24 de março de 2014

Carinho de Francisco para com Maria


Por  Frei Almir Ribeiro Guimarães, Ofm

• Abraçava a Mãe de Jesus com indizível amor pelo fato de que ela tornou irmão nosso o Senhor da majestade. Cantava-lhe louvores especiais, derramava preces, oferecia afetos tantos e tais que a língua humana não poderia exprimir. Mas o que mais nos alegra é que ele a constituiu Advogada da Ordem e confiou à sua proteção os filhos que haveria de deixar para serem aquecidos e protegidos até o fim. Ó advogada dos pobres! Cumpri para conosco o ofício de tutora até o tempo predestinado pelo Pai (2Celano 198).

• Da Regra de Santa Clara: “Pouco antes de morrer, o Pai Francisco escreveu-nos mais uma vez sua última vontade: ‘Eu, o pequeno irmão Francisco, quero seguir a vida e a pobreza de nosso Altíssimo Senhor Jesus Cristo e de sua Santíssima Mãe, e quero perseverar neste caminho até à morte’” (Regra de Clara, VI).

• E quando for necessário que vão pedir esmola… “pois pobre e peregrino viveu de esmolas. Ele, e a bem-aventurada Virgem Maria e seus discípulos” (Regra não bulada 9,5).

• Todo carinho manifestou para com a capela de Nossa Senhora dos Anjos. Terminada a reconstrução da capelinha de São Pedro, dirigiu-se Francisco “para um lugar que se chama Porciúncula, no qual existira uma igreja da Beatíssima Virgem Mãe de Deus, construída antigamente mas agora abandonada sem que ninguém dela cuidasse. Quando o homem de Deus a contemplou abandonada, pela fervorosa devoção que tinha para com a Senhora do mundo, começou a morar ali assiduamente para restauração da mesma. E, sentindo aí frequência das visitações angelicais, de acordo com nome desta igreja que desde a antiguidade era chamada Santa Maria dos Anjos, estabeleceu-se aí por causa da reverência aos anjos e por causa do amor especial à Mãe de Cristo. O santo homem amou este lugar mais do que outros lugares do mundo; pois aqui ele começou humildemente, aqui ele progrediu virtuosamente, aqui ele terminou de maneira feliz, e na morte recomendou este lugar aos irmãos como o mais caro à Virgem” ( São Boaventura, Legenda Maior II, 8).

• Se não puderes atender de outro modo as necessidades dos irmãos, despoja o altar da Virgem e tira-lhe os enfeites. Crê-me ela ficará muito mais contente em ver o Evangelho de seu Filho observado e seu altar despojado, do que seu altar enfeitado e seu Filho desprezado. O Senhor enviará quem restitua à Mãe o que ela nos emprestou” (2Celano 67).

Por  Frei Almir Ribeiro Guimarães

19 de março de 2014

O tema da conversão


Por Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM

Um antigo diretório de vida fraterna dos seculares, na França,  tem bela página sobre o tema franciscano da conversão.

Para viver segundo o Evangelho, somos convidados a nos converter a cada instante.  Assim, vamos sendo arrancados do egoísmo e acolhemos progressivamente uma vida nova.  É precisamente no contexto concreto de nossa existência que o Senhor se aproxima de nós e nos chama.

Cada homem vive num determinado estado de vida: casamento, vida de solteiro, viuvez.  Homens e mulheres exercem uma profissão, divertem-se,  pertencem a diferentes grupos.  Cada humano está inserido num tecido de  relacionamentos familiares, amicais, sociais, profissionais, culturais, religiosos, em instituições econômicas, políticas, nacionais, internacionais. É chamado a assumir responsabilidades nos mais diversos campos. É precisamente esta condição terrestre, ou seja, a realidade cotidiana a que é chamado a viver e que é convidado a transformar com sua vocação evangélica.

