28 de fevereiro de 2014

Traços e rasgos de um homem chamado Francisco.


Ele viveu há muito tempo, nessa  Idade Média das luzes e das sombras, das grandes universidades e das bruxarias, de luminosidade e de escuridão. Viveu num canto da terra cheio de verde, numa cidade marcada pelo verde, pelas montanhas altaneiras. Francisco de Assis não podia ser de outro lugar senão dessa terra encantadora. Era um ser normal cheio de desejo de grandeza. Vai para cá e vai para lá.  Busca aqui e ali. É feito prisioneiro, cai doente e refaz-se. Com suas roupas bonitas é o rei da juventude. Homem do cantar, das cortesias, das festas, das danças, das representações cênicas.  É um ser trabalhado pelo Mistério. Não é apenas um doce homem amigo dos animais e da flores. Foi levado, pela graça, até o mais profundo do mistério da encarnação.

Deus grande e belo que havia se avizinhado dos homens no rosto do menino da palhas e no semblante do condenado fascinou esse homem que foi se transformando. Começou a divisar no leproso, nos mais abandonados, traços de um  Amado que andava rondando seu coração. Um Amado que queria todo seu coração. Nas grutas e nos campos floridos, esse Jesus ressuscitado, provavelmente, andou pedindo tudo dele:  que ele, esse Francisco se fizesse um despojado de coisas dispensáveis, um cuidador dos irmãos, um promotor de reconciliação, um admirável homem livre que pudesse ir aos confins do mundo dizendo que o Amor merece ser amado.

Aos poucos esse italiano da Umbria  foi se dando conta que alguma coisa fora se operando: o Amado vivia nele.  Ele respirava o ar das bem-aventuranças,  tinha a impressão de ir para o ermo como ele,  percorria os caminhos da terra com um jeito “crístico” na fala e nos gestos. E quando chegou o fim das coisas, na terra nua deitou-se, fez a última de suas plásticas litúrgicas: no seio de sua fraternidade acolheu a morte, o desfecho como se acolhe uma irmã muito querida.  Fascinado pelo Cristo, homem das alturas, irmão de todos e de tudo. Pessoa sem desejo de dominar, de manipular.  Em suma o Reino de Deus feito gente.

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

26 de fevereiro de 2014

Campanha da Fraternidade 2014 traz o tema ‘Tráfico Humano e Fraternidade’


Campanha da Fraternidade 2014 

Tráfico Humano e Fraternidade é o tema da Campanha da Fraternidade, que tem início na Quarta-feira de Cinzas. O lema é inspirado na carta aos Gálatas: "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (5,1). "O tráfico humano viola a grandeza de filhos, destrói a imagem de Deus, cerceia a liberdade daqueles que foram resgatados por Cristo", diz D. Leonardo Steiner, Secretário Geral da CNBB.

Apresentação:

A liberdade nos foi doada na cruz de Cristo. Ele nos libertou e, por isso, concedeu-nos participar da plenitude de sua vida. Na morte, deu-nos a vida; no sofrimento, conquistou para nós a plena liberdade dos filhos e filhas de Deus.

O tempo quaresmal, por ser tempo de conversão, possibilita o caminho da verdadeira liberdade. Os exercícios quaresmais do jejum, da oração e da esmola nos abrem silenciosamente para o encontro com Aquele que é a plenitude da vida, com Aquele que é a luz e a vida de toda pessoa que vem a este mundo (cf. Jo 1,10). Jejum, muito mais do que uma privação, é esvaziamento, uma expropriação; tentativa de deixar-nos atingir pela graça da liberdade com que Cristo nos presenteou. O jejum abre o nosso ser para a receptividade da vida nova, da liberdade. A oração é a exposição de quem espera ser atingido pela misericórdia d’Aquele que nos amou primeiro e até o fim (cf. Jo 4,10). A esmola é o amor partilhado; é deixar-se tomar pela dinâmica da caridade; é sair de si mesmo; é deixar-se tocar pela presença do outro, especialmente do mais necessitado.

No caminho de conversão quaresmal, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos apresenta a Campanha da Fraternidade como itinerário de libertação pessoal, comunitária e social. Tráfico Humano e Fraternidade é o tema da Campanha para a quaresma em 2014. O lema é inspirado na carta aos Gálatas: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (5,1).

O tráfico humano é o cerceamento da liberdade e o desprezo da dignidade dos filhos e filhas de Deus. Jesus recorda que o conhecimento da verdade liberta: “conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,32). A verdade liberta, pois traz à luz o sentido da grandeza, da beleza, da dignidade da pessoa humana. Ser filho, filha de Deus é a verdade que liberta, torna livres, deixa viver na liberdade!

A liberdade deixa entrever a dignidade única e transparente da pessoa humana. Todos os laços, amarras que impedem a liberdade desfiguram o homem e a mulher criados à “imagem e semelhança de Deus” (cf. Gn 1,26). O tráfico humano é um dos modos atuais da escravidão.

O tráfico humano de hoje é, certamente, fruto da cultura em que vivemos. A Campanha da Fraternidade, ao trazer à luz este verdadeiro drama humano, deseja despertar a sensibilidade de todas as pessoas de boa vontade. “A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros; faz-nos viver como se fôssemos bolhas de sabão: são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro; não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!” (Papa Francisco, Lampedusa, Itália, 8 de julho de 2013)

O tráfico humano viola a grandeza de filhos, destrói a imagem de Deus, cerceia a liberdade daqueles que foram resgatados por Cristo. As comunidades, as famílias, as pessoas certamente buscarão superar a globalização da indiferença em relação ao tráfico humano.

Provavelmente, diante do desespero das pessoas traficadas, despertaremos para o “padecer com”. E, assim, não seremos tomados pela globalização da indiferença que nos tirou a capacidade de chorar (cf. Papa Francisco, Lampedusa, Itália, 8 de julho de 2013).

“Peçamos ao Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, de chorar pela crueldade que há no mundo, em nós, incluindo aqueles que, no anonimato, tomam decisões socioeconomicas que abrem a estrada a dramas como este” (Papa Francisco, Lampedusa).

