23 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém


O NATAL DE FRANCISCO

Por Assuero Gomes

Um pobre andarilho de Deus no ano de 1223, vagava entre os bosques da região. No seu coração, carregado de amor, palpitava uma idéia que cintilava renitente naquele tempo das proximidades do Natal de Jesus.

Pés no chão, roupa remendada de tecido áspero, entre os cabelos a tonsura. Segue o peregrino de Deus com o coração irrequieto. O que dar aos pobres na noite da festa do nascimento do Senhor? Ora, festas e banquetes, presentes e roupas novas, celebrações litúrgicas sofisticadas, apenas para os ricos da nobreza e da burguesia, porém Francisco e sua companheira Clara já haviam deixado este mundo para trás há algum tempo e não voltariam para ele.
O pobrezinho de Assis, ora meditava, ora dançava ao som das estrelas, ora pregava às borboletas, silenciava às vezes e noutras conversava com seus irmãos. Estava em comunhão plena com o Criador e todas as criaturas, e via em cada pobre o rosto de seu amado Jesus. Mas o Natal se aproximava e o que dar aos pequeninos?

Inspirado como ele só, pois Francisco respirava o Espírito, pensou então em reconstituir a noite luminosa de Belém; mas antes, antes de tudo o que faria daquele instante em diante, ele armou seu presépio interior.

Esvaziou-se de tudo o que não fosse amor (se bem que para ele isso não fosse tão difícil, pois ele assim já vivia), e num movimento de respiração, expirou as preocupações, as aflições, os medos e anseios, a tristeza e a dor, e em moto contínuo inspirou todo o bem que existe no mundo. Foi quando percebeu a linha que une todas as coisas e criaturas entre si e que as une ao Criador, num só movimento, como um sopro translúcido. Percebeu o mistério insondável que se manifestara naquela noite de Belém, quando um Deus incomensurável e glorioso revestiu-se de compaixão pelos humanos e armou sua tenda numa criança frágil e pobre.

Francisco que havia abraçado o leproso, Francisco que havia abandonado todas as riquezas e glórias humanas, Francisco que se escandalizou com o luxo e o poder da Igreja e tomando para si viver na pobreza extrema como a maior forma de contestar este luxo, Francisco que se tornou pobre com os pobres, Francisco que ainda não havia recebido as chagas, neste momento começou a armar o presépio exterior, reflexo e espelho do seu presépio interior.
Dizem que esta noite foi radiante. Os pobres, como em Belém, acorreram todos os da redondeza de Greccio. Alegres armaram o presépio vivo. Certamente as estrelas que ouviram a pregação do louco de Assis e receberam seu brilho, ainda brilham sobre nós. O presépio que Francisco montou perdura e jamais deve ser desmontado dentro de nós, mesmo e principalmente no decorrer dos anos de nossas vidas, pois quando estivermos cansados, deprimidos, amedrontados, inseguros, em meio a uma tempestade ou mesmo numa calmaria, sempre poderemos olhá-lo e ver um menino envolto em panos pobres, ao lado da Mãe e de José, mergulhado em profunda comunhão com a natureza, a nos acenar e sorrir docemente. Então nos sentiremos mais perto de Deus, tão perto como nunca nenhum outro se sentiu.
Um Natal pleno de luz e repleto de paz dentro de nós e nas nossas casas, transbordando de compromisso com os marginalizados. Um Deus que se fez criança acena e sorri com ternura para todos e se faz natal todos os dias do ano. Paz e bem!

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