31 de maio de 2010

Sete razões para perdoar


Frei Hipólito Martendal

Parte I

1. Introdução – O que é odiar? O que é perdoar?

Interessante que antes de fixar a mente na idéia de perdoar, surge a palavra odiar. Considero um dos temas mais comuns e, ao mesmo tempo, mais fundamentais para qualquer projeto de vida cristã, bem como para qualquer sonho de humanização do ser humano em geral e de suas relações com o outro. O individuo pode ser cristão, seguir outra religião, ser ateu, ou simplesmente declarar-se agnóstico se ele considera impossível chegar-se a verdades que estejam além das ciências.

Infelizmente, uma religião, por mais sublime que sejam seus fundamentos e os ideais por ela propostos, por si mesma não parece contribuir muito para superar ódios e promover boa convivência. Muitas das piores guerras e genocídios que sempre têm atormentado a humanidade foram conflitos religiosos, tinham motivações religiosas entre outras a atiçá-los e torná-los mais cruéis e destrutivos. Parece que para alguém conseguir tornar-se um ser verdadeiramente pacífico necessita avaliar um conjunto de valores e convicções pessoais meditados e treinados exaustivamente por longos anos. Na formação deste patrimônio pessoal de convicções e valores, a religião bem vivida tem um papel extraordinário.

2. Definições e conceituação – O que é ódio?

Importante é não confundi-lo com outras emoções como a ira, o ressentimento, e menos ainda, a mágoa.

Ira é a pura emoção, caracterizada por forte descarga de hormônios que mobilizam o corpo para a luta, em geral visando eliminar a fonte da real ou da suposta agressão. O povo fala em sangue quente. Em principio, nenhum ser vivo gosta de ser contrariado, frustrado em suas expectativas, perder ou ser agredido. Quanto tempo passa entre o registro da suposta violência sofrida e o tal do ferver do sangue? Claro que isso depende da gravidade da agressão e do grau de resistência, ou tolerância que o individuo já desenvolveu às frustrações em geral. Mas a imagem que me vem à mente é da fileira de bolas de bilhar, todas encostadas, umas às outras. Quando uma bola é jogada contra a extremidade da fileira, quanto tempo leva para a última bola da extremidade oposta reagir ao impacto? A reação é instantânea. O povo fala em pavio curto.

A mágoa é uma emoção secundária, no sentido que depende de elementos que ocorrem depois da agressão. A pessoa faz avaliações e considerações sobre a situação e pode imaginar-se injustiçada, traída, preterida, abandonada, desprezada... Um misto de tristeza, raiva e revolta instala-se firmemente em seu coração. Ira e mágoa são emoções e como tais fazem parte da natureza humana, tal como a criou Deus.

Já o ódio é um estado de alma e mente muito mais complexo e cambiante em seus elementos constitutivos. O ódio tem um objetivo e supõe planejamento. Visa à aniquilação do inimigo real ou imaginário, ou, pelo menos, a aplicação de algum castigo, causar-lhe sofrimento ou humilhação. A ação do portador do ódio pode ocorrer em verdadeiras explosões de ira mortífera, como também pode ser executada com cálculo, requinte e frieza inacreditáveis. Não é à toa que o provérbio único diz que “a vingança é um prato que se come frio”. Sem emoções, a crueldade e a perversidade são maiores e mais eficientes, o cálculo é mais exato e a margem de erro resulta muito menor.

Normalmente a ira, o ressentimento e a mágoa estão num terreno moral ainda indiferenciado. Podem levar a ações e atitudes moralmente condenáveis, mas podem também levar a manifestações de virtude como aconteceu com aquela piedosa anciã que confessou ter sentido imensa raiva de fulano. Perguntei-lhe o que havia feito com tanta ira. Confidenciou que havia rezado por ele.

Por sua vez, o ódio é algo duradouro que gera um estado de alma que encarna elementos essenciais do pecado, tais como a perversidade, o julgamento e condenação. O ódio coloca-nos em algum ponto antípoda de Deus, em termos de sua natureza. Ele nos põe em sintonia com satanás.

Mas, vamos ao perdão, o elemento mais importante deste artigo. O perdão situa-nos naquele terreno familiar de Deus, pois é da natureza divina perdoar sempre. Perdoar envolve uma gama muito grande de emoções e elaborações da mente que podem requerer tempo mais ou menos longo em decorrência da capacidade tão variada de cada um perceber a realidade da situação, analisá-la e compreendê-la. Não podemos esquecer também que essas coisas não dependem só da inteligência e sabedoria. Elas têm muito a ver com nosso temperamento, educação emocional e emoções predominantes.

O perdão pode concretizar-se em etapas. O primeiro passo essencial para o perdão é a eliminação do desejo de vingança. Descartada a vingança, a bomba de ódio está desativada. A segunda etapa é mais árdua: assumir a firme determinação de ajudar a quem está se perdoando em suas necessidades, no que puder, como faria com qualquer outra pessoa. Quando o evangelho fala da ordem de amar o inimigo, é exatamente disso que está falando. O cristão não tem outra opção! É comum pessoas dizerem que perdoam, não desejam o mal ao desafeto, mas fazem questão de esquecê-lo, como se ele simplesmente não existisse. Isso representa meio caminho andado para o perdão. A bomba do ódio está desativada, mas o dínamo energético do amor não foi ainda religado.

A terceira etapa exige fazer sua parte no que for necessário para restabelecer laços de relacionamento anterior. Isso refere-se usualmente aos casos de ruptura em famílias, fraternidades religiosas, comunidades de igreja e até equipes de trabalho. Em geral nestes agrupamentos de pessoas não basta conseguir apenas o amor – serviço essencial do Evangelho que devo até ao meu inimigo. Sim, mesmo que eu não odeie, alguém pode odiar-me e tenho um inimigo. Aí é necessário que prospere o amor fraterno, o que supõe troca de gentileza, cortesia e manifestações de real afeto, principalmente em família.