Maria das Dores nos acompanhe no caminho da conversão! Jesus Cristo crucificado-ressuscitado, que nos libertou do pecado e da morte, anime nossos passos na participação em sua morte e ressurreição.

A todos, irmãos e irmãs, famílias e Comunidades, uma abençoada Páscoa!

Dom Frei Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília e Secretário Geral da CNBB

25 de fevereiro de 2014

Reflexão - Felicidade


“Andei por muitos caminhos… Aprendi a celebrar as pequenas vitórias e que amar vale a pena, apesar das incompreensões” (Fr. Paulo Sérgio, ofm).

A vida nos reserva sempre surpresas: o momento seguinte é sempre surpreendente, pois muitas ações e reações passam pelos sentimentos. E o sentimento não é racional e nunca sabemos como as pessoas os receberão. Mesmo assim, os sentimentos precisam ser externados, pois per-passam nossas ações e, principalmente, nossas relações.

Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples: você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Viva sua vida e não deixe de expressar seus sentimentos e nem de declarar que as pessoas são importantes para você!

Frei Paulo Sérgio, ofm

24 de fevereiro de 2014

Um coração voltado para Deus


Francisco viveu uma estupefação diante da beleza e de grandeza do Senhor.  O jeito franciscano de viver comporta, em primeiríssimo lugar,  um êxtase diante de Deus.  “Amemos, pois, a Deus e adoremo-lo com o coração  e espírito puros,  porque isto é o que ele deseja … Dirijamos-lhe louvores e orações dia e noite… porque é preciso rezar sempre sem desfalecer” (2 Carta aos Fiéis, 19s).  Nesta Carta aos Fiéis, ao  traçar  um itinerário espiritual, indica em primeiro lugar  amar e adorar a Deus. Esta é a dimensão contemplativa da vida franciscana, sua raiz e seu objetivo último. Se o Senhor se dirige a nós cotidianamente com seu amor nada mais normal que  responder à sua fala com nosso amor, e um amor que seja ardoroso e não medíocre: adoração, louvores,  serviço. Francisco gosta da expressão:  ter o coração voltado para o Senhor. Isto quer dizer:  o que é mais central, mais profundo, mais unificador  é nosso coração.

Nessa profundidade de cada um de nós é que deve ser despertado o desejo e a busca de Deus.  A busca do Senhor não pode se resumir a meras palavra: um amor a Deus revestido de toda as nossas energias,  uma adoração marcada pela atitude de estupefação, de extrema reverência, de prosternação interior;  louvor  em que o  homem se maravilha diante de Deus e de sua obra, balbucia o ardor do encontro.  

Esta é a oração com um coração puro.  No princípio de toda oração está o Espírito do Senhor  que habita os fiéis e que é o perfeito adorar do Pai e produz no coração do fiel um movimento “e santa oração e de  dom de si mesmo”. Que nunca se perca o espírito da santa oração.  Finalmente encontramos toda a ênfase: “Em toda  parte e em qualquer lugar, a toda hora e tempo, diária e continuamente, creiamos sincera e humildemente, retenhamos no coração e amemos, sirvamos, louvemos e bendigamos, glorifiquemos e sobreexaltemos, magnifiquemos e  rendamos graças aos Altíssimo  e sumo Deus…(Regra não bulada 23, 32).  Assim se concretiza a atitude contemplativa franciscana:  fé humilde,  trazer sempre no coração (meditação), amor verdadeiro, respeito profundo, exuberância no louvor e na ação de graças.

NB.:  Este foi inspirado em  Las grandes líneas de la espiritualidade  franciscana de  Thaddée Matura, OFM

Frei Almir Ribeiro Guimarães


20 de fevereiro de 2014

Francisco de Assis, terapeuta da humanidade - final


Por Frei Vitório Mazzuco, OFM

Ele é porto e salvamento. Patrimônio do laicato e o maior cristão do ocidente. Uma pessoa aberta até ao contrário. Não via o infiel, nem o muçulmano que estava ali, mas sim um irmão.

Ele nos revela que Deus é onipotente não porque fez os céus e a terra, mas porque quis ser pequenino como nós, pode aguentar toda a tribulação humana e ser companheiro de nossa humanidade.

Ele é o homem da cortesia, isto é, cuidar do outro, fazer vibrar sempre na sintonia do outro.

Ele é o Pobre que diz que pobreza é dar-se, repartir, colocar em comum. Quando mais você divide, mais livre você é. Quanto mais você se entrega à vida, mais rico você se torna. Ele compreendeu que pobreza é estar disponível, ter contato de coração a coração, olho a olho, mente a mente com os outros. Ser livre é ser pobre e desapegado para ser para o outro.

Ele sempre está inteiro no que faz. Sempre sensível, compassivo e misericordioso.

Viver a vida com o coração é a sua identidade a abraçar a identidade de todas as coisas. Sentir o coração das coisas. Francisco sentia o íntimo de todas as coisas. Isso tem um sentido bíblico e um sentido oriental. As coisas têm coração, porque têm identidade. Sentir o diferente de mim, afinar-se e entrar em sintonia. Isto é a fraternidade universal. É tornar-se pedra, árvore, oceano e estrela. Não é a estrela estar lá e você aqui. É você virar estrela, tornar-se sol, transformar-se em lua. É ter esta união mística, uma fusão mística com a realidade.


Francisco de Assis é o homem Seráfico, isto é, o menor, o pequeno, o aberto ao ser angelical que transfigurou a sua vida. Reconstruiu o encontro entre Deus e a Humanidade na dimensão angelical: entrar onde a humanidade está, entrar no mundo e em todos os seres. Fez o encontro entre o alto e o baixo. Ele sacramentalizou as relações do humano ao universo.

Extraído de : http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

19 de fevereiro de 2014

Francisco de Assis, terapeuta da humanidade - III


 Por Frei Vitório Mazzuco, OFM

Francisco de Assis retoma a inocência primordial, o “homo matinalis”, o ser matinal da primeira manhã da criação. O humano ecológico, o irmão universal que se confraterniza com tudo, que religa todas as coisas, religa as mais distantes às mais próximas. Francisco casa os céus com os abismos, as estrelas com as formigas e faz uma síntese, das mais fascinantes e das mais generosas da humanidade, a partir de dentro. Une a ecologia interior com a ecologia exterior.

