27 de abril de 2010

Palavras de Fé

Não sou um guerreiro que combateu com armas terrestres, mas com a espada do Espírito que é a palavra de Deus".

Santa Terezinha do Menino Jesus

20 de abril de 2010

QUANDO CLARA DEIXA A CASA PATERNA


Continuamos a percorrer os passos de Clara. Nesta página nos deteremos nos acontecimentos daquele famoso domingo de ramos. Sempre temos em mão a obra Chiara di Assisi. Un silenzo che grida (Ed. Porziuncola, Assisi) de Chiara Giopvanna Cremaschi (p. 35-39).

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

1. Era o Domingo de Ramos de 1211. Clara, com a mãe e as irmãs participam da missa na Catedral de São Rufino, celebração presidida por Dom Guido, essa igreja tão pertinho da casa dos Favarone. No momento em que todos se levantam para receber os ramos. Clara por um sentimento de reserva ou porque pensava naquilo que estava para realizar à noite, não se mexe. Acontece alguma coisa fora de todo ritual. O bispo, passando no meio dos fiéis, vai até Clara para dar-lhe o ramo. “Neste gesto, sem dúvida, podemos ver a bênção do pastor da diocese, o selo eclesial de uma escolha que somente o Amor dá a coragem de realizar, através de liberdade profunda que é dom do Espírito”.

2. Naquela noite, ela vai colocar em prática um plano que traçara em combinação com Francisco e seus companheiros. No momento da realização está completamente só. Ela busca a força do Senhor. Ao mesmo tempo demonstra coragem e manifesta firmeza de decisão, o que aliás, ocorrerá ao longo de sua vida nova. Espera que todos, em casa, durmam. Não sairá pela porta comum, mas por uma porta secundária que existia para que os habitantes pudesse se defender de um eventual assalto. Esta porta habitualmente não é usada e tem pedras e travas. Só a força de muitos homens conseguia desentravá-la. Tão cheia de decisão de realizar seu plano e com a força de Jesus Cristo Clara consegue desobstruir o caminho. No dia seguinte seus familiares ficarão estupefatos em ver a coragem e a força da moça!

3. “Tendo saído de casa e já na estrada, a jovem deixa às suas costas a cidade adormecida e corre lepidamente na direção da única porta da cidade que está aberta”. Talvez estivessem sendo realizados trabalhos de conserto e assim depois do por do sol essa porta continuava sem trancas e aberta. Há quem afirme que alguém, sabendo do plano de Clara, tenha facilitado a coisas e deixado a dita porta aberta. Por que Clara resolve fugir? Por que não tentou conversar com a família? A jovem conhecia o caráter dos familiares, de modo especial a intransigência do Tio Monaldo. Este até aceitaria que ela ingressasse num mosteiro de contemplativas como o das beneditinas. Mas, certamente, teria enormes reticências quando se tratava de seguir um caminho que não existia, seguindo apenas a indicações de um jovem penitente que até aquele momento não tinha mais do que uma aprovação oral por parte da Igreja. Clara, nesse momento, muda de classe social, Coloca-se entre os minores, ela que pertencia a uma mais importantes famílias de Assis. São escolhas que não são aceitas pelos aristocratas da província. Esses os motivos pelos quais Clara foge à noite, sem seguranças exteriores.

4. Para que tudo fique sem mal entendidos, Clara vende a sua herança e a dá aos pobres, segundo a ordem do Evangelho. As Fontes fazem questão de colocar este gesto fundamental para o seguimento de Cristo. Não sabemos o modo como ela realizou a venda. Uma mulher da Idade Média, sob certos aspectos, podia dispor dos próprios bens mais facilmente do que hoje. Podia fazê-lo mesmo sendo bastante jovem. A idéia da maioridade de alguém era muito diferente da que temos hoje. As mulheres se casavam em torno dos quatorze anos. Estudos feitos na legislação de Assis dizem que uma mulher podia alienar a parte dos bens que lhe cabiam como dote.

5. Irmã Cristina de Messer Bernardo de Suppo de Assis, no Processo de Canonização: “A testemunha também disse que, quando Santa Clara vendeu sua herança, os parentes quiseram dar um preço maior que todos os outros, e ela não quis vender a eles, mas vendeu a outros para que os pobres não fossem defraudados, E tudo o que vendeu na venda da herança distribuiu-o aos pobres”. Para nós, segundo Chiara G. Cremaschi, é difícil saber os motivos pelos quais os pobres seriam defraudados se Clara tivesse vendido para seu parentes. Talvez Clara achasse que vendendo a seus parentes o resultado ficaria, de alguma forma, no círculo familiar e seu gesto perderia algo do brilho que pudesse ter.