Num longo esforço de conversão  fazemos, no dia a dia, a experiência de nossa fragilidade. O perdão do Senhor faz com que conservemos a coragem nesta obra que é, antes de tudo, dele, coragem para recomeçar sempre tudo de novo.  Um sinal privilegiado desse constante recomeço é o sacramento da penitência.

Lembrando-nos que Francisco começou o caminho de sua conversão abraçando um leproso, haveremos de prestar atenção aos nossos relacionamentos humanos, de modo particular com os mais pobres. Sabemos que amando o pobre ou aquele que  nos desagrada, é Cristo que encontramos e  opera nossa conversão. Como a conversão de Francisco, nossa também se opera tendo como pano de fundo a vivência fraterna.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

18 de março de 2014

Observações à margem do Capítulo Avaliativo da OFS


“CORAGEM! EIS QUE FAÇO NOVAS TODAS AS COISAS!

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional pela OFM

1. Dos dias 14 a 16 de março de 2014 realizou-se mais um capítulo avaliativo da Ordem Franciscana Secular do Brasil na cidade de Porto Alegre, RS. Ali, em torno do Conselho Nacional da OFS, estiveram representantes de todos os regionais: gente do grande norte, do nordeste, do centro, do sudeste e do sul. O clima, como não podia deixar de ser, era gaúcho. Recebemos a visita do arcebispo de Porto Alegre, nosso Frei Jaime Spengler. Gaúchos os pratos, as danças, jeitos e trejeitos, a fala as pessoas. Casa bem apetrechada para esse tipo de evento: verde, silêncio, beleza.

2. Houve um tempo de reflexão para os assistentes regionais e locais. Os assistentes nacionais tiveram ocasião de trocar ideias com eles. Há luzes e sombras no campo da assistência. A experiência nos diz que muitos assistentes levam a peito sua missão: fazem-se presentes na vida da fraternidade local, participam das reuniões do Conselho, na formação dos irmãos, nas reuniões gerais, no cuidado com os doentes e procuram fazer com a fraternidade não seja um grupo fechado, mas célula de Igreja e de um mundo novo. Estão ali como sinal de comunhão com a Ordem I.

3. Pede-se a participação dos assistentes de modo particular na formação de um laicato maduro, que levem as fraternidades a uma profundidade cristã, que os irmãos tendam à santidade. Importante que ajudem os irmãos a fazerem experiências de Deus, a serem familiares do Ressuscitado e saírem da superficialidade e mediocridade. Os irmãos tenderão à santidade. Os assistentes cuidarão de preparar bem os irmãos para a Profissão. Esta precisa ser um evento espiritual marcante na vida. Este Capítulo se fez em torno da busca do novo.

4.Sabemos que muitas fraternidades de nossa Província estão envelhecidas…Até que ponto nós mesmos, frades da Imaculada, não somos responsáveis por este envelhecimento? Até que ponto estamos dispostos a acompanhar os grupos, a acompanhar, de modo especial, os jovens da JUFRA? Sabemos que há um cansaço em alguns grupos… mas esse cansaço não pode justificar nossa ausência. Observou-se, uma vez mais, que muitos frades são nomeados assistentes sem vocação para exercer este ministério.

5. Por ocasião deste Capítulo foi lançado o livro: “Manual para a Assistência à Ordem Franciscana Secular e Juventude Franciscana”. Este escrito de mais de trezentas páginas é de fundamental importância para que os frades estudantes e não estudantes conheçam e amem a Ordem Terceira e o JUFRA. Pedidos e informações: ofsbr@ofs.org.br

6. Misturavam-se os irmãos de todo o país. Esse congraçamento é belo e necessário. Essa força e a luminosidade dos capítulos de nossas ordens. Ficamos conhecendo novas lideranças e com alegria sentimos que a JUFRA está se renovando. Surgem também algumas lideranças novas de rapazes e moças que já são professos na Ordem e que podem levar adiante a bandeira de um grupo de leigos que deseja ser cristão à maneira de Francisco, com o jeito de Francisco. Mas, cuidado. Há ainda muito que fazer. Quando um capítulo termina sentimos que tudo tem marcas de fragilidade.