Ainda aqui cabe uma nota. São freqüentes os casos de pessoas que dizem perdoar, mas não esquecem. Quem assim fala pode pertencer a um de dois grupos: aos que cultivam ressentimentos e assim procuram justificação por não reconstruir laços anteriores e ainda estão em falta em termos de suas responsabilidades no cultivo do amor cristão; ou fazem parte do grupo dos que pelo simples fato de recordar os acontecimentos sentem-se culpados. Querem esquecer, mas não conseguem. Em geral essas pessoas ainda sentem nas reminiscências algum desconforto como mágoa e tristeza. A rigor, o simples lembrar não constitui erro, não envolve culpa. Até porque ao me colocar o fardo da obrigação de esquecer algum acontecimento perturbador, torno o esquecimento menos provável. Isso acontece porque obrigações geram perigo de falhar e perigos não podem ser esquecidos. O ideal é você poder lembra qualquer acontecimento sem vivenciar coisas desagradáveis. Voltarei ao assunto.

Parte II

1. Deus proíbe o ódio. Por quê?

Simplesmente porque Deus é Amor, é Vida, é PAZ. E o ódio é o contrário de tudo isso. No ódio encarna-se a morte. O objetivo da encarnação que Deus nos propõe concretiza-se exatamente no ser humano que ama. Deus nos revela que Ele ama sempre o pecador, mesmo que este se volte contra Ele (= inimigo). Aqui vai bem a leitura do capítulo 15 de Lucas. Mas para haver salvação é necessário que o pecador volte a amar seu Deus. Sem a passagem do ódio a Deus para o amor a Ele (= conversão) não pode haver salvação. Não estou falando ou pensando em sentimentos. Mas em atitudes, posturas. Amar Deus é colocar-me a seu favor, é cooperar com a intensidade que levou Jesus a dizer: “Meu alimento e fazer a vontade de meu Pai”.

Surpreendentemente, Deus submete seu infinito poder de conseguir tudo o que quiser ao capricho do ser humano de livremente querer amá-lo ou não. Por natureza, toda relação de amor é necessariamente livre e, no mínimo, bilateral. Por sua vez, o rompimento com Deus é sempre unilateral. Só pode vir da parte do homem.

Assim, também, o reatamento só pode ocorrer com a iniciativa do ser humano. Não podemos esquecer que é nesta natureza do amor que Deus mantém sempre por que nós descobrimos a impossibilidade de Deus castigar. Entendemos que ele sempre oferece condições e oportunidades para o homem que odeia pare de odiar e dê o passo decisivo para o reatamento. Na parábola do filho pródigo, o Pai insiste que o filho mais velho entre para a festa (= vida eterna), mas essa entrada só pode concretizar-se pelas próprias pernas do filho! O ódio nasce como um desejo de eliminar o inimigo. A vida parece bem melhor sem inimigos a atrapalhar. Mas o ódio acaba voltando-se contra aquele que odeia, forçando-o ao suicídio. Deus não necessita condenar ninguém ao inferno, à morte. O inferno e a morte são opção, escolha do ser humano.

2. Ódio é oposto do ser cristão

A rigor, nenhum motivo a mais precisamos procurar para não odiar. Mas encarar os desdobramentos desta desgraça suprema que pode assaltar nosso coração pode-nos ser benéfico. Os sinais de perigo tornam-se mais claros e presentes. O perfil básico de qualquer seguidor de Jesus pode ser identificado em sua capacidade de viver constantemente o amor fraterno com todas as pessoas com as quais convive. O amor fraterno caracteriza-se por um contínuo cuidado e desvelo pelo outro; na disposição de ajudar, socorrer, amparar, consolar, confortar e mesmo no prestar pequenos serviços não necessários, por pura cortesia. Desavenças, rupturas, desejos ruins, nem pensar.

Por outro lado, uma coisa que nos pode fortalecer na determinação de viver envolvidos sempre no amor fraterno é descobrir quanto bem nos faz tal vida. Passar semanas, meses, até mesmo anos sem detectar um aborrecimento sequer entre as pessoas que formam grupos de base da vida cristã, seja uma família, uma fraternidade religiosa ou uma equipe de trabalho, é um bem inestimável. Tenho a graça de ter passado por tal vivência por bons e não curtos períodos. É muito gratificante, é muito saudável para a alma e para o corpo. Que gostosa satisfação e sadio orgulho vi nos olhos de um casal amigo ao revelar que por mais de 30 anos os dois são cumpridores do propósito de nunca dormir sem antes resolver algum aborrecimento ou desencontro ocorrido durante o dia. Nego-me a aceitar a falsidade expressa por pessoas que, para consolar-se, espalham a idéia de que brigas são inevitáveis e que necessariamente vão ocorrer sempre. Isso não é verdade!

3. Nosso Deus, nosso Mestre, Modelo e Senhor perdoa

“Sete vezes setenta” (= sempre). Mesmo que Deus não desse mandamento algum sobre o amor, mesmo que Jesus não nos tivesse brindado com seu “novo mandamento” (isso não é um peso, é um presente de Páscoa), a simples revelação dessa característica do Pai seria suficiente. Isso porque a relação entre duas pessoas para ser perfeita é necessário que haja sintonia, harmonia de valores básicos e de vontades. Se Deus perdoa sempre e eu quero viver no seu amor, é metafisicamente impossível que eu não aprenda a também perdoar sempre. Neste terreno, nada é negociável, explicável ou aceitável que possa tornar a exigência menos radical.

4. Ódio leva à vingança

A vingança gera verdadeiras cadeias sem fim, ou se quiserem, círculos viciosos de violência e morte em que cada elo é causado pelo anterior. Esse processo diabólico pode durar muitas gerações, até que algum elemento muito forte intervém para interromper o ciclo. Ainda assim a interrupção pode ser temporária. Não é fácil convencer uma população inteira das vantagens da paz com o inimigo. Sementes de ódio podem ficar latentes e rebrotar por qualquer incidente, muitas vezes por meros mal entendidos, Os humanos tem infindáveis recursos para alimentar e ressuscitar ressentimentos e ódios. E o quadro fica ainda mais diabólico quando motivos religiosos são invocados para justificar violências, acertos na justiça e mortes. Não podemos esquecer que para muita gente sentenças judiciais nada mais são que vinganças legalizadas.

