20 de maio de 2010

COMEÇO DE UMA NOVA VIDA


Vamos acompanhando os passos dessa jovem Clara, fascinada por Cristo e desejosa de seguir o Mestre à maneira de seu conterrâneo Francisco. Na famosa noite do Domingo de Ramos de 1211, ela sai de casa e começa sua aventura espiritual. Continuamos a percorrer as páginas de Chiara d’Assisi. Un silenzio che grida, de Chiara Giovanna Cremaschi, Ed. Porziuncola, Assis, p. 39-47. Neste mês acompanhamos seus passos antes de se instalar em São Damião.

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

1. Na minúscula igrejinha que Francisco havia restaurado, dedicada a Santa Maria dos Anjos, ele e os seus primeiros companheiros acolheram esta moça que estava sendo chamada a seguir o Evangelho à maneira deles. Tudo ainda estava para ser descoberto à luz do Espírito. O Poverello veste a moça com os trajes dos pobres, a roupa dos camponeses da época e corta-lhe o cabelo. Assim, Clara é introduzida na categoria dos penitentes e começa a fazer parte da fraternitas. A partir deste momento, Clara é uma deles. Encontramo-nos diante de uma confraria leiga, caracterizada pelo estilo penitencial e por uma vida fraterna. Francisco ali ocupa um papel carismático que lhe foi conferido por inspiração do Espírito. Francisco é guia e ponto de referência. Ali está Clara.

2. Realizado o rito de ingresso de Clara na fraternitas, ela começa uma vida nova. Clara não poderia viver ali, no meio dos irmãos. Certamente, Francisco já havia pensado numa eventual saída. Ele, com dois de seus irmãos, acompanha a nova penitente até o Mosteiro das beneditinas de São Paulo, conhecido como das abadessas, situado na Bástia umbra. Pergunta-se pelos motivos desta decisão. Clara não se dirige ao Mosteiro como candidata à vida beneditina. Se assim fosse não teria tido a oposição de sua família. Na realidade, ali encontra um espaço de asilo e fica protegida do assédio de seus familiares. Ela não deve ter pensando, ao sair de casa, em fundar uma comunidade. O fato de estar um tempo no Mosteiro de São Paulo lhe dá ocasião de pensar em seu futuro. Ele está num lugar seguro para fazer penitência. Como não tinha dote não entra no Mosteiro na qualidade de monja. Ali estará entre as irmãs que servem. Trata-se de uma escolha provisória. A jovem coloca-se à disposição de Deus e se deixa iluminar dia após dia. Por enquanto, a única coisa que sabe é que precisa mudar de vida e deixar que Deus seja o seu único Senhor.

3. Na manhã que seguiu à sua fuga, toda a cidade de Assis fica sabendo do que aconteceu. Os parentes ficam admirados com a atitude da moça que nunca foi objeto de preocupação, tendo sempre tido um comportamento irrepreensível e dócil. Naturalmente, a recusa de Clara pelo casamento apontava na linha de uma escolha de natureza religiosa. As fontes nada falam a respeito da reação da mãe e de suas irmãs. Estas devem ter sentido dor e experimentado desconcerto, sentindo sobretudo sua ausência. Pode-se dizer também que elas não aprovavam o método violento dos homens da casa que queriam trazê-la à força de volta. Não se deveria admirar com esse tipo de comportamento, sobretudo em pessoas habituadas a manejar armas e defender a unha e dente seus direitos, através de meios lícitos e nem sempre tão lícitos.

4. Logo todos ficam sabendo onde Clara se encontra. Seus familiares não querem ou não podem admitir o rebaixamento social da moça. Para quem tem o espírito do mundo é estultice viver de forma quase desprezível quando alguém é nobre e rico. Para Clara era o começo da vivência da bem-aventurança da pobreza. Podemos entender perfeitamente a reação dos familiares que estimavam muito a esta moça, não somente pelos laços de sangue, mas também pelo que ela representava de afeto para eles. Assim, os parentes chegam ao mosteiro angustiados e ansiosos ao verem Clara vestida como uma pedidora de esmolas. Usam de violência e de ternura, de promessas e elogios. Eles estão diante de uma rocha irremovível. Clara não é indiferente ao que está acontecendo. Sofre com tudo isso. Mas sua negativa em ir com os parentes tem motivos. Respondeu com todo o seu ser ao Espírito que a chamava à pobreza. Agarra-se à toalha lembrando seu direito de asilo. Mostra-lhes a cabeça com os cabelos cortados. Mostra que pertence a Cristo e que de modo algum deixará de servi-lo. Os parentes tentam ainda mas nada conseguem.