7. Falou-se muito do novo. Novo no meio do marasmo. Novo porque não somos homens do passado mas, amparados numa tradição sólida, queremos abrir caminhos novos. O Papa Francisco anda pedindo que sejamos cristãos novos e a Ordem Franciscana Secular está proibida de envelhecer.

Tudo começa com a séria renovação de cada irmão terceiro, de cada assistente. Sem esta tomada de decisão pessoal não se pode dar um passo adiante. Paira no ar um certo marasmo que vem da falta de convicção de muitos. Pertencemos a uma organização religiosa mas nos falta alma. Sem a renovação da pessoa que se chama conversão contínua é melhor não continuar esta leitura. Os conselhos em todos os níveis precisam começar com esta renovação pessoal.

Cada fraternidade, cada conselho necessitam dar as razões de sua existência. Por que nos reunimos em fraternidades franciscanas? Por que fazemos nossos encontros de conselho? O que queremos? Para que existimos? O que queremos com nossas atividades? Somos pessoas “significativas”? A Igreja pode nos ver como grupos capazes de reconstruir a “Igreja que está em ruínas”?

Precisamos fazer uma séria revisão das reuniões gerais e dos textos que usamos na formação. Nossas reuniões precisam ser também fóruns de discussão dos problemas do mundo, das coisas cristãs e humanas, ou mais precisamente, das coisas humanas e cristãs, das coisas novas. Não podem ser repetitivas, cansativas, enfadonhas e mornas. Não queremos apenas um Francisco cor-de-rosa, mas um Francisco perito em humanidade e humanismo.

Precisamos sair de uma prática vazia da oração, prática rotineira, oração sem que o coração seja visitado. Necessário fazer experiências de oração que marquem nossa trajetória. Cabe aos Assistentes velar pela qualidade da oração nas reuniões e levar os irmãos, de modo particular em tardes de oração e retiros, a fazerem inolvidáveis experiências de Deus.

Os franciscanos haverão de aproximar-se das pessoas sem proselitismo, sem julgamentos, sem vontade de conquista-los. Terão gosto de organizar encontros com vizinhos, sejam eles praticantes ou não, casados ou recasados.

O que nos impede procurar o novo é a insegurança, o medo, o fechamento, o automatismo. Estaremos sempre prontos a acolher ao inesperado.

8. Exemplificando e indo mais adiante:

A verdade não muda. O Evangelho não muda. A promessa de se consagrar a Deus não muda e ao mesmo tempo tudo tem de novo. Maurice Bellet: “É preciso mudar a vida. Necessário mudar tudo. Mudar tudo não é destruir tudo. É salvar tudo”.

A OFS será a mesma, mas tudo será diferente; reuniões menos estáticas, relacionamentos mais simples, seriedade na busca de Deus, vontade de sair do pequeno grupo. Seus membros sorverão a goles generosos a riqueza de um carisma que remonta a Francisco.

A paróquia continua existindo. Quanto possível será menos burocrática, mais simples, mais acolhedora, mais evangelizadora, mais compassiva, mais dialogante. Os encontros serão menos formais, mais descontraídos, tudo salpicado do Evangelho.

O casamento será novo, marcado por um grande bem-querer, bem-querer profundo, casais que crescem numa maturidade humana e cristã, profissional e pastoral, sem subordinações machistas e revanchismos feministas. Tudo maduramente feito e procurado. Os casais haverão de se renovar.

As famílias serão mais democráticas. Os pais aprenderão com os filhos e os filhos continuarão a aprender com os pais. Os filhos não serão forçados a seguir esquemas marcados pela velhice de uma sociedade consumista cansada e vazia. Estes haverão de criar modos novos de viver se serem escravos do consumismo e de uma comunicação invasiva e vazia.

