30 de setembro de 2011

Especial - Santa Clara de Assis 800 anos


CLARA ATRAVESSA MOMENTOS
DELICADOS EM SÃO DAMIÃO

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Temos sempre em mente a comemoração dos oitocentos anos do começo da vida das Irmãs Pobres de São Damião que se dará em 2012. Temos acompanhado, neste site, as reflexões sólidas e bem fundamentadas de Irmã Chiara Giovanna Cremaschi em seu livro Chiara di Assisi. Un silenzio che grida (Ed. Porziuncula). A autora, à pagina 99, inaugura um novo capítulo ao qual dá o título de: Chiara nell’oscurità mentre s’avvicina il passagio di Francesco ( Clara na escuridão enquanto se aproxima a passagem de Francisco). Não estamos mais nos começos, talvez mais leves de São Damião. Clara carrega a cruz. Mas não desanima. Ela precisará aceitar uma regra diferente de seu espírito e pensa muito na eventual partida de Francisco para a terra dos vivos.

1. São Damião aceita a Forma vivendi de Hugolino - A fraternidade (ou a sororidade) de São Damião vivia muito simplesmente com umas poucas orientações dadas às irmãs por Francisco. Aos poucos vão surgindo mosteiros femininos novos em todos os cantos da Europa e a Santa Sé achou por bem dar uma certa unidade a todos esses novos espaços de contemplação. Vão se multiplicando os mosteiros pobres que aceitam a Forma vivendi de Hugolino. Cada vez mais aumenta a pressão para que a mãe das irmãs pobres também dê sua adesão a ela. A partir de documentos analisados nos últimos anos ficou claro que São Damião é contado entre os mosteiros que adotam a nova Forma, no final de 1225, ainda durante a vida de Francisco. Espontaneamente perguntamo-nos se Francisco estava de acordo com esta decisão. Lendo uma carta que, posteriormente, o cardial Hugolino escreveu a Inês de Praga pode-se dizer que sim (p. 99 do livro de C. Cremaschi). Nesse momento Clara acolhe formalmente aRegra de São Bento. Sem dúvida ela vai aprofundar-se no seu conhecimento, como demonstra o fato de que ela inserirá alguns de seus tópicos em sua Forma de vida. Deve-se ter presente, no entanto, o conteúdo desse grande documento espiritual que é a Regra de São Bento, não corresponde ao carisma de Clara, sobretudo no tocante à pobreza. Ora, para Clara o habitar corporalmente reclusa é uma dimensão inerente à escolha da vida contemplativa na qual Deus é o centro e seu único sentido de viver e à suprema pobreza abraçada como seguimento de Jesus Cristo. Relacionando-se com o Cristo pobre ela lhe dedica longas horas de dia e de noite além do tempo consagrado à oração litúrgica, Da oração ela haure riquezas espirituais. Clara não precisa de normas jurídicas para “permanecer no mesmo lugar” Ela sabe que esse “afastar-se” favorece a intimidade com o Amado, O estilo de vida radical abraçado por Clara na força do Amor vai além de qualquer dimensão jurídica. Sua obediência à Igreja faz com que aceite normas pormenorizadas que contrastam com seu espírito aberto, cheio de amor pelo Senhor e na correspondência das irmãs. A adesão à Forma vivendi hugoliniana exigirá que se faça algumas adaptações em São Damião, o que levou um certo tempo. Parece evidente que Clara seguiu a Forma vivendi à luz da Forma de vida que lhe tinha sido dada por Francisco, deixando-se guiar pelo espírito do Senhor.

2. A leitura da terceira carta a Inês de Praga nos faz saber que em São Damião, também a propósito do jejum, eram seguidas as determinações de Francisco e na as do bispo de Óstia. Estamos diante de personalidades muito diferentes: o Cardeal está preocupado em precisar tudo, dar indicações que, em grande parte - no tocante ao jejum e ao silêncio - se inspiram na tradição cisterciense da qual ele está muito próximo; Clara é contrária a minúcias, tem um espirito aberto e deixa espaço à ação do Espírito. Para viver a contemplação, numa entrega total nas mãos do Deus único, não se fazem necessárias tantas pequenas prescrições. A altíssima pobreza é a estrada que leva à comunhão vital com Cristo e com as irmãs. Quem ama cumpre a lei, lembra São Paulo (Rm 13,10). A resposta de Amor de Clara é muito maior do que aquilo que está contido nas prescrições jurídicas. Clara pode observar as normas que lhes são consignadas. Isto não impede de viver o que está em seu coração: o seguimento apaixonado e ardoroso do Cristo pobre. Encontramos novamente o equilíbrio que sempre a caracterizou: de um lado um grande respeito e veneração pelos ministros de Cristo e de outro lado a consciência indestrutível de seu particular chamamento no seio da Igreja. Clara encara a intervenções da Sé Apostólica com esses sentimentos, o que não exclui sofrimento interior e suplica ao Espirito Santo a luz que possa clarear um caminho muitas vezes cheio de trevas e de escuridão.

3. O momento da provação - Na vida da mãe das irmãs pobres é difícil descobrir momentos de escuridão nos quais a fé se mostra nua o horizonte parece escurecer a ponto de esconder o contorno das coisas e tornar impossível o caminhar. Em Clara tudo é tão luminoso, marcado continuamente com a presença do Esposo Jesus Cristo. Parecia que ela que estava antevendo o momento da mais dura provação em 1226 com a morte de Francisco. Alguns dados colhidos das biografias do Poverello e do Testamento de Clara permitem que imaginemos um grande sofrimento não somente físico, mas também moral e interior. De resto, a doença do corpo debilita também o espirito e o torna mesmos capaz de enfrentar as dificuldades Sem dúvida Clara não constitui exceção . Também para ela a eventualidade da perda de Francisco, ele que é nosso único consolo e sustento depois de Deus, é fonte de perturbação profunda, bem como de uma indizível dor. Os santos são criaturas de carne e osso que carregam em si a marca das limitações: fraqueza e grandeza ao mesmo tempo. O caminho dos santos não é diferente dos nossos, ou seja, marcado pela incerteza, dúvida e medo. O que os caracteriza é a plena aceitação da própria realidade na sua concretude, entregando-se ao Pai mesmo não compreendendo nada, certos de que não são onipotentes, de tudo podermos naquele que nos dá força (cf. Fl 4.,13), como disse São Paulo.

4. A mãe das irmãs pobres, sozinha em seu pobre leito, num momento em que a doença se agravava se dá conta que alguma coisa vai se perdendo. Ela espera que as linhas do projeto de vida traçado por Francisco para elas seja claramente definido e que os responsáveis pela Igreja o aceitem. Além disse a possível perda do pai, irmão e amigo perturba o coração para além de tudo o que se possa pensar. Uma outra eventualidade, nada hipotética, assalta Clara: ela pode morrer antes de Francisco sem poder revê-lo ainda uma vez. Os pensamentos desta mulher de pouco mais de trinta anos vive na plenitude de sua feminilidade, são límpidos e transparentes. Ela estima profundamente a Francisco e não esconde esse bem querer.