Ele é arquétipo da humanidade reconciliada. Através dele nós temos a esperança de nos reconstruir, de nos reconciliar com todas as coisas e antecipar a utopia do Reino de Deus dentro de nós que rompe para fora como utopia e como realização histórica. Por isso, Francisco de Assis é alguém que fala à subjetividade profunda dos seres humanos de todos aqueles que estão buscando. Por isso, ele é sempre atual.

Viveu há 800 anos e é mais jovem do que nós. Misturou o seu eu profundo com a natureza. Busca uma identificação total com o próprio Deus. E fez isso com tanta leveza, tanta ternura e tanto cuidado que nós nos sentimos envolvidos em uma aura de benevolência e de benquerença.Assim, Francisco entrou no mundo dos Terapeutas, isto é, das pessoas que observam o vivente, o ser humano no melhor de si mesmo. Um homem que ficou cego no final de sua vida, mas sua alma foi capaz de enxergar longe.

Ele continua penetrando no mais profundo do inconsciente cultural, ocidental, global e humano. Ele entra na dimensão do símbolo. Quando uma pessoa vira símbolo, ela se eterniza.

Ele é uma fonte inspiradora, uma figura seminal. Como uma semente nos coloca em crise, nos dá evocações, inspirações e intuições e funciona como uma luz. Ele não está diante de nós ocultando a realidade. Ele está dentro de nossas cabeças, atrás de nós, iluminando a nossa realidade.

Continua...


18 de fevereiro de 2014

Francisco de Assis, terapeuta da humanidade - II


Por Frei Vitório Mazzuco, OFM


Vejamos alguns pontos para fundamentar a postura de Francisco de Assis como Terapeuta:

Quando estamos perdidos, procuramos um caminho. Francisco nos convida a um caminho de transformação e de reconstrução. Entrar num caminho de transformação não é estar à procura do fantástico e do extraordinário, mas é aprender a fazer de maneira certa grandes coisas pequenas.

Se hoje estudamos, de modo científico, a vida dos santos e sábios, é porque eles têm algo a nos ensinar sobre o verdadeiro ser humano.

Nós estudamos demais o ser humano a partir de suas doenças, quando poderíamos conhecê-lo melhor a partir de seu estado de realização. Francisco de Assis é um Santo realizado, de bem com a vida, reconciliado até com a própria morte. “Cantando cantigas de amor, ele morreu”.

Francisco de Assis é o Santo convertido: mudança de vida, mudança de consciência e mudança de lugar.

Ele mostra para nós que a divindade queima em nossa humanidade, não destrói a nossa humanidade, mas a ilumina por dentro.

Ele fez-se um pobre, assumiu o mundo dos leprosos, compartilhou com eles sua vida, fez-se um leproso. Bem diferente daqueles que criam uma obra para servir leprosos e não entram nela, ficam de fora.

Francisco de Assis não é mais apenas dos franciscanos, nem mais apenas da Igreja, nem é mais do Ocidente. Ele é um arquétipo da humanidade e como arquétipo, ele sempre renasce, sempre vive, sempre ganha novas figurações. Transformou-se no arquétipo do humano cordial que abraça todos os seres e com eles se identifica.

Continua...

15 de fevereiro de 2014

Francisco de Assis, terapeuta da humanidade


Por Frei Vitório Mazzuco, OFM

Quando falamos de Francisco de Assis como Terapeuta da Humanidade, temos que perguntar: O que é um Terapeuta?

O TERAPEUTA É AQUELE QUE PROCURA LEVAR ALGUÉM A UM ESTADO CRÔNICO DO SADIO. ELE MELHORA, QUALIFICA, CURA E RECONSTRÓI  A PESSOA E, COM ISSO, RECONSTRÓI O SOCIAL E O COLETIVO.

Francisco de Assis faz o caminho de sua vida orientando os desejos de seu coração. Não fez o que seu pai, a sociedade, a Igreja de então queriam que ele fizesse.  Escuta o Evangelho e traça um caminho para a sua vida. Ele tinha uma pretensão fantástica que nunca se perdeu nestes 800 anos: refazer a Igreja a partir do Evangelho. Tomava o Evangelho ao pé da letra e o vivia assim como estava escrito. Na história do cristianismo, nunca alguém tomou o Evangelho tão a sério e sempre com leveza.

Mostra para nós que Saúde não é ausência de sintomas, mas é fazer o que o coração e o corpo pedem. Fez a partir do patamar de valores do Evangelho. A Boa Nova é o Sadio da existência.

Francisco de Assis, já no século XIII, revela o paradigma moderno de que a essência do humano está no cuidado. Uma das crises maiores da civilização hoje é a falta de cuidado. Se começamos a cuidar tudo começa a dar certo. A luta de todos os Carismas das Famílias Religiosas que se inspiraram em Francisco de Assis é o cuidado. Todo terapeuta é um cuidador por excelência.

Como Terapeuta da Humanidade, o que Francisco tem a nos dizer? Que a estrutura básica do humano não é a razão, mas o afeto. Ele é o Santo que une afetividade e espiritualidade, e mostra que saúde e santidade não se separam. A Espiritualidade que ele revela para nós é que precisamos de uma Nova Sensibilidade entre valores não materiais. Uma nova ética no pensar, amar e fazer surgir um novo ser humano.

Continua ...

Texto extraído de : http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

11 de fevereiro de 2014

Reflexão - Recomeçar


“Se as coisas não saíram como planejei posso ficar feliz por ter hoje para recomeçar. O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser” (Charles Chaplin). 

Recomeçar é mais difícil que começar, pois requer a coragem do início e a superação do fracasso. Então, não perca tempo com coisas pequenas, com aquilo que não favorece… Não dê ouvidos às críticas negativas, mas espelhe-se nas pessoas que lutam, sonham e fazem acontecer. A vida é uma luta constante, onde a coragem precisa estar dentro de nós.

