30 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - X

Por Frei Vitório Mazzuco Fº

Na Eucaristia, Francisco contempla um Deus que se dá como alimento. Um Deus que nos abraça por dentro, com um amor visceral. É preciso alimentar-se de uma força espiritual. Diz em seus Escritos: “Diariamente, ele vem a nós em aparência humilde; diariamente, ele desce do seio do Pai sobre o altar nas mãos do sacerdote.

E, assim, como ele se manifestou aos santos apóstolos na verdadeira carne, do mesmo modo ele se manifesta a nós no pão sagrado. E, assim, como eles, com a visão de seu corpo só viam a carne dele, mas contemplando-o com olhos espirituais, criam que ele é Deus, do mesmo modo também nós, vendo o pão e o vinho com os olhos do corpo, vejamos e creiamos firmemente que é vivo e verdadeiro o seu santíssimo corpo e sangue. E, desta maneira, o Senhor está sempre com seus fiéis, como ele mesmo diz: Eis que estou  convosco  até o fim dos tempos!” (14). 

A Eucaristia é um encontro de corpos, o meu corpo vai ao encontro do Corpo do Senhor; neste momento, enraizado na terra ele abraço o céu. O Corpo do Senhor é a dádiva que cada dia o céu nos proporciona. É o livre doar-se do sustento de corpo e alma. Numa de suas Cartas, Francisco diz: “Pasme o homem todo, estremeça o mundo inteiro, e exulte o céu, quando sobre o altar, nas mãos do sacerdote, está o Cristo, o Filho de Deus vivo. Ó admirável grandeza e estupenda dignidade! Ó sublime humildade! Ó humilde sublimidade: o Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, tanto se humilha a ponto de esconder-se, pela nossa salvação, sob a módica forma de pão! Vede, irmãos, a humildade de Deus e derramai diante dele vossos corações; humilhai-vos também vós, para serdes exaltados por ele. Portanto, nada de vós retenhais para vós, afim de que totalmente vos receba aquele que totalmente se vos oferece” .


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27 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - IX

Por Frei Vitório Mazzuco


Da manjedoura à cruz. O humilde está nos lugares fora do comum considerado normal. Ninguém quer a cruz, somente um Deus abraçou-a pra valer. A vida de Francisco foi ter paixão pela Paixão do Senhor. A admiração é tanta que ele olha para a cruz e não é capaz de proclamar o sofrimento. Entra no sofrimento do Amado que consegue ter brilho nos olhos e cantar. O primeiro contato de Francisco com a cruz foi nas ruínas da capela de São Damião. Um Crucifixo bizantino com o Cristo vivo e de olhos abertos. Diz a Legenda que ali a Cruz falou: “Vai, Francisco! Não vês que a minha casa está em ruínas? Reconstrói a minha  casa!”.

A cruz foi a única coisa que ele encontrou em pé em todo desmoronamento. Ele chegou a São Damião, em 1205, entre dúvidas, enigmas, crises e incompreensões. Diante da cruz, descobre que uma vontade bem trabalhada dá coisa grandiosa. Com ele aprendemos que cruz não é fim, mas, sim, fonte. É preciso encontrar, em meio a ruínas, o nosso chão, ouvir uma inspiração e colocar tudo novamente em pé. De São Damião ao Monte Alverne, onde ele recebe as marcas do Crucificado, o Amor o marca definitivamente. Traz na própria carne as marcas do Iniciado: o Amor tomou forma em seu corpo! Em São Damião, ele contempla e vê o Crucificado; no Alverne, ele entra em sua Carne Sagrada. Cruz não é para ver, mas para entrar dentro do mistério. Por não aguentar isso a tiramos das paredes.

Quando somos capazes de abrir o coração para o sofrimento de alguém, algo começa a falar dentro de nós. Ao abraçar o leproso, ele tem um encontro transformante. Amor pede encontro, pede aproximação, união, pede que se toque os dedos nas chagas. Temos que ser marcados pelo Amor, mesmo nos momentos mais difíceis. Tudo o que aconteceu na vida de Francisco foi de grande intensidade.  Ele, com a as suas chagas iguais a de Cristo, está nos dizendo que também temos que ser estigmatizados.

 Não existe ninguém que não tenha sido marcado pelo Amor sem um mínimo de sofrimento. Não devemos ter medo de abraçar o sofrimento, ele nos leva a outros horizontes. Não se chega ao Monte Alverne para ficar, mas para voltar e dizer a todos que quanto mais alguém vive uma profunda experiência afetiva espiritual, mais se torna presente. Em São Damião, Francisco viu o rosto do Amor; na Porciúncula, lugar da Fraternidade, ele viu o Corpo do Amor; no Monte Alverne, ele viu onde o Amor é capaz de chegar: morrer por amor, se for preciso!

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Extraído de: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

24 de junho de 2013

Reflexão - Caminho


“Abraçar é encostar um coração no outro”.
Rita Apoena

Quando você abraça alguém, consequentemente você também é abraçado. Um abraço é uma troca intensa de energia, carinho e amor. Um abraço sincero é capaz de curar feridas da alma, de trazer um novo vigor a quem está sem esperança. Abraçar é envolver a outra pessoa e permitir ser envolvido, sem esquivas, sem culpa, sem reter, sem guardar nada… Abraçar é sentir pulsar os corações na mesma sinergia!

No seu caminho você encontrará muitas pessoas necessitadas da sua atenção, do seu olhar, do seu tempo, do seu abraço… Então, não se negue a quem precisa de você. Tire um pouco do seu tempo para doar a quem precisa dos seus ouvidos, dos seus ombros, dos seus afetos. Como dizia Madre Tereza, podem estar precisando do seu pão ou do seu amor…

Frei Paulo Sérgio, ofm

21 de junho de 2013

Reflexão - Encantar




“Me encante com uma certa calma, sem pressa. Tente entender a minha alma”.  Pablo Neruda

Encantar é seduzir, cativar, fascinar, provocar irresistível admiração. O encantamento está na alma, no coração, no sentimento… Ele é sensibilidade que faz acontecer uma nova realidade, um novo momento… causa rupturas, cria inter-valos no ordinário da vida. Encantar é permitir que a energia do amor possa fluir na vida das pessoas; é proporcionar encontros transformadores, semear esperança, atingir os corações para que pulsem no mesmo desejo, no mesmo destinar…

Jesus sabia muito bem encantar as pessoas com seu anúncio, com Seu jeito de falar, com sua maneira de olhar nos olhos das pessoas… Com sua maneira simples, porém autêntica atingia os corações das pessoas, criava transformação em suas vidas. Hoje também devemos ter essa mesma capacidade de encantar, de criar brilho no olhar das pessoas, de falar desse amor divino que nos impulsiona a viver com mais alegria, como verdadeiros irmãos… filhos (as) do mesmo Pai do Céu!

20 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - VIII

 Por Frei Vitório Mazzuco Fº 

A mística de Francisco é seu total envolvimento com Jesus Cristo, o Deus Encarnado. Para ele, Jesus Cristo é o Deus Homem, Servo e Senhor; vai acolhendo Jesus Cristo progressivamente como um Vivente, uma imitação perfeita, uma prática, tornou-se a arte de viver Cristo. O Senhor Jesus e as Palavras de seu Evangelho são o seu vivo itinerário. É o Cristo do Presépio, da Cruz e do Altar.

Sua paixão pela Encarnação fez com que ele representasse, pela primeira vez, na noite de Natal de 1223, no bosque de Greccio, a cena do Nascimento do Senhor. No seu ímpeto místico vê, contempla, refaz. Com esta encenação do presépio, ele quer nos mostrar que entrar na Palavra é entrar na imagem. Ele vê a grandeza e a onipotência de um Deus se revelando na figura de um Menino.

Contempla com profundo afeto o Verbo Encarnado que se fez uma simples criança pobre, por amor. Francisco tem uma relação forte com o Evangelho, ali não está simplesmente um texto, mas Alguém falando. Diz Tomás de Celano: “A mais sublime vontade, o principal desejo e supremo propósito dele era observar em tudo e, por tudo, o santo Evangelho, seguir perfeitamente a doutrina e imitar e seguir os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo com toda vigilância, com todo empenho, com todo desejo, da mente e com todo fervor do coração.

Recordava-se em assídua meditação das palavras e, com penetrante consideração, rememorava as obras dele. Principalmente a humildade da encarnação e a caridade da paixão, de tal modo ocupavam a sua memória que mal queria pensar outra coisa. Deve-se, por isso, recordar e cultivar em reverente memória o que ele fez no dia do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo (...) Lembrar o Menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima as palha, entre o boi e o burro”.