5. Podemos dizer que a plantinha de São Francisco vive a sua sexta-feira santa da maneira mais crua. Encontra-se sob a cruz. Experimenta o abandono e a solidão, a incerteza com respeito ao amanhã, a possiblidade de deixar as irmãs que Des lhe havia dado privadas de sua presença e também da presença do Poverello. Que havermos de dizer mais? Acrescentemos somente que a filha dos Favarone tem medo de sua própria fragilidade. Não estamos diante de um problema de linguagem, ou a esse costume de ver na mulher o sexo frágil, mas diante da experiência i concreta de falta de forças físicas, a tal ponto que coloca a nu a pequenez da criatura. Pensamos não nos enganar ao afirmar que a consciência da gratuidade dos dons de Deus, o sentir-se amada pelo Pai celeste com a ternura de uma mãe, o estar como uma criança nas mãos desse mesmo Pai foram amadurecendo em Clara através da morte a si mesma e de todo apoio humano. Nos meses dolorosos deste longo calvário, Clara recebe notícias de Francisco através dos frades. que por sua vez contam ao Pai os sofrimentos de Clara e das irmãs. Estamos diante de uma teia de relacionamentos humaníssimos em que a dor e o amor têm seu semblante mais autêntico. Os dois não temem manifestar-se, porque o Filho de Deus vindo à nossa terra quis tudo assumir em si, vivendo tudo no seu coração e no seu corpo de carne. A vida em Cristo comporta a plena acolhida do mistério da encarnação que reveste de grandeza e dignidade tudo aquilo que é plenamente humano. Assim, na última semana de vida do Poverello, a sua plantinha chorava com alma amarga e não tinha consolação porque não podia ver antes de sua morte o seu único Pai depois de Deus... E através de um frade comunicou esta sua ansiedade. Belíssimo ver sua reação de Francisco: como a amasse com paternal afeto - a ela e suas irmãs - pelo santo modo de vida delas moveu-se de piedade, mormente porque com a cooperação do Senhor haviam se convertido ao Senhor pelas suas admoestações. (Compilação de Assis, 13). O Amor pelo seu Deus que o plenifica totalmente não distancia esse homem até o fim de seus dias dos irmãos e das irmãs. No Amor os ama mais intensa e livremente.

29 de setembro de 2011

Setembro, Mês da Bíblia


Francisco e o estudo acadêmico

Talvez a mais clara e firme intervenção de Francisco sobre os estudos tenha acontecido por ocasião de uma assembléia de cerca de 5 mil frades em Assis (11.6.1223). Entre os frades, muitos deles notáveis por seu saber e grau de instrução, encontrava-se também o cardeal Hugolino, cardeal-referência ou protetor da Ordem e, pouco depois, Papa Gregório IX. Na ocasião, um grupo de frades, ao que tudo indica composto pelos aludidos doutos e por ministros provinciais, dirigiu-se ao cardeal Hugolino, rogando que intercedesse junto a Francisco a fim de que este concordasse em introduzir na Regra de vida elementos das normas de vida de São Bento, de Santo Agostinho, de São Bernardo.

Ouvida a peroração e tomando o cardeal pela mão, Francisco dirigiu-se à multidão de frades reafirmando-lhes redondamente que "o Senhor convidou-me a seguir a vida da humildade e mostrou-me o caminho da simplicidade"; que este mesmo Senhor o queria qual "um novo louco no mundo". É por meio desta sabedoria que Ele nos quer conduzir, afirmava. Contraponto a supraproclamada simplicidade a possíveis pretensões de doutos, arremata: "Pela vossa ciência e sabedoria, Ele vos confundirá". Não é difícil imaginar a reação dos ouvintes(..).
Se, por um lado, como acima foi aludido, assinalamos a prevenção de Francisco em relação aos estudos, por outro, é evidente que esta prevenção não se refere ao estudo propriamente dito, mas sim, à postura dos frades em relação ao mesmo. Na verdade, era o modo como os frades poderiam conceber o estudo que estava diretamente ligado à limpidez, seja da escola de Francisco, ou seja, em última instância, da escola de Jesus Cristo. Por outro lado, embora Francisco "não tivesse tido nenhum estudo", tinha o bom senso do comerciante.

Foi este bom senso que o ajudou a buscar e a reter o essencial. Com efeito, iluminado pela luz eterna e através de assídua leitura, audição e memorização de textos bíblicos, "penetrava os segredos dos mistérios, e, onde ficava fora a ciência dos mestres, entrava seu afeto cheio de amor". Resumindo esta intuição do essencial, dizia Francisco, pelo final da vida, a um frade, que tinha aprendido tanta coisa na Bíblia que já lhe bastava meditar e recordar: já sei que o pobre Cristo foi crucificado. Desejava um conhecimento profundo, vale dizer, "da medula e não da casca, do conteúdo e não do invólucro, não das muitas coisas, mas daquele bem que é o grande, o maior, o estável".

Se Francisco, por um lado, exigia dos literatos, juristas, teólogos, pregadores e doutos em geral que, ao ingressar na Ordem, renunciassem à própria ciência para se apresentarem inteiramente disponíveis ao Crucificado, manifestava, por outro, o maior apreço aos mesmos doutos, bem como a outros sábios. E de se notar que em seus Escritos só apareça uma única vez o termo "teólogo". Mas aparece em sentido positivo: "a todos os teólogos e aos que nos ministram as santíssimas palavras divinas devemos honrar e venerar, como a quem nos ministra espírito e vida".

Finalmente, um texto expressivo para indicar a atitude de Francisco em relação aos estudos: a brevíssima carta, quase bilhete, dirigida a Santo Antônio: "Eu, Frei Francisco, saúdo a Frei Antônio, meu bispo. Gostaria muito que ensinasses aos irmãos a sagrada teologia, contanto que nesse estudo não extingas o espírito da santa oração e da devoção, segundo está escrito na Regra".

Aqui, Francisco manifesta sua satisfação, através da expressão: meu bispo dirigida a Santo Antônio e da outra: placet - me apraz, gosto, me alegro, aprovo. O motivo da satisfação de Francisco estaria no seguinte: em Santo Antônio, teria acontecido a admirável confluência do sábio e do teólogo, do santo e do homem de ciência, do ideal e de sua concatenação às exigências práticas da vida ao estudo, portanto. A cláusula condicionante contanto que está em perfeita sintonia com a ambigüidade ou tentação que Francisco percebia poder esconder-se no estudo ou no saber.

Portanto, do ponto de vista da sabedoria ou do "espírito do Senhor" ou da inspiração de Francisco não se trata de uma cláusula restritiva. Ela coloca, sim, o estudo que se deseja em relação à atitude do estudioso, em relação de servo da sabedoria, em outras palavras, em relação à promoção da vida. A mesma ressalva consta na Regra onde, com respeito ao trabalho (embora não especificado, se braçal ou intelectual), se estabelece a mesma ressalva.

Em suma, em relação à ciência e aos estudos, na função acima lembrada, podemos constatar o seguinte: Francisco os apoiou, seja acolhendo pessoas eruditas na fraternidade, seja acolhendo os serviços que estavam em condições de prestar (elaboração da Regra, funções administrativas da Ordem), seja reverenciando as pessoas doutas, seja alegrando-se pela teologia que Santo Antônio se dispôs ministrar em Bologna.
Não se portou, porém, como um incentivador ingênuo. Expressou prevenção e cautela, compreensíveis a partir da percepção que ele tinha da ambigüidade do uso da ciência e dos estudos. Ambigüidade, não pela ciência ou pelo estudo em si mesmos, mas por aqueles que neles estariam envolvidos.
Como lembramos, o próprio Francisco estudou, no sentido de se ter dedicado, de se ter consagrado durante toda vida a uma busca e a uma fruição do Amor. A própria Sagrada Escritura lhe forneceu os meios para conhecer, admirar e amar a ciência sagrada. Pressentia, porém, o risco que o estudo, que a busca do saber - também bíblico ou teológico-pastoral - poderia acobertar: ser utilizado como um umento de domínio, de orgulho, de poder, de distinção de classes, de discriminação social - poder que se torna cego em relação ao ideal de simplicidade, de pobreza, de fraternidade e que, enfim, o menospreza. Isto significa que Francisco, embora tivesse apreço pelo saber e por seus caminhos, relativizava tanto a um a outro em função da sabedoria do viver.

