26 de fevereiro de 2013

Reflexão - Luz de Deus



“Se queres achar amizade, doçura e poesia em qualquer parte, leva-os contigo”. 
George Duhamel

Deus nos criou com infinitas capacidades e dons. Colocou em nossas almas sua própria imagem. Como a lua reflete a luz do sol e faz clarear a noite, também nós refletimos a imagem de Deus, fazendo clarear nossos próprios caminhos. Alguns refletem tanto a imagem de Deus que iluminam o caminho de muitas outras pessoas. Essas pessoas tornam-se sinais: são os (as) santos (as) de ontem e os (as) santos (as) de hoje!

Então, se queremos encontrar amizade, doçura, poesia… devemos levar tudo isso dentro de nós. As pessoas estão aí para serem reconhecidas, ajudadas, amadas… Quando conseguimos transmitir essa luz de Deus que está em nós para as pessoas, vamos aquecendo seus corações, descongelando o ódio, a desilusão, a desesperança. Onde houver ódio, levemos amor; onde houver trevas, levemos a luz!

Frei Paulo Sérgio, ofm

22 de fevereiro de 2013

Reflexão - O amor



“Não importa se você está perto ou longe… O que importa é que você existe para que eu possa sentir sua falta”.


Nada é pequeno no amor. Aqueles (as) que esperam por grandes ocasiões para demonstrar a sua ternura ainda não aprenderam a verdadeira arte de amar. O amor é demonstrado nos pequenos gestos, no olhar de ternura, na saudade que fica até o próximo encontro. O amor é capaz de doar sempre, pois se alegra com as conquistas e a felicidade da outra pessoa…

A falta da outra pessoa nos diz que não somos inteiros, que caminhamos para essa integridade. A falta nos fala que precisamos dos (as) outras (as), da mesma forma como contribuímos para a evolução das pessoas. E o amor é essa energia divina que não nos deixa sair do chão de nossas vidas e nem chão dos relacionamentos. O amor nos faz conectados com a humanidade, sem perder a ligação com o céu e a eternidade…

Frei Paulo Sérgio, ofm

20 de fevereiro de 2013

Como São Francisco converteu para a fé o sultão da Babilônia e a meretriz que o convidou para o pecado.



São Francisco, instigado pelo zelo da fé de Cristo e pelo desejo do martírio, foi uma vez ao ultramar com doze companheiros santíssimos, para ir direto ao Sultão da Babilônia. E, chegando a uma região dos sarracenos, onde as passagens eram guardas por homens tão cruéis que nenhum cristão, que passasse por aí, podia escapar sem ser morto. Aprouve a Deus que não fossem mortos mas, presos, espancados e amarrados, foram levados à presença do sultão. 
 
Estando São Francisco diante dele, ensinado pelo Espírito Santo, pregou tão divinamente sobre a fé de Cristo, que por essa fé eles até queriam entrar no fogo. Por isso o sultão começou a ter uma enorme devoção por ele, tanto pela constância de sua fé como pelo desprezo do mundo que nele via, pois não queria receber dele nenhum presente, e mesmo pelo desejo do martírio, que nele via. Daí em diante o sultão o escutava de boa mente, e pediu que voltasse muitas vezes a ele, concedendo livremente a ele e aos companheiros que pudessem pregar onde quer que lhes aprouvesse. E lhes deu um sinal para que não pudessem ser ofendidos por ninguém.
 

 
Então, tendo essa licença tão livre, São Francisco mandou aqueles seus escolhidos companheiros dois a dois em diversas partes dos sarracenos para pregar a fé de Cristo. E ele, com um deles, escolheu uma região e, quando chegou, entrou em um albergue para descansar. 


E aí havia uma mulher belíssima no corpo mas imunda na alma, e essa mulher maldita convidou São Francisco para o pecado. E São Francisco lhe disse: “Eu aceito, vamos para a cama”; e ela levava-o para o quarto. E São Francisco disse: “Vem comigo e te levarei a uma cama muito bonita“. E levou-a a um fogo muito grande que se fazia naquela casa. Com fervor de espírito despiu-se até ficar nu e se lançou ao lado do fogo, no espaço escaldante. E convidou-a a se despir e ir deitar com ele naquele leito macio e belo. E estando São Francisco aí por muito tempo e com o rosto alegre, sem se queimar e mesmo sem mesmo se chamuscar, a mulher, espantada por esse milagre e compungida em seu coração, não só se arrependeu do pecado e da má intenção, mas até se converteu perfeitamente à fé de Cristo, tornando-se tão santa que, por ela, muitas almas se salvaram naquelas regiões. 
 
No fim, quando São Francisco viu que não podia colher mais fruto naquelas partes, por divina revelação dispôs-se a voltar com todos os seus companheiros para o meio dos fiéis. Reunindo-os todos, voltou ao sultão e se despediu dele. E então o sultão lhe disse: “Frei Francisco, eu me converteria de boa vontade à fé de Cristo, mas temo faze-lo agora, pois se esses aqui o ouvissem, matariam a ti e a mim com todos os teus companheiros mas, como ainda podes fazer muito bem, e eu tenho que despachar certas coisas de peso muito grande, não quero provocar a minha morte nem a tua; mas ensina-me como posso me salvar: eu estou pronto a fazer o que me mandares”. Então São Francisco disse: “Senhor, agora eu vou embora, mas depois que eu tiver voltado ao meu país e ido para o céu, pela graça de Deus, depois da minha morte, como for do agrado de Deus, vou te mandar dois frades, dos quais receberás o santo batismo de Cristo, e serás salvo, como me revelou o meu Senhor Jesus Cristo. Neste meio tempo, tu te livras de tudo que te impede, para que, quando vier para ti a graça de Deus, te encontre preparado para a fé e devoção”. Assim prometeu fazer, e fez.
 