Recomeçar exige muito esforço e dedicação. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores e conceitos. Não cabe insistir naquilo que já não deu certo… Lembre-se: o fogo aquece e protege, mas também queima e destrói! Então aproveite-o para queimar o que é ruim e, assim, permitir nascer o novo…
 Sempre na experiência inédita de sempre re-começar…

Frei Paulo Sérgio, ofm

8 de fevereiro de 2014

Meu São Francisco Brasileiro


Frei Hugo D. Baggio

1. Francisco veio nas Caravelas

Um dia, nas terras até então desconhecidas e que viriam a ser o Brasil, aportaram as caravelas portuguesas, cheias de fidalgos de roupas finas e adornos brilhantes, ao lado de soldados de armaduras luzidias e manejando todo o engenho bélico que até então se havia criado. Vinham cheios de poderes e de títulos, cheios de privilégios e de recomendações dos poderosos da terra para se tomar conta de quanta terra estivesse por aí “sem dono”. Com este cortejo pomposo contrastava a simplicidade de um grupo de frades de aspecto austero, buréis escuros, tonsura e cordão e sandálias, pouca bagagem e um espírito de conquista que muito diferia do grupo: eram os filhos de São Francisco de Assis. Chegavam de mansinho, como é próprio de tudo quanto se inspira em Francisco, mas entravam firmes para ficar.  E com eles entrou o próprio São Francisco que, sem dúvida, foi o primeiro Santo a ser conhecido nestas terras bravias, porque aqueles frades traziam Nossa Senhora da Esperança das naus de Cabral e a esperança toda que sempre animara as caminhadas missionárias do Pai São Francisco.

Começaram os franciscanos, humildemente, trabalhando aqui, pregando ali, erguendo uma ermida no alto de um rochedo, uma capela no coração da floresta, morrendo de febre num pântano, de afogamento num rio, da voracidade dos índios num canto qualquer desta imensa terra. Até hoje, os princípios humildes dificultam um estudo mais profundo da atuação dos filhos de Francisco, pois pouco ficou gravado na história dos homens de seus feitos e realizações, porque, embora sempre primeiros em chegar, eram os últimos a se fazer notar. Mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, é admirável a solidez com que São Francisco se plantou por estas bandas do mundo novo. Seu amor à natureza, seu conceito profundo do homem, seu respeito pelo criado, sua ternura pela vida, sua vibração com a natureza, sua convivência pacífica com as feras, faziam-no o homem da espiritualidade ideal para um mundo selvagem, invadido por uma civilização – selvagem a seu modo – que, na suposta tentativa de trazer civilização, trazia mil e uma destruições, cujos derradeiros resquícios estão presentes no drama dos últimos índios brasileiros, eclipse melancólico de um povo que recebeu e hospedou os primeiros franciscanos.

Por isso, Francisco tornou-se uma presença necessária e postulada pelos tempos todos, por ter ele vivido e defendido os grandes ideais de Deus e do homem, consubstanciados no Evangelho, única força capaz de sobreviver às destruições dos tempos e às mutações das gerações que se sucedem. Com justeza, o captou Gilberto Freyre: “Desde Frei Henrique de Coimbra que há sempre um franciscano ou a fazer ou a escrever história do Brasil: às vezes a fazê-la com o próprio sangue. História do Brasil ou história da Igreja. Frade português, frade brasileiro, frade estrangeiro: o frade estrangeiro de que Carlos de Laet fez a apologia em páginas célebres…” (1)

E Francisco de Assis, “pobre vermezinho”, ergueu monumentos por estas terras virgens, plasmou homens extraordinários, fez brotar templos magníficos que, ainda hoje, convidam os homens a adorar o Senhor, como ele o fazia quando cortava os caminhos da Úmbria, inspirou obras literárias, porque ele não só fez poesia, como foi constante inspiração poética. Com tudo isso, para o Brasil tornou-se ele um ingrediente cultural, um formador de civilização, um incentivador da fé, a ponto de, em uma pesquisa sobre o “santo mais forte ou importante”, ter recebido o segundo lugar na preferência popular, superado apenas por seu discípulo Santo Antônio, a quem ele, muito respeitosamente, chamava “meu bispo” (2)

2. Francisco ergueu templos

Mestre Costa Ataíde: arte franciscanaA descoberta da alma da natureza e a possibilidade de com ela dialogar, na maneira simples de São Francisco, tornou-se para a arte uma vertente caudalosa que, invadindo a seara dos artistas, convidou-os a transplantar para suas telas – primeiro Giotto timidamente e depois os outros sempre mais arrojados – toda a riqueza que Deus semeara no cosmos, em substituição à monótona coloração sem vida ou forma. E a pintura e a escultura e a arquitetura e a poesia se tornaram “franciscanas”, porque assumiram a sensibilidade de Francisco de captar o belo semeado na envolvência da vida. E, no Brasil, onde o ouro vinha na abundância de uma terra em tudo dadivosa, os artistas esqueceram Dona Pobreza e seu Esposo e colocaram ouro nas vestes remendadas do Poverello, e colocaram o próprio Poverello dentro de templos esplendorosos, como no sublime exemplo da igreja de Salvador, Bahia, onde o barroco se esmerou nas talhas douradas e policromadas, emprestando à arte uma fala que afirma: Francisco é o único capaz de se fazer o portador fiel das riquezas do homem até Deus, doador de toda riqueza. Quem lá entra fica dominado pela fé transformada em harmonia que os artistas do século XVIII alcançaram cravar naquele complexo. Descobre, igualmente, que foi esta a forma que estes artistas encontraram para glorificar o pequenino homem de Assis que lá está abraçado ao seu Cristo, nu e despojado, pisando firme sobre o mundo com suas riquezas e vaidades, ainda que colocado num nicho de ouro. Olhos fixos no Cristo, ouro. Olhos fixos no Cristo, ouro algum do mundo apaga aquela luz que lhe prende os olhos e lhe enche o coração. Aqueles antepassados nossos não entendiam apenas de arte, entendiam também de mística… Por isso, o que saiu das mãos deles é tão rico de terra, quão rico de céu.

Lá em Ouro Preto, a lendária Vila Rica, encontra-se, no dizer de Eduardo Etzel, “a joia da arquitetura barroca de Minas Gerais”: um templo dedicado a São Francisco de Assis, cujas linhas arquitetônicas todos conhecemos. Ali deixou o Aleijadinho, na pedra fria, a marca de seu gênio sofrido, como uma canção eterna que seu amor ditou em homenagem ao Patriarca de Assis, pois, São Francisco deve ter ensinado ao Aleijadinho louvar o Senhor pelas deformações também. Complete este poema cinzelado na pedra, a policromia dos pincéis de grandes mestres da pintura, como Mestre Costa Ataíde.