O fato de relativizar a importância de conhecimentos acadêmicos como instrumento essencial para a evangelização significa questionar a fundo algumas tendências eclesiais do tempo que consideravam a ciência como chave e arma para governar a Igreja, iluminar as inteligêcias e lutar contra os hereges. A postura de Francisco é questionadora e iluminadora ao mesmo tempo, tanto no âmbito secular como religioso, tanto para ontem para hoje.

Talvez hoje em dia se tenha até melhores condições para avaliar tanto os motivos de regozijo como de precaução de Francisco devido à magnitude de situações sociais e ecológicas de risco, frutos, não de um uso sábio do saber, mas do abuso do mesmo. Francisco navegava com liberdade nas águas das mediações: "ia direta, espontânea e vitalmente à realidade".
Portanto, estas alusões parecem demonstrar ou sugerir que Francisco foi um criador de cultura, foi à fonte e trouxe o eternamente novo e antigo. Por isso, descortina horizontes. A Escola Franciscana nele se inspira. Pensa e traduz na cultura de cada tempo e em sistema filosófico-teológico sua inspiração. A ele deve a existência.

Texto do livro "Herança Franciscana"; capítulo "Os franciscanos e a ciência", de Frei Elói Dionísio Piva, ofm

Meditação Diária


"O pessimista vê dificuldade em cada oportunidade; o otimista vê oportunidade em cada dificuldade"

(Winston Churchill).

As oportunidades estão sempre diante de nós: Deus abre portas e janelas para que possamos crescer e evoluir! Mas a decisão de querer, de buscar, de se lançar na direção da meta depende de nós. O tesouro mais valioso está escondido no campo: precisamos escavar, procurar e esforçar. A salvação é dom de Deus, mas é preciso desejá-la, buscá-la, realizá-la em nossa vida!

Diante de alguma dificuldade, se você estiver para desanimar, aqueça os sentidos, revigore a fé, e ouvirá a voz da consciência dizer: persevere e vencerá. Vá em frente, renove sua esperança em cada amanhecer, refaça seus projetos, persevere em suas buscas. A vitória pertence aos fortes, àqueles que foram capazes de reerguer diante das quedas. A vitória pertence àqueles que nunca deixaram de acreditar!

Frei Paulo Sérgio de Souza, OFM

28 de setembro de 2011

PAZ E BEM!

A saudação de Paz e Bem

alt

Na época em que São Francisco nasceu o bispo de sua região era conhecido como, Mestre Rufino. Ele escrevera um tratado chamado “De Bono Pacis”, “O bem da paz”, documento que influenciou o pensamento místico sobre o significado da paz, em Assis/Itália.

Havia diferentes formas de desejar a paz, dentre elas, a expressão: Paz e Bem!

1. O significado da Paz para São Francisco

Certamente, o evangelho de São Lucas (10,1-5), que fala sobre o envio dos discípulos, influenciara Francisco a convidar os frades a iniciar as pregações anunciando a paz, abrindo os corações para que as pessoas acolhessem a palavra de Deus.

Nas Fontes Franciscanas, por três vezes, vemos referências ao cumprimento da paz:

a) Legenda Maior (LM 3,2) - “Em cada pregação sua, saudava o povo no início do sermão, anunciando a paz, dizendo: ´O Senhor vos dê a paz´".

b) Legenda dos Três Companheiros (LTC 26) – “... em toda pregação sua, saudava o povo, anunciando a paz no início da pregação”.

c) Compilação de Assis (CA 101,14) – “O senhor revelou-me que como saudação devia dizer: ´O senhor te dê a paz´".

2. Um Deus que é o Sumo Bem

alt

O “Bem” a que São Francisco se refere é o Sumo-Bem, Deus. Por isso, desejar a Paz e o Bem, quer significar também, o desejo de que tenhamos Deus como centro das nossas vidas. Isso deve ser fruto de um projeto de vida. E foi essa a experiência vivida por Francisco.

Citações nos escritos franciscanos, na qual São Francisco refere-se a Deus como o Bem maior, o Sumo Bem:

a) Louvores a Deus Altíssimo (LD 3) – “... vós sois o bem, todo o bem, o Sumo Bem, Senhor Deus vivo e verdadeiro”.

b) Paráfrase ao Pai Nosso (PN 2) – “...porque vós, Senhor, sois o sumo e eterno bem, do qual procede todo o bem, sem o qual não há nenhum bem”.
c) Louvores a serem ditos em todas as horas canônicas (LH 11) – “... altíssimo e sumo Deus, todo o bem, sumo bem, bem total...”

3. A paz e o bem como um estilo de vida

Para Francisco, para toda a Família Franciscana e para os que costumam utilizar a saudação “Paz e Bem”, estes dizeres devem ser mais do que um cumprimento formal, devem ser uma opção por um estilo de vida, em Jesus. Como observamos nos tópicos 1 e 2, estas expressões trazem um dinamismo de conversão e um convite para vivermos em Deus, com Deus e por Deus.

O próprio São Francisco exortou aos que o acompanhavam, que a paz que anunciavam, deveriam a ter no coração. E que esta saudação, abriria os corações para que encontrassem a verdadeira paz. Porém, não se sabe com exatidão se ele usou esta saudação, da mesma forma que utilizamos hoje.

alt

4. “Paz e Bem” como cumprimento

Na entrada da capela do Seminário, um totem escrito “PAZ E BEM!” dá as boas-vindas a todos os devotos de Frei Galvão, saudação comum no meio franciscano, em todo o mundo.

Por Giovanni Bezerra, especial para o site

27 de setembro de 2011

EVANGELIZADOS PARA EVANGELIZAR

Em torno do Capitulo Geral da
Ordem Franciscana Secular
São Paulo, 22-29 de outubro de 2011

1. Os franciscanos seculares do mundo estarão reunidos em Capítulo na cidade de São Paulo na segunda quinzena do mês de outubro deste ano de 2011. Os irmãos e as irmãs haverão de tratar das coisas que lhes concernem no espírito daquelas reuniões que Francisco realizava com os seus irmãos. Falando desses encontros assim se exprime Éloi Leclerc: “Uma ou duas vezes ao ano, todos os frades se reúnem em capítulo. Esses encontros desempenham papel importantíssimo na vida da fraternidade. Os capítulos não são somente um tempo forte durante o qual os irmãos, na alegria do reencontro, se reabastecem na oração e no louvor, mas também ocasião de tomada de consciência comum: todos e cada um se sentem solidários e responsáveis pela vida do grupo e sua missão no mundo (...) Nessas assembleias democráticas, onde reina a grande liberdade dos filhos de Deus, os irmãos discutem seus problemas, comunicam suas experiências e escolhem seus responsáveis. Elaboram, redigem e promulgam leis, definem orientações do grupo e tomam as grandes decisões que nortearão o futuro da comunidade” (Francisco de Assis. O Retorno ao Evangelho, Vozes, p. 60-61).

2. Ao longo do tempo que foi se passando desde a aprovação da Regra da OFS (1978), as feições dos franciscanos seculares foram se transformando. Foram ganhando um novo perfil com a atualização do carisma presente nas Regras anteriores e codificado de maneira nova e atualizada na Regra conhecida como de Paulo VI. Ora, os Capítulos são ocasião de examinar como anda a compreensão, assimilação e vivência deste tesouro de que dispõem os franciscanos seculares que é a Regra. Não é aqui o lugar de elencar todas as linhas mestras da Regra. Os responsáveis pela animação internacional da Ordem resolveram que fosse tema do Capítulo de São Paulo a questão da evangelização. O tema foi formulado num duplo movimento: os franciscanos seculares se evangelizam para evangelizar.