Fugir como o diabo da cruz de todas as práticas legais, sem alma, sem mística, sem viço. Evitar os caminhos batidos. Ter sempre a certeza de que vivemos sempre sob o olhar do Ressuscitado. Não é precisamente isto a fé?

Rever sempre de novo a prática da vida fraterna: vida na fraternidade local, fraternidade com os de fora, fraternidade da não violência.

Visitar o nosso interior. Não deixar nenhum canto marcado pelo vazio. Dar hospitalidade ao Espírito e tender à maturação humana e cristã.

Deixar-se impregnar do Evangelho vivo que se chama Jesus ressuscitado. Não larga-lo. Evangelizar sempre e tanto quanto for possível a começar pela nossa vida de menores, de seres fraternos, pessoas de contemplação, fazendo-nos presentes na vida dos outros, sobretudo dos mais abandonados.

Sempre prontos a acolher o inesperado.

16 de março de 2014

Relicário da Poesia: "A Alma de um Poeta"

Relicário da Poesia: "A Alma de um Poeta": Quando a alma do poeta converter-se  em amargura, No  céu não mais terá um anjo puro. As estrelas fugirão pra um outro cosmo. O orvalho ...

11 de março de 2014

Reflexão - Ir além…


“Damos voltas e voltas, mas, na realidade, só há duas coisas: ou escolhes a vida ou afastas-te dela” (José Saramago).

Para entrar na dinâmica da vida é preciso, primeiramente, acreditar que vale a pena viver e esta convicção ajudar-te-á a criar esse fato. A vida pode ser dura, exigente e, por vezes, um fardo por demais pesado… Porém, se temos essa convicção dentro de nós, podemos transformar cada dor, cada fracasso e cada passagem em abertura para outros momentos mais alegres, felizes e vitoriosos.

Sigmund Freud nos ensina que “somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro”. Isso não significa renunciar à nossa origem (humana), mas que precisamos de uma força transcendente, de um desejo intenso e profundo que nos faz ir além de nossos limites. Viver é um querer que lança ondas nas bordas pela necessidade de expandir-se…

Frei Paulo Sérgio, ofm  

10 de março de 2014

O tema da formação antes do Capítulo da OFS


Divagações e reflexões em torno do tema da formação. 

Por Frei Almir Ribeiro Guimarães, assistente nacional da Ordem Franciscana Secular.

1. Desnecessário dizer que num tempo de instabilidade e mudanças profundas no mundo, na sociedade, na Igreja e em nossa Ordem é sempre um grande desafio e bravura sem nome querer refletir sobre a formação. No momento tem gosto de provisório e de passageiro. Fica, no entanto, a certeza de que nossos irmãos, os que já estão conosco e os que estão chegando, têm direito a uma formação. Desafio particular é fazer com que seja bem “azeitada” a formação permanente. Apesar de todas as perplexidades, os formadores são chamados a transmitir um gosto pelo amanhã, um desejo que formandos se lancem na aventura humana, cristã e franciscana. Somos convidados a fazer com que as pessoas ergam a cabeça e sintam que podem ir em frente, apesar de todas as correções de rota a serem feitas no caminho. Uma palavra forte: coragem.

2. Numa sociedade que duvida de tudo e de si mesma, que alimenta uma visão “desencantada” do mundo, exprimindo-se com indiferença e mesmo um certo deboche diante de tudo, será preciso mostrar confiança no futuro. Apegamo-nos ao Evangelho, à tradição sólida dos documentos fundantes de nossa vida e vamos aguardando a sinalização do Espírito que sopra onde quer e para onde quer.

