grupos” ( n. 21).

5. Parece necessário, no momento em que novos irmãos assumem o serviço no Conselho Nacional, que nos lembremos do espírito de Francisco: “ ‘Não vim para ser servido mas para servir’ (Mt 20,28), diz o Senhor. Os que estão constituídos sobre os outros não se vangloriem de sua superioridade mais do que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos. E se a privação do cargo de superior os perturba maios que a privação do encargo de lavar os pés amontoam para si tanto mais riquezas com perigo para sua alma” ( Admoestação 4). Desnecessário dizer que os franciscanos que amam postos e cargos para mandar estão longe do espírito de Francisco e, com sua atitude, ferem gravemente o Evangelho.

6. A Ordem Franciscana Secular precisa formar leigos verdadeiramente conscientes de sua missão de cristãos no mundo. Não temos leigos que gostam apenas de circular nas regiões internas do culto e das coisas sagradas. Urge um estudo aprofundado a respeito do que vem a ser um leigo cristão. Não basta que alguns irmãos e irmãs se reúnam piedosamente algumas vezes por ano. Os franciscanos seculares precisam compreender e adotar o esquema do ver, julgar e agir. A OFS se aproxima daquele espírito da Ação Católica tão elogiado pelos Papas. À mão dos documentos da Igreja os seculares franciscanos ajudarão nas tarefas intra-eclesiais, mas serão restauradores da Igreja no meio do mundo: fermento na massa, sal da terra e luz do mundo. Se as Fraternidades não compreenderem de fato esta dimensão que sentido têm esses grupos?

7. Aproveitando a comemoração dos 800 anos do carisma franciscano a OFS não se limita a congressos, palestras e confraternizações. “Quando Francisco naquele certo dia encontrou-se com o Evangelho, este lhe soou como uma revelação e um convite: a exemplo de Jesus Cristo, tornar-se pequeno, menor despojado de poder e de riqueza e, ir, assim pelo mundo, anunciando o Reino de Deus e a conversão. Francisco e, em seguida Clara e os respectivos grupos, desencadearam um movimento evangélico-penitencial que, em boa parte, correspondia aos anseios do tempo” ( Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina , FFB, p.8).

8. A Ordem Franciscana Secular com sua Regra e sua mística corresponderia aos anseios de nosso tempo? Eis uma questão fundamental. Não basta repetir práticas, fazer capítulos, eleger novos ministros. Importa ter consciência clara que a OFS tem sentido. Há aqueles que não vêm na Ordem nada que responda aos anseios do tempo moderno. Outros grupos são mais atraentes, mais profundos, mais compromissados com o Evangelho. Muitos franciscanos seculares parecem sentir-se bem em alguns movimentos de oração mais intimista e convivência mais ruidosa. É que costumamos ouvir. Só podemos fazer propaganda vocacional, sobretudo no meio dos jovens, se os ministros e seus conselhos, nos diferentes níveis estão convencidos de que temos algo a oferecer. O que de bem concreto podemos propor aos homens e mulheres de hoje? Eis aí uma pergunta que em nível nacional precisa ser respondida sem adiamentos.

9. Pessoalmente estou convencido de que precisamos famílias evangelicamente franciscanas, trabalhadores franciscanos, políticos franciscanos, orantes franciscanos, cuidadores da natureza franciscanos, cristãos humildes e bons franciscanos. Se vivermos a Regra da OFS temos propostas belíssimas a serem feitas. Cabe, bem concretamente, neste contexto, elencar as grandes propostas evangélico-franciscanas-clarianas que temos a oferecer aos homens e mulheres da provisoriedade, do individualismo, do hedonismo e do consumismo o perfume do Evangelho que nossos predecessores ofereceram a tantos e tantas. Nessa direção deve ir a Ordem Franciscana Secular se quiser viver e ser fiel ao carisma. Será que a OFS está sabendo tirar frutos nesse tempo de comemoração dos 800 anos do carisma? O que o Nacional e os Regionais andam propondo? Parece fundamental que os formadores possam dispor de textos comentários a respeito da Regra que façam a ligação dos seus conteúdos com o mundo de hoje? Não seria esta uma tarefa urgente da formação? O texto da Regra é sugestivo e revestido de frescor. Será que os franciscanos seculares conseguem viver a Regra e mostrar sua atualidade? Por vezes penso que a Regra ainda não faz parte da vida dos franciscanos seculares.

10. Não somos orantes espalhafatosos. Os franciscanos, também os seculares, gostamos do deserto, das grutas, do silêncio. Temos saudades dos Carceri e do La Verna. Nosso Pai nos ensinou que devíamos rezar o Ofício como manda a Mãe Igreja. Rahner dizia que os cristãos dos tempos novos ou seriam místicos ou não seriam nada. Entendamos por místicos aqueles que têm contactos regulares, saborosos e densos com o Senhor. Os membros da OFS rezam de verdade. Quando deixamos a oração, a missa quase que diária somos facilmente presas do inimigo que nos oferece o fruto do poder, da vaidade e, depois, ficamos com vergonha de Deus e não podemos mais olhar em seus olhos. Quisemos ser como deuses e Deus nos abandonou. Não se pode negligenciar a vida de oração dos terceiros. Estão eles rezando com a Igreja? Estão tomando gosto pela contemplação? São eles capazes de ver Cristo no rosto dos mais atingidos pela doença e pelo abandono?