3. À guisa de ilustração do tema transcrevo apenas dois tópicos da Regra. O primeiro vai na linha do se deixar evangelizar: “Como irmãos e irmãs da penitência, em virtude da sua vocação, impulsionados pela dinâmica do Evangelho, conformem seu modo de pensar e de agir ao de Cristo, mediante uma radical transformação interior que o próprio Evangelho designa pelo nome de conversão, a qual devido à fragilidade humana deve ser realizada todos os dias” (n.7). O segundo é convite à ação: “Estejam presentes pelo testemunho da própria vida humana, e ainda por iniciativas corajosas, individuais e comunitárias, na promoção da justiça, em particular no âmbito da vida pública, comprometendo-se em opções concretas e coerentes com sua fé (n.15).

4. Nunca cessamos de nos converter. Francisco falava de começar tudo de novo. Nossas fraternidades estão sempre recomeçando. Tudo está por ser feito. Os que são encarregados de visitar os irmãos em suas fraternidades concretas constatamos neles a presença de santos esperando o momento da chegada da glória. De outro lado, também, vemos muita carência da força do Evangelho no trato entre os irmãos, nas reuniões, no coração dos irmãos. Os franciscanos seculares, através da formação, da vivência da Regra, no cultivo da delicadeza do coração estão sempre sendo evangelizados. Nossos irmãos são seguidores do Cristo vivo. Esse processo de conversão se manifesta de vários modos. Transcrevo algumas linhas do Manuale per l’Assistenza all’OFS e alla GiFra: “Os franciscanos seculares seguem o Jesus dos Evangelhos que foi o centro da vida de Francisco. Na medida em que soubermos partilhar o primitivo carisma franciscano poderemos nos colocar a serviço do mundo inteiro como exemplos de verdadeira alegria. Os franciscanos seculares, na qualidade de batizados, darão o exemplo de uma vida cristã vivida com simplicidade no seio da Igreja. Tal se manifesta vivendo os valores de obediência ao Espírito Santo, confiança na Providência, uso reconhecido e simples dos dons do universo, alegria pelas obras de Deus que nos circundam, alegria se sermos cristãos na Igreja, gratidão pelo trabalho concebido como um dom, presteza em ajudar os outros ( p. 94-95).

5. Os franciscanos seculares “se evangelizam” quando frequentam os Evangelhos com simplicidade e desejo de ler a vontade de Deus, quando sua oração é feita com desejo ardente e seráfico, quando se entregam a Deus na eucaristia, se possível cotidiana, quando cultivam uma delicadeza de consciência diante das exigências do Evangelho e daquilo que lhes é pedido para serem santos, quando criam laços de fraternidade. Não se pode admitir um franciscano secular rotineiro, repetidor de mesmices, feito de pressa, sem sonhos de um amanhã, sem acreditar na utopia do Evangelho. Os ministros locais, formadores e assistentes espirituais são responsáveis em fazer de sorte que os seculares sejam evangelizados. Os verdadeiros franciscanos são “pessoas que sentem sempre saudade do Evangelho”.

6. “Evangelizadora como é, a Igreja começa por se evangelizar a si mesma. Comunidade de crentes, comunidade de esperança vivida e comunicada, comunidade de amor fraterno, ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar, as razões de sua esperança e o mandamento novo do amor” ( Evangelii nuntiandi, 15). Em nossos dias e na concretude podemos lembrar alguns elementos que ajudam na tarefa do evangelizar-se: prática em fraternidade ou em outras instâncias da leitura orante da Bíblia, participação nas Oficinas de Oração (Frei Inácio Larañaga), participação em dias ou tardes de oração e de aprofundamento da intimidade com o Senhor, leitura e assimilação dos escritos de Francisco e Clara, não deixar de enxugar o suor da fronte de Cristo nos passantes ao longo do caminho de nossa vida. Valem para os terceiros franciscanos as palavras que o Ministro Geral da OFM dirigiu aos seus frades em documento falando dos oitocentos anos do carisma: “À distância dos 800 aos da experiência de Francisco, (...) somos chamados a descobrir o Evangelho como livro de vida – sem reduzi-lo a uma ideologia, mais uma entre muitas - e assumi-lo como livro de leitura frequente, texto fundamental de nossa formação, que ilumine nossas opões de vida e possa justificá-las. Queridos irmãos, voltemos ao Evangelho, porque voltar para o Evangelho é voltar para o Cristo, o único que pode justificar nossa vida. Voltemos ao Evangelho e seremos resgatados de nossas misérias e nossas escravidões, de nossos medos e de nossas tristezas, e resgataremos os homens nossos irmãos de suas misérias e escravidões, de seus medos e tristezas. Voltemos ao Evangelho e respiraremos ar puro: nossas propostas serão novas; a coragem, a inteligência, a generosidade, a fidelidade de muitos irmãos nossos, gastos sem reservas e sem restituição, darão fruto e fruto abundante (Capítulo Extraordinário, Monte Alverne 2006).

7. Todas essas nossas fraternidades, pequenas ou grandes, de gente nova e gente mais idosa, no Brasil, no México, em Angola ou na Itália, feitas de gente em estado de conversão, de pessoas que também mostram a Deus suas mãos vazias, mas gente que sabe que a força se manifesta na fraqueza, todos haverão de se convencer que serão evangelizadores. Os que vão sendo evangelizados se tornam evangelizadores. O campo é vasto, cheio de percalços, mas é a seara do Senhor. Ele já está em ação, nos precede no trabalho. Não somos nós que vamos começar. Quanto a fazer e quão poucos os operários! Os franciscanos seculares não se omitirão.

8. Há perguntas que queimam no interior daqueles que buscam veladamente a plenitude. Quanto ao sentido da vida, do mundo, do casamento? Por que a guerra quando somos feitos para a paz? Por que tantos morrem de fome na Somália? Como criar condições de instauração de uma convivência harmônica entre os povos? Como superar os convites da cultura moderna que quer viver aqui e agora, sociedade do consumo, sociedade sem futuro. Ora, no seio do mundo, a Igreja pede a colaboração evangelizadora dos franciscanos seculares.

  • Desnecessário lembrar que os franciscanos seculares pregam, antes de mais nada, pelo testemunho discreto exemplo e pelo serviço humilde.

  • Um campo privilegiado de evangelização, sem dúvida, é o universo da família. As famílias, as nossas famílias e a dos outros... famílias novas, não camisas de força, mas espaços de crescimento, de acolhida mútua, de auscultação dos desígnios de Deus. Famílias corajosas diante dos desafios da fidelidade, da transparência, do respeito pela vida desde a sua origem e até o final, sem expedientes escusos. Famílias que não sejam marcadas pelo consumismo, pelo modismo e pela sociedade do gozo e do prazer. Evangelizamos nossos próprios familiares para sermos mais qualificados como agentes da pastoral e da evangelização, do casamento e da família. Não é isso evangelizar? Evangelização com a qualidade de agentes que tomam distância do consumismo.

  • Pensamos aqui em toda uma colaboração nitidamente evangélica que os agentes de pastoral franciscanos podem oferecer. Não são eles apenas “palestrantes” de cursos de batismo ou animadores de assembleia sem padre, para dar apenas dois exemplos. Com seu jeito franciscano serão acolhedores, simples, alegres e procurarão viver uma pastoral por etapas, de gente que acompanha gente, de gente que fala aquilo que faz parte de sua profissão de vida, que é o seguimento do Evangelho. Não seremos meros “tocadores de obras”, mas animadores pelo fogo do Evangelho. Até que ponto podemos dizer que ação pastoral e evangelizadora dos franciscanos seculares têm características próprias?