3. Tão ou mais importante que a formação inicial é a permanente. Nossas fraternidades franciscanas seculares são espaços de estudo, de reflexão, de ajustes. Não podemos simplesmente pular de tema em tema, de assunto em assunto. Cada fraternidade local, unida ao Nacional, terá um programa a seguir, temas a discutir. Trata-se de degustar as coisas interiormente. “Não é o muito saber que alimenta a alma, mas degustar as coisas interiormente” (Santo Inácio).

4. Não se trata apenas de ilustrar a mente com aspectos da fé e ângulos importantes da perspectiva franciscana de viver. Os que chegam e os que já estão precisam ser cristãos, santos, atuantes e com identidade franciscana clara. Este pensamento de Montaigne pode nos ajudar: “Ensinar não é encher vasos, mas acender luzes…”. Trata-se de um ensino com sabedoria.

5. Será preciso trabalhar valores humanos: percorrer as trilhas da maturidade, sair da superficialidade, ter coragem e força de vontade, saber o que significa assumir um compromisso, ter gosto pela convivência, viver com as diferenças, fugir de uma mentalidade restauracionista, rejeitar fanatismos, ter senso de humor, aprender a julgar fatos e acontecimentos.

6. Será fundamental experimentar Deus na oração, no irmão, na Escritura sempre, no começo, no meio e no fim, na formação inicial e na formação permanente, na primavera e no outono, até o fim.

7. Num tempo de profundas transformações, também no campo da fé será sempre necessário responder a pergunta de Jesus: “O que dizem os homens a respeito de mim e o que vocês dizem?” Uma adequada compreensão da dimensão da ressurreição do Senhor e de sua presença entre nós é de fundamental importância.

8. A formação será profundamente cristã e não marcada por devocionalismos. Há que estudar de verdade. Livros e textos serão colocados à disposição das equipes locais de formação. Cada um a partir do ponto em que se encontra não pode parar.

9. Deverão ser realçadas algumas das características do franciscano: simplicidade, vida belamente despojada, gosto pela fraternidade, sensibilidade para com as periferias, mentalidade de cuidador daquilo que é frágil, senso de minorismo.

10. As pessoas precisam ter consciência de que em nossas reuniões e encontros vamos descobrir caminhos novos que ainda não foram pisados. Num tempo de profundas transformações não é possível canonizar esquemas mortos, mas será preciso atentar para caminhos que o Espirito vai nos mostrar ou já está nos mostrando.

11. Os franciscanos, nossos formandos, precisam ser atuantes na Igreja, mas não de qualquer modo. Não se apresentam apenas para “tocar” para frente o que já vem sendo feito. Precisam refletir, discernir, estudar. Serão competentes nos serviços que aceitam: catequese, evangelização, acompanhamento dos jovens, das famílias.
12. No tempo da formação inicial os irmãos precisam assimilar uma biografia antiga e outra moderna de São Francisco. Parece necessário que ao menos conheçam a “Legenda dos Três Companheiros”. Desnecessário dizer que os “Escritos de São Francisco” precisam fazer parte do patrimônio pessoal de cada franciscano.
13. Os assistentes serão valiosos colaboradores tanto na formação inicial quanto na permanente. Usarão da palavra, ensinarão o método do ver julgar agir, farão com que as pessoas cultivem uma delicadeza de consciência, acompanharão atentamente os encontros formativos. Bem de perto seguirão os passos dos que se preparam para a profissão e se fazem pastores do pequeno rebanho.

9 de março de 2014

Reflexão - Liberdade


“Caço homens, como verdadeiro corsário, não para vendê-los como escravos, mas para levá-los comigo para a liberdade” (Nietzsche). 

Liberdade, no sentido da palavra, é ser livre a ponto de agir segundo vontade própria de cada ser. Liberdade não tem cor, não tem cheiro, não tem credo, não tem sistema, não pode ser levada para laboratório para ser experimentada, e muito menos ser dogmática.  A liberdade é conquistada na luta e no caminho da existência humana.