 
Feito isso, São Francisco voltou com aquele venerável grupo dos seus companheiros santos; e depois de alguns anos São Francisco entregou a alma a Deus pela morte corporal. E o sultão, ficando doente, esperava a promessa de São Francisco. Fez colocar guardas em certas passagens e mandou que, se dois frades aparecessem, fossem logo levados a ele. Nesse tempo, São Francisco apareceu a dois frades e mandou-lhes que fossem sem demora ao sultão e cuidassem de sua salvação, conforme lhe havia prometido. 


Os frades logo se moveram, passaram o mar e foram levados pelos ditos guardas para o sultão. Quando os viu, o sultão teve uma enorme alegria e disse: “Agora eu sei verdadeiramente que Deus mandou-me os seus servos para a minha salvação, de acordo com a promessa que São Francisco me fez por revelação divina”. Tendo, então, recebido a formação da fé de Cristo e o santo batismo pelos ditos frades, assim regenerado em Cristo morreu naquela doença, e sua alma foi salva pelos méritos e pelas orações de São Francisco. 
 
Para o louvor de Jesus Cristo e do pobrezinho Francisco. Amém.

18 de fevereiro de 2013

Reflexão - Deserto

“Entre os homens, são poucos que chegam à outra margem; a maioria fica correndo para cima e para baixo sempre do mesmo lado do rio” (Mouni Sahdu).

Estamos iniciando um tempo de travessia! O deserto é um lugar inóspito… É o lugar onde a vida mais luta para prevalecer. É o lugar do encontro com nossos medos, sombras e limites. Neste lugar simbólico enfrentamos nossas “tentações” de não aceitar nossos limites, nossas fragilidades, nossa humanidade… Vencer tais tentações é a chave para encontrar nosso equilíbrio humano, enraizados em nossa história e no chão de nossas vidas.

A encarnação de Jesus na nossa humanidade quer nos apontar que devemos também nos humanizar. Quando não aceitamos nossa condição humana, o diabólico começa a agir em nós querendo que sejamos aquilo que não somos. Quando aceitamos nossa condição humana, crescemos e evoluímos em nossa essência, pois aprendemos que o outro é feito do mesmo “húmus” que eu. Daí não existe espaço para julgamento e nem para condenação… Cria-se um vínculo entre o que sou e o que a humanidade é…

Uma abençoada e produtiva semana…

Frei Paulo Sérgio, ofm

16 de fevereiro de 2013

O resgate da categoria “espírito”


(*) Leonardo Boff

Na cultura atual, a palavra “espírito” é desmoralizada em duas frentes: na cultura letrada e na cultura popular.

Na cultura letrada dominante, “espírito” é o que se opõe à matéria. Matéria sabemos mais ou menos o que é, pois pode ser medida, pesada, manipulada e transformada, enquanto “espírito” cai no campo do intangível, indefinido,  e até  nebuloso. A matéria é a palavra-fonte de valores axiais da experiência humana dos últimos séculos. A ciência moderna se construiu sobre a investigação e a dominação da matéria. Penetrou até as suas últimas dimensões, às partículas elementares, até o campo Higgs no qual se teria dado a primeira condensação da energia originária em matéria: os tão buscados bósons e hádrions e a chamada “partícula de Deus”. Einstein comprovou que matéria e energia são equipolentes. Matéria não existe. É energia altamente condensada e um campo riquíssimo de interações.


Os valores espirituais, na acepção moderna convencional, situam-se na superestrutura e não cabem nos esquemas científicos. Seu lugar é o mundo da subjetividade, entregues ao arbítrio de cada um ou a grupos religiosos. Exprimindo-o de uma maneira um tanto grotesca, mas nem tanto, podemos dizer com José Comblin, grande especialista no tema: “Quando se fala em ‘valores espirituais’, todo mundo imagina que está falando um burguês numa reunião do Rotary ou dos Lions Club depois de uma abundante ceia regada a bons vinhos e servida com comidas finas; para o povo em geral ‘valores espirituais’ equivale a ‘palavras belas mas ocas”. Ou, então, pertence ao repertório do discurso eclesiástico moralizante, espiritualizante e em relação hostil com o mundo moderno.

Em razão disso, a expressão “valores espirituais” surge com mais frequência na boca de padres e de bispos de viés conservador. Deles, ouve-se amiúde que a crise do mundo contemporâneo reside fundamentalmente no abandono do mundo espiritual:  a não frequência da Missa ou de qualquer referência explícita à Igreja hierárquica.