11.Os orantes franciscanos não se fixam. São sempre peregrinos, forasteiros. Espera-se que muitos irmãos e irmãs das fraternidades seculares se disponham a ser missionários, quem sabe, até em lugares mais distantes. Em nossos tempos, a palavra mágica é missão. Os franciscanos são missionários pela palavra e pela vida, missionários da família, missionários na paróquia, missionários de verdade. Será que irmãos e irmãs de fraternidades de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Centro Oeste não poderiam dedicar seis meses de suas vidas para um trabalho missionário fora de sua terra?

12. Não se pode imaginar uma Fraternidade Franciscana Secular aburguesada, contente com seu conforto, satisfeita com a repetição de ritos, mas sem viço e sem vocações. Todos os corações retos que poderiam querer fazer parte dos nossos desejam nos ver envolvidos com o mundo dos pobres. O amanhã de nossas Fraternidades passa pelo trabalho e a dedicação aos mais pobres. Todas as Fraternidades precisam ir ao encontro desses pobres que são os idosos mal cheirosos, as mães de filhos encarcerados e drogados, os doentes sem visitas e os jovens sem lenço, sem documento e sem esperança. Insisto na palavra pobre. Quando queremos responder à pergunta título desta reflexão inegavelmente a resposta aponta na direção dos pobres. Faço duas citações de Frei José Rodriguez Carballo, Ministro dos Menores. Ele se refere aos frades. Mutatis mutandis os leigos também podem incluidos por estes pensamentos. O Ministro escreve aos frades a respeito de fraternidades inseridas em ambientes pobres. “Tudo isso levou-nos a tomar consciência do fato de não podermos escolher arbitrariamente os lugares onde morar, mas é necessário deixar-nos seduzir pelos claustros esquecidos, pelos claustros inumanos onde a beleza e a dignidade da pessoa são continuamente ofuscadas. Assim, aproximamo-nos um pouco mais dos pobres, primeiros destinatários da missão de Jesus para nós fazermos misericórdia com eles (Com lucidez e audácia em tempos de refundação, n. 74). Mais ainda: “Tendo presente nossa forma de vida, é também evidente que não se pode separar nossa obra evangelizadora de nossa vocação para a minoridade, pobreza e solidariedade. Por sermos menores, somos servos de todos, renunciando a exercer qualquer tipo de poder ou domínio sobre os outros; por sermos pobres, deixamo-nos evangelizar pelos pobres; por sermos solidários, alargamos nossa tenda para fazer nossas as alegrias e tristezas dos mais pobres e daqueles que mais sofrem” ( Idem,n.75). Os franciscanos sentem-se bem entre os pequenos. Na medida em que os irmãos e irmãs vão vivendo esse espírito pode-se esperar que as eleições em nossos Capítulos tenham as característica de aceitar um fardo para servir e uma honra e um benefício em prol de seu ego.

13. A OFS cuidará de modo especial da vida em fraternidade. Os Capitulares escolheram como uma prioridade do próximo triênio o revigoramento e renovação das reuniões gerais e da vida fraterna. O encontro dos irmãos, seja na reunião geral ou em outros momentos, não pode ser um evento isolado e solto. O momento da reunião é aquele em que se manifesta a visibilidade dos irmãos que se estimam. Reuniões bem feitas, marcadas pela seriedade da formação, pela sinceridade na oração e pelo júbilo no encontro fraterno. Não se trata apenas da reunião. Os laços entre os irmãos serão reforçados, o serviço mútuo incentivado, a participação de todos uma exigência. Quando uma fraternidade cambaleia pode ser tal se deva à negligência dos conselhos e dos irmãos. Diria mais. Pode acontecer que algumas fraternidades tenham que ser fechadas porque alguns irmãos não quiseram entrar no processo de conversão e ali viveram como se vive num grupo de amigos. Nunca nos esqueçamos da palavra de Jesus: onde dois ou três estiverem reuinidos em seu nome, ele estará no meio deles. Até que ponto os irmãos e irmãs se reúnem na limpidez do coração e em nome do Senhor?

14. Se perguntamo-nos a respeito dos caminhos que a OFS precisa trilhar não haveremos de nos esquecer da aproximação dos jovens. A experiência nos diz que um número muito elevado de terciários franciscanos vieram de grupos de juventude franciscana e, de modo particular, da JUFRA. As reuniões e os encontros da OFS necessitam da presença de adolescentes e jovens. Eles chegam para cantar, para transmitir sua alegria. Somos obrigados a falar daquilo de que nosso coração está cheio, ou seja, de Francisco. Os Conselhos haverão de encontrar meios e modos de fazer com que jovens se aproximem e queiram ouvir o murmúrio franciscano que existe em nós. Estamos em condições de acolher, esporadicamente, jovens em nossos encontros? Não criaremos grupos de jovens ou não nos ligaremos aos jovens simplesmente porque desejamos completar as falhas de nossas fileiras. O motivo principal é que o carisma de Francisco continua atual. A razão é missionária. Muitos jovens poderão ser santos e seres esplendorosos se vierem a conhecer Francisco. Depois de tantos discursos a respeito da beleza do carisma franciscano existente há oitocentos anos, será preciso encarná-lo hoje.