Refletindo com Nietzsche, podemos pensar que a liberdade não está entrelaçada com normas, regras, leis, dogmas, teorias, nada que a coloque  num beco de limites, pois tais coisas citadas são apenas para aprisionar a liberdade e tornar as pessoas escravas. A liberdade, quem sabe, seja viver a vida com ideal, fazendo da missão de viver um caminho de plenificação…

Frei Paulo Sérgio, ofm

8 de março de 2014

Francisco e o Evangelho que queimava


Em seu itinerário de querer encontrar o Senhor,  Francisco, o Poverello, vai ser um buscador da fé, da luminosidade da fé. É como se ele estivesse buscando um poço no deserto, como que remexendo a terra para encontrar um tesouro.  Nunca se esquecerá desses começos e daqueles que com ele estavam. Não se esquecerá esta primeira etapa de sua vida na busca do evangelho que costuma dilacerar.  Era como um homem acocorado e que agora se levantava e tinha vontade de dançar.

Como acolher a gratuidade dos dons de Deus sem, ao mesmo tempo, deixar cair por terras nossas pseudo-riquezas?  Nossas ideias feitas, nossas teimosias, nossos cacarecos.  Os primeiros da  mudança de Francisco foram decisivos. O Evangelho não era alguma coisa sonolenta.  Segundo  Michel Hubaut  era como o bisturi de um cirurgião. A homilia de domingo que ele escutava meio sonolentamente foi se convertendo num evangelho de fogo.  O contrário do medo é a fé. Ter a coragem de tudo arriscar. 

Renunciar ao desejo de manejar ou manipular a própria vida, de se abandonar nas mãos do Senhor  para acolher o seu projeto a nosso respeito.  Nada se compreende da mudança se Francisco se não se entende que foi precisamente o desejo de abrir-se ao desejo de Deus.

“Nada, pois, desejemos, nada queiramos, nada nos agrade e deleite, a não ser nosso Criador e Redentor e Salvador, verdadeiro  e único Deus, que é todo o bem… Portanto, nada nos impeça, nada nos afaste, nada nos estorve. Em todo lugar, em toda hora, em todo o tempo… creiamos, abracemos e amemos e honremos, adoremos, sirvamos, bendigamos e louvemos, engrandeçamos e rendamos graças ao Altíssimo, sumo e eterno Deus… deleitável…desejável pelos séculos dos séculos” (Regra não bulada, 23).

Frei Almir Ribeiro Guimarães

Extraído de:  http://www.franciscanos.org.br/

7 de março de 2014

“Contemplar aquele que teve o peito traspassado”



“Olharão para aquele a que traspassaram” (João 19, 37) 

1. Todos gostamos de meditar nos últimos momentos da vida de Jesus. De modo particular no tempo da Quaresma e na Semana Santa, o tema nos toca de modo particular. Num determinado momento de seu relato, João nos convida a fazermos uma pausa contemplativa. Procuramos um canto silencioso e fixamos nosso olhar naquele foi traspassado. Nossa preocupação é simplesmente nos deixar impregnar pela majestade toda em aniquilamento.

2. Os soldados, com efeito, não lhe quebraram osso algum.  Ao terminar o relato da Paixão do Senhor, o evangelista  convida o leitor a contemplar aquele que se oferece na plenitude da dádiva de si mesmo. Cristo é o cordeiro pascal a que faz referência o  livro do Êxodo:  “Não lhe deveis partir nenhum osso” (Ex 12,46). A contemplação a que João nos convida não é como a dos soldados que simplesmente estavam encarregados de verificar a morte de Jesus.  João nos convida a olhar a cena com um olhar pascal, olhar de um discípulo que vê,  acredita.  Trata-se de um contemplar que se orienta para um crer.  O que João vê nesse acontecimento vai para bem além do fato em si. Esta vista que se transforma em fé vai para além do tempo e chega ao “hoje”.  Nada daquilo passou. Dura e perdura.