Casos de violência gerada por evocação de razões religiosas constituem verdadeiros pecados contra o Espírito Santo. Eles envolvem trocas de sinais revelados por Deus de sua natureza por sinais diabólicos. Quando Jesus foi acusado de fazer o bem (livrar pessoas do poder do diabo) pelo recurso ao poder do mal, Ele qualificou essa acusação de pecado contra o Espírito de Deus. É exatamente o que ocorre sempre que alguém procura em Deus razões para fazer o mal. Satanás espertamente ajuda a quem odeia a acreditar que é bom o mal que ele pratica. A maioria das vezes, a vingança recebe etiqueta de justiça. Se o individuo for religioso, ele se fixa em Deus, ou naquilo que ele imagina ser Deus, o rotulozinho onde se lê: “Deus é justo”.

5. Ódio destrói a paz

Instala a barbárie. Não me alongarei neste ponto, pois a história das guerras e revoluções que envolveram os povos em todos os tempos falam por si. Todo o esforço em entender a guerra palestino-israelense é muito difícil. As vendetas entre famílias longamente inimigas, entre gangues rivais são incontáveis. Por isso, o primeiro bom desejo que Jesus expressa ao aparecer ressuscitado no cenáculo é: “A paz esteja convosco...”.

6. O ódio destrói quem odeia

Literalmente destrói. Costumo dizer que a vingança perfeita seria levar alguém a odiar intensamente e, ao mesmo tempo, garantir que nunca conseguisse vingar-se de forma alguma do inimigo. O ódio tem o poder de penetrar e corroer tudo o que constitui a humanidade de quem odeia.

Todos os místicos acreditam em centelhas divinas que penetram e atuam no mais íntimo do ser humano. Elas levam o homem a superar seus limites, sua finitude e abrir-se ao infinito, ao divino. Estamos falando de nossa dimensão espiritual transcendente, da alma cristã. É aí que se enraíza toda vida religiosa e toda a espiritualidade autênticas. Como vimos acima, o ódio compromete nossa própria compreensão e percepção de Deus. As cabeceiras da ponte que transpõe o abismo que nos separa do criador são destruídas do nosso lado pelo ódio. Para nossa sorte, do lado de Deus a ponte é sempre a mesma, sólida, indestrutível. Para restabelecer o contato entre quem odeia e Deus é só parar de odiar. As cabeceiras da ponte do nosso lado se refazem como um passe de mágica. Vida religiosa com ódio é impensável. A verdadeira dimensão humana que nos eleva acima dos brutos, das bestas e dos primatas é destruída pelo ódio mortal. Do projeto humano restam ruínas.

7. O ódio fere também profundamente nosso psiquismo

Torna a pessoa que odeia mais cega e mais burra. Não consegue enxergar elementos positivos e qualidades óbvias para qualquer outro olhar. Os defeitos, sejam ele reais ou simples frutos de preconceitos são amplificados. Qualquer avaliação torna-se inviável. A inteligência e a sabedoria parecem evaporar. A verdade a respeito da pessoa odiada? Mas que verdade? Para quem odeia só resta sua certeza, fruto de elementos distorcidos por sua mente ferida e atormentada de morte.

Uma de minhas experiências mais perturbadoras ocorreu quando fui procurado por uma pessoa que sofria muito e odiava alguém que profissionalmente a prejudicara severamente. Os encontros terapêuticos iam bem. Sua forma de educar uma criança adotada pra preencher a lacuna do bebê que morrera antes do parto por displicência médica, apresentava erros psicopedagógicos gritantes. Ela precisava perdoar o médico para reparar distorções severas que aparentemente impediam até de engravidar novamente. Parou a terapia sem qualquer reclamação ou explicação. Aparentemente, ela intuíra que tinha necessidade daquele ódio e ressentimento amargo para tocar adiante aquele projeto de vida que montara para si. A compreensão do erro e a superação do ódio levaria a uma revisão de seus próprios erros e planos absurdos. Isso tudo apresentava-se muito perturbador. O ódio parece que se transformara num princípio vital para levar avante sua maldita existência. Temo que isso ocorra com mais freqüência que imaginamos.

8. Por fim, o ódio é a mais densa e corrosiva forma de estresse

Entramos aqui nos desdobramentos biológicos e orgânicos do ódio. Ele compromete a saúde física. Todas as emoções têm componentes biológicos. O espaço limitado obriga-me a poder dizer poucas palavras sobre o elemento mais conhecido e mais comprometedor que vem com o séquito de coisas ruins que o ódio nos traz. Trata-se do assim chamado hormônio do estresse, ou cortisol. Ele é essencial em circunstâncias de grande perigo e salvou a vida de nossos antepassados inúmeras vezes. Prepara o organismo para a defesa, o ataque ou a fuga, visando a sobrevivência. Mas esse tsunami hormonal deveria só ocorrer em situações extremas e por períodos curtos. O cérebro reage a tais situações desligando muitos circuitos necessários no dia-a-dia, mas que agora comprometeriam o plano de salvação da vida. Um dos circuitos desligados é o da racionalidade. O desgaste sobre o sistema circulatório e o coração é brutal. Casos de colapso não são raros. Literalmente, pode-se morrer de ódio. Quem odeia tem níveis de colesterol cronicamente mais elevados que o normal. Todo o organismo paga seu preço.

Tudo que foi escrito a partir do nº 6 torna-se mais claro agora. Vale uma releitura.

9. Para facilitar o perdão apresento algumas recomendações

A rigor poderia parar aqui e os objetivos esperados, razões para perdoar, estariam atingidos. Está mais do que evidente que o ódio é coisa realmente destrutiva e má. Basta ter algum bom senso para nos engajar na luta conta ele, principalmente não deixando que o ódio se instale em nosso coração.

Como esclarecimento, quero ainda dizer que escolhi “sete razões para perdoar” por causa da simbologia bíblica do número sete. Na verdade podemos procurar muito mais razões para perdoar. Mas o número sete representa todas as razões e eu não teria a pretensão de conhecer muitas outras além destas aqui apresentadas. Considero-as mais que suficientes.