15. A OFS necessariamente caminhará para o novo. Inventar o amanhã a partir de um presente de irmãos e irmãs em estado de conversão. Não se inventa o novo por decretos. O novo é obra do Espírito. Ele brota do vigor da vida. Ou não brota. Inimiga do novo é a mesmice e a rotina. Fraternidades surgirão em bairros pobres, com pouco irmãos, mas irmãos de verdade. Poderá surgir uma outra predominante de jovens universitários. Os Conselhos traçarão as linhas de uma formação que capacite o grupo a dar as razões de sua esperança. Alguns grupos se servirão da música, do teatro e da arte. Alguns irmãos farão experiências missionários em rregiões de missões mesmo fora do páis. A OFS está diante da necessidade de enfretntar o desafio do novo. O Documento da FFB vai na msma linha da descoberta do novo. Fala de andar por novas trilhas. “E, exatamente hoje e aqui, sob o império da mais valia, do desejo do lucro, do consumismo, quando de forma avassaladora a antropolotria, na sua face mais cínica – a indiferença para com as criaturas, a exclusão dos pequenos, o aburguesamento, a voracidade insaciável do sempre mais ter, parece não reter seus passos nem mesmo no espaço religioso e eclesial, exatamente aqui interpelam-nos Francisco e Clara a andarmos por outras trilhas... Interpelam-nos a não nos esquecermos a partilha do pouco que somos e temos, a solidariedade dos pequenos gestos, que – se não são suficientes para afrontar a frieza do mundo e os abusos contra as criaturas, nem para debelar as dissimetrias sociais e econômicas, a miséria das maiorias e a violência das guerras, declaradas ou não – pelo menos poderão levar o conforto de uma presença e um raio de esperança aos humildes: a esperança de que, no chão da América Latina e do Caribe, as trevas não haverão de ser isentas de luz na noite de seus sofrimentos. Num tempo em que,maciçamente vastas partes do cristianismo e da catolicidade parecem afeitas a colocar a mão no peito e a fechar os olhos para dentro de um intimismo inoperante, é altamente inspirador recordarmo-nos de Francisco e Clara e, recolhendo de sua claridade alguns raios para nossos caminhos, buscarmos restaurar, com ânimo e presteza, o mais sagrado dos templos de Deus: a vida dos seres humanos e do mundo” (Doc. FFB, p 35).

16. Muito trabalho para o triênio que se inaugurou com o Capítulo de Manaus. Antes de mais nada as pessoas, os franciscanos seculares, precisam se renovar. A reforma começa em casa, nos cantos dos corações das pessoas, na qualidade de nossos encontros, no jeito simples e fraterno de viver e no desejo de que sejamos habitados pelo Espírito de Deus ao qual tudo deve servir. E que ninguém se aposse de nada.... todos simples e bons, livres e fraternos.

São Paulo, 02 de setembro de 2009

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional pela OFM
Assistente Regional do Sudeste II

São Francisco e a Ecologia

















Não é fácil para o homem moderno,
com mentalidade científico-tecnológica,
compreender a relação franciscana
com os seres irracionais,
mormente com as realidades materiais.
Vivemos numa sociedade
que nos ensinou a olhar as coisas
como simples objetos, à disposição do nosso projeto utilitarista.
A atitude franciscana, ao contrário, é de simpatia, admiração, celebração.
Francisco rompe com os esquemas da razão e do cálculo superficial, bem como do gastar e do lucrar. Por isso, uma atitude de puro racionalismo não consegue compreender São Francisco. Muitos pretendem reduzi-lo a um sonhador ou a um romântico que, embora merecendo simpatia, não deve ser levado a sério.Francisco de Assis soube viver a harmonia cósmica. Viveu de modo singular a utopia da grande fraternidade cósmica, predita pelo profeta Isaías. Todos os biógrafos ressaltam a relação fraterna de Francisco com todos os seres da criação. Transcreve-se apenas um texto de Celano (1 Cel 80-81).

«Seria longo, e até impossível, mencionar tudo quanto o glorioso Pai Francisco fez e ensinou enquanto viveu entre nós. Quem poderá descrever o seu inefável amor pelas criaturas de Deus e a doçura com que nelas admirava a sabedoria, o poder e a bondade do Criador? Ao contemplar o sol, a lua e as estrelas do firmamento, inundava-se-lhe a alma de gozo. Piedade simples, simplicidade piedosa: até pelos vermes tinha afeição, recordado da Escritura, que diz do Salvador: «Eu sou um verme e não um homem!» Por isso os retirava do meio do caminho para lugar seguro, não fossem esmagados pelos que passavam. E que dizer das demais criaturas inferiores, quando sabemos que, durante o Inverno, para as abelhas não morrerem de frio, queria que lhes servissem mel e vinho do melhor? De tal modo o engenho e apego ao trabalho destes pequenos seres o impeliam a louvar a Deus, que chegou a passar um dia inteiro a fazer o elogio destas e de outras criaturas. Como outrora os três jovens na fornalha convidavam todos os elementos a glorificarem e a bendizerem o Criador do Universo, assim este homem, cheio do espírito de Deus, jamais se cansava de glorificar, louvar e bendizer, em todos os elementos e em todos os seres, o Criador e Conservador de todas as coisas.