  • Místicos e seráficos, os franciscanos seculares transpiram o desejo da união íntima com Deus. Não nos cansamos de repetir: precisamos de seres de desejo e não simplesmente pessoas que realizem serviços. Um monge da comunidade de Bose, na Itália, falando do desejo assim se exprime: “A sociedade de consumo difundiu, sobretudo entre os jovens, a ideia de poderem se satisfazer em tudo e que a felicidade consiste no ser saciado, repleto, cumulado, vendo satisfeitas todas as necessidades. O Ocidente é cada vez mais uma sociedade de obesos, de gente locupletada. A sociedade consumística é uma prisão do desejo que se vê reduzida à necessidade que se satisfaz imediatamente. O desejo tem a ver com o sentido e propriamente é inextinguível. O desejo é constitutivamente marcado por uma falta, uma não-saciedade que se torna um principio dinâmico e de projeção para adiante. O verdadeiro desejo é aquele em que o objeto do desejo não sacia, mas vai se aprofundando. O desejo é insaciável porque aspira aquilo que não pode possuir: o sentido. É o sentido que seduz o desejo. A sociedade de consumo propaga satisfação e assim elimina o horizonte da vida da pessoas” ( La Rivista del Clero Italiano 4/2011, p.261)

  • Em cada um dos continentes, onde está presente a Ordem Franciscana Secular, as necessidades evangelizadoras serão diferentes. Não existe uma regra universal. Temos que interpretar, à luz da fé, as situações concretas do povo ao qual servimos. A Igreja estará sempre atenta aos sinais dos tempos. Trata-se da situação atual da humanidade que precisa ser esclarecida com a luz do evangelho. Pensamos aqui nos grandes desafios mundiais e na situação concreta de tantos povos dizimados por ditadores cruéis e pelo fantasma da fome. Onde estão os franciscanos seculares?

9. Estas poucas reflexões tiveram a finalidade de chamar a atenção para o tema do Capitulo Geral. Certamente conferencistas, círculos de estudos, painéis haverão de esclarecer o assunto. Os franciscanos seculares estão num constante processo de conversão para poderem ser os mais aptos agentes de evangelização. À guisa de conclusão queremos transcrever algumas linhas do Documento de Aparecida que lança uma certa luminosidade em todo o tema: “Muitos católicos se encontram desorientados frente à mudança cultural. Compete à Igreja denunciar claramente estes modelos antropológicos incompatíveis com a natureza da dignidade do homem. É necessário apresentar a pessoa humana como centro de toda a vida social e cultural, resultando nela: a dignidade de ser imagem e semelhança de Deus e a vocação de ser filhos no Filho, chamados a compartilhar sua vida por toda a eternidade. A fé cristã nos mostra Jesus Cristo, como a verdade última do ser humano, o modelo no qual o ser humano se realiza em todo o seu esplendor ontológico e existencial. Anunciá-lo integralmente em nossos dias exige coragem e espírito profético. Neutralizar a cultura de morte com a cultura cristã da solidariedade é imperativo que diz respeito a todos nós e que foi objetivo constante do ensino social da Igreja. No entanto, o anúncio do Evangelho não pode prescindir da cultura atual. Esta deve ser conhecida, avaliada e, em certo sentido, assumida pela Igreja, com linguagem compreendida por nossos contemporâneos. Somente assim a fé cristã poderá aparecer como realidade pertinente e significativa de salvação. Mas essa mesma fé deverá gerar modelos culturais alternativos para a sociedade atual. Os cristãos, com os talentos que receberam, talentos apropriados, deverão ser criativos em seu campos de atuação: o mundo da cultura, da política, da opinião pública, da arte e da ciência” (n. 480).

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III

Meditação Diária


“A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada”

(Epicuro).

Muita gente entra e sai em tua vida ao longo dos anos. Mas só os verdadeiros amigos deixam impressões em seu coração, pois eles entram num espaço sagrado, naquele território que somente os mais íntimos são convidados a entrar. Por isso que a lealdade caminha de mãos dadas com a amizade: somente é amigo aquele que confia, que é leal aos segredos e mistérios compartilhados na jornada...

Estamos na eclosão de um novo tempo: é a primavera que chega trazendo ressurreição e vida nova! É tempo oportuno de renovar a fé e a esperança. Podemos fazer melhor, podemos ser mais honestos e verdadeiros, podemos cuidar melhor da vida e da natureza. Podemos e devemos cuidar dos canteiros da amizade e permitir o amor fluir em nossos relacionamentos...

Frei Paulo Sérgio de Souza, OFM

26 de setembro de 2011

São Francisco e a Paciência


Por Frei Edson Matias, OFMCap.

Francisco sabia de que barro era feito. Conhecendo sobre si mesmo vislumbrava o abismo do coração do homem. Sabia que o mundo da virtude não excluía a finitude, mas a segurava em plena vista. Perder de horizonte nossas fraquezas, para ele, era cair no orgulho. Este procura motivos para se vangloriar. Quem faz isso, o santo sabia muito bem, que não servia a não ser ao espírito da carne.

Era assim em todo o proceder do pobrezinho de Assis. Ao tratar de uma virtude, relembrava primeiro de que “esterco” tinha em si. Entretanto, “esterco” (limitações, orgulho) é algo difícil de entender hoje, pois temos uma pseudo espiritualidade que muitas das vezes é alicerçada no próprio orgulho. Por exemplo, se confunde hoje espiritualidade com pieguismo, devocionalismo e até mesmo com hipersensibilidade. Nada disso diz da espiritualidade vivida por Francisco. Era uma vivência vigorosa que aceitava, enfrentava e transformava em vigor até mesmo coisas absurdas para nós hoje. Até mesmo as limitações eram muitas vezes causa de alegria. Ou melhor, de uma verdadeira alegria: estar mais perto do Amado.

Ao tratar da virtude da paciência diz o santo na Admoestação 13:

1 Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9). O servo de Deus não pode saber quanta paciência e humildade tem em si, enquanto tudo acontece como ele quer. 2Mas quando vier o tempo em que os que lhe deveriam dar prazer fizerem o contrário, a paciência e humildade que tiver nessa ocasião é tudo que tem e nada mais. (Adm 13).

Aqui não sobra lugar para orgulho, em suas desculpas e justificativas para se colocar em um patamar melhor. Ninguém sabe quem se é realmente até que surja uma adversidade. O paciente somente se apresentará quando isso for requisitado dele. Ou seja, qualquer caminho – ‘espiritualidades’ – que tente o ser humano a fugir das situações conflitivas, tirando ele do cotidiano da vida, vai contra esse modo de viver dos primeiros franciscanos. Por isso, que as novas espiritualidades, nascidas de correntes pentecostais e neo-pentecostais da atualidade, em muitos aspectos vão na contramão da proposta franciscana.

Ao fim da admoestação 13 vemos no momento da angustia que se revelará o que temos. Parece até trágico, mas é de uma realidade cortante. Quando chegar esse momento conflitivo vai se revelar o que somos e nada mais. A espiritualidade proposta por Francisco é vibrante, realista e mata com qualquer esperança superficial. Ele desce onde o homem se encontra e dali pode vislumbrar o crucificado.

A proposta de Francisco é difícil de ser vivida. Não é florilégios ou coisa ‘bonitinha’, mas profunda e intensamente humana-divina. T

25 de setembro de 2011

Setembro, Mês da Bíblia

O adubo que fez crescer a semente da Bíblia

Não é qualquer chão que serve para que uma árvore possa crescer.
O canteiro, onde a semente da Bíblia criou raízes e de onde lançou os seus 73 galhos em todos os setores da vida, foi a celebração do povo oprimido, ansioso de se libertar.
A maior parte da Bíblia começou a ser decorada para poder ser usada nas celebrações, e foi escrita ou colecionada por sacerdotes e levitas, os responsáveis pela celebração do povo.