Mas com os escândalos havidos nos últimos tempos com os padres pedófilos e com os escândalos financeiros ligados ao Banco do Vaticano, o discurso oficial dos “valores espirituais” se desmoralizou. Não perdeu valor, mas a instância oficial que os anuncia conta com muito pouca audiência.
Na cultura popular, a palavra “espírito” possui grande vigência. Ela traduz certa concepção mágica do mundo à revelia da racionalidade aprendida na escola. Para grande parte do povo, especialmente os influenciados pela cultura afrobrasileira e indígena, o mundo é habitado por bons e maus espíritos que  afetam as distintas situações da vida como a saúde e as doenças, a vida afetiva, os sucessos e os fracassos, a boa ou a má sorte. O espiritismo codificou esta visão de mundo pela vida da reencarnação. Possui mais adeptos do que se suspeita.

No entanto, nos últimos decênios nos demos conta de que o excesso de racionalidade em todas as esferas e o consumismo exacerbado geraram saturação existencial e também muita decepção. A felicidade não se encontra na materialidade das coisas mas em dimensões ligadas ao coração, ao afeto, às relações de amor, de solidariedade e de compaixão.

Por todas as partes, buscam-se experiências espirituais novas, quer dizer, sentidos de vida que vão além dos interesses imediatos e da luta cotidiana pela vida. Eles abrem uma perspectiva de iluminação e de esperança no meio do mercado de ideias e de propostas convencionais, veiculadas pelos meios de comunicação e também pelas assim chamadas “instituições do sentido” que são as religiões, as igrejas e as filosofias de vida. Elas ganharam força através dos programas de TV e dos grande shows religiosos que obedecem à lógica da espetacularização massiva e que, por isso mesmo, se afastam do caráter reverente e sagrado de toda religiosidade. Numa sociedade de mercado, a religião e a  espiritualidade se transformaram também em mercadorias à disposição do consumo geral. E rendem muito dinheiro.

Não obstante a referida mercantilização do religioso, o mundo espiritual começou a ganhar fascínio embora, na maioria das vezes, na forma de exoterismo e de literatura de auto-ajuda. Mesmo assim, ele abriu uma brecha na profanidade do mundo e no caráter cinzento da sociedade de massa. Nos meios cristãos emergiram as Igrejas pentecostais, os movimentos carismáticos  e a centralidade da figura do Espírito Santo.
Estes fenômenos supõem um resgate da categoria “espírito” num sentido positivo e até anti-sistêmico. O “espírito” constitui uma referência consistente e não mais colocada sob suspeita pela crítica da modernidade que somente aceitava o que passava pelo crivo da razão. Ocorre que a razão não é tudo nem  explica tudo. Há o irracional e racional. No ser humano há o universo da paixão, do afeto e do sentimento que se expressa pela inteligência cordial e emocional. O espírito não se recusa à razão, antes, precisa dela. Mas vai além, englobando-a num patamar mais alto que tem a ver com a inteligência, a contemplação e o sentido superior da vida e da história. Em termos da nova cosmologia, ele seria tão ancestral quanto o universo, este também portador de espírito. A era do espírito?

A sair pela Vozes, do autor: Fogo do céu: o Espirito Santo no universo, na humanidade, nas Igrejas e religiões 2013.
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(*) Leonardo Boff é doutor em Filosofia e Teologia, autor autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística.
 
 ARTIGO EXTRAÍDO DE : http://www.franciscanos.org.br/

15 de fevereiro de 2013

A observância Quaresmal



Poderíamos falar também de exercícios da Quaresma ou exercícios de conversão. Trata-se de três exercícios de culto a Deus, já conhecidos no Antigo Testamento e abordados por Jesus no Evangelho de São Mateus (6,1-18): a oração, o jejum e a esmola.
Jesus não condenou estas práticas de culto. Quis, sim, purificá-las da hipocrisia. Muito cedo, a Igreja acolheu esses exercícios como prática de conversão, sobretudo na Quaresma. São Leão Magno, o grande papa do século V, mostra como essas três práticas atingem de modo profundo os três principais relacionamentos do homem: com Deus, pela oração; com a natureza criada, pelo jejum e com o próximo, pela esmola. Por isso, esse evangelho é proclamado na Quarta-feira de Cinzas, abertura da Quaresma, como um verdadeiro programa de exercício de conversão para os cristãos.

Na virtude da fé, o homem volta-se diretamente a Deus pela oração. Louva-o e o adora. Reconhece-o como Criador, Senhor e Pai e a si mesmo como criatura e filho. Realiza-se uma conversão, pois pela oração o homem se situa no seu lugar, na sua vocação em relação a Deus.
E temos mais: quando, na Quaresma, a Igreja intensifica a oração, ela celebra o Cristo orante em profunda comunhão com o Pai.

Na virtude da esperança, o homem já participa do Bem Supremo que é Deus. Então, os bens deste mundo não o escravizam.

Faz uso deles para o bem próprio e do próximo e neles degusta o Bem, que é Deus. Mas muitas vezes acaba escravizando-se aos bens materiais. Aparece, então, o sentido do jejum religioso. Jejuar significa abster-se de alimento, tomar uma atitude de respeito e de liberdade diante das coisas, fazer espaço para os outros e para Deus, confiar na providência de Deus. Por este gesto, que é um rito, a Igreja comemora o Cristo, Senhor da criação e a vocação do homem como senhor da criação. Constitui um ato de conversão a Deus através das coisas. Importa, então, viver em atitude de jejum. De quantas coisas podemos jejuar!
Na virtude da caridade, o homem é chamado a ser profeta, revelando Deus, que é amor e apontando para ele. E chamado a viver como irmão. Num gesto ou rito de generosidade, a esmola, ele celebra sua capacidade de doar, de amar, de partilhar, segundo Deus. Celebra a generosidade do Deus Criador e do Deus Salvador. É o sentido mais profundo da esmola: dar de graça, dar sem querer retribuição, dar em solidariedade, partilhar com o próximo. Importa, então, viver em atitude de esmola: ser esmola, ser generoso, ser dom para o próximo, partilhar com os irmãos os seus bens, a exemplo do Deus Criador e de Jesus Cristo, dando sua vida por todos.


Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

14 de fevereiro de 2013

As linhas-força da Quaresma


A Quaresma recebe toda a sua força de inspiração da Vigília pascal, desdobrada no Tríduo Pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus Cristo.

Trata-se da preparação para a Festa da Páscoa do Cristo total, isto é, de Jesus Cristo e dos cristãos. Esta vida nova em Cristo é que chamamos de mistério pascal.

A páscoa-fato, celebrada pela Igreja, movimenta-se em três níveis: a páscoa-fonte, a Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus Cristo; a páscoa participada pelos cristãos, acontecida no batismo; e a renovação da páscoa dos cristãos em Cristo no hoje pela renovação de vida, na conversão ou penitência e no compromisso renovado.

Tudo isso torna-se sacramental na páscoa-rito, na celebração da Vigília maior, desdobrada no Tríduo Pascal.
Compreendemos que a celebração da Páscoa é essencialmente uma festa batismal. Dela brotam duas linhas-força:

A primeira: A dimensão batismal. Nesta dimensão podemos realçar dois aspectos. A Páscoa é a festa da celebração do batismo daqueles e daquelas que se prepararam durante a Quaresma. Hoje, esta realidade está tornando-se sempre mais presente.
Os catecúmenos caminharam com a Igreja; a comunidade tornou-se catecúmena com os que se preparam para o batismo.

A Igreja gera novos filhos na fé. Mas enquanto ela se toma catecúmena, os cristãos se preparam para renovar os compromissos do próprio batismo.

 Assim, estamos na segunda linha-força da Quaresma: a penitência ou a prática da conversão para viver o batismo ou para renovar as promessas do batismo.
Os cristãos já batizados têm consciência de que ainda não estão na plenitude do ideal cristão, que é o próprio Cristo Jesus. Todo cristão, mesmo batizado, sabe que o processo de sua conversão não chegou ao fim. Ele é um caminhante, consciente do já presente do ainda não. Embora justificado e santificado pelo batismo e pela fé, encontra-se ainda a caminho. Além disso, ele tem consciência de que muitas vezes se torna infiel à aliança batismal, à morte libertadora de Jesus Cristo, afastando-se ou negando totalmente sua vocação e missão de batizado. Ou, então, torna-se infiel aos compromissos batismais, não correspondendo devidamente à proposta do amor de Deus em Jesus Cristo. Daí o sentido da penitência quaresmal para todos. Será preparação para retomar os compromissos do batismo ou para fortificá-los. Esta experiência de reconciliação oferecida pela misericórdia de Deus em Cristo Jesus constitui, por sua vez, outra experiência pascal celebrada sacramentalmente na Páscoa.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

13 de fevereiro de 2013

Visão Geral sobre a Quaresma



Ter-se-á sempre em vista que a Quaresma constituía preparação para o Tríduo Pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição do Senhor Jesus, celebrado de Quinta-feira à noite até o Domingo da Ressurreição.

A Quarta-feira de Cinzas abre este tempo de conversão e de penitência, fazendo a proposta da observância quaresmal da oração, do jejum e da esmola.
Seguem todos os anos os dois domingos com temática fixa, variando apenas conforme os Evangelistas do ano. No 1º  Domingo da Quaresma: As tentações de Jesus no deserto; 2º  Domingo: a transfiguração do Senhor.

Jesus é o modelo da vida de penitência dos cristãos. O Jesus que jejua, o Jesus que se dedica à oração, deve ser visto à luz do Cristo transfigurado. Toda a caminhada da conversão dos cristãos só tem sentido à luz da ressurreição pregustada no Tabor.
A partir do 3º Domingo temos uma diversificação, conforme os ciclos do Ano A, B e C.

O Ano A apresenta a temática batismal. O Batismo será revivido no Tríduo pascal e especialmente na Vigília.
Se isso é verdade todos os anos, vem tematizado no Ano A. Utilizam-se os Evangelhos de São João. No 3º  Domingo: o poço da samaritana; no 4º  Domingo: o cego de nascença junto à piscina de Siloé. No 5º  Domingo: a ressurreição de Lázaro. As leituras do Antigo Testamento, em harmonia com os evangelhos, apresentam os grandes lances da história da salvação. As leituras do Apóstolo realçam também a temática batismal.
No Ano B, de Marcos, sobressai o mistério da renovação da pessoa humana em Cristo e por Cristo, através da penitência. Seguindo o Cristo no mistério da cruz, o cristão participará de sua ressurreição. Os evangelhos são novamente de João: a restauração do Templo (o corpo de Cristo), Jo 21,13-25; o Cristo exaltado na cruz para a salvação do mundo, Jo 3,14-21; o grão de trigo que precisa morrer para produzir fruto, Jo 12, 20-33. As leituras apresentam tópicos da aliança de Deus com seu povo.