Representar ao vivo a narração evangélica é ir para dentro da paisagem do mistério da Encarnação. É algo intensamente forte e vivo: “Muitas vezes, quando queria chamar o Cristo de Jesus, chamava-o também, com muito amor, de Menino de Belém, e pronunciava a palavra “Belém” como o balido de uma ovelha, enchendo a boca com a voz, mais ainda com doce afeição. Também estalava a língua quando falava “Menino de Belém!” ou “Jesus”, saboreava a doçura dessas palavras”  .  “Francisco sabe que o caminho da Encarnação é um caminho de contradição. Mas sabe que é o único. Daí aquele cena extraordinária em Greccio. Ele quer evocar os incômodos e sofrimentos que Jesus sofreu, desde a infância, para nos salvar. Deus veio pobre entre os pobres” .


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Extraído de: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

18 de junho de 2013

Reflexão - Amar


“Em última análise, precisamos amar para não adoecer”. 
Sigmund Freud

Como as pessoas ficam fortes, equilibradas e felizes quando estão seguras de seres amadas! Como o amor verdadeiro é capaz de transformar vidas, de reacender luzes, de trazer brilho nos olhares… O humano é gerado na experiência mais profunda do amor: é Deus que nos chama e nos sustenta na vida! É Ele que dá essa segurança e essa certeza: somos feitos para amar!

E amar é uma verdadeira disciplina, uma dis-posição que precisamos criar dentro de nós! Ninguém é capaz de amar se não passa por uma experiência concreta de ser amado (a). Deus engendra em nós este amor, nossos pais dão continuidade, nossas famílias, nossos (as) amigos (as), namorados (as), esposos (as)… Vamos crescendo na escola do amor, onde não mestre e nem doutores. Todos somos aprendizes!

Frei Paulo Sérgio, ofm

17 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - VII

 Por Frei Vitório Mazzuco Fº 

“Estas coisas em casa. Mas, rezando nas florestas e nos lugares solitários, enchia os bosques de gemidos, banhava os lugares de lágrimas, batia com a mão no peito e aí, encontrando como que um esconderijo mais oculto, conversava com palavras com seu Senhor. Aí respondia ao Juiz, suplicava ao Pai, conversava com o Amigo, divertia-se com o Esposo. Na verdade, para tornar todas as medulas do coração um holocausto múltiplo, propunha de maneira múltipla diante dos olhos Aquele que é Sumamente Simples. Muitas vezes, com os lábios imóveis, ruminava interiormente e, arrastando para o interior as realidades exteriores, elevava o espírito às superiores. Assim, totalmente transformado não só em orante, mas em oração, dirigia toda a atenção e todo afeto a uma única coisa que pedia ao Senhor. De quanta suavidade crês que ele estava repleto nestas coisas? Ele o soube, eu, pelo contrário, apenas admiro. Ao que faz a experiência é dado conhecer, aos que não experimentam não se concede. Deste modo, fervendo intensamente  no fervor do espírito, e todo o aspecto exterior e toda a alma completamente derretida, já morava na suprema pátria do Reino Celeste”.

Francisco sabia perfeitamente que “O Pai habita em luz inacessível, e é Espírito, e ninguém jamais o viu”.  Deus é um ser misterioso e transcendente e assim se apresenta na experiência de Francisco. Como homem místico ele é assinalado com a experiência fortíssima do Deus Mistério, e a utiliza, assim chamada mística da teologia negativa, para dar uma primeira categorização da transcendência divina: Deus é inenarrável, inefável, incompreensível, ininvestigável, imitável, invisível. É um Deus fora de qualquer conceito, incompreensível no plano da introspecção intelectual.

O que o encanta em Deus é o modo como Ele se dá em sua infinita generosidade. Em Deus, Francisco vê o Pobre de todos os pobres porque faz esparramar a sua bondade sobre todas as coisas. Em Deus ele encontra o primeiro fundamento de sua vida de pobreza e serviço. Francisco nos ensina que servir é algo divino porque o próprio Deus é o grande Servo do universo. Na bondade de Deus, Francisco aprende a ser um servo bom, um obediente servo que admira a grandeza de seu Senhor. A bondade vem da obediência e da fidelidade. Servo que não é bom não dá conta. Ser servo não é só ter a intensão de servir, tem que servir bem e na inspiração da bondade do Senhor. O jeito da vassalagem medieval não se justifica pela intenção, mas pelo trabalho de ser bom e leal. Francisco nos evoca que, um raio apenas do Irmão Sol, mostra a bondade de Deus em nos servir.

Em suas preces a relação com o Senhor é intensa, a sua oração se alimenta da real presença de Deus e não de sentimentalismo. A real presença de Deus traz-lhe vestígios que devem ser imitados. Para Francisco, Deus, ao se manifestar, não se revela como majestade, força, doador supremo, enfim como ser supremo; mas sim como Servo cheio de benignidade, bondade, gratuidade, graça, serviço. Deus é o Servo de toda humana criatura e de todos os seres. “Meu Deus e meu Tudo!”, assim exclama, admira, contempla, repete noite adentro, horas inteiras, invoca... adensa a sua experiência em saborear a presença palpável do Sagrado.


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Extraído de: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

16 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - VI

 Por Frei Vitório Mazzuco Fº 

 Francisco não criou uma escola teológica, mas sua teologia é uma descoberta feita na prática dos divinos mistérios que acompanham o seu itinerário. A sua mística é mergulhar no Deus Altíssimo. Do Beato Egídio, companheiro de São Francisco e grande contemplativo, temos a afirmação de uma profundidade e atualidade extraordinária: “O homem faz de Deus uma imagem segundo a sua compreensão, mas Deus é sempre tal e qual”.  A partir deste Dito de Frei Egídio, podemos dizer da singularidade de São Fran cisco e sua experiência de Deus: ele deixa Deus ser Deus. O Santo de Assis é, sobretudo, conhecido como o amante da Senhora Dama Pobreza, como o cantor das belezas criadas, como o homem evangélico por excelência, como o verdadeiro frade menor, mas nos seus Escritos e nas Fontes Franciscanas ele é apresentado como o “Servo de Deus”;  e entre os seus primeiros biógrafos encontram-se numerosas afirmações que centralizam a experiência primária de Francisco como experiência de Deus.

Francisco transferiu a sua relação com Deus a um plano de concretude  transparente e intensamente vivida. Hoje, ele ainda é qualificado como o “Peregrino do Absoluto”. Vejamos as evidências da mística de Francisco nestes relatos de seu biógrafo Tomás de Celano: “Francisco, o homem de Deus, corporalmente distante do Senhor, lutava para manter o espírito presente no céu; e, já feito concidadão  dos anjos, somente a parede  da carne o separava. Toda a sua alma tinha sede de seu Cristo, ele lhe dedicava não só todo o coração, mas também todo o corpo. Relatamos umas poucas maravilhas das suas orações a serem imitadas pelos pósteros, o quanto vimos com nossos olhos, conforme é possível transmitir a ouvidos humanos.

Fazia de todo o tempo um ócio santo para gravar a sabedoria no coração, para parecer que não fracassava, caso não progredisse. Se por acaso as visitas dos seculares ou quaisquer negócios o surpreendiam, interrompendo-o antes de terminar, ele voltava novamente às realidades interiores. Na verdade, o mundo era insípido para quem se alimentava da doçura celeste, e as delícias divinas o fizeram delicado para as grosserias dos homens. Para não estar sem cela, fazia do manto uma pequena cela. Muitas vezes, faltando-lhe o manto, para não revelar o maná escondido, cobria o rosto com a manga. Sempre interpunha algo aos presentes, para que não conhecessem o toque do esposo, de modo que inserido entre muitos no estreito espaço de um navio, rezava sem ser visto. Finalmente, não podendo nada destas coisas, fazia do peito um templo. O esquecimento de si e a absorção em Deus fizeram desaparecer tosses e gemidos, respirações duras e gestos externos”.

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Extraído de: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/


15 de junho de 2013

Reflexão - Missão



“Quem não pode fazer grandes coisas, faça ao menos o que estiver na medida de suas forças; certamente não ficará sem recompensa”.
 Santo Antônio

Cada pessoa tem uma missão a realizar nesta vida. É Deus que nos concede os dons e talentos para serem desenvolvidos, para fazer a vida mais bonita e mais feliz. E nessa partilha das aptidões e talentos vamos aprendendo que o altruísmo e a solidariedade valem muito mais que o egoísmo e o isolamento. São aqueles que proporcionam uma vivência mais fraterna e permitem uma vida ungida pelo óleo do amor de Deus.