6. “Assim, parece clara a situação da jovem que tinha fugido na noite daquele domingo de ramos: tinha deixado tudo para seguir aquele que se fez pobre por nós, para viver a entrega confiante e total dos pequenos que confiam inteiramente no Pai misericordioso. A primogênita dos Favarone tem cerca de dezoito anos que indicavam maturidade e consciência do que estava sendo feito. Não é o caso de se saber se está mesmo acompanhada de alguém. Corre velozmente na direção de Cristo Jesus como a esposa do Cântico dos Cânticos. O único apoio que tem vem de seu Dileto. Quando se aproxima da Capelinha da Porciúncula, os frades vêm a seu encontro com tochas acesas, pequenos pontos luminosos numa noite nupcial iluminada por aquele que fala ao coração da jovem. Enfeitara-se com a veste mais bela e vai ao encontro do Esposo. A partir de então, tudo só vai ter sentido a partir dele”.

9 de abril de 2010

Especial a Paixão de Cristo em Francisco

Por Frei Mauro Strabeli


A encarnação do Verbo está ligada, para São Francisco, a outro grande mistério: Jesus Crucificado. Com o "mistério de Jesus Crucificado", Francisco entra na mais alta contemplação da Trindade.

A vocação de Francisco nasce do chamamento a ele feito pelo Crucificado de São Damião. Ao Crucificado ele vai identificar-se tanto, a ponto de trazer dele os estigmas da crucifixão.

A Cruz é, para São Francisco, o sinal do despojamento total do homem para encher-se de Deus.

A meditação e a contemplação de Jesus Crucificado foram experiências que São Francisco foi buscar na própria Palavra de Deus. Parte ele do exemplo do próprio Cristo: "Ele tinha a condição divina, mas não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo... humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente ate a morte, a morte de cruz!" (Fl 2,6-11).

E o próprio Cristo recomenda a Cruz como caminho de seguimento: "Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e me siga..." (Lc 9,23). O Novo Testamento coloca na "loucura da cruz" a razão do "ser cristão": "Fui morto na cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou por mim" (Gl 2,19). "Quanto a mim, que eu não me glorie a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio do qual o mundo foi crucificado para mim e eu para o mundo" (Gl 6,14). "Pois a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem. Mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus... Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos" (ICor 1,18.22-23).

E o que é a Cruz para São Francisco? O que é, para ele, Jesus Crucificado? Certamente não é por masoquismo que São Francisco faz da cruz um ponto referencial na sua leitura da Palavra de Deus. Pelo contrário. Amou a cruz por uma compreensão profunda do seu significado e do seu "mistério" - tão desconhecido por nós.

"A cruz, diz J.C.C. Pedroso, deve ser o mais antigo e mais difundido símbolo humano de que se tem conhecimento, muito antes da vinda de Cristo na carne. Nós a encontramos nas seculares mandalas do Tibete, nos tapetes da Pérsia, nos desenhos e na arquitetura de todos os povos. Achamos a coisa mais natural reforçar nossos móveis e construções com barras cruzadas ou assinalar nossas opções no papel com uma cruzinha. Justamente porque está no âmago da nossa natureza enfrentar o corte e o cruzamento que simbolizam a tensão entre os opostos...

A cruz é o símbolo que melhor expressa a união dos opostos que precisa acontecer em toda vida saudável e madura. A cruz é um símbolo muito positivo quando consideramos a vida nova que dela brota. Sem a cruz não pode haver crescimento no amor ou maturidade, nem plenitude ou equilíbrio, nem vida e energia, nem relacionamento pessoal entre Deus e a humanidade.
O amor, a plenitude e a santidade só se tornam autênticos e ativos na presença de uma tensão sempre crescente".

Foi isso que São Francisco compreendeu. Esse foi o significado que ele intuiu no mistério da cruz. Ele entendeu que a vivência em plenitude da Palavra de Deus e de seu Projeto só seriam possíveis mediante a tensão pessoal, uma catarse às vezes duramente conseguida, um conflito entre o querer o bem e se inclinar para o mal.

A cruz é, então, o instrumento de purificação, de realização, de plenitude. A cruz não foi loucura para ele; foi símbolo de purificação e símbolo da dor também. Ela significa luta, sofrimento e até a morte. A crucifixão de Jesus representa o gesto de imenso amor de Deus que, para ser solidário conosco, assume a cruz, os sofrimentos, para ensinar que só dessa fonte é que jorra vida plena.

Jesus viveu o dilema de fugir do sofrimento: "minha alma está numa tristeza de morte... Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim esse cálice" (Mt 26,38-39a). Mas, como homem total, assumiu a sua condição: "Contudo, não seja feito como eu quero, e sim como tu queres" (Mt 26,39b). Este gesto maravilhoso de amorosa submissão à vontade do Pai, sem valer-se de sua condição divina, faz de Jesus, o homem verdadeiro: assumiu a condição de servo (Fl 2,7). "A cruz é mistério... Simboliza, com suas duas traves que se atravessam, a dilaceração do cristão entre Deus e a humanidade, entre o bem e o mal, como todas as outras tensões da vida.