O Ano C, de Lucas, é perpassado pelo tema da necessidade da penitência e da misericórdia de Deus para com a humanidade em Cristo Jesus. A necessidade da conversão (Lc 13,1-9) no 3º  Domingo; o filho pródigo (Lc 15,1-3.11-32) no 4º  Domingo e a mulher adúltera (Jo 8,1-11) no 5º  Domingo. As leituras apresentam experiências pascais do Povo de Deus na história da salvação.
Tudo isso pode acontecer cada ano com o Povo de Deus, a Igreja, no Tríduo Pascal. As condições são a conversão, a renovação da aliança batismal em Cristo Jesus.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

Quarta-feira de Cinzas – Ressuscitar das Cinzas



Quarenta dias antes da Páscoa, a Igreja abre solenemente o tempo de penitência, chamado Quaresma, em preparação para a celebração da Páscoa. É a Quarta-feira de Cinzas, entre nós bastante prejudicada pelo carnaval.

Neste dia, após a Liturgia da Palavra, em que se proclama o trecho do Evangelho em que Cristo recomenda a oração, o jejum e a esmola como exercícios de conversão (cf. Mt 6,1-18), realiza-se o rito da imposição das cinzas. Elas são sinal de penitência, no sentido de conversão. A conversão consiste, sobretudo, no reconhecimento de nossa condição de criaturas limitadas, mortais e pecadoras. No gesto de imposição das cinzas sobre a cabeça das pessoas, o sacerdote ou o ministro diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver segundo os ensinamentos do Senhor Jesus. Pode-se usar também a fórmula tradicional: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar”. Numa das orações de bênção das cinzas se diz: “Reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do Cristo ressuscitado”.

A origem das cinzas usadas tem seu significado. Elas são preparadas pela queima de palmas usadas na procissão de Ramos do ano anterior. Lembram, portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte. A palma é símbolo de vitória e de triunfo. Assim, se os cristãos aceitam reconhecer sua condição de criaturas mortais, e transformar-se em pó, ou seja, passar pela experiência da morte, a exemplo de Cristo, pela renúncia de si mesmos, participarão também da vida que ressurge das cinzas.

Aqui vale a pena lembrar uma lenda egípcia. Fênix era uma ave fabulosa que durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas. Foi fácil perceber que ela é símbolo da ressurreição de Cristo e dos que aceitam viver na atitude de Cristo.

Certamente não é fácil aceitar ser cinza. Contudo, a fé em Jesus Cristo ressuscitado faz com que a vida renasça das cinzas. Jesus Cristo faz brotar a vida, onde o ser humano reconhece sua condição de criatura necessitada da ação de Deus. É entrar na atitude pascal.

Esta páscoa se vive na conversão, através dos exercícios da oração, do jejum e da esmola.
A imposição das cinzas não constitui um mero rito a ser repetido a cada ano. É celebração da vocação do ser humano, chamado à imortalidade feliz, contanto que realize o mistério pascal de morte e vida em sua vida fraterna.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

9 de fevereiro de 2013

O mundo em que os jovens vivem

O ano de 2013 é, de alguma forma, o Ano da Juventude.  O encontro dos jovens com o Papa no Rio de Janeiro, a Campanha da Fraternidade e o Ano da Fé constituem  convites a que venhamos organizar uma sistemática pastoral  dos jovens. Tarefa ingente, complexa e delicada.  Urgente pensar no assunto. A Igreja de amanhã, nesse mundo em transformação, precisa de um laicato maduro, de casais maduros, de políticos maduros, de gente  nova por dentro.  Nossa reflexão  nesta rubrica  Pastoral pretende lançar  um olhar  sobre o mundo que vivem os jovens.  Tocamos apenas em alguns pontos.  Cabe aos leitores desta “Revista Eletrônica” completar o elenco das situações concretas em que vivem os jovens e, sobretudo,  imaginar uma possível pastoral  (ou evangelização) dos jovens.


Vivemos um tempo de transformação.  Há a crise econômica e social. Há a crise eclesial.  Há a crise cultural. Morre um mundo e nasce outro.  Morre um modo de viver a fé. O que é ser cristão nesse mundo novo vago que se delineia a duras penas. Ora, os jovens são aqueles que poderão ser protagonistas desse novo nascimento. Poucas de nossas comunidades, no entanto,  conseguem organizar e alimentar uma pastoral juvenil.  Em que mundo vivemos nós e os jovens?

 
1. Vivemos o tempo do imediato, do que precisa ser feito aqui e agora, sem delongas, sem demora. O que desejo, quero para já, aqui e agora. Nem sempre esse desejo do imediato é acompanhado  pela reflexão.  Não sabemos colocar o pé no freio. Compramos o que temos vontade de comprar e pagamos a crédito, com cartão de crédito, com pagamentos a perder de vista.  Mas queremos agora.  Essa característica da busca do imediato lembra os caprichos de uma criança que pensa que tudo se lhe deve e que esperneia enquanto  não consegue o que quer na rua, no metrô, na igreja e na sala de espera do consultório médico.  As pessoas querem tudo rapidamente  e não se dão o tempo de pensar, de escolher, de decidir com  um mínimo de discernimento.  O tempo da  juventude não seria o tempo de escolhas importantes que marcam a vida de uma pessoa para sempre? Será possível melhorar  nossas escolhas?