Além disso, as romarias e as peregrinações, os santuários com as suas procissões, as festas e as grandes celebrações da aliança, o templo e as casas de oração (sinagogas), os sacrifícios e os ritos, os salmos e os cânticos, a catequese em família e o culto semanal, a oração e a vivência da fé, tudo isso marca a Bíblia, do começo ao fim!

O coração da Bíblia é o culto do povo! Mas não qualquer culto. É o culto ligado à vida do povo, onde este se reunia para ouvir a palavra de Deus e cantar as suas maravilhas; onde ele tomava consciência da opressão em que vivia ou que ele mesmo impunha aos irmãos; onde ele fazia penitência, mudava de mentalidade e renovava o seu compromisso de viver como um povo irmão; onde reabastecia a sua fé e alimentava a sua esperança; onde celebrava as suas vitórias e agradecia a Deus pelo dom da vida.

É também no culto que deve estar o coração da interpretação da
Bíblia. Sem este ambiente de fé e de oração e sem esta onsciência bem viva da opressão que existe no mundo, não é possível agarrar a raiz de onde brotou a Bíblia, nem é possível descobrir a sua mensagem central.

Trecho da "Bíblia Sagrada", da Editora Vozes.

24 de setembro de 2011

Páginas Franciscanas

FRANCISCO DE ASSIS,
O PERDÃO DE DEUS

A Página Franciscana nos é apresentada pelo grande Chesterton, autor de uma das mais originais biografias de São Francisco. A função da vida de Francisco foi a de dizer aos homens que começassem outra vez.

Francisco de Assis, como já foi dito tantas vezes, era poeta, isto é, uma pessoa capaz de exprimir sua própria personalidade. Ora, homens como esses em geral se caracterizam pelo fato de suas próprias limitações os tornarem ainda mais grandiosos. Eles são o que são, não somente por causa do que possuem como, em certa medida, por causa do que não possuem. Mas os limites que formam os contornos de tal retrato pessoal não podem ser usados como limites para a humanidade inteira. São Francisco é um exemplo bem intenso dessa qualidade de homem genial: nele, mesmo o que é negativo é positivo, por ser parte de seu caráter. Um excelente exemplo do que digo pode ser encontrado em sua atitude com relação à aprendizagem e aos estudos. Ele ignorou e, em certa medida, desestimulou os livros e a aprendizagem por meio de livros, e, de seu ponto de vista e do de sua obra no mundo, tinha toda razão. Toda a essência da sua mensagem era ser simples o suficiente para ser entendido pelo idiota da cidade. Toda a essência de seu ponto de vista estava no fato de olhar com novos olhos um mundo novo, um mundo que podia ter sido criado esta manhã. Fora as grandes coisas primordiais, a Criação e a história do Éden, o primeiro Natal e a primeira Páscoa, o mundo não tinha história. Mas será que se deseja ou é desejável que toda a Igreja Católica não tenha história?

Pode ser que a principal sugestão deste livro seja que São Francisco caminhou pelo mundo como o Perdão de Deus. Quero dizer que seu aparecimento marcou o momento em que os homens podiam se reconciliar não só com Deus, mas também com a natureza e, o que é mais difícil, consigo mesmo. Porque marcou o momento em que todo o paganismo apodrecido, que envenenara o mundo antigo, foi finalmente expulso do sistema social. Ele abriu as portas da Idade das Trevas como se fossem as de uma prisão do purgatório, na qual os homens se purificavam como eremitas no deserto ou como heróis nas guerras bárbaras. Na realidade, toda sua função foi dizer aos homens que começassem outra vez e, nesse sentido, dizer que se esquecessem. Se eles tinham que virar uma página e começar uma nova com as primeiras grandes letras do alfabeto, desenhadas de modo simples e brilhantemente coloridas à maneira medieval, era parte desta satisfação infantil particular que eles colassem à página antiga, que era toda sombria e sangrenta, trazendo coisas terríveis. (...)

A vinda de Francisco foi como o nascimento de uma criança numa casa escura que tivesse acabado com a sua maldição; uma criança que cresce sem ter consciência da tragédia e que a vence por sua inocência. Nele, é preciso não só inocência como desconhecimento. É da essência da história que ele se jogue na grama verde sem ver que ela esconde um cadáver ou que suba numa macieira sem saber que é a forca de um suicida. Foi esta anistia e reconciliação que o frescor do espírito franciscano trouxe ao mundo. Nem por isso se deve impor este desconhecimento a todo o mundo. E creio que esse espírito teria tentado fazer isso. Alguns franciscanos considerariam correto que a poesia franciscana expulsasse a prosa beneditina. Para a criança simbólica, isso era bem racional. Era bastante certo que, para uma criança assim, o mundo fosse um grande quarto das crianças com paredes pintadas de branco em que se pudesse fazer seus próprios desenhos com giz à maneira das crianças, com contornos grosseiros e cores alegres; o começo de toda a nossa arte. Era bem correto que, para ele, esse quarto das crianças parecesse a mansão mais magnífica que a imaginação humana pode conceber. Mas na Igreja de Deus há muitas mansões”.

São Francisco de Assis
A Espiritualidade da Paz
G.K.Cherterton
Ediouro, 2003, p. 168-170

23 de setembro de 2011

O Corpo de Santa Clara


O Corpo de Clara

Por Frei Vitório Mazzuco Filho

Em 11 de agosto de 1253, Santa Clara entra na glória eterna; já no dia seguinte seu corpo é levado para a Igreja de São Jorge onde também repousa Francisco. No dia 3 de outubro de 1260, o corpo é exumado e colocado na Basílica de Santa Clara; ali permanece perto do altar com uma simples inscrição: "Aqui jaz o corpo da Virgem Santa Clara", protegido pelo brilho de uma lâmpada e as preces silenciosas de suas filhas que guardaram este fato no segredo de seus corações.

Em 1849 a República Italiana escolhe Assis como sede do governo e não tem boa relação com as instituições religiosas. No meio de conflitos e inventários, perseguições e desordem civil e espiritual, a Abadessa Clara Columba Angeli, resolve procurar o corpo da venerável Mãe Clara, para que a grande dama de Assis seja um verdadeiro sinal de paz e unidade para um momento sofrido da história italiana. Neste mesmo ano, o cardeal Marini, prefeito da Congregação dos Ritos, visita Assis para a festa dos Estigmas, e, num encontro com as Clarissas, conversam sobre o encontro dos restos de São Francisco em 1813. A Abadessa aproveita a ocasião e diz: " Eminência, já que o Sol deixou-se encontrar, não é necessário que a Lua tenha também o seu lugar?"

No dia 6 de agosto de 1850 recebem autorização do governo civil para a exumação. No dia 23 do mesmo mês, em silêncio e sempre à noite, os trabalhos começam acompanhados pelo vigário episcopal Luigi Alexandri, do Delegado para os Religiosos Pe. Giuseppe Morichelli, e o especialista em escavações Marco Rondini. Oito dias depois encontravam o túmulo onde o corpo da santa fora depositado há 6 séculos. No dia 23 de setembro, com a presença do Bispo de Perugia, Giocecchino Pecci (futuro Papa Leão XIII), o químico Purgotti, o arqueólogo Antonini e o diretor do arquivo municipal de Assis Paolo Cesini abriram o sarcófago. Não havia nenhuma inscrição junto com os restos mortais. O corpo de Clara tinha o fino semblante intacto, a pele estava sombria e bem colada aos ossos. Uma coroa de honra feita no século XIII estava perfeita. Os ramos de tomilho que enfeitavam o corpo permaneciam conservados. O corpo todo estava em estado de esqueleto na disposição normal dos ossos. A cabeça inclinada sobre o ombro esquerdo, o braço esquerdo sobre o peito e o direito estendido ao longo do corpo. Um fio de pó branco recobria o esqueleto. O corpo foi erguido e colocado num relicário. Uma grande relíquia foi mandada a Roma.