Francisco expressou isso muito bem em sua famosa exclamação: "O amor não é amado!". A cruz não é para São Francisco o que é para nós: sinal de glória, de honra, ou símbolo cultural. Era, sim, instrumento de real e profunda meditação e contemplação, pois resume em si toda a ambivalência humana, toda tensão, toda procura, todo crescimento, toda realização, toda a vida.

"A cruz é a chave da história humana e da história de cada um". Parece ser esse o sentido de toda a meditação de São Francisco sobre a Paixão do Senhor, bem como o sentido da VIA SACRA, instituição devocional bíblica, sem dúvida, inspirada na sua espiritualidade.

Extraído do livro "Leitura Franciscana da Bíblia", de Frei Mauro Strabeli, OFMCap - Centro Franciscano de Espiritualidade.

4 de abril de 2010

A PÁSCOA DE JESUS E A PÁSCOA DE SÃO FRANCISCO

1. São João Damasceno resume de maneira admirável o mistério da passagem, da páscoa de Jesus e nossa páscoa em Cristo: “Cristo está na cruz: aproximemo-nos dele, participemos de seus sofrimentos para ter parte também em sua glória. Cristo jaz entre os mortos: morramos ao pecado para vivermos para a justiça. Cristo repousa num túmulo novo: purifiquemo-nos do velho fermento, tornemo-nos uma massa nova e sejamos para ele um lugar de repouso. Cristo desce à mansão dos mortos: desçamos também com ele pela humilhação que exalta, a fim de ressucitarmos, sermos exaltados e glorificados com ele, sempre vendo e sendo vistos por Deus. Vós que sois do mundo, sede livres; vós que estais amarrados, saí; vós que estais nas trevas, abri os olhos para a luz; vós que estais no cativeiro, libertai-vos; cegos, levantai os olhos. Desperta, Adão que dormes, levanta-te dentre os mortos, pois Cristo, nossa ressurreição apareceu!” (Lecionário Monástico, II, p. 621).

2. Na espiritualidade cristã há um ponto fundamental: os que são de Cristo morrem com ele e com ele ressuscitam. Passam da terra da servidão, pelo deserto, até a terra prometida. O mistério pascal situa-se no centro de nossa vida cristã. Através dos gestos de Cristo, manifestados em sua páscoa, temos uma idéia do alcance do amor de Deus e passamos a conhecer o caminho do verdadeiro êxodo. Esse mistério ocupa lugar central em nossa vida pessoal e cristã. Morremos a nós mesmos e nascemos para a vida de Cristo.

3. “Francisco se movimentava com espontaneidade numa atmosfera pascal. Era como se fosse a sua própria casa, uma vez que sua identificação com Cristo o levava a viver em si mesmo o que era de mais central no destino e no comportamento de Jesus” (Dicionário Franciscano, p.533). Seguidores de Francisco, nós olhamos para a Terra Prometida vivendo a dinâmica do provisório, como peregrinos e forasteiros. Também nos movimentamos na atmosfera pascal. “Francisco mostrou aos seus irmãos que eram os verdadeiros hebreus, atravessando o deserto deste mundo, como peregrinos e estrangeiros e que deviam sem cessar, com a alma de pobre, celebrar a Páscoa do Senhor, isto é, a passagem deste mundo ao mundo do Pai” (LM 7,9).

4. Há um conjunto de textos e fatos do Novo Testamento que sintetizam a páscoa de Cristo. Na quinta-feira santa, há a ceia do serviço. Os cristãos sabem que dão seu corpo para a vida dos outros, assim como Cristo o fez, no lavapés e na eucaristia. Ceia e serviço se entrelaçam. Depois das humilhações e do abaixamento sem fim, depois dos momentos difíceis no Jardim das Oliveiras, Cristo, suspenso entre o céu e a terra, dá a vida, dá seu espírito, morre no dom, faz chegar até Deus na nudez de sua vida o sim definitivo. Depois, quando o tempo se conclui, ressuscita. Estava acabada sua passagem e realizada sua páscoa. Misturam-se muitas categorias mentais: êxodo, peregrinação, abaixamento, dom de vida, morte, expropriação e plenificação.

5. Francisco viveu de tal modo sua vida no clima da refeição da quinta-feira santa que quis fazer de sua família uma fraternidade onde os irmãos viessem a lavar os pés uns dos outros. Nesse clima ele inventou o nome de seus seguidores: frades menores. Francisco foi o homem da sexta-feira santa. Sabemos quão apaixonado foi seu amor pelo crucificado. Podemos dizer que Francisco não morre a sua morte mas a morte do seu Senhor. Quis fazer de sua morte um ritual, uma celebração. “Não é pois arbitrário considerar a história de São Francisco como a realização progressiva duma Páscoa em cujo termo podemos contemplar um homem livre, consciente de uma realeza adquirida graças à pobreza, aquela altíssima pobreza que nos leva à terra dos vivos”.