2. A realidade é como um líquido que escorre por entre os dedos.  Nada passa a impressão de ser sólido. Os relacionamentos são  fugazes: casamento, amigos, convicções. Como uma pessoa jovem se situa nesse mundo líquido de que fala  Zygmund  Bauman? Onde o jovem encontrará uma âncora vital  que o ajude a navegar no vaivém das oscilações da vida?  O mundo nunca foi estático. Mas hoje é “louco”.  É possível encontrar um sentido último para a vida e que oriente as decisões e ajude a construir projetos existenciais que valham a pena?


3. Vivemos num mundo descosturado. As coisas não estão interligadas.  Cada fragmento tem sua lógica, obedece a seus princípios,  contém seus “valores”, uns separados dos outros.  Jovens vivem essa descostura na carne.  Muitos deles trabalham para ajudar na renda familiar, fazem estudos à noite, ou ensino fundamental, ou faculdade. Não têm tempo de aprofundar seus estudos e nem de conhecer-se a si mesmos. Derramam-se nas coisas e nos finais de semana  precisam  uma válvula de escape: namoricos, por vezes para distração, bebida e certas fugas no mundo das drogas. Precipitados envolvimentos amorosos  podem redundar numa gravidez. Como esses jovens  tão ocupados  poderão participar de grupos de  jovens, de espaços de iniciação cristã e de reorganização de seu universo?  Como viver com eles?  Como eles  poderão sentir  beleza da fé vivida por outros?

4. Há jovens de todos os tipos e horizontes.  Vemos uma certa juventude que cresce em ambientes familiares de compreensão, de harmonia. Crianças que encontram regularmente os pais, que  sentem a firmeza do relacionamento dos mesmos, que vivem segurança na vida, apoiadas no sólido amor dos pais.   De outro lado vemos jovens que vivem em ambientes de profunda hostilidade familiar.  São filhos de mães solteiras, criados pelas avós.  Jovens que têm conviver com “meio-irmãos”,  filhos do novo companheiro da mãe. A mãe e seu novo companheiro não vão viver o tempo todo juntos. É coisa apenas por um tempo. O que realmente se passa na cabeça desses jovens? Onde estão?  Como fazer pastoral com eles?  Quando tentar atingi-los com o Evangelho?

5. Nossos jovens crescem num  ambiente marcadamente  consumista O mundo é consumista. A vida é consumista. Os meios de comunicação falam de consumo, convidam  ao consumo.  Consumo de bens, consumo de coisas modernas, de viagens, de pessoas.  Como  fazer com que ressoe nesta sociedade de consumo o espírito de desprendimento do Sermão das Bem-aventuranças?

6. Vivemos a cultura do êxito. É preciso  vencer na vida. Há a competição.  Competição  que estressa. Competição que aponta para uma certa eliminação do outro. Há famílias que treinam os filhos para  estudar, vencer na vida e assim poderem desfrutar  de folgada situação financeira em suas vidas. Êxito e sucesso também nos relacionamentos amorosos: corpos sarados, bem cuidados, cuidados  demais. Meninas magras e rapazes “bonitos”.  Culto das aparências: beleza do corpo, viagens, carros e facilidades.

7. “Construímo-nos  como pessoas em relação com os outros.  O jovem de hoje, como nunca antes, vive possibilidades de comunicação e de  relacionamentos quase ilimitadas.  Que jovem não se serve das redes sociais  com centenas de amigos nesses fóruns?   Os jovens de hoje conhecem melhor o mundo do que aqueles de gerações anteriores.  Também se deslocam e se locomovem muito mais.  Com tudo isso, a solidão parece ser uma ameaça real para não poucos jovens. Nem sempre conseguem viver uma amizade em profundidade. Vínculos que pareciam muito estáveis se desfazem com relativa facilidade.  Há jovens que chegam aos trinta anos numa dificuldade de encontrar seu par com quem construir sua vida. Pode o evangelho ajudar a  viver vinculações  mais  sólidas, mais estáveis, de pessoas mais comprometidas  umas com as outras?”  (Abel Toraño  Fernández, SJ, Jóvenes e nueva evangelización: escenario y desafios,  Sal Terrae, 100 (2012), p. 529-530).

Questões:
● O que chamou sua atenção neste texto?
● O que mais diria a respeito do mundo em que vivem os jovens?


Frei Almir Ribeiro Guimarães

Extraído de: http://www.franciscanos.org.br/?p=32387

8 de fevereiro de 2013

Reflexão - Esquecimento

“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito” 
Machado de Assis.


O esquecimento, frequentemente, é uma graça. Muito mais difícil que lembrar é esquecer! Esquecimento é perdão, o alisamento do passado, igual ao que as ondas do mar fazem com a areia da praia durante a noite: vai limpando, alisando, deixando tudo em ordem outra vez… Então, no outro dia virão as novas marcas, as novas pegadas, o novo movimento de ir e vir…
Dessa maneira, precisamos crescer nessa verdadeira arte do esquecimento: deixar para trás aquilo que marcou negativamente, escrever na areia as coisas ruins e deixar o vento varrer da memória… O que devemos é escrever em pedras o que é bom, o nome de pessoas que nos marcaram positivamente…

Frei Paulo Sérgio, ofm

7 de fevereiro de 2013

Reflexão - Poesia



“Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve…”
Cecília Meireles.