Entre os monumentos que adornam São João Del Rey, domina altaneira outra igreja dedicada a São Francisco, cantando a mesma fé e proclamando o mesmo carinho despertado pelos Pobrezinhos de Cristo em outros recantos desta terra dadivosa, que de Francisco aprendeu que Deus merece o que de melhor a terra produz e o gênio do homem é capaz de criar.
E, no Rio de Janeiro, em meio há tanta beleza natural por Deus ali semeada, plantou a fé outro templo a São Francisco, menor que todos talvez, mas não menos esplendoroso, não menos eloquente, não menos carregado de amor que os outros templos que a arte colonial ergueu a São Francisco. E lá, em pleno sertão do Ceará, ergue-se o que Frei Pedro Sinzig chamava, em 1926, “o maior santuário de São Francisco no mundo”: é a Basílica de São Francisco das Chagas de Canindé, um cacto florescendo na aridez da terra.

Sem nos determos em tantos outros templos que homenageiam São Francisco, vamos parar junto a um templo moderno que se espelha nas águas da Pampulha, em Belo Horizonte, proclamando a arte de Oscar Niemeyer e o pincel vigoroso de Cândido Portinari. Lá está São Francisco, no painel central, profeticamente retratado em seu despojamento contorcido, com enorme lobo domesticado junto a si, numa atitude de ternura, numa clara alusão de que o homem moderno precisa da volta deste domador de feras. O tamanho do lobo parece insinuar a dimensão da ferocidade do homem hodierno… Entre o barroco que nasceu com o Brasil e o moderno da Pampulha que lutou para impor-se, corre toda uma linha de fé e carinho para  com este novo Cristo, chagado e ardente, nos quadros e na estatuária dos grandes mestres e do gênio inculto de nosso povo devoto. Em toda parte, plasticamente, brota a figura de Francisco de Assis, marcada com um pouco daquilo que cada um vê retratado nele e que gostaria de chegar a ser…

3. Francisco, fonte de poesia

A primeira página de nossa literatura foi a carta de Pero Vaz de Caminha: e lá figuram os frades de São Francisco. A primeira produção literária na nova terra saiu da pena de José de Anchieta: em versos, escreveu ele uma Carta da Companhia de Jesus para o Seráfico São Francisco, onde lembra que Adão “borrou” a imagem divina.




Mas Cristo, Deus humanado,
glorioso São Francisco,
para limpar o treslado,
que Adão tinha borrado,
pondo o mundo em tanto risco,
quis pintar,
e consigo conformar
a vós, de dentro e de fora,
com graça tão singular,
que vos podemos chamar
homem novo, em quem Deus mora” (3)






Da primeira voz poética pulemos a outra que ainda vive: Carlos Drummond de Andrade, que diante da igreja de São Francisco, em Ouro Preto, confessa: “Senhor, não mereço isto. Não creio em vós para vos amar. Trouxeste-me a São Francisco e me fazeis vosso escravo” (4). E entre estes extremos de nossa literatura, jazem cativas milhares de vozes – praticamente todas as vozes poéticas – rendendo, em prosa e verso,  seu preito ao Santo e ao Poeto, ao Cantor da Natureza, ao iniciador da literatura italiana, dos quais apenas a algumas daremos nome, sem observar sequer a cronologia: Pe. Antônio Vieira, Humberto de Campos, Carlos de Laet, Goulart de Andrade, Gustavo Barroso, Augusto de Lima, Fernando Magalhães, Afrânio Peixoto, Carlos Magalhães de Azevedo, Durval de Morais, Jorge de Lima, D. Marcos Barbosa, Vinícius de Morais, Belarmino Lopes, Silveira Bueno, Martins Fontes, Jackson de Figueiredo, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo, Afonso Schmidt, Gilberto Freyre, Mesquita Pimentel, Guedes de Amorim, Alceu de Amoroso Lima…. e centenas de outros nomes que tentaram traduzir para o vernáculo todos os encantos do Cântico das Criaturas ou do Irmão Sol, terminando com aquela espontânea literatura que denominamos de cordel, onde pode faltar arte ou engenho, mas sobram sensibilidade e fé para captar a mensagem da simplicidade franciscana na sua expressão mais pura.

 4. Francisco forma homens

Uma das realidades mais palpáveis de Francisco é seu fascínio sobre os homens, quando vivia e até os nossos dias. Encanta e cativa com aquele respeito que o faz parar frente ao mistério de cada um, como confessa Chersterton: de todos os luxos da corte, o único conservado por Francisco foi o das boas maneiras. Daí a universal simpatia exercida por ele. No tocante às conquistas humanas de Francisco, em terras brasileiras, parece bem sagaz a observação de Gilberto Freyre: “Não que os frades, em geral, e os franciscanos, em particular, que passam pela história brasileira nem sempre sem outro ruído que os das sandálias de bons religiosos ou o da voz de pregadores sacros, tenham sido todos santo-antônios-onde-vos-porei. De modo algum. Sabemos que sob nomes seráficos de homens aparentemente só de Deus, chamados da Paz, dos Arcanjos, do Salvador, de Jesus, da Purificação, do Sacramento, de Santa Rosa, da própria Santíssima Trindade, agitaram-se políticos mais zelosos das liberdades dos séculos que das verdades eternas; mais apegados a causas do momento que às de sempre…; mesmo assim, alguns destes monges poetizam com seus nomes de religiosos a história quando não eclesiástica, civil, literária, política, científica do Brasil…” (5)