6. Francisco, sentindo que estava chegando a sua hora, quis reviver em sua carne a paixão e morte de Jesus. Ele havia se colocado, ao longo da vida, na condição de servo. Havia determinado que os irmãos lavassem os pés uns dos outros. Que fossem irmãos menores e que não disputassem com quem lhes quisesse tirar o primeiro lugar. Pobreza e aniquilamento se somaram em sua trajetória. Etapas da páscoa.

7. Francisco gostava da expressão peregrinos e estrangeiros com a qual Pedro, em sua primeira carta, qualificara os discípulos de Cristo (1Pe 2,11). Ela aparece na Regra: “Os irmãos nada tenham de seu, nem casa, nem lugar, nem coisa alguma; mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo a Deus em pobreza e humildade...” Para Francisco, viver em pobreza é essencialmente considerar-se como forasteiro. Quem fala em peregrino e forasteiro fala em pobre. Como os hebreus saindo do Egito e atravessando o deserto no despojamento e na penitência buscavam alcançar a Terra Prometida, os irmãos andam em peregrinação pascal: não fazem outra coisa senão passar pelo mundo, passar para o Pai, no seguimento de Jesus. Antes de tudo são estrangeiros. Não se instalam com segurança, mas alojam-se como hóspedes de passagem que se abrigam sob um teto dado de favor. Assim, foi a instalação desconfortável dos irmãos no tugúrio de Rivo Torto. Admirável o fato de, posteriormente, terem abandonado esse local, expulsos por um camponês com toda serenidade, sem manifestarem violência. Compreenderam o sentido do provisório na existência cristã. Ao irmão que reclamava da falta de conforto, Francisco dizia: “Não suportar as privações com paciência, meu filho, é voltar às cebolas do Egito” . Os irmãos não são somente estrangeiros, mas também peregrinos. Desprendidos dos bens terrenos, correm na direção de Deus.

8. Merece ser transcrito neste contexto episódio acontecido em Greccio num domingo de Páscoa e que revela a densidade do itinerário pascal de Francisco: “Em certo dia de Páscoa, os irmãos do eremitério de Greccio, tinham posto a mesa melhor do que era costume, com guardanapos e copos. O Pai ao descer da cela, viu a mesa suntuosamente bem provida e ornamentada: mas este risonho espetáculo entristeceu-o. Retirou-se sorrateiramente na ponta dos pés, pôs o chapéu dum pobre ali presente, pegou num bordão e saiu. De pé, junto da porta, esperou que os irmãos se sentassem à mesa; não costumavam esperar quando ele não aparecia ao sinal dado. Apenas começaram a comer, este autêntico pobre pôs-se a gritar à porta: “Por amor do Senhor dai esmola a um peregrino pobre e doente” – “Entra, bom homem, responderam os irmãos, por amor daquele que invocaste!” Entrou e apresentou-se aos irmãos sentados à mesa: que espanto para aqueles burgueses, à chegada de tal peregrino! A seu pedido deram-lhe uma tigela. Sentou-se no chão a um canto e pousou a tigela. “Agora estou sentado como um verdadeiro frade menor!” Nós devemos, mais do que os outros religiosos, sentir-nos na obrigação de imitar os exemplos da pobreza que nos deu o Filho de Deus. Esta mesa bem provida e ornamentada, julguei-a indigna dos pobres, que andam a mendigar de porta em porta. Meus irmãos, nós somos os verdadeiros hebreus, atravessando o deserto deste mundo como peregrinos e estrangeiros, e devemos sempre com a alma de pobre, celebrar Páscoa do Senhor, isto é , a passagem deste mundo para o do Pai (cf. tradução em A Páscoa de São Francisco, I.-É. Motte e Geraldo Hégo, Braga 1972, p. 195-196).

9. Uns dois anos antes de seu trânsito fora agraciado com os estigmas do Redentor. Francisco viveu intensamente o amor e a dor da sexta-feira santa na montanha do Alverne. “A visão com que Francisco é mimoseado sobre o Alverne é tanto a da Cruz Glorificada como a de uma Glória Crucificada. O sublime serafim resplandecente de fogo, tanto representa o Ressuscitado, o Transfigurado de amor, como o Santo de Israel tocando as montanhas com seu esplendor. A Glória que surge diante de Francisco sob a aparência do Serafim é bem a Glória do Senhor para além da sua morte gloriosa, é a Glória Pascal, aquela que pelo amor triunfou sobre a morte, aquela que, no silêncio do Calvário, gritava sem palavras: Ó morte, eu serei a tua morte! E se quisermos saber por que motivo, flamejante sob a forma de um serafim, a visão atingiu São Francisco e não qualquer outro cristão, basta-nos lançar mais uma vez um olhar sobre o Alverne e contemplar aquele homem predisposto, abrasado também ele, roído, devorado pelo amor: era preciso que, estupefato perante a Santidade, ele fosse arrebatado por ela e absorvido nela pois que ela se revela Amor: era preciso que o amor que abrasava o seu coração, desposasse o Amor que se lhe deparava, como Francisco havia expresso em famosa oração: Absorvei, Senhor, eu vos suplico e pela suave e ardente força de vosso amor, desafeiçoai-me de todas as coisas que debaixo do céu existem afim de que eu possa morrer por vosso amor, o Deus que por meu amor, vos dignastes morrer “ ( A Páscoa de São Francisco..., op. cit., p. 99-100).