Santo Antônio nos convida a fazer aquilo que podemos fazer. Deus não espera de nós mais do que podemos. E, se assim fizermos, com certeza estaremos criando correntes de alegria, de amor e de esperança. Seremos lembrados pelo bem que fizermos, pelo amor que semeamos, pela alegria que compartilhamos. Então, vamos em frente, na certeza que Deus nos abençoe nos guarde no Seu amor de Pai…

Frei Paulo Sérgio, ofm

14 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - V

 FRANCISCO E A  MÍSTICA

Por Frei Vitório Mazzuco Fº


Mística é a introdução nos mistérios do sagrado e da vida, é estar imerso na vida com as motivações mais profundas. Francisco, ao dispor-se à vida, ao buscar o que ele mesmo não sabia, deixou-se conduzir pelo Senhor, deixou-se conduzir pelos confrontos e foi conduzido ao que procurava. Diz ele em seu Testamento: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo”.  Mística também significa guardar um segredo, recolher-se para colher o melhor; entrar na intimidade de Deus, de si mesmo, da vida. Francisco, quando olha de um modo intenso para si mesmo, é porque primeiro olhou para Deus; saiu do rumor da cidade e recolheu-se nas cavernas, florestas e eremos; para ele, os eremitérios não eram lugares para ficar, mas para sair. Chegar ali, abastecer-se de silêncio, prece e recolhimento e sair. O eremo não acentuava um isolamento, uma alienação, uma fuga da convivência, um individualismo, mas um preparar-se para a fraternidade, para a comunidade. Hoje, muita gente fracassa socialmente porque não tem o recolhimento da profundidade pessoal.

Mística é o húmus que faz desabrochar, o oculto que desvela a intimidade que transparece. É beber na fonte de toda inspiração, ter as mais fortes convicções. A sua vontade bem trabalhada é o fio condutor de sua vida e que coloca a sua vida em movimento; a sua mística é a energia de amor e fé que passa por dentro deste fio; é uma energia divina  que acende e faz com que o mundo inteiro se ilumine com a presença de Deus em Francisco.

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Extraído de: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

12 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - IV

Por Frei Vitório Mazzuco Fº


No título desta reflexão o chamamos como ele é mundialmente e carinhosamente conhecido, IL Poverello, pois é o santo da pobreza e dos pobres. Mas que pobreza é esta? Não é o conceito dos que estão fora da categoria econômico-financeira, mas sim a coragem de colocar tudo em comum. Isto mesmo! Ser pobre no sentido do Evangelho é compartilhar. É se afastar de toda forma de egoísmo para dividir o eu, as ideias e o bolso. A renúncia de si mesmo para a conquista de uma liberdade interior que o faz livre, leve, solto, mão aberta e matinal. Francisco filtra a vida cristã a seu modo e a modo do Mestre Jesus, que na pobreza material do dar e receber; e na pobreza interior que é ser desapropriado, humilde e simples, vão gerando o Reino. Pobreza é a não posse; é aquela ousadia de abandonar a casa de Pedro Bernardone com toda sua segurança  para confiar-se à Fraternidade. Pobreza não é renúncia forçada das coisas, mas restituição voluntária de tudo ao Único Dono. Francisco nos ensinou que pobreza é encontrar a verdade de nós mesmos e, com isso, possuir a Única Riqueza que satisfaz o coração humano: Amar e ser Feliz!

Ele é o Penitente. O que é penitência no sentido medieval? Não é castigo, condenação ou gesto externo de mortificação, abstinência, jejum, dieta, vigílias, privação do agradável, infligir dor corporal. Penitência verdadeira é eliminar excessos: de egoísmo, ostentação, comida, apegos materiais, palavras banais, ansiedade, impaciência, intolerância. O verdadeiro penitente é aquele que cada dia pergunta: que está exagerado em mim? E vai aparando as arestas do que tem de sobra, do que tem de mais negativo, para chegar à medida exata do coração. E qual é a medida exta do coração? Teologicamente é voltar cada dia aos caminhos do Senhor; eticamente é fugir de qualquer possibilidade do mal; afetivamente é amar intensamente, incondicionalmente e fazer continuamente o bem sem importar a quem. Ele é uma moderação contida, uma sensibilidade equilibrada, um espectador  atento do  belo espetáculo  da vida. A penitência de Francisco não era sair fazendo exageros, mas estar ao lado dos que sofriam, comer o que o povo come.

Quando afirmamos que ele é o Arquétipo da Síntese é porque a sua mística é simples: ele é um homem encarnado até o pescoço no infinito; em sua vida o finito evoca o infinito. Nele a alteridade é assim: ser fraterno sempre! Francisco e seu grupo primitivo de frades não fizeram fraternidade através da simpatia ou empatia pessoal; fizeram da fraternidade uma escuta comum da vontade do outro e uma convocação exigente para viver a beleza, a dignidade, as diferenças e os limites do outro. O feminino emergiu nele porque Maria, a Mãe Divina, e Clara de Assis o inspiraram a pensar assim: “Francisco, se você quer ser a sabedoria de um pobre, viva no vigor do Espírito, na Sensibilidade Vital da percepção que penetra através da superfície da realidade e acolhe a vida com admiração, reverência, coração, ternura e amor”. O diálogo inter-religioso é sua ida ao Oriente,  conversar com o sultão no diferente da crença e no igual da mesma fome e sede de fé. O princípio ecológico de Francisco é a capacidade de maravilhar-se diante da grandeza das obras da Criação e a atuação do Divino Criador nos detalhes de tudo.

Ele é um itinerário espiritual e um humano evoluído, uma convocação para um tipo melhor de humanidade a qual todos somos chamados. Sua atração nos tempos de hoje é que ele, cada vez mais, lido, conhecido, reverenciado e buscado contribui para o ressurgimento de um novo tipo de ser humano.


10 de junho de 2013

Francisco de Assis, modelo referencial do humano - III



Por Frei Vitório Mazzuco Fº

Renunciou às coisas que a casa de Bernardone oferecia, porque estava na utilidade serviçal das coisas e não no domínio sobre elas. Para nós, o céu é um lugar; para Francisco é Alguém. Seu pai queria que ele fosse o administrador de seus bens, do patrimônio e moedas. Francisco espalhou o dinheiro do pai nas tabernas e boêmia, nas esmolas e cortesia. Francisco não tinha medo do dinheiro, mas sim do abuso e da escravidão que ele pode criar. Seu jeito convida as pessoas de seu século a um rigoroso exame de consciência: que o dinheiro que contagiou a passagem do feudalismo às novas “comunes”, que sempre é importante para as necessidades passageiras, não bloqueie os desejos perenes de felicidade. Ele ensinou a dividir prodigamente; pois quando a humanidade não divide, experimenta estas crises cíclicas de ter muito e não ter nada. Francisco preferiu viver a serenidade do apenas necessário que nunca termina. Francisco não amontoou dinheiro para não amontoar poder.

Francisco não é um cortesão de ricos e nem adulador de pobres. Não considera a situação através do prisma de uma classe social, de um partido político, ou de uma ideologia; ele pensa, vive, age e julga, vai para junto, a partir do modelo do Evangelho que o inspira. O anúncio levado aos simples, pobres e pequenos faz dele a Boa Nova entre os desafortunados de se tempo. Abraçar, beijar e curar feridas de leprosos era deixar-se beijar por uma Inspiração, que se tornou práxis. Ele não é um revolucionário preso a uma barulhenta militância, mas instaura a verdadeira revolução dos autenticamente convertidos: de uma súbita mudança pessoal para uma concreta transformação do comum. Hoje, há organizações, governamentais ou não, que querem a obra, mas não o doente; querem a creche, mas não a criança. Francisco abraçou prioritariamente o humano desesperançoso e descuidado.

Ele não deixou o mundo, mas mudou completamente o seu modo de estar no mundo. É um santo de legenda, não somente uma legenda humana medieval, mas uma legenda divina encarnada a nos ensinar que é preciso submeter o corpo da existência que eu sou às exigências do Espírito. Foi à comunidade humana e disse: “Pace bene, buona gente! Eu estou muito bem entre vocês!” Foi o seu primeiro gesto de generosa atenção e mostrou que o estar no meio de todos de um modo disponível já é um sinal da sua pobreza.