Como uma espécie de pós-escrito ao texto quero abordar apenas uma estratégia para facilitar o controle do ódio. Propositalmente, não estou lançando mão a nenhum recurso religioso ou espiritual. Claro que a oração e a meditação podem ser uma poderosa ferramenta para atingir nosso objetivo de vencer o ódio. Mas os antigos nos ensinam que a graça supõe a natureza. É exatamente essa natureza que abordarei brevissimamente.

A grande arma anti-ódio que Deus nos confiou, depois da mais poderosa de todas que foi revelar sua natureza de amor e perdão, tem a ver com sua sabedoria comunicada a nós. Precisamos compreender mais e mais como funciona nossa própria natureza. É importante que consigamos compreender o como e os incontáveis porquês que levam alguém ao ódio. Nada acontece na vida de ninguém sem razões.

Costumo afirmar que o ser humano em qualquer situação tem tanta necessidade de compreensão como a tem de amor. Aliás, a compreensão é condição necessária para o amor se firmar. Por sua vez, a estratégia mais eficiente para se chegar à compreensão do outro é um exercício de empatia. Empatia em grau superior é atingida quando alguém é capaz de mergulhar firme, corajosa e suavemente no mundo vivencial do outro, sem qualquer preconceito, no sentido literal da palavra, sem tentação de julgar e, em hipótese nenhuma, de condenar, por mais que possa parecer monstruosa a perversidade do outro. Tenho certeza que geralmente as pessoas recorrem ao mutismo, à ocultação e à mentira pelo medo de serem julgadas e condenadas.

Para terminar, falta ainda a chave de ouro, aquilo que julgo a maior descoberta prática no mundo tão complexo e perturbador das relações interpessoais. Trata-se de a gente tentar imaginar-se no lugar e na situação do outro que me odeia, ou do outro a quem eventualmente eu odeio. Por favor, de nada vale imaginar-me no lugar do outro com o meu eu, com minha inteligência, experiências e vivências. É indispensável imaginar-me no lugar do outro desligado do meu eu, do meu mundo etc., mas ligado ao eu dele, ao mundo vivencial e experiencial dele! Fascinado descubro que ele não é pior do que eu não sou melhor do que ele. Somos apenas diferentes. Descubro que posso até amá-lo.

Asseguro com toda certeza que esta vivência é profundamente libertadora. Ela dissolve mágoas, ressentimentos, tristezas, iras e o ódio mais mortífero. Quiçá essa seja um dos maiores milagres de Deus operados em humanas criaturas. Isso pode revelar-se uma magnífica experiência de Deus.

24 de maio de 2010

24/05 - Dedicação da Basílica de Nosso Pai São Francisco, em Assis

Basílica de Nosso Pai São Francisco de Assis

História

A construção da basílica começou logo após a canonização de Francisco em 1228. Simone di Pucciarello doou o local para a igreja, uma colina a oeste da cidade de Assis, conhecida comoColina do Inferno (onde os criminosos eram mortos). Hoje, o local é conhecido como Colina do Paraíso. A pedra fundamental foi posta pelo Papa Gregório IX, em 17 de Julho de 1228. A igreja foi projetada e supervisionada pelo irmão Elia Bombardone, um dos primeiros seguidores do santo. A basílica inferior foi terminada em 1230.

No dia de Pentecostes, em 25 de Maio de 1230, o corpo de Francisco foi trazido para o local. A construção da basílica superior começou logo após 1239 e foi finalizada em 1253. Sua arquitetura é uma síntese do Românico e do GóticoItaliano. As igrejas foram decoradas pelos maiores artistas daquele tempo, vindos de Roma, Toscana e Úmbria. A igreja inferior tem afrescosde Cimabue e Giotto; na igreja superior está uma série de afrescos com cenas da vida de São Francisco, também atribuída a Giotto e seus seguidores. A Basilica é admistrada pelos Frades Menores Conventuais (OFM Conv.). Os Frades Franciscanos Conventuais são os gardiães dos restos mortais do Santo de Assis.

No dia 26 de setembro de 1997, Assis foi atingida por dois fortes terremotos que danificaram severamente a basílica (parte do teto dela ruiu durante o segundo tremor, destruindo um afresco de Cimabue) que passou dois anos fechada para restauração.


Basílica inferior

A Basílica inferior, que representaria a penitência, consiste em uma nave central com várias capelas laterais com arcos semi-circulares. A nave é decorada com os afrescos mais antigos da igreja, criados por um artista chamado Mestre de São Francisco. Eles mostram cinco cenas da Paixão de Cristo à direita, e à esquerda, cenas da vida de São Francisco. Essses afrescos foram finalizados em 1260-1263. São considerados os melhores exemplos da pintura mural da Toscana, antes de Cimabue.

Como a popularidade da igreja aumentou, capelas laterais para famílias nobres foram adicionadas entre 1270 e 1350, destruindo os afrescosna paredes. A primeira capela à esquerda é decorada com dez afrescos de Simone Martini. Esses estão entre os maiores trabalhos de Martini e os melhores exemplos da pintura do século XIV.

A nave termina em uma abside semicircular ricamente decorada, precedida por um transepto. Os afrescos no transepto direito mostram a infância de Cristo, feitos parcialmente por Giotto e seus aprendizes e a Natividade pelo anônimo Mestre di San Nicola. O nível inferior mostra três afrescos representando São Francisco ajudando duas crianças. Esses afrescos de Giotto foram revolucionários para a época, pois mostravam pessoas reais com emoções em uma paisagem realista. Na parede do transepto, Cimabue pintou uma de suas obras mais famosas: A Virgem com São Franciso, Anjos e Santos (1280). Esse é provavelmente o retrato mais assemelhado à São Francisco. A pintura estática em estilo gótico contrasta com as pinturas dinâmicas de Giotto. O transepto esquerdo foi decorado pelo pintor Pietro Lorenzetti e seus aprendizes entre 1315 e 1330. Os afrescos mostram seis cenas da Paixão de Cristo, sendo a mais impressionante a Descida da Cruz, onde se percebe a sombra em uma pintura pela primeira vez desde a Antiguidade.


Entrada da Basílica inferior



Afresco de Simoni Martini


Afresco de Cimabue


Cripta e convento

Altar maior da Basílica inferior

Pela nave se pode descer para a cripta através de uma escadaria dupla. Esse local, que guarda o túmulo de Francisco foi descoberto em 1818.