Que arrebatamento o seu quando admirava a beleza das flores ou lhes aspirava o delicado perfume! Imediatamente se reportava à contemplação dessa outra Flor primaveril, radiosamente nascida do tronco de Jessé, e que, mercê da sua fragrância, restituíra a vida a milhares de mortos. Quando encontrava muitas flores juntas, pregava-lhes e convidava-as a louvarem o seu Senhor, como se fossem dotadas de razão. O mesmo fazia diante dos trigais e dos vinhedos, dos rochedos e das florestas, das belas paisagens ridentes, das fontes, dos jardins, da terra e do fogo, do ar e do vento, convidando-os com simplicidade e pureza de alma a amarem e a louvarem o Senhor. A todos os seres chamava irmãos. Com penetrante intuição lograva descobrir duma maneira maravilhosa e de todos desconhecida o mistério das criaturas, pois gozava já da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Agora que ele está nos céus, com os anjos Te louva, ó bom Jesus - ele, que na terra proclamava, diante de todas as criaturas, que só Tu és digno de amor infinito.»

O amor e respeito de Francisco pela natureza não era abstrato, convencional e impessoal. Tratava cada ser com delicada cortesia, sempre respeitando a sua própria individualidade e lugar priviligiado no cosmos. A partir da sua fé, razão de ser de toda esta visão, celebrava a grande presença de Deus na criação.

O olhar de Francisco sobre as coisas revela também a sua pobreza. Tudo é obra do Senhor. Tudo é propriedade de Deus. Francisco nunca foi interesseiro e egoísta, nem tão pouco instrumentalizador. Para ele, as coisas devem ser conservadas ou protegidas não tanto pelo seu valor para o uso, mas sobretudo porque existem. Estava liberto da cobiça e do desejo de posse e de domínio. Coloca-se no meio das criaturas, não acima delas; canta o Senhor através das criaturas.

No Cântico do Irmão Sol, Francisco exprime simultâneamente o seu coração de crente e de poeta. Por detrás, contudo, não estão somente razões teológicas e, muito menos, poéticas. Francisco não se serviu poeticamente das criaturas, não as reduziu a simples metáforas e alegorias de profundas experiências pessoais e religiosas. Elas não perdem a sua identidade. Para Francisco nada é destruido ou desvalorizado, nem mesmo em função do religioso. Por outro lado, Francisco não pára nas criaturas, mas sobe até ao seu Autor e Criador.

Francisco é o homem «total»: não coloca o espírito de um lado e o corpo (matéria) de outro. Por isso, nele estão unidas ascese corporal e espiritual, fé e vida. Em tudo queria seguir os vestígios de Cristo. Em todas as coisas descobria uma relação com Cristo. Assim se distanciava Francisco dos outros movimentos religiosos do seu tempo, particularmente os cátaros, que defendiam uma atitude de desprezo para com os seres criados.


DIMENSÕES IMPORTANTES DA "ECOLOGIA FRANCISCANA":

:: As coisas apontam na direção de Deus. Mas não são Deus. Francisco não pode ser acusado de panteísmo porque marcou bem a diferença entre o Criador e as criaturas.

:: São Francisco visa em primeiro lugar ao Criador e não à criação. Só assim pôde ver a beleza do mundo e não simplesmente a sua utilidade.

:: Por uma questão de sobrevivência é indispensável preservar o meio ambiente. Mas os franciscanos fazem-no ainda por outra razão mais profunda: por respeito ao Criador.

:: O homem não é o senhor absoluto da natureza. Deve aceitar a sua condição de criatura.

Confrontemos a nossa atitude por vezes materialista, utilitarista e consumista com a de Francisco, que em tudo e com todos canta os louvores de Deus Criador.

19 de setembro de 2009

Vida de São Francisco de Assis

A História e a vida do Poverello de Assis




Nasce Francisco,
filho de Pietro Bernardone

Filho de Pedro e Dona Pica Bernardone, Francisco nasceu entre 1181 e 1182 , na cidade de Assis, Itália. Seu pai era um rico e próspero comerciante, que seguidamente viajava para a França, de onde trazia a maior parte de suas mercadorias.

Foi de lá também que ele trouxe sua linda e bondosa esposa, Dona Pica. Foi batizado em Santa Maria Maior (antiga catedral de São Rufino) com o nome de João (Giovanni). Mas quando Pietro Bernardone voltou de uma viagem à França, mudou de idéia e resolveu trocar o nome do filho para Francisco, prestando uma homenagem àquela terra.

Sua mãe era de origem provençal: as primeiras palavras ternas e afetuosas que o menino ouviu foram francesas. Esta língua foi gravada no seu coração: assim, afirmou o seu primeiro biógrafo, Tomás de Celano: "quando manifesta a sua alegria, canta na doce língua dos trovadores da cavalheiresca Provença".

Segundo a maioria dos biógrafos de São Francisco, os padres de São Jorge lhe deram formação adequada e educação cristã. Mas o caráter e as qualidades melhores lhe vieram da mãe: meiga e firme, cristã fervorosa, toda dedicada à família.