Os gestos são meios poderosos de comunicação: num rosto alegre e suave comunicamos amor, acolhida, aconchego, paz… Num rosto duro, apresentando todas as rugas, demonstramos rigidez, raiva, ódio, julgamento…. Daí que devemos curar nossos corações para que nossa face possa refletir aquilo que trazemos dentro de nós.

A poesia causa encanto e satisfaz a alma… A poesia é um jeito divino de nos falar daquilo que é belo, grandioso, transcendental… Procure criar espaço para a poesia na sua vida: leia, reflita, medite! Procure entrar na alma do poeta e dê espaço para a poesia criar raízes na sua vida. Seja simples e crie profundidade em seus relacionamentos, seja amigo das pessoas e ore diariamente pelo crescimento e evolução da sociedade humana…

Frei Paulo Sérgio, ofm

6 de fevereiro de 2013

A aventura da fé

Textos de abertura
O Senhor disse a Abraão: “Sai da tua terra, do meio dos teus parentes, da casa do teu pai e vai para a terra que te mostrarei. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei engrandecendo o teu nome de modo que se torne uma bênção”  (Gênesis  12,1).
A fé  é como uma criança que não dá descanso, não se acostuma a hábito algum, sobretudo da indolência e da tibieza. Repugna-lhe comprometimentos. Ela é uma criança rebelde, ao mesmo tempo vulnerável e temerária, reflexiva e aventureira. Criança que nasceu em plena noite, não feita para a provação da noite, sempre em estado de busca,  desejando a luz  (Sylvie Germain).


1. Estamos vivendo a graça do Ano da Fé.  Toda reflexão sobre o tema  da fé começa com Abraão, que deixa sua terra e sua parentela, seu modo de viver no mundo e seu jeito de organizar a vida  e lança-se a caminho. Alguém avisa que ele, apesar de todos os pesares, apesar do ventre seco de Sara, será pai de uma multidão. Ele creu e por isso foi justificado.   A fé é um movimento de ir, de sair, de  fazer o que é pedido, com parcial clareza ou mesmo nenhum. “Meu Deus, meu  Deus, por que me abandonaste”, grita o homem Jesus no alto da cruz. Sim, a fé é uma criança que não se acalma, nem dá descanso. Coloca os que convoca em estado de busca. Nada tem de mesmice, de indolência, nada tem a ver com um pacote recebido não sei quando e que deve ser levado não sei para onde. A fé sempre questiona, interroga, ilumina, apresenta-se oportuna e inoportunamente à nossa liberdade. Digo bem, ela se apresenta à liberdade de cada um. Na abordagem do tema não é questão apenas de insistir sobre o saber de cor o Credo. Não se trata, em primeiro lugar, de doutrina, e sim do ingresso num universo que nos escapa, numa misteriosa comunhão com Deus, em caminhar na terra  como se víssemos o Invisível. Melhor imagem para explicar a fé: uma luz, uma claridade que dá sentido à vida e que nos permite organizar um consistente projeto de existência.  A luz da fé esclarece nosso presente e projeta luz em nosso  amanhã. Uma das experiências mais trágicas de uma existência é a que fazem os que não creem. A fé é dom do alto que é sempre dado aos pequenos. “Pai, Senhor do céu e da terra, eu te louvo, porque escondeste estas coisas dos sábios e poderosos e as revelaste aos pequenos”.  O dom é dado a quem abre a porta.

2. A fé é escuta e assentimento. No coração da vida  irrompe a voz de um Outro que chama e convoca. A fé tem a ver com o jogar-se naquele que chama, sem medo, correndo todos os riscos, com pouca bagagem. Com certeza, de um lado e questões do outro. Lançar-se sem medo porque quem nos chama nos ama. É um arremesso para frente. É movimento de confiança em Alguém que está fora de nós, que nos chama e convoca a sairmos de nós mesmos e ir ao seu encontro. O que vem depois é segredo ente o Amante e a amada. A fé leva à comunhão. Tornar-se uma pessoa de fé significa deixar-se conduzir por este dinamismo que aponta  para  Jesus  Cristo morto e ressuscitado. E saber que, aqui e agora, eu morro e ressuscito com ele. Um tal movimento de saída de si e busca do Outro comporta aspectos exigentes e, por vezes, dolorosos.  Andar na direção de Alguém exige um distanciamento do lugar em que estamos, daquilo de que se ocupa  nosso coração, nossos afetos, desejos e posses. Andar na direção da fé  implica na renúncia de queremos construir em nosso interior uma imagem desse Alguém de acordo com nossos gostos e nossas expectativas. Trata-se da aceitação humilde de uma descoberta que vai se dilatando ao longo do tempo:  uma vida à luz da fé, do Senhor, do Cristo morto-ressuscitado. Vida de fé que há de reservar suas surpresas.  Não se coloca esse Alguém a nosso serviço. Se assim fosse, estaríamos diante  de um ídolo.

3.  Andar na direção desse  Alguém significa aceitar que ele seja diferente. Nem sempre as  exigências da fé coincidem com nosso querer. Nossos critérios nem sempre são os critérios desse Alguém. Não se seleciona aquilo em que deseja-se acreditar. A fé pede que perdoemos setenta vezes sete, nos diz que o corpo apodrecido na sepultura é fadado à gloria,  que há força de redenção no sofrimento. O Outro será acolhido em sua totalidade, em tudo o que é e que diz. Trata-se do tudo ou nada.