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9 de junho de 2013

“Ser radicalmente pobre para ser plenamente irmão"


Por Leonardo Boff (*)

Uma  das primeiras palavras do Papa Francisco foi: “gostaria de uma Igreja pobre para os pobres”. Este desiderato está na linha do espírito de São Francisco, chamado de Poverello, o Pobrezinho de Assis. Ele não pretendeu gestar uma Igreja pobre para os pobres, pois isso seria irrealizável dentro do regime de cristandade, onde a Igreja detinha todo o poder. Mas criou ao seu redor um movimento e uma comunidade de pobres com os pobres e como os pobres.

Em termos de extração de classe, Francisco pertencia à afluente burguesia local. Seu pai era um rico mercador de tecidos. Como jovem liderava um grupo de amigos boêmios - jeunesse dorée - que viviam em festas e cantando os jograis do Sul da França. Já adulto, passou por uma forte crise existencial. De dentro desta crise irrompeu nele uma inexplicável misericórdia e amor pelos pobres,  especialmente, pelos hansenianos, incomunicáveis, fora da cidade. Largou a família e os negócios, assumiu a radical pobreza evangélica e foi morar com os hansenianos. O Jesus pobre e crucificado e os pobres reais foram os móveis de sua mudança de vida. Passou dois anos em orações e penitências, até que interiormente ouviu um chamado do Crucificado: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruinas”.

Custou a entender que não se tratava de algo material, mas de uma missão espiritual. Saiu pelos caminhos pregando nos burgos o evangelho em língua popular. Mas o faz com tanta jovialidade, “grazie” e força de convencimento que fascinou alguns de seus antigos companheiros. Em 1209 conseguiu do Papa Inocêncio III a aprovação de sua “loucura” evangélica. Começou o movimento franciscano que em menos de vinte anos chegou a mais de cinco mil seguidores.

Quatro eixos estruturam o movimento: o amor apaixonado ao Cristo crucificado, o amor terno e fra-terno para com os pobres, a “senhora dama” pobreza, a genuína simplicidade e a grande humildade.

Deixando de lado os outros eixos, tentemos compreender como Francisco via e convivia com os pobres. Nada fez para os pobres (algum lazareto ou obra assistencial); muito fez com os pobres, pois os incluía na pregação do evangelho e onde podia estava junto deles; mas fez mais: viveu como os pobres. Assumiu sua vida, seus costumes, beijava-os, limpava suas feridas e comia com eles. Fez-se um pobre entre os pobres. E se encontrasse alguém mais pobre que ele, dava-lhe parte de sua roupa para ser realmente o mais pobre dos pobres.

A pobreza não consiste em não ter, mas na capacidade de dar e mais uma vez dar até se expropriar de tudo. Não é um caminho ascético. Mas a mediação para uma excelência incomparável: a identificação com o Cristo pobre e com os pobres com os quais estabeleceu uma relação de fraternidade.

Francisco havia intuído que as posses se colocam entre as pessoas, impedindo o olho no olho e o coração com o coração. São os interesses, o que fica entre (inter-esse) as pessoas, que criam obstáculos à fraternidade. A pobreza é o permanente esforço de remover as posses e interesses de qualquer tipo para que daí resulte a verdadeira fraternidade. Ser radicalmente pobre para poder ser plenamente irmão: este é o projeto de Francisco; daí a importância da radical pobreza.

Convenhamos que a pobreza assim extrema era pesada e dura. Ninguém vive só de mística. A existência no corpo e no mundo coloca exigências que não podem ser contrafeitas. Como humanizar esta desumanização real que comporta este tipo de pobreza? As fontes da época testemunham que os frades pareciam “silvestres homines (uns selvagens) que comem pouquíssimo, andam descalços e se vestem com as piores roupas”. Mas, por espanto dizem, nunca perdem a alegria e o bom humor.

É neste contexto de extrema pobreza que Francisco valoriza a fraternidade. A pobreza de cada um é um desafio para o outro cuidar dele e o buscar, pela esmola ou pelo trabalho, o mínimo necessário, dar-lhe abrigo e segurança. Com isso o ter é desbancado em sua pretensão de conferir segurança e humanização. Francisco quer que cada frade cumpra a missão de mãe para com o outro, pois as mães sabem cuidar, especialmente, dos doentes. Só o cuidado recíproco humaniza a existência como bem o mostrou M. Heidegger em seu Ser e Tempo.

Para quem vivia totalmente desprotegido, a fraternidade significava efetivamente tudo. O biógrafo Tomás de Celano descreve a jovialidade e alegria no meio da rude pobreza. Assinala: “cheios de saudade procuravam encontrar-se; felizes eram quando podiam estar juntos; a separação era dolorosa, amarga a partida, triste a separação”. O despojamento total os abria para o desfrute das belezas do mundo, pois não as queriam possuir, apenas saborear.

São muitas as lições que se poderiam tirar desta aventura espiritual. Fiquemos apenas numa: para Francisco as relações humanas devem se construir sempre a partir dos que não são e não tem na visão dos poderosos. Devem ser abraçados como irmãos. Só uma fraternidade que vem de baixo e que a partir daí engloba os demais, é verdadeiramente humana e tem sustentabilidade. A Igreja, como a temos hoje, nunca será como os pobres. Mas pode ser para e com os pobres como o sonha o Papa Francisco.

(*) Leonardo Boff é autor de “São Francisco de Assis: ternura e vigor”, da Editora Vozes 1999.

8 de junho de 2013

Especial: Santo Antônio de Pádua - Iconografia Antoniana



Do grego, ícone (eicón) traz consigo uma idéia de imagem, representação de uma coisa sagrada. Iconografia, como derivada, é a ciência que caracteriza o estudo, a descrição e os conhecimentos de imagens.

Há, de certa forma, na palavra um relativo equívoco, uma vez que ícone é uma representação plana (quadro) e não tridimensional (imagem). Mas como modernamente iconografia é a ciência dos quadros e imagens sacras, vamos lá. Quase como sinônimo, temos a palavra iconologia.

Toda imagem, toda obra de arte, tem em si uma leitura, feita através de atributos e sinais identificadores. Essa leitura pode mudar de acordo com os tempos, os enfoques históricos e a interposição de ciências particulares.

O artista coloca suas palavras através da obra de arte que ele cria. O público, através dos tempos, estabelece critérios de leitura e releitura das obras de arte, sejam elas mundanas ou sacras.

Os símbolos favorecem a hermenêutica, a leitura interpretativa de uma imagem. Os atributos detalham a simbologia. A iconografia de Santo Antônio – pinturas, estátuas e outras expressões artísticas – apresenta grande variedade e riqueza e propicia uma leitura muito ampla da vida e da santidade do retratado.

Olhando as imagens, santinhos e quadros mais conhecidos, nota-se logo a incidência de alguns traços e símbolos que permitem a diferenciação. Como sabemos a diferença, por exemplo, entre São Jorge e São José?

A iconografia nos dá muitas pistas: um aparece vestido de guerreiro, montado a cavalo, combatendo um dragão. O outro é representado por um homem idoso, com o menino Jesus no colo, e geralmente portando um lírio ou um bastão de peregrino. Uma breve visão iconográfica nos possibilita a identificação.

A iconografia é, sem dúvida, uma bela e significativa expressão da religiosidade popular. O povo cria suas imagens, onde o homenageado é quase sempre jovem, belo, transpira santidade e veste-se, quando não ricamente, pelo menos de modo bem apurado.
É a representação, por exemplo, em imagens de Nossa Senhora, onde ela aparece ricamente vestida, com jóias e coroa de ouro na cabeça. O imaginário popular exacerba-se na representação devocional.

A iconografia inspira a evolução de religiosidade. Nessa práxis, os devotos apreciam mais olhar a imagem ou o santinho, do que ler a biografia ou estudar os escritos ou discursos do santo homenageado.

Na verdade, por uma leitura correta dos símbolos e atributos de uma imagem, podem-se estabelecer alguns traços da biografia de um santo.
Para avançar, vejamos a diferença entre símbolos e atributos, em iconografia.
Os símbolos dão a idéia geral da imagem e alguns critérios de interpretação. Por exemplo, na imagem de Santo Antônio, há símbolos de santidade, pertença à Ordem Franciscana, eleição divina e indicação de que foi pregador.
Esses símbolos, santidade, eleição, pregador e franciscano, são mais ou menos universais e imutáveis. Os atributos, que os caracterizam, o lírio, o menino, a Bíblia e o hábito são mutáveis e sujeitos, a cada época, a um tipo de leitura.