Cedo, o garoto Francisco aprendeu do pai a arte do comércio que manejava com inteligência e proveito. Mas era um jovem alegre, amante da música e das festas e, com muito dinheiro para gastar, tornou-se rapidamente um ídolo entre seus companheiros. Adorava banquetes, noitadas de diversão e cantar serenatas para as belas damas de sua cidade. Enfim, Francisco era o líder da juventude de sua cidade.



Conflitos entre Feudos e Comunas

A Itália, como toda a Europa daquela época, vivia uma fase bastante conflitiva de sua história, marcada pela passagem do sistema feudal (baseado na estabilidade, na servidão e nas relações desiguais entre vassalos e suseranos) para o sistema burguês, com o surgimento das "comunas" livres (pequenas cidades), com seu comércio, artesanato e pequenas indústrias. Com o novo sistema, mudaram-se as relações. O poder dos senhores feudais passou a ser questionado e enfrentado pelos novos senhores, originários das comunas, a maioria deles constituída pelos comerciantes mais abastados, a exemplo de Pedro Bernardone. Eram freqüentes nesta época guerras e batalhas entre os senhores feudais e as emergentes comunas. São conhecidas as lutas entre "maiores", isto é, a nobreza e os "minores", vale dizer, a classe emergente.

Além destas lutas, havia choques entre o Imperador, como a força civil do Sacro Império, e o Papa, como chefe espiritual, misturando nesta luta os interesses, de maneira que havia uma constante guerra, ora fria ora real. E a cidade de Assis, por sua posição geográfica no entroncamento Alemanha-Roma, e por sua importância comercial, trocava constantemente de "dono": ora no alto de sua fortaleza, a Rocca Maggiore, tremulava a bandeira do Papa, ora a do Imperador.
Como todo jovem ambicioso de sua época, Francisco desejava conquistar, além da fortuna, também a fama e o título de nobreza. Para tal, fazia-se necessário tornar-se herói em uma dessas freqüentes batalhas. No ano de 1201, incentivado por seu pai, que também ansiava pela fama e nobreza, Francisco partiu para mais uma guerra que os senhores feudais, baseados na vizinha cidade de Perúsia, haviam declarado contra a Comuna de Assis.
Durante os combates, em uma tarde de inverno, Francisco caiu prisioneiro, sendo levado para a prisão de Perúgia, onde permaneceu longos e gelados meses. Para um jovem cheio de vida como ele, a inércia da prisão deve ter sido especialmente dolorosa! Somente seu espírito alegre, seu temperamento descontraído e seu gosto pela música o salvaram do desespero. Encontrava ainda forças para reconfortar e reanimar a seus companheiros de infortúnio.
Costumava dizer, em tom de brincadeira para seus companheiros: "Como quereis, que eu fique triste, sabendo que grandes coisas me esperam? O mundo inteiro ainda falará de mim!"
Ao término de um ano foi solto da prisão, retornando para Assis, onde se entregou novamente aos saudosos divertimentos da juventude e às atividades na casa comercial de seu pai.


O Início da Conversão

O clima insalubre da prisão, agravado pelos prolongados meses de inverno, haviam-lhe enfraquecido o organismo, provocando agora uma grave enfermidade. Depois de longos meses de sofrimento, sem poder sair da cama, finalmente conseguiu melhorar.
Ao levantar-se, porém, não era mais o mesmo Francisco. Sentiu-se diferente, sem poder compreender o porquê.

A verdade é que a humilhação e o sofrimento da prisão, somados ao enfraquecimento causado pela doença, provocaram profundas mudanças no jovem Francisco.
Foi o caminho que Deus escolheu para entrar mais profundamente em sua vida. Já não sentia mais prazer nas cantigas e banquetes em companhia dos amigos. Começou a perceber a leviandade dos prazeres puramente terrenos, embora ainda não buscasse a Deus. Na verdade, Francisco não nasceu santo, mas lutou muito para se tornar santo!





No livro "Francisco", o autor Gianmaria Polidoro (Editora Vozes) lembra que entre 1202 e 1205 encontramos um Francisco inquieto. Não é apenas a consequência de uma doença longa e misteriosa. É a inquietude de quem está incerto quanto ao rumo a dar à própria vida e se põe em estado de busca. Não sabe precisamente onde quer terminar, mas sente que, ao longe, um futuro desconhecido o chama.

Foi nessa época que começou a pensar um pouco sobre a vida de cavaleiro. Era o tempo das cruzadas, das lutas especiais, dos cantos trovadorescos de Orlando de Ronscisvale. Tornar-se cavaleiro? Poderia ser uma idéia.



Mais uma guerra

Francisco havia perdido o gosto pelos prazeres mundanos, mas conservava ainda a ambição da fama. Por esse motivo, sonhava com a glória das armas e a nobreza, que se conquistavam nos campos de batalha. Por isso, aderiu prontamente ao exército que o Conde Gentile de Assis estava organizando para ajudar o Papa Inocêncio III na defesa dos interesses da Igreja. Contou para isso com a aprovação entusiasmada do pai, que vislumbrava aí a oportunidade tão longamente esperada de enobrecer sua família. Deus, porém, lhe reservava algumas surpresas ...
Antes de partir, num impulso de generosidade, Francisco cedeu a um amigo mais pobre os ricos trajes e a armadura caríssima que havia preparado para si.