Exato! E aí temos, medrando nos claustros barrocos de norte a sul, sob inspiração de Francisco de Assis, homens da envergadura de um santo Frei Fabiano de Cristo, no Convento do Rio de Janeiro e um santo Frei Pedro Palácios, fundador da capela da Penha, hoje um dos mais famosos e lindos santuários marianos desta terra que aprendeu dos frades o amor a Nossa Senhora. Frei Cosme de São Damião, de quem dizia seu confrade Jaboatão: astro puro, estrela brilhante, tão benéfica nas influências como apurada nas luzes, preso pelos holandeses, sentenciado e, por fim, degredado. O Irmão Frei José, o Santinho que, em se santificando, santificou os Conventos do Rio e de São Paulo. Frei Antônio de Sant’Ana Galvão, fundador do Mosteiro da Luz, já chegou à glória dos céus. Frei Vicente do Salvador, o primeiro historiador do Brasil, chamado por isso mesmo de “Heródoto Brasileiro”. Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, a quem Sílvio Romero denomina como a “mais perfeita imagem do clássico brasileiro”. Frei Mariano da Conceição Veloso, o pai da Botânica Brasileira. Frei Francisco do Monte Alverne, uma das glórias do púlpito brasileiro, que perfila, na eloquência, com o Pe. Antônio Vieira. Frei Antônio de S. Úrsula Rodovalho que, no dizer de Monte Alverne, foi o maior filósofo que a Ordem produziu. O poeta Frei Francisco de S. Carlos e o jornalista e político Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, um dos próceres da Independência…

E, pulando para homens, bastante mais próximos a nós, acorrem os nomes do santo bispo D. Eduardo Herberhold, Frei Rogério Neuhaus, Frei Pedro Sinzig e Frei Rogério Roewer, que tanto incentivaram a música sacra e labutaram no campo da imprensa católica, sendo, com outros franciscanos, os impulsionadores da Editora Vozes de Petrópolis. No campo da ciência, Frei Tomás Borgmeier e Frei Damião Berge. E tantos outros que bem mereciam aqui figurar. Além dos frades da Primeira Ordem, devem ser evocadas as figuras da Segunda Ordem, das Irmãs Clarissas, que foram as primeiras monjas a se estabelecerem no Brasil, no Desterro, da Bahia. Dentre as monjas é de justiça ressaltar a figura de Madre Angélica, monja concepcionista, martirizada nas perturbações que se seguiram à Independência do Brasil, em 1922, no Mosteiro da Lapa, Salvador. E ainda uma série de destaque na Ordem Terceira, que desde os inícios da colonização, marcou presença ativa em todos os campos humanos, esculpindo homens como o poeta Durval de Morais ou o escritor Mesquita Pimentel. E a lista continuaria se ainda respingássemos a rica seara dos Frades Capuchinhos, presentes também na história do Brasil.

Alguns nomes apenas, numa amostragem simples de uma presença perene e modificante, atraente e possessiva, encantadora e santificadora, catequizante e civilizadora. Prova eloquente de que São Francisco veio para ficar. Gostou e ficou. No silêncio e na humildade, mas no trabalho e na fecundidade, milhares de franciscanos das três Ordens passaram pela história e deixaram sua marca indelével, sem falar de outros tantos que ainda hoje se identificam com esta terra e sua gente, com sua fé e seus problemas. O Pai lhes conhece os nomes e os pronuncia com carinho, lhes recolhe os suores, lhes fecunda o apostolado, sustenta-os na luta e lhes dará aquela placa que a palavra humana não consegue cunhar.

5. Uma coisa é certa

Filhos de São Francisco de Assis foram os primeiros missionários a pisar nossa terra, a batizá-la. Um franciscano oficiou as duas primeiras missas aqui celebradas. Era de São Francisco de Assis a primeira imagem que abençoava a primeira ermida levantada no Brasil e franciscano o primeiro ermitão. Era ele o orago da primeira capelinha (poverello, como o patrono). As Clarissas, suas filhas, foram as primeiras religiosas a enraizar-se no Brasil (6). Por isso, uma coisa é certa: São Francisco se fez brasileiro e o Brasil se tornou franciscano…


 1. A propósito de Frades, Liv. Progresso Edit. Salvador, Bahia 1959, pag. 32
2. Grande Sinal, junho de 1981, pág. 324
3. Nossos Clássicos, n. 36, Liv. Agir Edit. Rio de Janeiro 1959, pag. 55
4. Reunião, José Olympio Edit. Rio de Janeiro 1973, pág. 182
5. Ibidem, pag. 32ss
6. São Francisco de Assis e o Brasil, Sophia A. Lyra, Liv. José Olimpio Edit Rio de Janeiro 1978, na orelha da 1ª capa.
 Texto publicado na Revista Grande Sinal, Revista de Espiritualidade e Pastoral, publicada pela Editora Vozes.  


Texto Extraído de : http://www.franciscanos.org.br/

7 de fevereiro de 2014

“Ficamos fortes na fraqueza de Jesus”


Texto de Frei Almir Ribeiro Guimarães

Mês a mês, sempre na primeira sexta-feira, costumamos fixar o nosso olhar na bondade ilimitada de Cristo Jesus que nos amou até o fim. Dirigimos nosso olhar contrito para a ferida aberta pelo soldado no lado do  Senhor morto. Toda a cena do Calvário é marcada pela fraqueza, por indescritível fragilidade. Um Deus forte e todo onipotente, em Jesus, torna-se fragilidade. A salvação que  Jesus nos traz se opera na inanição e na impotência. No momento em que os judeus, dentro dos muros da cidade de Jerusalém, viviam a feliz e exultante alegria da festa da Páscoa, poucos se interessavam por esse mestre ambulante que estava sendo eliminado pelo suplício da cruz fora dos muros. No final de tudo, o coração, desse considerado como réprobo, ainda é fissurado por uma lança. Esse coração é que contemplamos nesse nosso carinho pela primeira sexta-feira de cada mês.

Admiráveis as palavras de Santo Agostinho a respeito da força e da fraqueza de Cristo Jesus. No texto que transcrevemos  comenta o cansaço de Jesus relatado no episódio do encontro com a samaritana. As palavras do gênio de Hipona podem ser aplicadas ao cansaço/debilidade experimentados pelo Senhor no alto da cruz e na exposição ao mundo da fenda de seu peito aberta pela lança do soldado.

“Queres saber como é forte o  Filho de Deus?  “Tudo o que foi criado  foi criado por meio dele”  (Jo 1,3),  e tudo se esforço.  O que pode ser  mais forte do que ele que tudo criou sem esforço?