O túmulo tinha sido escondido pelo irmão Elia para evitar que suas relíquias se espalhassem pela Europa medieval. Por odem do Papa Pio IX, uma cripta foi construída embaixo da Basílica inferior.

Foi projetada por Pasquale Belli com mármore fino em estilo neo-clássico, mas foi redesenhada em pedra crua em estilo neo-Românico por Ugo Tarchi entre 1925 e 1932.

Ao lado da Basílica, fica o Sacro Convento, que se assemelha a uma fortaleza e que já era habitado em 1230.

O Convento agora abriga uma vasta biblioteca (com obras medievais), um museu com obras de arte doadas por peregrinos pelos séculos e também 57 obras (principalmente das Escolas Florentina e Sienesa) da Coleção Perkins

. Cripta com túmulo de São Franciso de Assis


Basílica superior

Nave da Basílica superior

A entrada da Basílica superior (que representa a glória) é pela arcada do convento dos frades. O estilo dessa área é compeltamente diferente da Basílica inferior. Grandes janelas de vidro colorido banham com luz as obras de Giotto e Cimabue.

A parte final ao oeste do transepto e a abside foram decoradas com vários afrescos deCimabue e seus aprendizes (1280). Infelizmente, devido ao material usado na obra, os afrescos logo sofreram os efeitos da umidade. Estão hoje muito deteriorados e foram quase reduzidos a meros negativos fotográficos.

A parte superior, em ambos os lados da nave (foto à esquerda), muito danificada pelos terremotos de 1997, foi decorada em duas filas com um total de 32 cenas do Velho Testamento e do Novo Testamento. Como levava cerca de seis meses para que se pintasse apenas uma parte da nave, diferentes artistas romanos e toscanos, seguidores de Cimabue, trabalharam na obra, tais como Giacomo, Jacopo Torriti e Pietro Cavallini.

Os dois afrescos sobre a vida de Isaac eram tradicionalmente atribuídos a um jovem Giotto. Mas essa informação é ainda polêmica. Muitos críticos atribuem a obra a um anônimo Mestre de Isaac e seus aprendizes. A partir de detalhes estilísticos, que atestam uma origem romana, alguns acreditam que o Mestre de Isaac pode ter sido Pietro Cavallini ou um seguidor, visto que Cavallini pintou uma afresco similar na igreja de Santa Cecilia in Trastevere, em Roma.

Mas a obra mais importante da Basílica é, sem dúvida, a série de 28 afrescos atribuídos a um jovem Giotto na parte baixa da nave. Giotto usou a Legenda Maior, a biografia de Francisco para reconstruir os maiores eventos da vida do santo. As pinturas são vívidas, como se Giotto tivesse sido uma testemunha ocular da história. Os afrescos foram executados entre 1296 e 1304. Contudo, a autoria da obra ainda é debatida. Alguns críticos acreditam que a série tenha sido feita por um grupo de artistas inspirados em Giotto


Descida da Cruz, deCimabue


Isaac rejeita Esaú, deGiotto


Morte de São Francisco, por Giotto


. Bento XIV, em 25 de Março de 1754, elevou-a à dignidade de Basílica Patriarcal e Capela Papal.

ORAÇÃO - Ó Deus, que edificais o vosso templo eterno com pedras vivas e escolhidas, difundi na vossa Igreja o Espírito que lhe destes, para que, pela intercessão do Pai São Francisco, o vosso povo cresça sempre mais, construindo a Jerusalém celeste. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.










23 de maio de 2010

A LÓGICA DO AMOR DE DEUS

O livro de Gênesis revela que tudo o que Deus criou é bom e verdadeiro e que essa bondade e verdade não podem ser contraditas, tendo em vista as leis naturais e divinas que nos regem. Quando há contradição em relação à bondade e verdade que somos, contrariamos a essência de nosso ser e com isso causamos desequilíbrio em toda a criação a começar por nós mesmos.

Tudo em nós funciona perfeitamente desde que permaneçamos em comunhão com as leis que nos regem e que estão gravadas em nosso ser biológico e em nossas almas. De fato, somos um mistério a ser desvendado ainda, porém, somente sob a ação da Sabedoria Divina somos capazes de desvendar esse mistério natural e sobrenatural no qual estamos inseridos por graça de Deus, nosso criador e Pai de nossas almas.

Contudo, para vivermos sob a ação da Sabedoria de Deus e desvendarmos esse mistério que somos, nos foi enviado o Espírito Santo, penhor de nossas almas, com todos seus dons e virtudes a fim de que conheçamos a Deus e o amemos interiormente e transbordemos esse amor para permanecermos em seu caminho rumo ao infinito de Sua Glória, que é a divinização de nossa natureza humana, mistério esse bem acima do que podemos entender naturalmente.

É em Jesus Cristo, o Filho de Deus vivo e verdadeiro, que encontramos todas as respostas para alcançarmos a graça da vida eterna, pois, ao assumir a nossa natureza humana sem deixar a sua natureza divina, Jesus revela quem é Deus Pai e como Ele age em relação a nós e a toda criação; e ao mesmo tempo revela também como devemos agir em total submissão à Sua Vontade amorosa, pois isto diz respeito ao Plano de Deus para a nossa Salvação.

Ora, Deus é Santo e Sua Vontade é que não cometamos nenhum pecado, pois, Ele nos criou para sermos santos no amor, por isso, nos garante todas as graças e bênçãos para nossa santificação. Escrevendo sobre isso disse são Paulo: “Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos”. (Ef 1,3-4).

“Assim, continua são Paulo, meus caríssimos irmãos, vós que sempre fostes obedientes, trabalhai na vossa salvação com temor e tremor... Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar. Por isso, fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas, a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo, a ostentar a palavra da vida”. (Fil 2,12a.13-16a).

Logo, a lógica do amor de Deus se faz presente na criação pela expressão infinita desse amor por cada um de nós; visto que, o Senhor nos mantêm na existência mesmo se não o amamos como deveríamos amar; porém, para permanecermos Nele eternamente, precisamos dar um autentico testemunho de fé em Jesus Cristo, nosso salvador; do contrário jamais veremos a Deus ou participaremos de Sua Glória Eterna.