Vejamos os atributos:

a) O hábito franciscano - É um atributo que aparece desde a primeira hora e sempre serviu como mesma chave-de-leitura: quer dizer que ele foi franciscano. No século XV apareceram algumas breves representações que mostravam o santo com um hábito cinza, dos penitentes ou mendicantes; o corte tonsurado do cabelo tem o mesmo significado.

b) O livro (o atributo mais antigo) - Representa o Evangelho e a sabedoria de Antônio, primeiro mestre de Teologia da Ordem dos Frades Menores e doutor da Igreja. Lembra o pregador que arrebatava as multidões com as palavras do Evangelho. Por sua sabedoria bíblica, o Papa Gregório IX chamou-o de “Armário (Arca) do Testamento”.

c) O menino - O menino é visto em três tipos de representação:

1. Em cima do livro: em geral aparece sobre o livro aberto que o santo tem na mão, em gesto de quem abençoa, ou, usando um gesto de origem grega, com os dedos médio e indicador levantados, juntos, como a chamar a atenção para alguém que vai falar (no caso, o santo, pregando); pode representar a visão presenciada pelo Conde Tiso, em sua residência; o estar em cima do livro (Bíblia) evoca a característica de Frei Antônio como pregador do Verbo encarnado; o menino, segundo algumas fontes, nos primeiros tempos, não seria Jesus, mas as crianças, por quem o santo tinha enorme predileção; numa obra de El Greco, o menino (Jesus) aparece como brotando das páginas do livro, onde Antônio mostra a revelação do Verbo.

2. No colo do santo: em outras representações, o livro aparece de lado, e o menino Jesus está no colo de Antônio, numa atitude de extraordinária familiaridade, acariciando-lhe o rosto.

3. Sendo mostrado ao santo, pela Virgem Maria: Um quadro (reproduzido em alguns “santinhos”, mostra a Virgem apresentando o Filho à adoração de Antônio).

d) O lírio - O lírio é um símbolo-atributo que aparece nas representações artísticas após o século XV e se toma popularíssimo; tem dois significados: o mais antigo remete a Pádua; o lírio é a flor da estação na qual Antônio morreu; é a flor do campo, ornamental, perfumada,medicinal e frágil. O outro significado simbólico, posterior ao primeiro, refere-se à pureza, à castidade, à pobreza e ao vigor do testemunho de vida, na entrega do coração virginal a Deus. Há ainda um terceiro atributo, paralelo: a natureza, mostrada, pelos franciscanos, como sinal de Deus.

e) A cruz na mão - A cruz na mão (do século XVI) pode significar duas coisas: o espírito missionário do santo, ou, seu desejo de tomar-se um mártir da fé.

f) Os pés desencontrados - Se observarmos as imagens de Santo Antônio, veremos que seus pés não estão um ao lado do outro, mas um mais à frente do outro; trata-se de um indicativo de “em marcha”, “a caminho”, atitude que sempre caracterizou seu trabalho missionário.

g) A fisionomia adolescente - O rosto jovem, alegre e belo é consequência, como já vimos, daquela perfeição que a religiosidade popular passa à arte, relativamente aos santos e bem-aventurados; significa, também, a jovialidade do espírito do cristão.

h) O pão - Em certas obras de arte antigas (século XVI-XVII) vê-se o santo distribuindo o “pão dos pobres”; esse atributo é o mais recente; apareceu em Messina, na Sicília, em meados do século XIX, durante uma época de fome.

i) A chama - A chama de fogo que aparece em alguns ícones, especialmente orientais, simboliza o amor divino, o zelo e a paixão do santo por Jesus e seu Evangelho.

j) A nogueira - Esta é uma representação não muito conhecida; pouco antes de morrer, com falta de ar, Frei Antônio pediu que armassem sua cela no topo de uma nogueira frondosa, possivelmente nas propriedades do Conde Tiso. O santo já estava doente; falam em hidropisia e asma; há quem suspeite de obesidade (“adquirira certa corpulência…”) e diabetes; ali, além da altura (que proporcionava o ar fresco), o odor das resinas da árvore mantinha-o defendido dos mosquitos; pois mesmo ali vinha gente ouvir sua palavra. Uma pintura renascentista mostra o santo em cima da árvore, pregando ao povo, sentado, com a Bíblia na mão, como se estivesse numa cátedra, tendo, abaixo de si, São Boaventura, na época, o coordenador geral dos franciscanos; o estar na árvore é figura do desprender-se da vida terrena, já que o santo estava nos últimos dias de vida.

l) O terço - Para explicitar que Santo Antônio era um homem de oração, a iconografia do século XVI representou-o com um terço pendurado à cintura. O terço foi criado por São Domingos de Guzman (f 1221), utilizando antigos modelos orientais.
Há vários aspectos da vida, das pregações e dos milagres de Santo Antônio constantes de sua iconografia. O “sermão aos peixes”, em Rimini, o “coração do avarento dentro do cofre”, em Florença, “a mula ajoelhada diante do Santíssimo” em Rimini, fazem parte desse emocionante acervo, criado por mestres da pintura. A morte do santo, em Arcella, e lá fora as crianças fazendo o miraculoso anúncio, está magistralmente pintada numa obra de Murillo.

A icnografia leva-nos, como foi dito, a uma leitura analítica mais atenta de todos os símbolos e atributos que a devoção popular e oficial creditaram aos santos. Iconografia é para se ver e entender, independentemente de valores estéticos. Uma obra de arte, seja um quadro sofisticado ou uma rude representação popular, não é para ser achada bonita ou feia, mas para ser entendido o seu sentido.
No caso místico, as imagens de Deus e dos santos servem para criar aquela aproximação física que nossas carências reclamam, para um ajutório de memória, e para avivar a fé, relembrando as práticas e os sacrifícios daquele que está ali retratado.
E nós, hoje? Somos daqueles que entendemos que, pelo fato de possuirmos essa ou aquela imagem em nossa casa, já temos comunhão com quem está ali representado? Há pessoas que vão à igreja, oram diante das imagens, acendem velas e esquecem-se de reverenciar a Cristo, vivo e presente ali na Eucaristia. Somos desses?
Temos formação suficiente que nos dê uma exata noção entre santidade e divindade, imagem, representação, mediação, pessoa e divindade?

Extraído do livro “Santo Antônio, a realidade e o mito”, de Carmen Sílvia Machado Galvão e Antônio Mesquista Galvão, da Editora Vozes

7 de junho de 2013

“Um coração que não cabia no peito”

Elevado na Cruz, entregou-se a nós com  imenso amor.  E de seu lado aberto pela lança fez jorrar, com a água e o sangue, os sacramentos da Igreja  para que todos, atraídos ao seu Coração, pudessem  beber com perene alegria na fonte salvadora  (Prefácio  do Sagrado Coração de Jesus)

 Somos discípulos do Senhor. Muitos nascemos em famílias cristãs e, desde nossa mais tenra infância, aprendemos a contemplar imagens e gravuras do Coração de nosso Mestre e Senhor. Ousaria afirmar que uma das primeiras manifestações do Senhor ao nosso coração se deram através do olhar que lançamos para estas gravuras, por meio da quais o Senhor nos olhou. Quem sabe, ainda em nosso berço, com poucos meses de vida,  já aninhávamos dentro de nós  esse  Jesus com traços de grande amor e de infinita misericórdia. Somos cristãos, encontramos abrigo na fresta do peito aberto do Senhor.

Antes de mais nada fazemos uma  observação quase trivial. Gostamos de dizer a quem amamos de verdade: “Eu te amo de todo o meu coração!” Uma tal declaração não pode ser entendida como mera expressão de sentimentalismo. Quando queremos bem a alguém de verdade queremos significar que a pessoa pode contar conosco, com nossos cuidados, nossa ajuda, nosso apreço, com o que tivermos de melhor. Ela pode bater à porta quando quiser, poderá receber ajuda na solução de seus impasses e, eventualmente, estamos até prontos para perdoar. Os que amamos de todo o coração não esquecemos, estão presentes em nossas orações,  eles contam aos nossos olhos. De alguma forma, podemos dizer damos a vida por eles.