5. Sua permanência do Mosteiro de São Paulo das Abadessas é breve. Vai ser conduzida depois a Santo Angelo de Panzo. Não temos condições de saber as razoes de tal transferência, nem em que consistia realmente esse novo local. Há várias hipóteses sobre o assunto. Alguns dizem que se trata ainda de um mosteiro beneditino. Para outros, trata-se de um “eremitério”. Junto à igreja estariam as celas das reclusas, eremitas medievais, que faziam de sua vida solitária uma oferenda de amor para os irmãos que iam ali se abeberar de sua sabedoria. Há ainda os que avançam a hipótese do beghinaggio, comunidade de mulheres que viviam juntas sem clausura e sem pertencerem a uma ordem religiosa., mas vivendo as características essenciais da vida consagrada.

6. Assim, Clara foi conhecendo algumas expressões do movimento feminino típico da época e pode ir preparando sua escolha definitiva no fundo do coração. Celano dá a entender que nesse período Clara não encontrou paz. Nesse lugar, ela pede a Deus o dom do esclarecimento para si e também para sua irmã Catarina. Entre as duas sempre houve uma profunda comunhão. Clara gostaria que sua irmã seguisse seu caminho. A sintonia entre as duas irmãs ia para além dos laços de sangue. Tinham os mesmos sentimentos, desejos e aspirações.

7. Catarina não encontra dificuldade em sair de casa. Dá o pretexto de visitar a irmã. Quando chega perto de Clara não precisa manifestar suas intenções. Basta um olhar e Clara compreende o que se passa com Catarina que quer seguir seu Dileto na pobreza. Permanece em Santo Ângelo na escola da irmãos que já havia começado a trilhar o caminho da penitência. Os familiares ficam furiosos. Querem trazer de volta a mais nova, já que nada conseguiam com a mais velha. São eles em número de doze. Fazem, no começo, uma visita com tom de amizade. Pouco depois manifestam sua firme decisão de que a menina volte para casa. Quando usam de violência, ela grita: “Ajuda-me, irmã caríssima, e não permita que eu seja arrancada de Cristo Senhor”. Estas palavras exprimem o sentido de uma entrega total ao Senhor e mostram o afeto que ligava Catarina à irmã. Enquanto a irmã está sob o impacto da força e da violência dos parentes, Clara pede a Deus para dar-lhe firmeza e coragem para vencer a fúria daqueles homens. Deus torna o corpo da moça pesado de tal forma que ninguém consegue carregá-lo ou arrastá-lo. Nem Monaldo consegue mover o braço na hora de atingir a moça com um soco mortal. Os parentes se retiram e a menina se ergue depois de ter sofrido alguma coisa pelo Esposo; “Depois da longa batalha, Clara foi até lá, pediu aos parentes que desistissem da luta e que deixassem a seus cuidados Inês, que jazia meio morta. Quando eles se retiraram, amargados pelo fracasso da empresa, Inês levantou-se jubilosa e, já gozando da cruz de Cristo, porque travara essa primeira batalha, consagrou-se para sempre ao serviço divino. Então, o bem-aventurado Francisco a tonsurou com suas próprias mãos e, junto com sua irmã, instruiu-a nos caminhos do Senhor (Legenda de Santa Clara, 26). Francisco lhe dá o novo nome de Inês. Esta é a segunda planta que será importante para o estabelecimento de uma “sororidade” (ou seja, feminino de fraternidade). O encontro de Francisco com as duas irmãs vai delinear o caminho a ser seguido.

8. “O encontro que as duas mulheres têm com Francisco, no intuito de saber como deviam proceder levam a pensar numa escolha que pudesse ser o mais próxima da que tinha sido feita pelo filho de Pietro Bernardone com seus primeiros companheiros. O fato de serem duas deixa entrever a possibilidade de um caminho fraterno. É muito provável que, neste momento, já se tenha juntado às filhas de Favarone, Pacífica de Guelfuccio, amiga da família, com mais idade que as duas irmãs, que se sentia impulsionada a partilhar a aventura da qual ouvira ecos no palácio junto à catedral. A promessa de obediência a Francisco, realizada por Clara e pelas duas primeiras companheiras, promessa de que fala no Testamento, parece ter sido cumprida antes da entrada em São Damião. Devemos, assim, deduzir que Pacífica já se encontrava em Santo Ângelo de Panzo. Estaria incluída no pequeno grupo que promete obediência porque em sua declaração, no Processo de Canonização, afirma que entrou na religião juntamente com Clara. Também o exame preliminar realizado por Francisco e seus companheiros para saber se estas mulheres teriam condições de levar um estilo de vida tão austero, seguido da promessa de sempre cuidar delas, parece ter acontecido antes de serem transferidas para o lugar definitivo. Assim, vencidos todos os obstáculos, obtida a permissão do bispo Guido, vem o momento de se dirigirem às acomodações junto à Igreja de São Damião. Passaram-se apenas dezessete dias da fuga de Clara na noite do Domingo de Ramos. O morar estavelmente num lugar, necessário para uma vida de contínua contemplação, será a diferença mais visível com relação à itinerância dos frades. No estilo de vida dos companheiros de Francisco, com efeito, a vida no eremitério se alterna com a pregação da penitência ao povo” (p, 46-47).

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