3. Vejamos como reflete sobre o tema  Eloi Leclerc:  “Atingimos, com efeito, as fontes da vida.  A lança cravada fez com as fontes jorrassem em abundância.  Agora basta olhar para aquele a quem traspassaram. O segredo da vida divina está ali a descoberto. Escancarado, poder-se-ia dizer. O sangue e a água que escorrem do lado perfurado não constituem mera prova fisiológica irrefutável da morte de Jesus. Simbolizam a vida divina que nada consegue conter nem ocultar. Confirmam que Jesus deu a vida ao entregar o Espírito.  Não deu apenas o último suspiro; comunicou ao mundo o Espírito que é vida e faz viver, o Espírito que o pai lhe concedera sem medida” (E.Leclerc,  Vida em Plenitude, Ed. Braga, p. 56).

4. O sangue e a água  são sinal da vida divina que Jesus comunica ao mundo, muito mais do que sinal da morte biológica.  Mostram uma vida que borbulha mesmo depois da morte, uma força capaz de vencer a própria morte e coloca glória sobre o corpo daquele condenado.  Ali se manifesta a sua glória.  No prólogo, o evangelista já havia dito:  “Nós vimos a sua glória”.  Viu-a especialmente na cruz.  É junto à cruz que realiza essa contemplação. “A hora da morte de  Jesus, quando ele entrega o Espírito e de seu lado aberto escorrem água e sangue, é exatamente a hora em que a glória divina se deixa contemplar na profundidade de seu mistério. A vida aparece aqui identificada com a violência de um amor.

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Texto extraído de: http://www.franciscanos.org.br/

5 de março de 2014

Uma quarta-feira salpicada de cinzas…


Por Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM 

“No momento favorável eu te ouvi, no dia da salvação eu te socorri. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6,2).


Quantas vezes já vivemos este dia diferente e todo especial: uma quarta-feira salpicada de água benta e de cinzas.

E que tal se começássemos tudo de novo? Esse é o convite que paira no ar. Esta é a proposta do tempo da Quaresma. São quarenta dias diferentes, dias de revisão de vida, momentos em que queremos ouvir melhor a voz do Senhor, tempo oportuno e favorável, grande retiro da Igreja em preparação para a celebração da Páscoa do Senhor, para renovação de nossa passagem de uma vida medíocre para a busca da plenitude, passagem da mesmice rotineira de todas as coisas para podermos viver o esplendor da vida nova que brotou do Amor feito cruz, passagem do pecado para a graça.

No tempo do profeta Joel, a calamidade cai sobre a gente. O profeta convida o povo todo a transformar-se. Não basta o rito penitencial nem o rasgar das vestes. O homem todo é que precisa ser renovado, reconstruído, refeito. A Quarta-feira das Cinzas, porta de entrada na Quaresma, consiste num convite a que os cristãos vivam um tempo de atenção especial ao seu gênero de vida, ao seu propósito de seguir o Mestre. Um povo em estado de conversão! Uma Igreja em estado de renovação. Pessoas que se desvestem da pompa e do orgulho, que procuram impregnar-se do espírito do sermão da montanha: pobres interiormente, gente com sede de verdade e de justiça, pessoas que unem as coisas que andam perigosamente dispersas, gente que aceita a perseguição por causa do amor, gente da transparência. Gente em estado de penitência.