Partiu de Assis, entre aplausos dos assisienses, esfusiante de entusiasmo. Mas não foi longe. Já na cidade de Espoleto, ele e os companheiros pararam para pernoitar. Na hora da retomada da marcha, sintomas de febre fizeram com que Francisco não pudesse partir. Foi, então, que teve uma experiência modificante de sua vida. Pensou ter ouvido a voz do Senhor, com quem dialogou:

-
Francisco, o que é mais importante, servir ao Senhor ou servir ao servo?

-
Servir ao Senhor, é claro - respondeu o jovem.

-
Então, por que te alistas nas fileiras do servo?

-
Senhor, o que quereis que eu faça?

-
Volta a Assis - lhe diz a voz - e ali te será dito.


Retorno a Assis

Desafiando os sorrisos de desdém dos vizinhos e a cólera de Pedro Bernardone, contrariado em seus projetos, Francisco retornou a Assis, dando prova da energia de seu caráter e do valor do seu ânimo, virtudes que se mostrariam valiosas mais tarde nos percalços de seu novo caminho.
Começou a longa busca e a longa espera: "O que Deus quer de mim? O que Ele quer que eu faça?" Era esse o constante questionamento de Francisco.
Sentia um vazio dentro de si, que as festas, farras, bebedeiras e guerras não conseguiam mais preencher. Estava inquieto e insatisfeito, mas não sabia bem por quê.
Em vão tentaram seus amigos atraí-lo outra vez para suas diversões, banquetes e trovas. Até o fizeram coroar, durante uma festa, como o "Rei da Juventude", mas nada disso o comoveu. Já não era isso que o atraía. Sua busca era outra ...
Para tentar desvendar os desígnios de Deus, passou a se dedicar à oração e à meditação. Percorria campos e florestas em busca de lugares mais tranquilos, em busca de respostas para suas dúvidas e inquietações. Para ele, tudo passou a ter outro sentido. Passou a enxergar as coisas com outros olhos e outro coração.


Viagem a Roma


















Em busca de respostas, decidiu viajar para Roma, isso no ano de 1205. Visitou a tumba do Apóstolo São Pedro e, indignado pelo que viu, exclamou: "É uma vergonha que os homens sejam tão miseráveis com o Príncipe dos Apóstolos!" E jogou um grande punhado de moedas de ouro, contrastando com as escassas esmolas de outros fiéis menos generosos.

A seguir, trocou seus ricos trajes com os de um mendigo e fez sua primeira experiência de viver na pobreza. Voltou a Assis, à casa paterna, entregando-se ainda mais à oração e ao silêncio.

Frequenta sempre mais os ermos perto de São Damião, pequena e

mal conservada igreja do campo,
a meio caminho na estrada que de Assis desde para a planície,
até a estrada que vai para a França.

A família e os amigos estavam preocupados com o jovem Francisco: o que lhe estaria acontecendo? Será que ainda estava em pleno juízo?
Seu pai, então, não se conformava! Não era isso que ele tinha sonhado para seu filho! Indignado, forçava-o a trabalhar cada vez mais em seu estabelecimento comercial.
Era o ano de 1205!


O beijo no leproso


Segundo o escritor Gianmaria Polidoro, em "Francisco" (Vozes), entre os anos de 1205 e 1206, não sabemos qual de dois grandes acontecimentos tenha tido a precedência na perturbação da calma eremítica de Francisco, sempre pensativo quanto ao caminho a seguir. Não foi através da meditação que descobriu a estrada certa. Encontrou-a diante de si no exato momento em que se viu envolvido por duas extraordinárias experiências que lhe abriram um horizonte excitante: o encontro com o leproso na planície de Assis e a voz do Crucifixo que lhe falou em São Damião.

Em 1206, passeando a cavalo pelas campinas de Assis, viu um leproso, que sempre lhe parecera um ser horripilante, repugnante à vista e ao olfato,

Desenho de Frei Ditocuja presença sempre lhe havia causado invencível nojo.

Mas, então, como que movido por uma força superior, apeou do cavalo, e, colocando naquelas mãos sangrentas seu dinheiro, aplicou ao leproso um beijo de amizade. Talvez a motivação para este nobre e significativo gesto tenha sido a recordação daquela frase do Evangelho: "Tudo o que fizerdes ao menor de meus irmãos, é a mim que o fazeis" (Mt 10,42).

Falando depois a respeito desse momento, ele diz: "O que antes me era amargo, mudou-se então em doçura da alma e do corpo. A partir desse momento, pude afastar-me do mundo e entregar-me a Deus"
.


O Crucifixo de São Damião


Pouco depois, entrou para rezar e meditar na pequena capela de São Damião, semidestruída pelo abandono. Estava ajoelhado em oração aos pés de um crucifixo,
que a piedade popular ali venerava, quando uma voz,
saída do crucifixo, lhe falou:
"Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas".

Não percebendo o alcance desse chamado e vendo

que aquela Igrejinha estava precisando de urgente reforma,
Francisco regressou a Assis,
tomou da loja paterna um grande fardo de fina fazenda e vendeu-a.
Retornando, colocou o dinheiro nas mãos do sacerdote de
São Damião, oferecendo-se para ajudá-lo na reconstrução da
capela com suas próprias mãos.
Conhecendo o caráter de Pedro Bernardone,

é fácil imaginar sua cólera ao ver desfalcada sua casa
comercial e perdido o seu dinheiro.