Destarte, afirma são Paulo: “Sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios. Os que ele distinguiu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que este seja o primogênito entre uma multidão de irmãos. E aos que predestinou, também os chamou; e aos que chamou, também os justificou; e aos que justificou, também os glorificou”. (Rom 8,28-30).

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

20 de maio de 2010

COMEÇO DE UMA NOVA VIDA


Vamos acompanhando os passos dessa jovem Clara, fascinada por Cristo e desejosa de seguir o Mestre à maneira de seu conterrâneo Francisco. Na famosa noite do Domingo de Ramos de 1211, ela sai de casa e começa sua aventura espiritual. Continuamos a percorrer as páginas de Chiara d’Assisi. Un silenzio che grida, de Chiara Giovanna Cremaschi, Ed. Porziuncola, Assis, p. 39-47. Neste mês acompanhamos seus passos antes de se instalar em São Damião.

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

1. Na minúscula igrejinha que Francisco havia restaurado, dedicada a Santa Maria dos Anjos, ele e os seus primeiros companheiros acolheram esta moça que estava sendo chamada a seguir o Evangelho à maneira deles. Tudo ainda estava para ser descoberto à luz do Espírito. O Poverello veste a moça com os trajes dos pobres, a roupa dos camponeses da época e corta-lhe o cabelo. Assim, Clara é introduzida na categoria dos penitentes e começa a fazer parte da fraternitas. A partir deste momento, Clara é uma deles. Encontramo-nos diante de uma confraria leiga, caracterizada pelo estilo penitencial e por uma vida fraterna. Francisco ali ocupa um papel carismático que lhe foi conferido por inspiração do Espírito. Francisco é guia e ponto de referência. Ali está Clara.

2. Realizado o rito de ingresso de Clara na fraternitas, ela começa uma vida nova. Clara não poderia viver ali, no meio dos irmãos. Certamente, Francisco já havia pensado numa eventual saída. Ele, com dois de seus irmãos, acompanha a nova penitente até o Mosteiro das beneditinas de São Paulo, conhecido como das abadessas, situado na Bástia umbra. Pergunta-se pelos motivos desta decisão. Clara não se dirige ao Mosteiro como candidata à vida beneditina. Se assim fosse não teria tido a oposição de sua família. Na realidade, ali encontra um espaço de asilo e fica protegida do assédio de seus familiares. Ela não deve ter pensando, ao sair de casa, em fundar uma comunidade. O fato de estar um tempo no Mosteiro de São Paulo lhe dá ocasião de pensar em seu futuro. Ele está num lugar seguro para fazer penitência. Como não tinha dote não entra no Mosteiro na qualidade de monja. Ali estará entre as irmãs que servem. Trata-se de uma escolha provisória. A jovem coloca-se à disposição de Deus e se deixa iluminar dia após dia. Por enquanto, a única coisa que sabe é que precisa mudar de vida e deixar que Deus seja o seu único Senhor.

3. Na manhã que seguiu à sua fuga, toda a cidade de Assis fica sabendo do que aconteceu. Os parentes ficam admirados com a atitude da moça que nunca foi objeto de preocupação, tendo sempre tido um comportamento irrepreensível e dócil. Naturalmente, a recusa de Clara pelo casamento apontava na linha de uma escolha de natureza religiosa. As fontes nada falam a respeito da reação da mãe e de suas irmãs. Estas devem ter sentido dor e experimentado desconcerto, sentindo sobretudo sua ausência. Pode-se dizer também que elas não aprovavam o método violento dos homens da casa que queriam trazê-la à força de volta. Não se deveria admirar com esse tipo de comportamento, sobretudo em pessoas habituadas a manejar armas e defender a unha e dente seus direitos, através de meios lícitos e nem sempre tão lícitos.

4. Logo todos ficam sabendo onde Clara se encontra. Seus familiares não querem ou não podem admitir o rebaixamento social da moça. Para quem tem o espírito do mundo é estultice viver de forma quase desprezível quando alguém é nobre e rico. Para Clara era o começo da vivência da bem-aventurança da pobreza. Podemos entender perfeitamente a reação dos familiares que estimavam muito a esta moça, não somente pelos laços de sangue, mas também pelo que ela representava de afeto para eles. Assim, os parentes chegam ao mosteiro angustiados e ansiosos ao verem Clara vestida como uma pedidora de esmolas. Usam de violência e de ternura, de promessas e elogios. Eles estão diante de uma rocha irremovível. Clara não é indiferente ao que está acontecendo. Sofre com tudo isso. Mas sua negativa em ir com os parentes tem motivos. Respondeu com todo o seu ser ao Espírito que a chamava à pobreza. Agarra-se à toalha lembrando seu direito de asilo. Mostra-lhes a cabeça com os cabelos cortados. Mostra que pertence a Cristo e que de modo algum deixará de servi-lo. Os parentes tentam ainda mas nada conseguem.

5. Sua permanência do Mosteiro de São Paulo das Abadessas é breve. Vai ser conduzida depois a Santo Angelo de Panzo. Não temos condições de saber as razoes de tal transferência, nem em que consistia realmente esse novo local. Há várias hipóteses sobre o assunto. Alguns dizem que se trata ainda de um mosteiro beneditino. Para outros, trata-se de um “eremitério”. Junto à igreja estariam as celas das reclusas, eremitas medievais, que faziam de sua vida solitária uma oferenda de amor para os irmãos que iam ali se abeberar de sua sabedoria. Há ainda os que avançam a hipótese do beghinaggio, comunidade de mulheres que viviam juntas sem clausura e sem pertencerem a uma ordem religiosa., mas vivendo as características essenciais da vida consagrada.

6. Assim, Clara foi conhecendo algumas expressões do movimento feminino típico da época e pode ir preparando sua escolha definitiva no fundo do coração. Celano dá a entender que nesse período Clara não encontrou paz. Nesse lugar, ela pede a Deus o dom do esclarecimento para si e também para sua irmã Catarina. Entre as duas sempre houve uma profunda comunhão. Clara gostaria que sua irmã seguisse seu caminho. A sintonia entre as duas irmãs ia para além dos laços de sangue. Tinham os mesmos sentimentos, desejos e aspirações.