10. Ele quis morrer na Porciúncula onde tudo havia começado. Pediu que o colocassem nu na terra nua. Posto no chão, sem a roupa de saco, voltou o rosto para o céu como de costume e todo atento naquela glória, cobriu a chaga do lado direito com a mão esquerda, para que não a vissem. E disse aos frades: “Fiz o que tinha que fazer. Que Cristo vos ensine o que cabe a vós” (2Cel 214). Estando os frades a chorar amargamente mandou que buscassem o texto de João e que fosse lido o trecho que começa: “Antes da festa da Páscoa...” Lembrava-se daquela ceia que foi a última celebrada pelo Senhor com seus discípulos. Fez tudo isso para celebrar sua celebração demonstrando todo o amor que tinha para com os frades. Louva a Deus com cânticos de júbilo. Retoma o Cântico das Criaturas que havia composto anos antes. “E assim chegou a hora. Tendo completado em si mesmo todos os mistérios de Cristo, voou feliz para Deus.

11. Francisco celebra sua morte. “Todo o objetivo de nossa vida terrena não será, afinal, dar à luz elevar à maturidade este fruto do qual trazemos a semente? (...) A morte não é um ato improvisado, mas, ao contrário, instante único que os instantes de nossa vida preparam. Ela não é uma interrupção, mas sim uma plenitude” Ele mesmo havia afirmado que pensava muito na morte. “Francisco quer findar sua vida religiosa ali mesmo onde a principiou. Diz-se que no momento da morte, toda a vida repassa, toda a vida repassa num relance diante dos olhos, como se estivesse contida toda inteira neste último ato. Em parte alguma, como na Porciúncula, Francisco pode mais facilmente abranger, num golpe de vista, toda a sua vida, pois que esta pequena igreja metida nos bosques assistiu a todas as etapas de sua procura evangélica; encontra ali o seu ideal; começara a vivê-lo com os irmãos; foi ali que, um dia, admitiu Clara ao seguimento de Cristo. Vinha constantemente à Porciúncula com os irmãos para ali reencontrar oEvangelho. E eis que volta uma segunda vez para levar a cabo e completar a obra empreendida. De súbito, parece-lhe que toda s sua vida não foi mais do que a preparação deste momento supremo, e que ele vai, enfim, realizar, num momento, aquilo, que tentou durante vinte anos”. Uma vida toda em estado de passagem!

12. Desde que o Senhor o chamara tinha começado seu despojamento. Abandonou seu jeito de viver, comércio, família. Uma pobreza radical o despojou não só que possuía, mas de sua própria vontade. Esvaziou-se totalmente de si mesmo. Foi morrendo pouco a pouco. E agora a morte corporal vem convidá-lo ao desprendimento total e definitivo. Francisco compreende que a maior pobreza é morrer. Para marcar a sua aquiescência a este último ato de despojamento, pede que o estendam nu sobre a terra, recusando vestir uma túnica grosseira enquanto não for convencido de que ela não lhe pertence. Certo de que satisfaz até o fim as exigências de sua dama Pobreza, Francisco ergue as mãos ao céu e glorifica a Crtisto: vai para a glória desapegado de tudo.

13. No primeiro dia de sua conversão, perante o bispo de Assis, Francisco despojara-se de suas vestes, símbolo de sua vida mundana porque queria poder dizer com toda verdade: “Pai nosso que estais no céu..” No seu último dia de vida, despoja-se de seu hábito e desta última vestimenta que é seu corpo, para poder dizer com plenitude: Pai nosso.

14. “A morte do cristão sela a sua transformação em Cristo é todo o segredo da sua vida espiritual. Tomás de Celano, biógrafo de Francisco, exprime isto mesmo numa frase admirável: “Veio finalmente a hora em que, tendo-se realizado nele todos os mistério de Cristo, a sua alma voou para a alegria de Deus”. Tal é a história da santidade cristã: a participação nos mistérios de Cristo, a invasão progressiva do Senhor na alma. Francisco reviveu a pobreza de Jesus, o seu gênero de vida, a pregação, os seus sofrimentos... Deve, por fim, passar pela morte de Cristo para ressuscitar com ele”

Nota bene: A bem da verdade, necessário dizer que este texto foi fortemente inspirado na obra citada A Páscoa de São Francisco.