Queres conhecer a sua fraqueza? “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).  A força de Cristo te criou e a fragilidade de Cristo te recriou.  A força de Cristo  fez com que existisse o que não existia, a fraqueza de Cristo fez com que não se perdesse o que já existia. Fomos criados na força e  fomos procurados em sua fraqueza. Com sua fraqueza nutre os fracos como a galinha alimenta os seus pintainhos. Ele mesmo se comparou a uma galinha: “Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos,  Jerusalém, como a galinha reúne os seus pintinhos  sob as suas asas e tu não quiseste” (Mt 23, 37).   Cansado pelo caminhar  que quer dizer senão estar cansado na carne? Jesus é fraco na carne.  Tu porém não és… Sede fortes na fraqueza  “porque a fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1Cor 1,25)”  (Comentário ao Evangelho de João  15,6-7).

Olhamos com gratidão e ternura para esse Jesus  que desce das alturas e se torna tão pequeno, revestindo-se de tanta fragilidade. Pobre que nasce num canto pobre,  frágil que nasce como uma indefesa criança, que precisa de leite e de cuidados, que não tem uma pedra onde reclinar a cabeça  nem uma toca para dormir, pobre  que não encontra advogados que o defendam as fúria dos fariseus,  frágil, todo ferido no alto da cruz,  pobre com todas as chagas do corpo e ainda com o peito dilacerado pela lança do soldado. Compreendemos perfeitamente o encanto de São Francisco com presépio  do Menino das Palhas e sua dor com a paixão do  Senhor. Ele saía pelas ruas chorando e dizendo:  “O Amor não é amado…”.

Os verdadeiros devotos do Coração de Jesus são aqueles que compreendem até que ponto Deus se tornou louco de amor e fazem de sua vida uma propaganda viva do amor de Deus por nós.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

Extraído de : http://www.franciscanos.org.br/

6 de fevereiro de 2014

Os Salmos: a anatomia da alma humana

Por Leonardo Boff

Os salmos constituem uma das formas mais altas de oração que a humanidade produziu. Milhões e milhões de pessoas, judeus, cristãos e religiosos de todas as tradições, dia a dia, recitam e cantam salmos, especialmente os religiosos e religiosas e os padres no assim chamado “ofício das horas” diário.

Não sabemos exatamente quem são seus autores, pois eles recolhem as orações que circulavam no meio do povo. Seguramente muitos são de Davi (século X a.C). É considerado, por excelência, o protótipo do salmista. Foi pastor, guerreiro, profeta, poeta, músico, rei e profundamente religioso. Conquistou o Monte Sião dentro de Jerusalém e lá, ao redor da Arca da Aliança, organizou o culto e introduziu os salmos.

Quando se diz “salmo de Davi” na maioria das vezes significa: “salmo feito no estilo de Davi”. Os salmos surgiram no arco de quase mil anos, nos lugares de culto e recitados pelo povo até serem recopilados na época dos Macabeus no século II a.C. O saltério é um microcosmo histórico, semelhante a uma catedral da Idade Média, construída durante séculos, por gerações e gerações, por milhares de mãos e incorporado às mudanças de estilo arquitetônico das várias épocas. Assim há salmos que revelam diferentes concepções de Deus, próprias de certa época, como aqueles, estranhas para nós, que expressam o desejo de vingança e o juízo implacável de Deus.

Os salmos testemunham a profunda convicção de que Deus, não obstante habitar numa luz inacessível, está em nosso meio, morando como que numa tenda (shekinah). Podemos chegar a Ele, em súplicas, lamentações, louvores e ações de graças. Ele está sempre pronto para escutar.

O lugar denso de sua presença é o templo, onde se cantam os salmos. Mas como Criador do céu e da terra, está igualmente em todos os lugares, embora nenhum possa contê-lo.
Com razão, orgulhavam-se os hebreus dizendo: “Ninguém tem um Deus tão próximo como nós”! Próximo de cada um e no meio de seu povo. Os salmos revelam a consciência da proximidade divina e do amparo consolador. Por isso há neles intimidade pessoal sem cair no intimismo individualista. Há oração coletiva sem destituir a experiência pessoal. Uma dimensão reforça a outra, pois cada uma é verdadeira: não há pessoas sem o povo no qual estão inseridas e não há povo sem pessoas livres que o formam.

Ao rezar os salmos, encontramos neles a nossa radiografia espiritual, pessoal e coletiva. Neles identificamos nossos estados de ânimo: desespero e alegria, medo e confiança, luto e dança, vontade de vingança e desejo de perdão, interioridade e fascinação pela grandeza do céu estrelado. Bem o expressou o reformador João Calvino (1509-1564) no prefácio de seu grandioso comentário aos salmos:
“Costumo definir este livro como uma anatomia de todas as partes da alma, porque não há sentimento no ser humano que não esteja aí representado como num espelho. Diria que o Espírito Santo colocou ali, ao vivo, todas as dores, todas as tristezas, todos os temores, todas as dúvidas, todas as esperanças, todas as preocupações, todas as perplexidades até as emoções mais confusas que agitam habitualmente o espírito humano”.

Pelo fato de revelarem nossa autobiografia espiritual, os salmos representam a palavra do ser humano a Deus e, ao mesmo tempo, a palavra de Deus ao ser humano. O saltério serviu sempre como livro de consolação e fonte secreta de sentido, especialmente quando irrompe na humanidade o desamparo, a perseguição, a injustiça e a ameaça de morte. O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) deu este insuspeitado testemunho: ”Das centenas de livros que li nenhum me trouxe tanta luz e conforto quanto estes poucos versos do salmo 23: O Senhor é meu pastor e nada me falta; ainda que ande por um vale tenebroso, não temo mal nenhum, porque Tu estás comigo”.

Um judeu, por exemplo, cercado de filhos, era empurrado, para as câmaras de gás em Auschwitz. Ele sabia que caminhava para o extermínio. Mesmo assim, ia recitando alto o salmo 23: “O Senhor é meu pastor… Ainda que eu ande pela sombra do vale da morte, nenhum mal temerei, porque Tu estás comigo”. A morte não rompe a comunhão com Deus. É passagem, mesmo dolorosa, para o grande abraço infinito da paz eterna.