Não bastava já o desfalque que dava ao entregar gratuitamente

mercadorias e alimentação para os necessitados? Agora mais essa
! E Francisco teve que se esconder da fúria paterna. Certo dia saiu resolutamente a mendigar o sustento de porta em porta na cidade de Assis.

Para Bernardone isso já era demais! Como podia ele envergonhar de tal forma sua família? Se seu filho havia perdido o juízo, era necessário encarcerá-lo! Assim, Francisco experimentou mais uma vez o cativeiro, desta feita num escuro cubículo debaixo da escada da própria casa paterna. Pelo que sabemos, depois de alguns dias, movida pela compaixão, sua mãe abriu-lhe às escondidas a porta e o deixou partir livremente para seguir o seu destino.


Uma decisão corajosa


Ao final de 1206, Pedro Bernardone, convencido de que nem as razões nem a força podiam torcer o ânimo de Francisco, decidiu recorrer ao Bispo, instaurando-se um julgamento como nunca aconteceu na história de outro santo. O palco do julgamento foi a própria Praça Comunal de Assis, bem à vista de todos.

Bernardone exigiu que seu filho lhe devolvesse tudo quanto recebera dele. Francisco, ciente da sentença de Cristo: "Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais que a Mim, não é digno de Mim" (Mt 19,29), sem vacilar um momento se despojou de tudo até ficar nu, jogou os trajes

e o dinheiro aos pés de seu pai, e exclamou:
"Até agora chamei de pai a Pedro Bernardone.
Doravante não terei outro pai, senão o Pai Celeste".O Bispo, então, o acolheu, envolvendo-o com seu manto. Daquele momento em diante, cantando "Sou o arauto do Grande Rei, Jesus Cristo", afastou-se de sua família e de seus amigos e entregou-se ao serviço dos leprosos, tratando de suas feridas, e à reconstrução das Capelas e Oratórios que cercavam a cidade.

Cada dia percorria as ruas mendigando seu pão e convidando as pessoas para que contribuíssem com pedras e trabalho na restauração das "Casas de Deus" que estavam em ruínas.


O louco de Assis

De alguns recebia apoio e incentivo. De muitos, o desprezo e a zombaria. No entender da maioria, o filho de Pedro Bernardone havia perdido completamente o juízo! E não só a garotada da cidade escarnecia dele, chamando-o de louco e outros qualificativos menos nobres.

Mais de uma vez sentiu-se tentado a voltar atrás, quando chegava à porta de seus antigos amigos; mas saía vitorioso nessas lutas entre o orgulho humano e o próprio ideal. Já alguns começaram a reconhecer nele traços do futuro santo, embora ele mesmo ainda não conhecesse claramente sua vocação.
Estava já terminando a restauração da última Igrejinha da redondeza, a capelinha de
Santa Maria dos Anjos (na foto abaixo) e perguntava-se o que faria depois. O que mais lhe pediria Deus? Não havia entendido ainda que a Igreja que devia restaurar não era a de pedra, mas a própria Igreja de Cristo, enfraquecida na época pelas divisões, heresias e pelo apego de seus líderes às riquezas e ao poder. Devia ser aquele o ano de 1209.
Certo dia, Francisco escutou, durante a missa, a leitura do Evangelho: tratava-se da passagem em que Cristo instruía seus Apóstolos sobre o modo de ir pelo mundo, "sem túnicas, sem bastão, sem sandálias, sem provisões, sem dinheiro no bolso ..." (Lc 9,3).
Tais palavras encontraram eco em seu coração e foram para ele como intensa luz. E exclamou, cheio de alegria: "É isso precisamente o que eu quero! É isso que desejo de todo o coração!" E sem demora começou a viver, como o faria em toda a sua vida, a pura letra do Evangelho. Repetia sempre para si e, mais tarde, também para seus companheiros: "Nossa regra de vida é viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo"

Os primeiros seguidores

A partir daquele dia, Francisco iniciou sua vida de pregador itinerante, percorrendo as localidades vizinhas e pregando, em palavras simples, o Evangelho de Cristo.

Em documento algum consta que Francisco, depois de ouvir o Evangelho na Porciúncula, tenha saído à procura de seguidores. Não tinha a mínima intenção, nem mesmo a idéia, de inventar uma comunidade.

Muitos começaram, enfim, a compreender o sentido dessa vida e manifestaram o desejo de seguí-la. O primeiro foi um homem rico de Assis, Bernardo de Quintaval.

Bernardo era uma pessoa sensível à voz da consciência, mas também um homem muito prático. Inquietou-se com a vida de Francisco; no entanto, antes de se pronunciar quis estudar o homem.
Convidou-o à sua casa com veneração e amizade;
uma casa que, nas suas estruturas externas,
pode ser vista ainda hoje na rua que leva o seu nome:
Rua Bernardo de Quintavalle.
Mais de uma vez convidou Francisco para visitá-lo.
Depois dessas visitas, teve a certeza de que o filho de
Pedro de Bernardone não era louco nem embusteiro.