Ora, declarações e posturas de Jesus, consignadas nos evangelhos, estão  a nos dizer que  Jesus é a expressão mais nítida e acabada de um Senhor grande e belo que nos ama. Ele veio na noite dos tempos viver nossa vida,  percorrer os caminhos que são os nossos, beber da água de nossas fontes, olhar e contemplar os dourados campos de trigais, anunciar um tempo de graça, pedir a transformação de nosso interior,  que deixemos as desavenças e tentemos fazer e construir uma terra de irmãos e de reconciliação. Com amor eterno, esse Jesus, expressão acabada do amor do Pai, se volta para nós.

Encanta-nos ouvir a  parábola do samaritano que é bom. Ele vai pelos caminhos do mundo. Vê o que se passa à sua volta. Observa com um coração pleno de atenção. Vê esse ser humano entre a vida e a morte, na desesperança. Toma o tempo necessário. Desce da montaria. Socorre o indigente. Leva-o  para um espaço onde possa ser curado. Cobre as despesas. Promete ao dono da hospedaria voltar e pagar novas despesas. Ama desinteressadamente.  A tradição sempre identificou este homem com o Cristo que ama os jogados à beira da estrada. Muitos fazemos essa experiência, a de perdição, de morte à vista de um universo sem  luz. Fazemos a dolorida experiência do pecado e da solidão. O  samaritano bom é aquele que tem o peito aberto e  nos prodiga o perdão, levanta-nos do desânimo e nos leva para albergue do seu coração aberto pela lança do soldado.  Lá é a hospedaria.  Os custos pelo cuidar de nós foram vultosos e pagos no madeiro da cruz.

Outra cena. Outro momento em que a bondade do Senhor se manifesta. Uma cena entre muitíssimas outras. Aquele homem devia ser jovem. Havia escutado o Mestre e se encantado com seus gestos e suas palavras. Chega perto e pergunta: “Mestre, que  devo fazer para ingressar nesse mundo de beleza que é o teu?”.  “Tu simplesmente observarás os mandamentos do amor”, respondeu o  Mestre.  E o jovem:  “Desde a minha infância observo de coração os mandamentos”.  E Jesus o olhou com amor. Um  homem reto que tocou o coração do Senhor, o coração daquele que veio para amar de  todo o coração. Pena que esse jovem não tenha tido a coragem de  ir até o fim, de deixar tudo e seguir com toda radicalidade o Mestre que tinha um coração que não cabia em seu peito.

Uma terceira cena. Esta se passa no espaço do Calvário.  Jesus e salteadores tinham sido presos a cruzes. O Mestre  não  tem mais posição na cruz. Não sabe até quando poderá aguentar. Um ladrão dirige-lhe a palavra. Pede-lhe um passaporte  para entrar no mundo novo de que falava o Mestre da cruz do centro.  “Hoje mesmo estarás comigo no mundo novo, tudo que andaste  por caminhos travessos.  Passada esta tormenta  estaremos juntos no mundo do meu Pai”.

Comemorar a solenidade do Coração do  Redentor é contemplar esses gestos de bondade do Deus belo que foram colocados por  Jesus. É ter a certeza de que continuamos sendo lavados pela água do Coração e alimentados pelo sangue que correu dessa santa e abençoada  Fenda  na estalagem da Igreja.

Os que têm consciência de terem sido objeto do amor deste  imenso Coração entram  num caminho de arrependimento e gastam o tempo de sua vida em  tornar o Amor amado. Celebrar a solenidade do Coração do  Senhor é tomar consciência de que este peito amou desmedidamente.

Os homens, contemplando o peito aberto de Jesus na Cruz,  puderam compreender até que ponto Deus nos ama. “No Calvário tudo parecia acabado; e é verdade para os que crucificaram  Jesus;  mas o discípulo amado compreende que tudo começa agora num plano mais elevado. Vê o pleno significado daquele sacrifício: o verdadeiro Cordeiro foi imolado  na verdadeira Páscoa para a mais verdadeira e plena libertação dos homens da escravidão do ódio, do mal, do pecado: “Aquele era um dia solene!” É o amor que triunfa, que “se abre” (o coração traspassado é o símbolo disso) para derramar  sobre os homens as fontes da graça (o sangue e a água,  símbolo dos sacramentos)  e finalmente os homens verão e compreenderão com que Deus os amou (…).  A celebração de  hoje é uma exaltação é uma exaltação do Amor, mostra que tudo é devido ao amor; da criação à redenção, o eterno destino de glória na plenitude do Amor-Deus. Nada mais viril, nada mais forte do que o amor divino-humano do Cristo, nada  mais valoroso, mais nobre do que reconhecer e  retribuir este amor” (Missal Dominical da Paulus, p. 522).

Frei Almir Ribeiro Guimarães , OFM

Extraído de: http://www.franciscanos.org.br/

4 de junho de 2013

Especial: Santo Antônio de Pádua


Carta de João Paulo II pelo 8º centenário.
Precisamente porque estava cheio de amor pelo Cristo e pelo Evangelho, Santo Antônio “ilustrava com espírito de amor a divina sabedoria que ele tinha tirado da leitura assídua das Sagradas Escrituras” (Pio XI, Carta Apost. “Antoniana sollemnia”, 1.3.1941).

As Sagrada Escritura era para ele a “terra parturiens” que faz nascer a fé, funda a moral e atrai a alma por sua doçura (cf. Sermones, Prólogo, 1,1). Recolhida numa meditação plena de amor pela Sagrada Escritura, a alma se abre – segundo sua expressão - “ad divinitatis arcanum”. No curso de seu itinerário para Deus, Antônio nutriu seu espírito neste segredo insondável, encontrando aí sua sabedoria e sua doutrina, sua força apostólica e sua esperança, seu zelo infatigável e sua ardente caridade.

É da sede de Deus, do anseio por Cristo que nasce a Teologia; para Santo Antônio, ela era a irradiação de seu amor por Cristo: uma sabedoria de um valor inestimável e uma ciência de conhecimento intuitivo (cognição); um cântico novo “in aure Dei dulce resonans et animam innovans” (cf. Sermones, III, 55, e I, 225).

Santo Antônio viveu uma maneira de estudar com uma paixão que o acompanhou ao longo de toda a sua vida franciscana. O próprio São Francisco o havia escolhido para ensinar “a santa Teologia aos irmãos”, recomendando-lhe, no entanto, que cuidasse nesta tarefa, de não extinguir seu espírito de oração e de devoção (cf. Fontes Franciscanas, p. 75).
Ele empregou todos os meios científicos, que então se conheciam, para aprofundar o conhecimento da verdade evangélica e tornar seu anúncio mais compreensível. O sucesso de sua pregação confirma o fato de que ele soube falar a linguagem de seus ouvintes, conseguindo transmitir de uma maneira eficaz o conteúdo da fé e fazendo com que a cultura popular de seu tempo acolhesse os valores do Evangelho.

Desejo de todo o coração que as celebrações do centenário de Santo Antônio permitam a toda a Igreja conhecer sempre melhor o testemunho, a mensagem, a sabedoria e o ardor missionário de um tão grande discípulo de Cristo e do Pobrezinho de Assis.
Sua pregação, seus escritos, e sobretudo a santidade de sua vida ofereçam também aos homens de nosso tempo indicações muito vivas e estimulantes no que diz respeito aos esforços necessários à nova evangelização. Hoje, como naquele tempo, nós temos necessidade de uma catequese renovada, fundada sobre a Palavra de Deus, especialmente sobre os Evangelhos, para levar o mundo cristão a compreender de novo o valor da Revelação e da fé.

A comunidade dos fiéis deve tomar consciência sempre nova da eterna atualidade do Evangelho, reconhecendo que, através da pregação, a figura do Verbo encarnado se nos apresenta de novo, como se realizou pela pregação de Santo Antônio, autêntica, atual, próxima de nossa história, rica em graça e capaz de suscitar nos corações uma intensa efusão de caridade sobrenatural.
Os escritos de Santo Antônio, tão ricos de doutrina bíblica, mas igualmente tão intensamente portadores de exortações espirituais e morais, são ainda hoje um modelo e guia para a pregação.

Entre outras coisas, eles mostram amplamente quanto, dentro da celebração litúrgica, o ensinamento homilético pode levar os fiéis a fazerem a experiência da presença atual do Cristo que ainda anuncia o Evangelho a seu povo a fim de obter sua resposta na oração e no canto (cf. Sacrosanctum Concilium, 33).