Francisco de Assis é o exemplo do penitente. Se tem nos traços de seu rosto vestígios do sol, tem também os matizes da quaresma. Deixa o mundo do prestígio a partir do momento em que beija as carnes fétidas do leproso. Sai do esquema mundano, do sucesso, da competição da posse. “Foi assim que o Senhor deu a mim, Frei Francisco, começar uma vida de penitência”, ou seja, dando valor ao que aparentemente não tem valor e deixando de dar valor ao que todos consideram como valor. Joel pede conversão: “Congregai o povo, realizai cerimônias de culto, reuni anciãos, ajuntai crianças e lactentes; deixe o esposo seu aposento, e a esposa seu leito”. “E o Senhor encheu-se de zelo por sua terra e perdoou ao seu povo”.
Os que terão suas frontes marcadas pelo nada, pela cinza, pelo pó sabem perfeitamente que precisam recomeçar porque têm consciência de sua fragilidade. Vieram eles do pó e ao pó voltarão. Os que deixaram o templo na quarta-feira salpicada de água benta e cinzas são pessoas que buscam coerência. Quando rezam, quando buscam a intimidade do Senhor têm um gosto todo especial de rezar no segredo do quarto. Não medem seus méritos a partir de coisas externas espalhafatosas.

Esses mesmos marcados pela cinza, símbolo da fragilidade e da vontade de recomeçar, são pessoas que procuram ter um domínio sobre o corpo e suas paixões. Chegam a privar-se de alimentos e de satisfações. Mas não guardam uma cara triste, um semblante que alardeie sua vida de penitência. Esses mesmos marcados pelas cinzas são aqueles que dão esmola a um e a outro, procurando fazer de sorte que a esquerda não saiba o que faz a direita. Mateus pede que os peregrinos das terras da Quaresma sejam pessoas de transformação e amigos da coerência. O seu exterior não difere do seu exterior. Se mostram alguma beleza externa é porque são belos por dentro.

Frei Almir Ribeiro Guimarães 


4 de março de 2014

“Reinventar-se a partir do pó”


Frei Gustavo Medella

“Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás de voltar” (Gn 3,19). A advertência que, na Quarta-Feira de Cinzas, chama a atenção do ser humano para sua finitude e provisoriedade, por outro lado, apresenta-se como uma porta aberta para a criatividade de quem abre o próprio coração para “reinvertar-se”. Já dizia a poetisa Cecília Meireles: “A vida só é possível reinventada”.

O crente do Antigo Testamento derramava sobre a cabeça um punhado de cinzas para se recordar o quanto era insignificante diante da grandeza de Deus! Sem abandonar por nenhum instante seus atributos grandiosos, Deus se dispôs a fazer-se um de nós no espaço e no tempo: Jesus Cristo, embora sendo em tudo semelhante a Deus, não se apegou a esta condição e se fez Grão de Trigo que, triturado no flagelo da cruz, tornou-se farinha, pó, pão, Pão da vida… Jesus é a presença encarnada de um Deus criativo, que nos chama à mesma criatividade na reinvenção. De uma situação totalmente desfavorável, da aniquilação total em todos os níveis, Jesus se reinventa e, Ressuscitado, eterniza sua presença entre os seus e os convida à mesma dinâmica: reinventar-se significa converter-se, buscar o melhor de si mesmo, com humildade e comprometimento.

Se o pó remete a situações de morte e abandono, também pode ser sinal da doação de muitos elementos que se unem em favor da vida. Basta lembrar-se da sagrada multimistura distribuída em todo o Brasil pela Pastoral da Criança e que vem salvando milhões de vidas infantis das doenças provenientes da desnutrição. Pó da vida. Cada um daqueles ingredientes se doa totalmente, se mói, se destrói para dar origem à mistura da vida e da salvação. É assim que o cristão é chamado a se portar: morrer para si, para o próprio egoísmo, para os interesses superficiais com o objetivo de se integrar a esta grande mistura (comunhão) de vida que é o Reino de Deus.

Que as cinzas recebidas nesta Quarta-Feira sejam sinal deste compromisso em tentarmos ser diferentes, sempre para melhor, sem medo ou qualquer espécie de tristeza por sermos tão pequenos e precários, pois mesmo assim Deus nos ama incondicionalmente. Revistamo-nos do pó que realmente somos, sem lamúria ou complexo de inferioridade, dando graças e louvores a Deus por Ele, mais uma vez, nos convidar a este esforço de conversão.