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III

2 de abril de 2010

Aquela Sexta-feira

Estamos vivendo o dia da Paixão e Morte do Senhor. Celebramos, nos sinais das liturgia, o amor que é crucificado. Os celebrantes, vestidos de vermelho, do vermelho dos mártires, entram em silêncio no templo pelas três da tarde. Prostram-se, ouvem as Escrituras. A Igreja reza por todos, adora a cruz e silenciosamente os fiéis recebem a Eucaristia com o pão consagrado na véspera.

A sexta-feira é um dia árido, marcado pela solidão e pelo sofrimento de Jesus. Vendo a Jesus sendo julgado pelos poderes religiosos e políticos de sua época, abandonado por muitos de seus amigos, os fiéis se deixam tocar pela dor do Senhor.

A cruz é o emblema do cristianismo, a figura com a qual é identificado. A razão é muito simples: esse Jesus que confessamos como nosso Salvador, morreu pregado na cruz, é o Crucificado. A crucifixão era um terrível suplício reservado pelos romanos quase que exclusivamente aos escravos, aos réus de delitos, especialmente odiosos, morte atroz,
mors turpissima. Tal suplicio foi abolido por Constantino.

Ouvimos o relato da Paixão segundo João. Ali a morte de cruz é apresentada como manifestação da glória. “Quando eu for elevado atrairei tudo a mim” ( Jo 12,32). Assim como Moisés tinha levantado a serpente de bronze no deserto, da mesma forma Jesus será erguido”. Um autor afirma que João dá a seu texto a forma de uma entronização. Jesus é apresentado por Pilatos, revestido com um manto de púrpura, recebe o título de rei, afixando junto à cruz. Sua última palavra é: “Tudo está consumado”. Tudo acontece para se cumpram as Escrituras.

É de João, e só de João, o detalhe da lança que perfura o peito de Jesus. Dali correm sangue e água, sinais de vida e de fecundidade. Os olhos de todos se voltarão para aquele que crucificaram... A cruz é gloriosa.

Jesus, sabendo que tudo estava consumado, a fim de que se cumprisse as Escrituras, disse: “Tenho sede”. Havia perto um caso cheio de vinagre. Depois de ter provado a bebida, diz: “Tudo está consumado”. E inclinando a cabeça, entregou o espírito (cf. Jo 18, 28-30).

A morte é, para Cristo, também realização e cumprimento de seu desejo, de sua sede que não seria satisfeita tomando um gole de bebida, mas no abraço com Pai do qual ele sempre fez a vontade.

A morte de Jesus aparece ainda como realização ou cumprimento do amor. A cruz é símbolo de uma vida doada, dada até o fim. A morte de Jesus não foi um acontecimento suportado, mas um ato do qual ele é sujeito. Jesus dá sua vida. O verbo que João escolhe para indicar o morrer de Cristo designa um ato de um vivente. João não nos diz que Jesus morreu, mas que “entregou o espírito” (19,30). Trata-se de uma ação consciente e livre de um ser vivo. Depois de ter dado tudo, dá também o seu espírito.

“A morte, como entrega do Espírito Santo, torna-se um Pentecostes, acontecimento que transmite o principio da vida espiritual à existência do cristão. Desta forma se define ulteriormente a concepção da morte de Jesus no quarto evangelho: a morte é glória. A glória do amor vem a morte e lhe dá um outro significado fazendo dela ocasião de dom. Jesus aparece como rei (pense-se na coroa de espinhos) e sua via-crucis é, na verdade um cortejo de entronização real. A cruz é, antes de tudo, julgamento do mundo, caminho em direção ao Pai, êxodo rumo ao Pai, uma páscoa, uma passagem deste mundo ao Pai. Na cruz, para João, já está incluída a totalidade do mistério pascal”
(Testi per le celebrazioni eucharistiche di Quaresima e tempo di Pasqua. Comunità di Bose, Milano 2006, p. 34-35).

Aderir ao mistério de Cristo é deitar na cruz com Cristo, ser com ele exaltado e com ele morrer. Não é isso que vivemos intensamente na Sexta-feira das Dores? Ou na Sexta-feira luminosa? Aceitamos que de cada uma de nossas mortes jorre uma fonte de vida. Morremos a tudo o que nos impede de andar, livremente. A cruz atravessa nossas noites.. Através dos ritos da sexta-feira santa nosso ser, nossas lágrimas e nossas alegrias são transformadas.

