5 de março de 2014

Uma quarta-feira salpicada de cinzas…


Por Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM 

“No momento favorável eu te ouvi, no dia da salvação eu te socorri. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6,2).


Quantas vezes já vivemos este dia diferente e todo especial: uma quarta-feira salpicada de água benta e de cinzas.

E que tal se começássemos tudo de novo? Esse é o convite que paira no ar. Esta é a proposta do tempo da Quaresma. São quarenta dias diferentes, dias de revisão de vida, momentos em que queremos ouvir melhor a voz do Senhor, tempo oportuno e favorável, grande retiro da Igreja em preparação para a celebração da Páscoa do Senhor, para renovação de nossa passagem de uma vida medíocre para a busca da plenitude, passagem da mesmice rotineira de todas as coisas para podermos viver o esplendor da vida nova que brotou do Amor feito cruz, passagem do pecado para a graça.

No tempo do profeta Joel, a calamidade cai sobre a gente. O profeta convida o povo todo a transformar-se. Não basta o rito penitencial nem o rasgar das vestes. O homem todo é que precisa ser renovado, reconstruído, refeito. A Quarta-feira das Cinzas, porta de entrada na Quaresma, consiste num convite a que os cristãos vivam um tempo de atenção especial ao seu gênero de vida, ao seu propósito de seguir o Mestre. Um povo em estado de conversão! Uma Igreja em estado de renovação. Pessoas que se desvestem da pompa e do orgulho, que procuram impregnar-se do espírito do sermão da montanha: pobres interiormente, gente com sede de verdade e de justiça, pessoas que unem as coisas que andam perigosamente dispersas, gente que aceita a perseguição por causa do amor, gente da transparência. Gente em estado de penitência.

Francisco de Assis é o exemplo do penitente. Se tem nos traços de seu rosto vestígios do sol, tem também os matizes da quaresma. Deixa o mundo do prestígio a partir do momento em que beija as carnes fétidas do leproso. Sai do esquema mundano, do sucesso, da competição da posse. “Foi assim que o Senhor deu a mim, Frei Francisco, começar uma vida de penitência”, ou seja, dando valor ao que aparentemente não tem valor e deixando de dar valor ao que todos consideram como valor. Joel pede conversão: “Congregai o povo, realizai cerimônias de culto, reuni anciãos, ajuntai crianças e lactentes; deixe o esposo seu aposento, e a esposa seu leito”. “E o Senhor encheu-se de zelo por sua terra e perdoou ao seu povo”.
Os que terão suas frontes marcadas pelo nada, pela cinza, pelo pó sabem perfeitamente que precisam recomeçar porque têm consciência de sua fragilidade. Vieram eles do pó e ao pó voltarão. Os que deixaram o templo na quarta-feira salpicada de água benta e cinzas são pessoas que buscam coerência. Quando rezam, quando buscam a intimidade do Senhor têm um gosto todo especial de rezar no segredo do quarto. Não medem seus méritos a partir de coisas externas espalhafatosas.

Esses mesmos marcados pela cinza, símbolo da fragilidade e da vontade de recomeçar, são pessoas que procuram ter um domínio sobre o corpo e suas paixões. Chegam a privar-se de alimentos e de satisfações. Mas não guardam uma cara triste, um semblante que alardeie sua vida de penitência. Esses mesmos marcados pelas cinzas são aqueles que dão esmola a um e a outro, procurando fazer de sorte que a esquerda não saiba o que faz a direita. Mateus pede que os peregrinos das terras da Quaresma sejam pessoas de transformação e amigos da coerência. O seu exterior não difere do seu exterior. Se mostram alguma beleza externa é porque são belos por dentro.

Frei Almir Ribeiro Guimarães 


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