7. Catarina não encontra dificuldade em sair de casa. Dá o pretexto de visitar a irmã. Quando chega perto de Clara não precisa manifestar suas intenções. Basta um olhar e Clara compreende o que se passa com Catarina que quer seguir seu Dileto na pobreza. Permanece em Santo Ângelo na escola da irmãos que já havia começado a trilhar o caminho da penitência. Os familiares ficam furiosos. Querem trazer de volta a mais nova, já que nada conseguiam com a mais velha. São eles em número de doze. Fazem, no começo, uma visita com tom de amizade. Pouco depois manifestam sua firme decisão de que a menina volte para casa. Quando usam de violência, ela grita: “Ajuda-me, irmã caríssima, e não permita que eu seja arrancada de Cristo Senhor”. Estas palavras exprimem o sentido de uma entrega total ao Senhor e mostram o afeto que ligava Catarina à irmã. Enquanto a irmã está sob o impacto da força e da violência dos parentes, Clara pede a Deus para dar-lhe firmeza e coragem para vencer a fúria daqueles homens. Deus torna o corpo da moça pesado de tal forma que ninguém consegue carregá-lo ou arrastá-lo. Nem Monaldo consegue mover o braço na hora de atingir a moça com um soco mortal. Os parentes se retiram e a menina se ergue depois de ter sofrido alguma coisa pelo Esposo; “Depois da longa batalha, Clara foi até lá, pediu aos parentes que desistissem da luta e que deixassem a seus cuidados Inês, que jazia meio morta. Quando eles se retiraram, amargados pelo fracasso da empresa, Inês levantou-se jubilosa e, já gozando da cruz de Cristo, porque travara essa primeira batalha, consagrou-se para sempre ao serviço divino. Então, o bem-aventurado Francisco a tonsurou com suas próprias mãos e, junto com sua irmã, instruiu-a nos caminhos do Senhor (Legenda de Santa Clara, 26). Francisco lhe dá o novo nome de Inês. Esta é a segunda planta que será importante para o estabelecimento de uma “sororidade” (ou seja, feminino de fraternidade). O encontro de Francisco com as duas irmãs vai delinear o caminho a ser seguido.

8. “O encontro que as duas mulheres têm com Francisco, no intuito de saber como deviam proceder levam a pensar numa escolha que pudesse ser o mais próxima da que tinha sido feita pelo filho de Pietro Bernardone com seus primeiros companheiros. O fato de serem duas deixa entrever a possibilidade de um caminho fraterno. É muito provável que, neste momento, já se tenha juntado às filhas de Favarone, Pacífica de Guelfuccio, amiga da família, com mais idade que as duas irmãs, que se sentia impulsionada a partilhar a aventura da qual ouvira ecos no palácio junto à catedral. A promessa de obediência a Francisco, realizada por Clara e pelas duas primeiras companheiras, promessa de que fala no Testamento, parece ter sido cumprida antes da entrada em São Damião. Devemos, assim, deduzir que Pacífica já se encontrava em Santo Ângelo de Panzo. Estaria incluída no pequeno grupo que promete obediência porque em sua declaração, no Processo de Canonização, afirma que entrou na religião juntamente com Clara. Também o exame preliminar realizado por Francisco e seus companheiros para saber se estas mulheres teriam condições de levar um estilo de vida tão austero, seguido da promessa de sempre cuidar delas, parece ter acontecido antes de serem transferidas para o lugar definitivo. Assim, vencidos todos os obstáculos, obtida a permissão do bispo Guido, vem o momento de se dirigirem às acomodações junto à Igreja de São Damião. Passaram-se apenas dezessete dias da fuga de Clara na noite do Domingo de Ramos. O morar estavelmente num lugar, necessário para uma vida de contínua contemplação, será a diferença mais visível com relação à itinerância dos frades. No estilo de vida dos companheiros de Francisco, com efeito, a vida no eremitério se alterna com a pregação da penitência ao povo” (p, 46-47).

17 de maio de 2010

Em comunhão com a Santa Mãe de Deus - A ORAÇÃO DA AVE-MARIA

Comentário da Oração da Ave Maria no Catecismo da Igreja Católica

Na oração, o Espírito Santo nos une à Pessoa do Filho Único, em sua humanidade glorificada. Por ela e nela, nossa oração filial entra em comunhão, na Igreja, com a Mãe de Jesus.

A partir do consentimento dado na fé por ocasião da Anunciação e mantido sem hesitação sob a cruz, a maternidade de Maria se estende aos irmãos e às irmãs de seu Filho "que ainda são peregrinos e expostos aos perigos e às misérias". Jesus, o único Mediador, é o Caminho de nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele. Maria "mostra o Caminho" ("Hodoghitria"), é seu "sinal", conforme a iconografia tradicional no Oriente e no Ocidente.

A partir dessa cooperação singular de Maria com a ação do Espírito Santo, as Igrejas desenvolveram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na Pessoa de Cristo manifestada em seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas que exprimem essa oração, alternam-se geralmente dois movimentos: um "exalta" o Senhor pelas "grandes coisas" que fez para sua humilde serva e, por meio dela, por todos os seres humanos; o outro confia à Mãe de Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois ela conhece agora a humanidade que nela é desposada pelo Filho de Deus.

Esse duplo movimento da oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na oração da Ave-Maria: "Ave, Maria (alegra-te, Maria)". A saudação do anjo Gabriel abre a oração da Ave-Maria. É o próprio Deus que, por intermédio de seu anjo, saúda Maria. Nossa oração ousa retomar a saudação de Maria com o olhar que Deus lançou sobre sua humilde serva, alegrando-nos com a mesma alegria que Deus encontra nela. "Cheia de graça, o Senhor é convosco". As duas palavras de saudação do anjo se esclarecem mutuamente. Maria é cheia de graça porque o Senhor está com ela. A graça com que ela é cumulada é a presença daquele que é a fonte de toda graça. "Alegra-te, filha de Jerusalém... o Senhor está no meio de ti" (Sf 3,14.17a). Maria, em quem vem habitar o próprio Senhor, é em pessoa a filha de Sião, a Arca da Aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor: ela é "a morada de Deus entre os homens" (Ap 21,3).