Melitão de Sardes (século II): “Foi Cristo o cordeiro que não abriu a boca, o cordeiro imolado, nascido de Maria, a bela ovelhinha; retirado do rebanho foi levado ao matadouro, imolado à tarde e sepultado à noite; ao ser crucificado não lhe quebraram osso algum e ao ser sepultado, não experimentou a corrupção; mas ressuscitando dos mortos, ressuscitou também a humanidade das profundezas do sepulcro” (Liturgia das Horas II, p.401).


Frei Almir Guimarães

1ª SEXTA-FEIRA DO MÊS-ABEIRANDO-NOS DA FONTE DA VIDA

O amor de Cristo nos constrange, considerando que, se um morreu por todos, logo todos morreram. Ele morreu por todos para que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou (2Cor 5,14-15)

Ressoam ainda em nossos ouvidos as leituras bíblicas e patrísticas que nos colocavam no alto do Calvário na quaresma e nesta semana santa. Ali, na colina da dor e do amor, o mais belo de todos os filhos dos homens dava a vida pela vida dos homens. Estamos envolvidos no mistério da morte e ressurreição do Senhor. Não o contemplamos do exterior. Paulo nos exorta a que não vivamos para nós, mas para aquele que por nós morreu e ressuscitou. João, no evangelho desta sexta-feira das dores falava do Coração de Jesus. Um soldado, depois da morte, toca o peito do Mestre com a lança. Do corpo crucificado de Cristo jorra a torrente vivificante; a água que o Espírito dado aos que crêem nele, a água que se alguém beber jamais terá sede de novo.

1.
Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim
(Jo 12,32). Com efeito, se o Senhor atrairia a si pela cruz, sobre a qual deveria ser elevado, assim também é pela humildade, a paciência e o amor que deveria atrair todos os homens: pois, como ele sofreu, assim deveremos segui-lo na medida de nossas forças deixando-nos igualmente prender, amarrar e condenar espiritualmente (Sermões de João Tauler, Lecionário Monástico II, p. 447).

2. Santo Anselmo não encontra palavras adequadas para descrever o amor do Amado: “Terno, com os braços estendidos. Estendendo os braços, manifesta que abraços ele próprio deseja receber de nós. Parece dizer: Vós todos que estais cansados e carregados de fardos (Mt 11, 28), vinde vos refazer em meus braços, com meus abraços. Vinde, pois, todos. Que ninguém tema ser repelido, pois não tenho prazer na morte do ímpio, mas que mude de conduta e viva (Ez 18,23). Minha alegria é estar com os filhos dos homens (Pr 8,31).

3. São Boaventura se extasia diante da fonte que esteve diante de nossos olhos na sexta-feira das dores: “Acorre com vivo desejo a esta fonte de vida e de luz, quem quer que sejas, o alma consagrada a Deus e exclama com todas as forças do teu coração. Ó inefável beleza do Deus altíssimo e puríssimos esplendor da luz eterna, vida que vivifica toda vida, luz que ilumina toda luz e conserva em perpétuo esplendor a multidão dos astros, que desde a primeira aurora resplandecem diante da vossa divindade. Ó eterno e inacessível, brilhante e suave manancial daquela fonte oculta aos olhos de todos os mortais! Sois profundidade infinita, altura sem limite, amplidão sem medida, pureza sem mancha! De ti procede o rio que vem trazer alegria à cidade de Deus(Sl 45,5), para que entre vozes de júbilo e de contentamento ( cf. Sl 41,5)possamos cantar hinos de louvor ao vosso nome, sabendo por experiência que em vós está a fonte da vida, e em vossa luz comtemplamos a luz (Sl 35,10) (Liturgia das Horas III, p.572).

4. Damos, por fim, a palavra a João Crisóstomo: “Do seu lado saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outros significado místico e profundo. Disse que essa água e esse sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi desses sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação do Espírito Santo , isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois o Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa” (Lecionário Monástico II, p. 580).

Durante o tempo pascal, prelúdio da eternidade, abeiramo-nos da fonte da vida.

1 de abril de 2010

UMA QUINTA-FEIRA TODA ESPECIAL

Na quinta-feira, pela manhã, o bispo reúne os sacerdotes e o povo e celebra com eles a missa do crisma.Belíssima essa cerimônia no dia da Instituição da Eucaristia! Nesta missa são consagrados os óleos para os sacramentos: óleo dos enfermos, dos catecúmenos e do crisma.

Belíssimo o quadro! O bispo, pastor da diocese, aquele que conta com o ministério dos sacerdotes que estão à frente das comunidades. Sim, os sacerdotes são colaboradores do bispo em seu múnus. Muitos dos concelebrantes são párocos, cuidam mais diretamente do povo de Deus. Outros são colaboradores: animam a catequese, trabalham com os jovens, acompanham os doentes, tomam para si a causa dos mais abandonados. Na celebração da manhã da quinta-feira estão esses homens que, levando a sério sua vocação, são os continuadores da obra de Jesus, que, como o Mestre, vão dando a vida pelos seus. Emocionante ver, na concelebração, os padres bem idosos, caminhando com dificuldade, apoiados em bengalas ou conduzidos delicadamente pelos padres mais jovens. Que beleza! A unidade e a riqueza do presbitério! Para além de todas as dificuldades e problemas que possam viver é belo vê-los reunidos na Missa do Crisma.