"Um Tríduo foi celebrado em ação de graças nos dias 26, 27 e 28 de setembro, depois que a urna foi aberta uma outra vez para recobrir os ossos da Santa e lhes dar a aparência de um corpo. Tinham sido envoltos anteriormente por uma camada de algodão. A túnica parda, a cobertura da cabeça branca e o véu preto foram confeccionados por algumas senhoras desconhecidas de Assis. Colocou-se sobre a cabeça uma coroa de flores. A urna foi então fechada e ornamentada para a procissão solene que teve lugar na tarde de 29 de setembro. Numa recordação comovente das horas históricas, o corpo de Santa Clara foi conduzido por quatro sacerdotes sob os aplausos da população, em primeiro lugar a São Rufino e, em seguida, para uma visita ao túmulo de São Francisco. Ao crepúsculo, as Irmãs acolheram sua Mãe no claustro e colocaram a urna aos pés do crucifixo que ela tanto amara em São Damião. Bem ao lado, se encontrava ainda uma outra preciosa relíquia: a grade atrás da qual Clara tinha recebido a Santa Comunhão. A bênção do Santíssimo Sacramento encerrou este dia memorável."

O corpo de Clara que está hoje na basílica foi mais uma vez restaurado. De 17 de novembro de 1986 até 12 de abril de 1987 um paciente trabalho foi feito para tirar do corpo da Santa um estado de viscosa humidade, devido ao clima e aos longos anos que criaram a decomposição das partes extremas, em particular as falanges e os dedos dos pés. Quando examinaram o corpo, ele mantinha a mesma posição deixada em 1850. Todo ele foi recomposto e restaurado com tela, gesso, esmalte e silicone. A equipe que trabalhou foi esta: Gianfranco Nolli (egiptólogo), Maria Venturi (ortopedista), Gabrielle Nazareno (químico), Massimo Benedettucci (escultor) acompanhados da Abadessa Madre Clara Lucia Canova e Frei Giovanni Boccalli, Provincial de Assis. Recompuseram o corpo e o rosto segundo os documentos da época, mantendo a personalidade de mulher fascinante, ardente, terna, sensível, segura e muito equilibrada.

Ao chegarmos a Assis e rezarmos diante de Clara devemos lembrar que uma vida como a dela é sempre fecunda, nunca se decompõe. Num coração aberto para o Absoluto, Deus sempre deposita a sua Beleza. Diante de seu corpo temos que ter o desejo de rezar. É preciso sempre desejar o espírito! Rezar é abrir os olhos, abrir nossas faculdades humanas e todo o nosso ser e deixar que Deus se estabeleça aí. Rezar é ver e auscultar, perceber que o espírito sempre trabalha na imagem.

Diante do corpo de Clara, é preciso redescobrir a espiritualidade da ternura, da pequenez, da pobreza. Clara, mulher e santa, não é um aprendizado intelectual, mas um conhecimento afetivo. Por que Clara é bela? Porque o Espírito imprime sempre no corpo a sua forma. O Amor pelo Esposo tomou forma em seu corpo! Após 750 anos, cuidou-se muito dos restos mortais de Clara para não se deixar de lembrar a sua forma de Vida, modo como ela eternizou-se no tempo.

ORAÇÃO - Celebrando a memória da virgem santa Clara, nós vos pedimos, Senhor, que por seus méritos e exemplos, aguardado a gloriosa ressurreição, sejamos fortalecidos na esperança e na caridade e gozemos um dia do vosso eterno convívio. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.


Meditação Diária

“O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio”.

(José Saramago)


A esperança não murcha, ela não cansa; também, como ela não, sucumbe a crença. Vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonhos nas asas da esperança. E nesse devir da nossa existência vamos abrindo horizontes, alçando vôos e permitindo que os sonhos possam iluminar nossos caminhos. Os sonhos nos ligam às estrelas, fazem com que percebamos coisas que os outros não percebem...

Os Magos do Oriente chegaram até Jesus porque apostaram num sonho, acreditaram na estrela-guia, colocaram-se a caminho... Somente eles perceberam, tiveram olhos puros para contemplar os céus. E eles chegaram ao Reis dos reis porque nunca deixaram de acreditar nos seus sonhos. Acredite, pois, você também nos seus e lute para que eles sejam realidade!

Frei Paulo Sérgio de Souza, OFM

22 de setembro de 2011

A mensagem central da Bíblia

Qual é, em poucas palavras, a mensagem central da Bíblia? A resposta não é fácil, pois depende da vivência. Se você gosta de uma pessoa e alguém lhe pergunta: "Qual é, em poucas palavras, a mensagem desta pessoa para você?", aí não é fácil responder. O resumo da pessoa amada é o seu nome! Basta você ouvir, lembrar ou pronunciar o nome, e este lhe traz à memória tudo o que a pessoa amada significa para você. Não é assim?
Pois bem, o resumo da Bíblia, a sua mensagem central, é o Nome de Deus! O Nome de Deus é Javé, cujo sentido Ele mesmo revelou e explicou ao povo (cf. Ex 3,14). Javé significa Emanuel, isto é, Deus conosco. Deus presente no meio do seu povo para libertá-lo.

Deus quer ser Javé para nós, quer ser presença libertadora no meio de nós! E Ele deu provas bem concretas de que esta é a sua vontade. A primeira prova foi a libertação do Egito.

A última prova está sendo, até hoje, a ressurreição de Jesus, chamado Emanuel (cf. Mt 1,23). Pela ressurreição de Jesus, Deus venceu as forças da morte e abriu para nós o caminho da vida. Por tudo isso é difícil resumir em poucas palavras aquilo que o Nome de Deus evocava na mente, no coração e na memória do povo por Ele libertado.

Só mesmo o povo que vive e celebra a presença libertadora de Deus no seu meio, pode avaliá-lo. Na nossa Bíblia, o Nome Javé foi traduzido por Senhor. É a palavra que mais ocorre na Bíblia. Milhares de vezes! Pois o próprio Deus falou: "Este é o meu Nome para sempre! Sob este Nome quero ser invocado, de geração em geração!" (Ex 3,15).

Faz um bem tão grande você ouvir, lembrar ou pronunciar o nome da pessoa amada. Aquilo ajuda tanto na vida! Dá força e coragem, consola e orienta, corrige e confirma. Um Nome assim não pode ser usado em vão! Seria uma blasfêmia usar o Nome de Deus para justificar a opressão do povo, pois Javé significa Deus libertador!

O Nome Javé é o centro de tudo. Tantas vezes Deus o afirma: "Eu quero ser Javé para vocês, e vocês devem ser o meu povo!" Ser o povo de Javé significa: ser um povo onde não há opressão como no Egito; onde o irmão não explora o irmão; onde reinam a justiça, o direito, a verdade e a lei dos dez mandamentos; onde o amor a Deus é igual ao amor ao próximo.

Esta é a mensagem central da Bíblia; é o apelo que o Nome de Deus faz a todos aqueles que querem pertencer ao seu povo.

Texto da "Bíblia Sagrada", da Editora Vozes

21 de setembro de 2011

Setembro, Mês da Bíblia


O Evangelho como ponto de partida

Por Frei Atílio Abati

Francisco parte do Evangelho, para reconstruir a vida, e parte da vida, para confrontar-se com o Evangelho. Esta opção e escolha não seria apenas viver o Evangelho, acolhê-lo em sua vida, mas também anunciá-lo ao seus
irmãos.