Convido, pois, todos os membros da grande Família Franciscana a esforçarem-se por difundir um são conhecimento do santo Taumaturgo, tão venerado nas comunidades cristãs do mundo inteiro. Que revivam, entre os irmãos das Ordens franciscanas, sentimentos de autêntico fervor no anúncio da verdadeira fé, bem como um ardente zelo pela pregação, pelo conhecimento e aprofundamento da Palavra de Deus, uma dedicação incessante e ardente pela nova evangelização, já às vésperas do terceiro milênio cristão.
Rogando ao Senhor, Mestre e Pastor de todas as almas, que, por intercessão de Santo Antônio, insigne pregador e Patrono dos Pobres, seja dado a todos seguir fiel e generosamente os ensinamentos do Evangelho, concedo-lhe uma especial bênção apostólica, bem como a toda a Família franciscana e a todos aqueles que nutrem devoção por este grande santo.

Vaticano, 12 de junho de 1994, no 16° ano de nosso Pontificado.

2 de junho de 2013

Ano da Fé - O símbolo da fé

Por Frei Alberto Beckhäuser 

Em outra oportunidade refletimos sobre o “Mistério da Fé” celebrado e vivido na Liturgia em geral e particularmente na Eucaristia.

Neste ano da fé convém que nos debrucemos também sobre o “Símbolo da fé”, também chamado “Símbolo dos Apóstolos”, o “Creio em Deus”, o Creio em Deus Pai, Creio em Deus Filho e Creio em Deus Espírito Santo. O “Creio” vale para as três Pessoas da Santíssima Trindade.

1. Várias expressões da fé

Desde os tempos apostólicos temos várias expressões ou enunciados da fé cristã. Primeiramente a de São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios:

Trago-vos à memória, irmãos, o evangelho que vos tenho anunciado, que recebestes e no qual estais firmes. Por ele sereis salvos, se o conservardes como eu vo-lo anunciei. De outra forma, em vão teríeis abraçado a fé. Eu vos transmiti, em primeiro lugar, o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras; que apareceu a Cefas e depois aos Doze  (1Cor 15,1-5).

O Credo responde também ao que São Paulo escreve na Carta aos Efésios:

 Assim já não sois estrangeiros e hóspedes, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra principal o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se une e cresce até formar um templo santo no Senhor; nele vós também sois integrados na construção para vos tornardes morada de Deus no Espírito (Ef 2,19-22).

Temos uma primeira Regra da fé que era professada na celebração do batismo de adultos e hoje usada no batismo de crianças. A profissão era feita no próprio ato do batismo através das perguntas: Crês em Deus Pai ? Crês em Jesus Cristo? Crês no Espírito Santo?

Depois temos o “Credo” dos Apóstolos ou Símbolo apostólico, proveniente de um Símbolo batismal da Igreja de Roma que foi ampliado pelos concílios de Niceia e de Constantinopla. Por tradição era atribuído aos apóstolos.

O Símbolo niceno-constantinopolitano, em geral, chamado Credo, surgiu em ambiente polêmico, resultado da reflexão teológica em defesa da fé cristológica e trinitária, fixada nos concílios de Niceia e de Constantinopla. Em Roma, só foi aceito na Missa no ano de 1014.

Finalmente, temos o chamado Símbolo atanasiano, atribuído a Santo Atanásio, de origem bem posterior, provavelmente no sul da França. Até a reforma atual da Liturgia era usado na Festa da Santíssima Trindade. Hoje, já não é mais usado na Liturgia.

2. O Símbolo Apostólico

Queremos deter-nos no Símbolo apostólico ou no Creio em Deus. Ele surgiu pelo século III em ambiente batismal nos ritos das entregas durante o catecumenato.

É chamado símbolo por ser um enunciado dos artigos de fé nas Igrejas cristãs. Símbolo porque contém, revela, evoca e representa a fé cristã. Constitui a Regra da fé para uso da comunidade. No Brasil, o Símbolo apostólico é aprovado também para ser professado na Missa. Convém notar que no Ocidente o Credo só foi introduzido na Missa depois que se perdeu o sentido da profissão de fé trinitária na Oração eucarística e o cânon da Missa era dito em silêncio. Portanto, a Oração eucarística também é lugar de professar sempre de novo a fé cristológica e trinitária cristãs.

O Creio em Deus permaneceu na Liturgia batismal. Muito cedo, porém, passou para a devoção individual ou familiar, bem como para as devoções populares como o Santo Rosário. Começou a fazer parte, por exemplo, da Oração da manhã ou Oração da noite individual e familiar.

Na Liturgia tudo era latim. Na piedade popular fizeram-se as traduções. Por isso, podemos dizer que o Símbolo dos Apóstolos foi o grande veículo da transmissão da fé através das gerações. Onde aprendemos a professar a nossa fé? Certamente guiados por nossos pais e, sobretudo, por nossas mães.

A fé é transmitida de geração em geração. Ela é  transmitida no batismo, ela nasce no batismo da água e do Espírito Santo. Trata-se de uma das virtudes teologais. Mas, é alimentada desde a infância e desabrocha na iniciação e na prática da vida eucarística. A fé constitui um dom de Deus, que dá sentido à nossa existência e ao qual somos chamados a corresponder.

3. Uma profissão de fé trinitária e cristológica

Valeu a pena ter lido recentemente um livro do nosso confrade espanhol Frei Francisco Martínez Fresneda, OFM, membro da Equipe de Liturgia da Ordem, intitulado El Credo Apostólico: Por Cristo, con Cristo y en Cristo, San Pablo, Madrid 2011. Trata-se de uma abordagem do Credo em chave cristológica e bíblica.

Mostra o nosso confrade como o “Credo” dos Apóstolos provém de um Símbolo batismal da Igreja de Roma, que foi ampliado pelos concílios de Niceia e de Constantinopla. Está dividido em doze artigos que a tradição atribui aos Doze Apóstolos. Sem dúvida, a lógica interna do Símbolo constituída pela profissão de fé na Trindade, segundo as últimas palavras que Jesus dirige a seus discípulos antes de subir para a glória do Pai: “Ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei” (Mt 28,19), e que na História da Salvação, constituem o centro da criação, da redenção e da salvação.

Não obstante a clara divisão do “Credo” segundo as três Pessoas da Trindade, o Autor o enfoca de uma maneira cristológica, visto que a revelação cristã e, portanto, o “Credo”, parte da história e da doutrina de Jesus. E aqui temos o novo, o original da abordagem do “Creio”. Trata-se de uma abordagem toda ela bíblica e cristológica. Apresenta-se um tratado bíblico sobre a Santíssima Trindade ou se quisermos, um tratado de Cristologia todo baseado na Sagrada Escritura.

Para cada artigo de fé abordado ele oferece o contexto escriturístico e dogmático correspondente tratando, em seguida, de sua atualidade na experiência de fé.

O Autor expõe a matéria em quatro capítulos:

No Capítulo I, chamado Creio em…, o autor mostra em que consiste a fé, a dimensão subjetiva da fé que inclui a confiança, a fidelidade, a obediência; a fé de Abrão; Maria, exemplo de mulher de fé; a fé de e em Jesus. Passa, em seguida, a tratar da dimensão objetiva da fé e a confissão de fé.

O Capítulo II se intitula: Creio em Deus Pai. O autor trata das religiões vizinhas de Israel, o Deus de Israel, ou seja, o Deus da Aliança, o Deus como Pai de Israel e o Deus de Israel como centro da vida e da fé de Jesus. Passa a tratar de Deus Pai em Jesus: Deus distinto da Criação como o Criador, o Providente e Salvador; o Pai de Jesus, Doador de bens e obediência, Oração de júbilo e tentação no Getsêmani; Deus Pai é Abba; o Pai é bondade e amor; Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, onde trata dos dados atuais da ciência e da Criação em Cristo Jesus.

O Capítulo III é central: Creio em Deus Filho. Os principais temas tratados: Jesus, Cristo, o Messias nos tempos de Jesus, o Messias nos Evangelhos, Jesus Cristo em São Paulo. Depois, citando apenas os tópicos principais: Único Filho, nosso Senhor; Concebido por obra e graça do Espírito Santo, nasceu da Maria Virgem; a Vida de Jesus; Padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos; Foi crucificado, morto e sepultado; Desceu aos infernos; ao terceiro dia ressuscitou dos mortos; Subiu aos céus e está sentado à direita do Pai; Donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

O Capítulo IV tem como título: Creio em Deus Espírito Santo, com os seguintes subtítulos: Creio no Espírito Santo; a santa Igreja Católica; a Comunhão dos Santos; o perdão dos pecados; a ressurreição dos mortos e a vida eterna.