Ao perguntar para Francisco: "O que devo fazer para seguir-te"?, este decidiu, como em todos os momentos decisivos de sua vida, recorrer ao Evangelho para que o próprio Cristo lhes desse a resposta.





O caminho do evangelho

De manhã, bem cedo, foram ambos à missa. Pelo caminho juntou-se aos dois Pedro de Catânia, doutor em Direito e novo companheiro. Por três vezes abriram o livro do Evangelho, e as três respostas que encontraram foram as seguintes:

"Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres. Depois vem e segue-me" (Mt 19,21).

"Não leveis nada pelo caminho, nem bastão, nem alforge, nem uma segunda túnica..." (Lc 9,3).

"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me" (Mt 16,24).


"Isto é o que devemos fazer, e é o que farão todos quantos quiserem vir conosco" - exclamou Francisco, que subitamente viu brilhar uma luz sobre o caminho que ele e seus companheiros deveriam seguir. Finalmente encontrou o que por tanto tempo havia procurado! Isto aconteceu a 24 de fevereiro de 1208, dando início à fundação da Fraternidade dos Irmãos Menores.

No mesmo dia, Bernardo de Quintavale vendeu todos os seus bens e repartiu o dinheiro entre os pobres de Assis.

O primeiro sacerdote fransicano

O exemplo de Bernardo produziu frutos. O primeiro é o sacerdote Silvestre, que exclamou comovido: "Como posso eu, sacerdote e velho, ser menos generoso que estes jovens e ricos?" E, sem mais, lançou-se com eles na aventura de viver o Evangelho. Tornou-se, assim, o primeiro sacerdote da Ordem Franciscana!

Prontamente aderiram outros: Gil, um modesto lavrador que se tornaria um grande santo; Morico, dedicado ao serviço dos leprosos; Bárbaro, futuro missionário no Oriente; Sabatino, Bernardo de Viridiante, João de Constança, Ângelo, da ilustre família dos Tancredo, aparentado com reis e príncipes; Felipe, grande pregador; e muitos outros...

Juntos, formaram um grupo de mendigos voluntários (daí o adjetivo de Ordem Mendicante dado à Ordem Francicana), que trabalhavam e rezavam, cantavam e pregavam, maravilhando o povo com a novidade do Evangelho sendo vivido diante de seus próprios olhos. Algumas choupanas cobertas de folhagem, no pitoresco vale do Rivotorto, serviam-lhes de modesto abrigo.



A aprovação da Igreja

No ano de 1209, Francisco e seus seguidores viajaram até Roma para buscar a aprovação do Papa para o seu modo de vida. Mas como aquele bando de mendigos, maltrapilhos e desconhecidos seria recebido pelo severo Inocêncio III? Francisco rezava e confiava. Afinal, não era o próprio Cristo que o estva conduzindo? Por coincidência ou providência divina, encontrava-se em Roma, nessa ocasião, o Bispo de Assis, grande admirador de Francisco. Graças a ele o Papa os recebeu.Inocêncio III ficou maravilhado com o propósito de vida daquele grupo e, especialmente, com a figura de Francisco, a clareza de sua opção e a firmeza que demonstrava. Reconheceu nele o homem que há pouco vira em sonho, segurando as colunas da Igreja de Latrão (a igreja-mãe de todas as Igrejas do mundo!), que ameaçava ruir. O Papa reconheceu que era o próprio Deus quem inspirava Francisco a viver radicalmente o Evangelho, trazendo vida nova a toda a Igreja, naquele tempo tão distanciada dos ensinamentos de Cristo! Por isso deu a seu modo de viver o Evangelho a aprovação oficial da Igreja. Autorizou Francisco e seus seguidores a pregar o Evangelho nas igrejas e fora delas e os despediu com sua bênção.

Em 1212, 18-19 de março, na noite de domingos de Ramos, a nobre Clara di Favarone foge de casa e é recebida na Porciúncula. Em 1217, no dia 5 de maio, realiza-se o Capítulo Geral de Pentecostes na Porciúncula. Primeira missão para além dos Alpes e ultramarina. É feita a instituição de províncias.
Em 1219, no outono (setembro-dezembro), Francisco vai ao acampamento do sultão do Egito, Melek-el-Kamel (1218-38), e tem "entrevista"com ele.
O movimento franciscano cresce e Francisco entrega o governo da Ordem a Frei Pedro Cattani em 1220.

Em 1224, no período de 15 de agosto a 29 de setembro, Francisco, com Frei Leão e Frei Rufino, passa no Alverne, preparando-se com uma quaresma de oração e jejum para a festa de São Miguel Arcanjo. Em setembro, tem a visão do Serafim alado e recebe os estigmas.

Seu estado de saúde piora muito a partir deste ano. Era final de agosto, em 1226, pede para ser levado à Porciúncula. Chegado à planície, lança sua bênção sobre Assis. Nos últimos dias de vida, dita o Testamento, autotestemunho de incalculável valor para a vida e os propósitos de homem tão singular.


No dia 3 de outubro, à tarde, Francisco, morreu cantando "mortem suscepit". No domingo seguinte, 4 de outubro, é sepultado na igreja de São Jorge, na cidade de Assis, mas o cortejo fúnebre passou antes pelo mosteiro das Clarissas. No dia 16 de julho de 1228, Francisco foi canonizado.