Aos sacerdotes é aplicada a Palavra de Isaías: “O Espírito do Senhor repousa sobre mim. Enviou-me para levar a boa nova aos pobres e curar os de coração despedaçado, anunciar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros e a publicar um ano de graças...” (Isaías 61, 1-2).

Quinta-feira santa é o dia do padre. É dia de agradecer a Deus os sacerdotes todos que passaram por nossas vidas e que nos marcaram profundamente.

Os que são sacerdotes conhecem tudo aquilo que vivenciam e vivenciaram: ministros de uma palavra de vida, animadores e estimuladores de uma comunidade de fé, esperança e caridade, pessoas que buscam as ovelhas perdidas e levam à santidade os que estão perto e por perto, homem da Eucaristia, deste homem, que como Cristo, se faz dom para os seus.

A missa da tardinha, missa vespertina da Ceia do Senhor, é uma das mais densas e mais belas de todo o ano litúrgico. Ela comemora a primeira missa, a ceia-refeição – ao longo da qual Jesus instituiu a Eucaristia para que sua Presença se perpetuasse viva no sacramento de seu Corpo e de seu Sangue.

A refeição pascal judaica, familiar e festiva, era o memorial da libertação do Egito: comia-se ritualmente o cordeiro pascal, como na noite em que outrora, Deus tinha libertado os hebreus das mãos do faraó. Jesus faz desta celebração, antecipadamente, memorial de sua paixão, morte e ressurreição, Páscoa nova em que a salvação é ofertada a todos.

O cordeiro é ele mesmo. O banquete é a refeição anunciada pelos profetas, núpcias de Deus com seu povo. A tarde desta quinta-feira é um dia festivo. O templo está enfeitado. Arranjos de flores e velas de certo porte. Os paramentos são brancos e o sino toca. Há o canto do Gloria. Há festa no ar.

Ceia do Senhor! Ceia parecida com nossas ceias e ceia tão diferente. O pão do trabalho, da pena, do suor. O vinho da dor e da alegria. Tudo isso simboliza labor, dor, alegria, vida O pão e o vinho se tornam o Corpo e o Sangue do Senhor, cuja memória celebramos carinhosa e respeitosamente. Os que participam desta ceia vivem com os irmãos as ceias de todos os dias.

Quinta-feira santa é o dia da caridade e do serviço. O lavapés, conservado apenas pelo evangelista João, não deveria ser omitido neste dia. Trata-se de um dos gestos expressivos e significativos e que deixa transparecer algo do mistério de Jesus. Ele é aquele que serve. Os seus discípulos são convidados a alegria da partilha. Tal se dará na medida em que formos pessoas de serviço: serviço em casa, serviço no trabalho, serviço aos vizinhos, aos prisioneiros e doentes, serviço prestado às grandes necessidades da comunidade da Igreja, aos nossos irmãos na fé. O Senhor e Mestre, antes da Ceia, tira o manto e lava os pés dos seus. Esse gesto de abaixamento e de serviço prenuncia a cruz.

Depondo as vestes, Jesus despoja-se de si. Depõe a sua vida para os seus e inclinando-se diante deles mostra até onde vai o amor de Deus. Lavar os pés é gesto operado por escravos e aqui é o Senhor quem o realiza. Serviço e ceia se interpenetram. Quando Jesus pede que os seus façam sua memória tomando o pão e o vinho pede também que tornemos sua figura presente no serviço que prestamos, serviço feito a partir do exemplo que dava. Um autor afirma: Os gestos que Jesus realiza ao lavar os pés dos seus discípulos são humanos, humaníssimos e indicam, no dia a dia, o lugar onde a Eucaristia se torna vida, existência e realidade. Do contrário é apenas um rito. Lavando os pés dos seus, Jesus continua realizando o que se sempre fez: amou os seus até o fim...

No meio da ceia o Mestre tem o coração apertado. Ele ficaria só, numa terrível solidão.

Terminada a celebração da missa da ceia há uma procissão do Santíssimo até a capela da reposição. Depois, os celebrantes desnudam os altares. Tudo parece desolação. O Esposo foi arrancado dos seus. O sacrário está escancarado. Vazio. A vigília diante do Santíssimo lembra a oração de Jesus em Getsêmani. Os fiéis cristãos desejam estar com o Senhor, sem dormir, como havia acontecido com os apóstolos, aqueles cheios de sono, que deixaram o Mestre só, definitivamente só. Tudo isso acontece depois da ternura da celebração da Ceia do Amor.


Frei Almir Guimarães