"Cheia de graça", e toda dedicada àquele que nela vem habitar e que ela vai dar ao mundo.

"Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus". Depois da saudação do anjo, tomamos nossa a palavra de Isabel. "Repleta do Espírito Santo" (Lc 1,41), Isabel é a primeira na longa série das gerações que declaram Maria bem-aventurada: "Feliz aquela que creu..." (Lc 1,45): Maria é "bendita entre as mulheres" porque acreditou na realização da palavra do Senhor. Abraão, por sua fé, se tornou uma benção para "todas as nações da terra" (Gn 12,3). Por sua fé, Maria se tornou a mãe dos que crêem, porque, graças a ela, todas as nações da terra recebem Aquele que é a própria benção de Deus: "Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus".

"Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós..." Com Isabel também nós nos admiramos: "Donde me vem que a mãe de meu Senhor me visite?" (Lc 1,43). Porque nos dá Jesus, seu filho, Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos lhe confiar todos os nossos cuidados e pedidos: ela reza por nós como rezou por si mesma: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38). Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com ela à vontade de Deus: "Seja feita a vossa vontade".

"Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte". Pedindo a Maria que reze por nós, reconhecemo-nos como pobres; pecadores e nos dirigimos à "Mãe de misericórdia", à Toda Santa. Entregamo-nos a ela "agora", no hoje de nossas vidas. E nossa confiança aumenta para desde já entregar em suas mãos "a hora de nossa morte". Que ela esteja então presente, como na morte na Cruz de seu Filho, e que na hora de nossa passagem ela nos acolha como nossa Mãe, para nos conduzir a seu Filho, Jesus, no Paraíso.

11 de maio de 2010

11/05- Santo Inácio de Láconi, Religioso

Inácio, antes chamado de Vicente, nasceu em Láconi, Sardenha, em 1701. Entrou na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos em 1721. Durante 40 anos dedicou-se ao ofício de esmoler, dando sempre a todos um esplêndido exemplo de humildade e de caridade. Deus o enriqueceu de admiráveis dons sobrenaturais, que o tornaram venerando junto a todas as categorias de pessoas. Faleceu em Cálhari, aos 11 de Maio de 1781. Pio XII o canonizou, em 1951

ORAÇÃO - Ó Deus, que conduzistes Santo Inácio pelos caminhos da humildade, da inocência e da caridade para com os irmãos até a perfeição da santidade, concedei-nos, imitando as suas virtudes, viver a caridade aqui na terra em obras e em verdade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

7 de maio de 2010

1ª SEXTA-FEIRA DO MÊS

POR ONDE ANDA O CORAÇÃO?

1. O nosso coração e o coração do Senhor? Aí estamos nós mergulhados na trama da vida. Corremos, lutamos, compramos, vendemos, rimos, choramos, solteiros, casados, padres e consagrados. Há dias em que semeamos, outros que regamos, outros ainda em que colhemos. Dias luminosos e dias de escuridão, sem saber para onde ir, sem vontade de levantar, sem sinal para onde olhar. E no afã da vida vai batendo esse coração dentro do peito. Por vezes colocamos a mão do lado e vemos que ele anda agitado. Coração de carne, coração de músculos? Sim, coração de carne, mas também lugar secreto, mais íntimo de nós mesmos a partir de onde amamos, temos sede de plenitude e fazemos projetos de atingir as estrelas.

2. E nosso pensamento voa para longe, para muito longe, para um lugar onde um dia, há muitos anos, esteve suspenso o mais belo de todos os filhos dos homens, o filho da Virgem Maria. Ele também, não encontrando posição no leito duro do madeiro da cruz, teve aceleradas as palpitações e seu coração bate, bate muito. Coração de carne, coração de músculo? Um coração que batia de amor. Há um momento em que ele se acalma. Quase no fim. Sempre se contorcendo, resolve cessar de fazer esforços. No mais íntimo de si, no segredo mais secreto entrega tudo, vida, história, passado, presente, num dom cheio de amor. Dá a vida. Foi levando seus discípulos por vários caminhos e nos colocou ali diante dele, de seu gesto de amor, humano e divino. Dom de si, dom do Filho da Virgem Maria, dom do Verbo encarnado. Num determinado momento não havia mais nada a fazer. Chega a hora do trespasse. E amando os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Inclinando a cabeça ele deu o seu espírito ou deu o Espírito com e maiúsculo?

3. Por vezes, nesse viver, nos sentimos sozinhos, mergulhados em dúvidas, cansados de tanto caminhar. Estamos derramados nas coisas, errantes, vestidos de fantasia e cobertos de ilusões. Buscamos amores que não satisfazem, aspiramos o perfume de todas as flores que por vezes nos entorpecem e paralisam nossos movimentos. Nosso coração anda de um lado para o outro, errantemente, sem ninguém que nos ame e sem ninguém para amar. Agitados, sem calma, sem paz.

4. “Onde encontrar repouso tranqüilo e firme segurança para os fracos a não ser nas chagas do Salvador? Ali permaneço tanto mais seguro,quanto mais poderoso é ele para salvar. O mundo agita, o corpo dificulta, o demônio arma ciladas; mas não caio, porque estou fundado sobre a rocha firme” (S. Bernardo, L.Horas III, p. 106).

5. Os discípulos de Jesus fixam sua morada na intimidade do Coração do Redentor. “Levanta-te, pois, tu que amas Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho no rochedo (Jr 48,28). E aí, como o pássaro que encontrou sua morada, não cesses de estar vigilante: aí esconde com a andorinha os filhos nascidos do casto amor, aí aproxima teus lábios para beber as águas nas fontes do Salvador. Pois está é a fonte que brota no meio do paraíso, e dividida em quatro rios, se derrama no coração dos fiéis para irrigar e fecundar a terra inteira” (São Boaventura, Liturgia das Horas III, p. 571).

6. Cristo, do coração aberto, tesouro de nossas vidas e água que mata a sede: “Queres compreender mais profundamente os poder do sangue de Cristo? Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou? Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter encontrado riquezas extraordinárias” (São João Crisóstomo, Liturgia das Horas II, p., 416).