Por fim, os salmos são poesias religiosas e místicas da mais alta expressão. Como toda poesia, recriam a realidade com metáforas e imagens tiradas do imaginário. Este obedece a uma lógica própria, diferente daquela da racionalidade. Pelo imaginário, transfiguramos situações e fatos detectando neles sentidos ocultos e mensagens divinas. Por isso dizemos que não só habitamos prosaicamente o mundo, colhendo o sentido manifesto do desenrolar rotineiro dos acontecimentos. Habitamos também poeticamente o mundo, vendo o outro lado das coisas e um outro mundo dentro do mundo de beleza e de encantamento.

Os salmos nos ensinam a habitar poeticamente a realidade. Então, ela se transmuta num grande sacramento de Deus, cheia de sabedoria, de admoestações e de lições que tornam mais seguro nosso peregrinar rumo à Fonte. Como bem diz o salmista: “Quando caminho entre perigos, tu me conservas a vida… e estás até o fim a meu favor” (Salmo 138, 7-8).

Leonardo Boff é autor de O Senhor é meu Pastor: consolo divino para o desamparo humano, Vozes 2013.

5 de fevereiro de 2014

Reflexão - O Tempo


“O tempo não para, só a saudade faz o tempo parar”.

O tempo, como um rio, está sempre em movimento… Em alguns momentos gostaríamos que ele parasse… em outros, que andasse ainda mais depressa.

O certo é que não temos controle sobre ele e, se não aprendermos e aceita-lo e a entender sua dinâmica e seu sentido, como os filhos de “cronos” (Deus do tempo), seremos também por ele devorados.
Como humanos buscamos a transcendência do próprio tempo. Queremos ir além dessa fronteira, queremos antecipar a eternidade. E, na experiência da saudade aprendemos que é possível reviver, antecipar e ir além do tempo.

A saudade, como uma criança, protesta pelo brinquedo que se quebrou, por aquilo que se tinha e não se tem mais…

Frei Paulo Sérgio, ofm

3 de fevereiro de 2014

Reflexão - Leveza


“Eu queria aprofundar o que não sei, como fazem os cientistas, mas só na área dos encantamentos” (Manoel de Barros). 

A capacidade de encantar é própria do mundo da criança: encanta-se com um pássaro, com um vaga-lume… até com um inseto! E no encantamento ela desliga-se de tudo mais, pois tudo parece sem sentido senão aquilo pelo qual se encantou. Assim também deveríamos nos encantar pela magia da vida, pela beleza da natureza, pela amizade, pelo amor…

Ponha mais leveza na sua vida, pra que carregar tanto peso desnecessário? Ocupe-se com o que lhe causa encantamento, curta o fascínio que é estar vivo, que é a VIDA, e tudo o que pesa, o que é complicado, vai ficando pequeno… E a vida vai se tornando um encanto, uma beleza, uma canção ao Criador…

Tenha uma ótima, abençoada e produtiva semana. Não se esqueça do encanto que deve perpassar a sua vida…


 Frei Paulo Sérgio, ofm

2 de fevereiro de 2014

Reflexão - Amizade



“É bom ter amigos. Eles são pontes que nos fazem chegar aos lugares mais distantes de nos mesmos” (Pe. Fábio de Melo).


Nós sempre precisamos de amigos. Gente que seja capaz de nos indicar direções, despertar o que temos de melhor e ajudar a retirar excessos que nos tornam pesados. Amigos verdadeiros nos ajudam a olhar para frente e contemplar aquilo que nos refaz na alegria e na esperança do caminho…

A amizade é como uma semente que plantamos em nossas vidas: cultivamos sempre para tê-la para sempre… porém,  como nada é eterno, pelo menos cultivamos para tê-la permanente, para continuar crescendo e produzindo os frutos do bem querer, da alegria de cada encontro…

Frei Paulo Sérgio, ofm

1 de fevereiro de 2014

O grito de Francisco continua ecoando


Por Frei Almir Ribeiro Guimarães, Ofm

“É isto que eu quero, isto que desejo de todo o coração!”  Este foi o grito de Francisco depois de ter ouvido o Evangelho do envio dos apóstolos, dois a dois, despojadamente, pelo mundo afora.

 Vamos pedir a Frei Antonin Alis, OFMCap, que nos introduza  no mistério de Francisco:“Por sua exclamação, por seu gesto, Francisco nos convida a levar a sério o  Evangelho.  Antes de tudo numa atitude de verdade com respeito a si mesmo e com o que percebe como  vontade de Deus  para com ele  é que ele agir . O que deve ser feito é aquilo que manda o Evangelho. Uma tal evidência provém do mais profundo de seu ser.

 Abandonando a tudo, começa ele a palmilhar o caminho da conversão. Despoja-se antes de tudo dos bens exteriores, conservando apenas o essencial.  Progressivamente depois vai se despojar de seu orgulho,  suficiência e  narcisismo. E isso vai durar todo o tempo de sua vida. Começará a percorrer um caminho de serviço, de minorismo, de fraternidade, de tal sorte que vai abandonar todo desejo de poder, de dominação  sobre o que quer que seja, imitando assim Cristo servo. 

Vai se abrindo à ação do Espirito Santo e a seu santo modo de operar, transformando-se a partir do interior. Um tal despojamento, desencadeado  pela escuta da Palavra  vai durar até o final de seus dias, nu sobre a terra nua.  Lentamente, a Palavra nele germina e se torna tão fecunda que faz com que se identifique com seu Senhor e Mestre;  lentamente a Palavra se torna fecunda para os outros, para todos os o escutam e veem  o trabalho do Espírito nele.  Testemunha,  Francisco o é antes de tudo porque deixa a Palavra transformá-lo por inteiro.  Por tudo isso, ele experimenta a alegria, a verdadeira alegria,  a alegria perfeita que o plenifica e faz com que ele transborde em ação de graças” (Évangile Aujurd’hui, n. 205,  p.  38).

Os franciscanos de hoje, nas novas condições do mundo, buscam escutar o Evangelho com todas as veras de seu coração  não se deixando  instalar nas penúltimas realizações  mas tendo os olhos fixos nesse amanhã  que o  Evangelho pode descortinar.