Novamente, em seu Testamento, Francisco escreve: "E depois que o Senhor me deu irmãos, o Senhor mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho" (Test 4,14).

Francisco tinha clareza quanto à sua missão: o primeiro movimento é acolher a palavra de Deus, embeber-se dela, aprofundá-la na vida, confrontar-se com ela, para ser luz no caminhar e vigor no viver. E depois, levá-la e transmiti-la ao povo de Deus.

E assim, seu dinamismo missionário impele-o a ir ao encontro de todos os homens. Diante do envio e da missão, ele sente a paixão que tem pelo anúncio da Boa Nova.

Ele sente a vocação missionária a que Deus o chamou e sente-se feliz e realizado em ser o bom samaritano a difundir esta mensagem,
não só aos leprosos, mas à humanidade toda.

Extraído do livro "Francisco, um encanto de Vida", Editora Vozes


20 de setembro de 2011

Especial - Santa Clara de Assis 800 anos


AINDA SÃO DAMIAO NO INÍCIO DOS ANOS VINTE

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Estamos vivendo um tempo de preparação para o Jubileu do começo da vida evangélica das Irmãs Pobres de São Damião que ocorrerá em 2012. Oitocentos anos do início da vida das irmãs de Santa Clara! Olhamos para sua história e pensamos em seu futuro. Veremos hoje novos acontecimentos que se deram em São Damião, alguns mostrando a ligação íntima entre Clara e Francisco, no início dos anos vinte. Este texto é fortemente dependente de Chiara d’Assisi. Un silenzio che grida (Chiara Giovana Cremaschi) p. 85-88. A autora, que é filha de Santa Clara, fez um estudo profundamente sério sobre a Santa.

1. Clara vive na concretude do cotidiano o preceito evangélico que determina que os discípulos lavem os pés uns dos outros. Eles existem para o serviço. Da mesma forma que Francisco, Clara considera essa tarefa essencial na qualidade de serva de todas as irmãs (Regra de Santa Clara 10,5). Tem ela o hábito de lavar os pés das irmãs, de modo particular daquelas que saem do mosteiro e que voltam cansadas e empoeiradas. Não se sabe com certeza o que faziam essas irmãs fora do mosteiro. Há os que dizem que elas cuidariam de leprosos. As irmãs da Úmbria, num estudo sobre a Forma de Vida de Clara excluem esta possibilidade. Afirmam que as saídas se deviam à necessidade de procurar material para o trabalho das irmãs ou para satisfazer outras necessidades comunitárias. O certo é que não esmolavam. Para esta tarefa existiam frades esmoleres. Durante um certo tempo, esse serviço prestado a São Damião, era realizado por Frei Bentivenga. A missão das irmãs que não vivem exclusivamente na clausura estaria vinculada a uma vocação que apresentaria matizes diferentes da vocação das irmãs que vivem sempre fechadas. “Se esta hipótese for verdadeira, ela manifestaria a grande abertura de coração que caracteriza Clara. Numa época em que a Igreja, para as mulheres, reconhece oficialmente somente a vocação monástica, o conceder a possibilidade a algumas de viver a vocação evangélica como a das irmãs pobres sem se sentirem obrigadas a viver uma vida fechada, representa uma passagem muito importante, permitindo a cada irmã responder ao Senhor segundo o dom da vocação” (p. 85).

2. Ouçamos o testemunho de Irmã Inês de Opórtulo: uma vez, lavando os pés de uma dessas serviçais, foi beijá-lo, como costumava, mas a Irmã bateu involuntariamente em sua boca com o pé. A senhora alegrou-se por isso e beijou-lhe a planta do pé (Processo 10,6). O alegrar-se de Clara não quer dizer masoquismo, mas experiência concreta do despojamento vivido por Jesus, mesmo que o gesto em questão tenha sido involuntário. As irmãs querem realçar a postura de humildade da Madre que se abaixa diante de uma pessoa inferior. Clara queria pertencer aos menores. Trata-se de copiar a postura de Jesus.

3. Nesse mesmo período, de intensa vida em São Damião, as irmãs vão se espelhando no exemplo de Clara. Irmã Benvinda de Perúgia diz que a Madre era muito assídua na oração de dia e de noite; e lá pela meia-noite ela acordava as irmãs em silêncio, com certos sinais, para louvar a Deus. Acendia a lâmpada na igreja e, muitas vezes, tocava o sino para as Matinas. E chamava com seus sinais as Irmãs que não se levantavam com o toque do sino (Processo 2, 9). (Obs.: O ofício de Matinas hoje é chamado de Ofício das Leituras. Na Idade Média era celebrado durante a noite, o que sempre foi característica das irmãs pobres de São Damião). Clara convidava para a oração depois de ter permanecido, ela mesma, em longa oração. É sempre muito penoso interromper o sono de modo especial nas gélidas noites de inverno. Por isso, a Madre usa de toda delicadeza no despertar as irmãs. Não deixa, no entanto, de fazê-lo porque a vigília da noite faz com que as irmãs vivam a espera do Esposo que vem para as núpcias e mantém acesa a consciência da centralidade da presença de Cristo no caminho sororal bem como a condição de peregrinos e estrangeiros neste mundo ( Regra 8,2) apontando para a vinda do Senhor. Trata-se de característica de uma vida centrada na união mística com o Senhor, na qual à oração litúrgica são acrescentadas longas horas de silêncio orante. O modo de agir da Madre torna-se espelho e exemplo para as irmãs.

4. A assiduidade de Clara à oração é tema que aparece em muitos dos depoimentos do Processo. Um dia Irmã Benvinda se distrai um pouco da oração observando a Madre, por sua vez, em oração. No lugar em que Clara costumava entrar em oração, Benvinda viu um grande esplendor, tanto que pensou que fosse chama de fogo material (Processo 2, 17). Resta ainda descobrir como as irmãs se tornam participantes das experiências místicas de comunhão de Clara com seu Deus, experiências que superam o sentir ordinário, mas que são narradas com naturalidade na vida de uma sororidade centrada no único Amor. Talvez no início a irmã tenha pensado em apagar um incêndio, depois compreendeu que a chama luminosa brilhava no intimo da Madre e assim o Senhor permitia que ela penetrasse um pouco no mistério da intimidade de Clara com o seu Senhor.

5. Vejamos agora a repercussão da aprovação papal da Regra dos Frades Menores em São Damião. Este acontecimento exterior à vida do mosteiro teve muita importância também para a sororidade (fraternidade de mulheres) de São Damião. A aprovação da Regra dos Frades Menores pelo Papa Honório III, tornando-se documento oficial da Igreja, esse texto que Francisco havia escrito para seus irmãos (Bula Solet anuere, de 29 de novembro de 1223), ganhava peso. Sintetizando aquela outra Regra vivida até aquele momento e que fora sendo formada ao longo dos Capitulos anuais levando em consideração as novas situações que iam surgindo aparecia a Regra bulada. Estamos num momento crucial da vida dos frades. Uma parte importante da Ordem teve dificuldade em aceitar este texto. O texto da Regra não bulada, aquela de 1221, parecia bem mais próximo do ideal e do carisma. Os frades deveriam, no entanto, por obediência, acolher esta nova Regra. Para Clara a Regra bulada representa, de fato, o pensamento de Francisco mesmo que outros tenham ajudado na textura material de expressões que deviam conter um documento adaptado para ser um texto que tivesse aprovação papal. Clara começa a olhar para Regra nova como ponto de referência, sabendo que ela tinha uma autoridade reconhecida pela Igreja. Clara deve ter comparado o novo texto com aquele que ela tinha vivido até aquele momento. Clara parece se dar conta que sua Forma de Vida tinha pontos comuns com Regra aprovada para frades menores.