Em 391 páginas o autor procurou expor, de uma forma simples e clara a relação criadora, salvadora e santificadora que Deus estabeleceu com o homem na história concreta de Jesus de Nazaré. E conclui o autor: “Jesus, que confessamos como a encarnação do Verbo eterno de Deus, é o veículo de acesso ao Pai e quem nos dá seu Espírito, que é o mesmo Espírito do Pai. E se é Jesus quem nos oferece uma visão nova de Deus e nova do Espírito, também, com sua vida e doutrina, nos dá um novo sentido que nos conduz à plenitude de ser, à felicidade temporal e eterna. Assim acreditou sempre a comunidade cristã: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’ (Jo 14,6)”.

“Em conclusão, diz o autor, o Credo cristão é o relato de uma relação de amor, de um diálogo cordial de Deus conosco e de nós com Ele para viver de uma forma nova. Por isso, ao falar de Deus Pai, Filho e Espírito no Credo, descrevemos qual deve ser nosso sentido de vida e quais são as propostas divinas para alcançar nossa felicidade”.

O evangelista Marcos nos conta que o pai do menino epiléptico endemoniado prostrou-se aos pés de Jesus e exclamou: “Eu creio, mas ajuda a minha falta de fé” (Mc 9,24). Penso que nos cabe fazer o mesmo. A oração diária do Creio em Deus poderá constituir um grande meio para este permanente mergulho em Deus.

1 de junho de 2013

Especial Junho: Santo Antônio de Pádua



O século XII foi o século dos santos. Entre eles, São Bernardo, São Domingos, São Francisco e Santo Antônio; este último natural de Lisboa (Portugal), onde nasceu a 15 de agosto de 1195. Ele também ficou conhecido como Santo Antônio de Pádua, porque faleceu na cidade italiana no dia 13 de junho de 1231.

Em oito séculos, Santo Antônio ganhou milhares de devotos no mundo inteiro, especialmente no Brasil, Portugal e Itália. Neste Especial de Santo Antônio, mostramos um pouco de sua vida por ordem cronológica e registramos algumas frases e ditos do Santo.
Publicamos a carta de Pio XII que o tornou Doutor da Igreja e a Carta de João Paulo II por ocasião das festividades do oitavo centenário do nascimento deste franciscano.
Conheça também a iconografia antoniana, as lendas e milagres que cercam a devoção. Entenda o porquê da devoção às terças-feiras. Publicamos, também, a Trezena e a Ladainha do Santo, além das Orações.

CRONOLOGIA:

1195 - Segundo a tradição mais corrente, nasce em Lisboa, filho de Martim Afonso e Maria. De família “nobre e poderosa”. Batizado com o nome de Fernando.

1202-1209 - Durante aproximadamente sete anos, estuda na escola episcopal anexa à Catedral de Lisboa.

1210 (?) - Ingressa no Mosteiro de São Vicente, dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, nos arredores de Lisboa.

1212 (?) - Passa para o Mosteiro da Santa Cruz, pertencente também aos Cônegos Regulares de Santo Agostinho. O mosteiro atendia a uma paróquia na cidade e a outra no meio rural, dirigia dois hospitais, dava hospedagem e tinha outros trabalhos pastorais e assistenciais.

1220 - É ordenado sacerdote. Como encarregado da hospedaria, recebe os primeiros franciscanos provenientes de Assis que o impressionaram profundamente. Pouco depois, estes são martirizados em Marrakesh, no Marrocos, e seus restos mortais são sepultados na Igreja dos Cônegos de Santa Cruz. Deixa a Ordem Agostiniana para ingressar na Ordem Franciscana, mudando de nome: chamar-se-á Frei Antônio. Pelo fim do ano, viaja a Marrocos. Apenas chega, adoece gravemente.

1221 - Na primavera, embarca de regresso a Portugal para tratar da saúde, mas um furacão arrasta a nave, e Frei Antônio desembarca na Sicília, sendo hospedado pelos franciscanos de Messina. Em maio, viaja para Assis, onde participa do famoso “Capítulo das Esteiras”. Encontra São Francisco, que havia renunciado ao governo da Ordem, e ouve suas edmoestações. Ao final do Capítulo, Frei Graciano, “Ministro e Servo” dos irmãos menores da Romanha, leva Frei Antônio consigo e o envia ao Eremitério de Monte Paolo, nos arredores de Forli, para celebrar a missa, fazer a limpeza e participar do ofício coral. Permanece ali uns quinze meses.

1223 - Em setembro, por ocasião da ordenação sacra de alguns irmãos, Frei Antônio revela sua doutrina bíblica, seu ardor e sua arte oratória. A partir deste momento, é destinado à pregação itinerante e à formação teológica dos irmãos. Pelo final do ano ou início do ano seguinte, recebe um bilhete de São Francisco, que o autoriza a ensinar a sagrada Teologia em Bolonha.

1224 (?) - Encontramos Frei Antônio em Vercelli.

1225 (?) - Passa para a França e prega em Montpeilier, Aries, Toulouse, Limoges e Bourges.

1226 - É nomeado “Custódio” dos frades menores da região de Limoges, guiando-os na difícil tarefa da evangelização, do trabalho pastoral e do combate à heresia. Dedica-se ainda ao ensino teológico e à redação de subsídios para a pregação. Entrega-se a uma intensa vida contemplativa.

1227 - No fim deste ano ou no princípio do ano seguinte, está novamente na Itália, exercendo o cargo de “Ministro Provincial” das regiões setentrionais.

1229-1230 - Pregação itinerante de Frei Antônio na Marca de Treviso e em Pádua, onde redige os Sermões dominicais, marianos e festivos.

1230 - Participa do Capítulo Geral de Assis, no fim do qual, com outros irmãos, se dirige a Roma para expor ao Papa os problemas da Ordem, que estava em plena crise de identidade, crescimento e adaptação.

1231 - Prega a famosa quaresma de 1231, que foi uma refundação cristã de Pádua. Pregação catequética diária e confissões em massa. Esta pregação-catequese foi o início de uma imponente evangelização da cidade e de seus arredores. Sua saúde está irremediavelmente comprometida. Em fins de maio, está em Camposampiero, onde completa alguns manuscritos e se dedica à contemplação. Ao meio-dia de 13 de junho, sofre um colapso. Quer regressar a Pádua, mas durante a viagem teve que se deter em Arcella, onde morre.

1232 - O Papa Gregório IX canoniza-o no dia 30 de maio, na catedral de Espoleto. É venerado com o título de Doutor da Igreja até 1568, tradição que é confirmada pelo Papa Pio XII no dia 16 de janeiro de 1946. Seu título litúrgico é Doctor Evangelícus.

Junho - Mês do Sagrado Coração de Jesus


A devoção ao Sagrado Coração de Jesus foi sempre muito especial aos franciscanos, a exemplo de São Francisco de Assis, inflamado de seráfico amor por Jesus. Seu coração ardia de amor pelo coração do Mártir Crucificado.

Escreveram e falaram do Coração de Jesus São Boaventura, Santo Antônio de Pádua, São Bernardino de Sena e muitos outros santos franciscanos.

A festa do Sagrado Coração de Jesus é complemento da do Corpo e Sangue de Cristo, reunindo todos os mistérios de Jesus em um só, que materialmente é o coração de carne de Jesus, espiritualmente quer expressar os infinitos tesouros do amor.

É a festa do amor de Deus para conosco. A Igreja celebra a Festa do Sagrado Coração de Jesus na sexta-feira da semana seguinte à Festa de Corpus Christi. O coração é mostrado na Escritura como símbolo do amor de Deus. No Calvário o soldado abriu o lado de Cristo com a lança (Jo 19,34). Diz a Liturgia que “aberto o seu Coração divino, foi derramado sobre nós torrentes de graças e de misericórdia”. Jesus é a Encarnação viva do Amor de Deus, e seu Coração é o símbolo desse Amor. Por isso, encerrando um conjunto de grandes Festas (Páscoa, Ascensão, Pentecostes, Santíssima Trindade, Corpus Christi), a liturgia nos leva a contemplar o Coração de Jesus.

Fonte: “Santos franciscanos para cada dia”, de Frei Giuliano Ferrini e Frei José Guillermo Ramirez, OFM, edição Porziuncola