4. O movimento da fé não desemboca num vazio, mas encontra um dado objetivo, em alguma  coisa que se acredita, um “regra de fé”.  A fé tem um conteúdo. Situa-se no observável, no coletivo, no comunicável. Há um conjunto de verdades que está diante de nós, um credo a ser conhecido, apreciado, vivido. Não verdades frias.  Há um Deus grande e belo que se revela em Jesus, morto  e ressuscitado,  no coração de uma comunidade de crentes  e que nos faz viver aqui e agora a intimidade com ele de modo nebuloso e esperando a  plenitude  na “vita venturi saeculi”.  Os sentimentos e sensações que cada um experimenta nem sempre são bons conselheiros,  sobretudo quando as pessoas não são  vigilantes nem perseverantes. No campo da fé, a emoção é má conselheira. O “credo”  permite nos ater a um linguajar sóbrio e distinguir os reais fundamentos da fé que são necessários para construir sobre o sólido uma experiência pessoal do Deus de Jesus Cristo.
A imagem da Igreja é representada por um barco que navega sobre as ondas. Seu mastro é uma cruz. Este iça as velas que formam o trigrama de Cristo: IHS. Na logomarca, ao fundo, se vê representado o sol associado ao trigrama que se refere à Eucaristia.










 5. A fé está ligada a uma experiência.  É um dado existencial.  Ela permeia e atravessa a vida de uma pessoa transformando-a através de um processo de conversão e de salvação. Exteriormente, a convicção interior se explicita num testemunho concreto e cotidiano, que arranca a pessoa do egoísmo e da instalação em seus próprios interesses e abre para uma solidariedade mais ampla, a uma justiça mais exigente, a uma caridade mais generosa. Não se pode pensar numa ortodoxia, sem pensar numa ortopraxia. Não se pode  falar de  uma fé solidamente estruturada, sem delinear também  um comportamento, uma moral. O comportamento deve refletir a adesão ao Deus de Jesus Cristo e deixar transparecer a fé através de escolhas coerentes e decisivas. Não existe fé sem obras. Os ritos externos que costumam exprimir a fé sem o fundamento da fé são vazios e inócuos.

6. A fé designa o ato pessoal de crer, de se confiar a Cristo e a seu ensinamento  que não se limita à submissão a códigos engessados ou a um corpo de doutrina.  Christophe Theobald: a fé  tem a ver com uma liberdade que faz a experiência de ser libertada de si mesma.  A  fé cristã significa apostar todas as fichas nesse Jesus de Nazaré, que veio ao mundo da parte de Deus, caminhou pelas estradas da terra, conheceu os mistérios do coração humano, sofreu, morreu e ressuscitou e vive entre nós.  Estará conosco  ate à consumação dos séculos. A fé em Deus não exige renúncia de viver e responder aos convites do tempo. Ela, no entanto, dá um sabor diferente a nossos  planos, projetos e vivência.  A fé não nos fecha  numa modalidade de autossuficiência ou complacência para conosco mesmo.  Convida-nos a nos reabastecer numa fonte fora de nós.  A fé não é qualquer coisa mágica que nos garante tudo  uma vez por todas. Ela coloca à prova nossa  liberdade e nossa  confiança  no cotidiano de nossas escolhas.  A fé informa tudo: casamento, vida de padre, pessoas solteiras, alegrias, sofrimentos, prioridades, vida e morte.  Vivemos como se sempre estivéssemos vendo o Invisível.

7. Crer significa entrar numa relação de confiança com Deus. Repetimos:  ter fé é aderir pessoalmente ao Deus que se revela como o Pai criador,  como Jesus Cristo o Filho, morto e ressuscitado para nós, como Espírito Santo, doador  de vida e santidade. Com todos os homens e mulheres, os cristãos têm perguntas que dançam seus lábios vindas de seu interior.  Como chegar a uma verdadeira felicidade?  Qual o bem a ser feito e o mal a ser evitado?  Como decidir quando as situações são complexas?  Por que os justos sofrem?  Por que o  Senhor parece mudo.  A fé nos convida  a elaborar respostas a estas questões. Ela não é uma caixa de conteúdos e de soluções no sótão da nossa vida.  Ela ilumina. A nós de enxergar e aderir.

8. Crer é saber-se  precedido e amado pelo Senhor na existência.  Aderir  a Deus, é descobrir aquele que é fonte de minha vida, aquele que suscitou minha liberdade e  quer me guiar pelo caminho do amor.  Esta experiência tem suas consequências  práticas:  minhas ações e decisões  terão sentido somente na medida  em que responderem ao dom  do amor de Deus. Sabemos em quem colocamos nossa confiança.  Antes que amássemos esse Outro, ele nos amou. É belo e reconfortante percorrer os salmos e ver como o salmista se sente coberto de amor.  “Bendirei  o Senhor em  todo o tempo…”.

9. Crer nunca é obra solitária, mas significa  ingresso numa tradição herdada dos apóstolos. O compromisso que a fé suscita na vida cotidiana não é um ato isolado, mas testemunho secundado e modelado pela comunidade dos crentes.  Outros viveram a fé  e no-la transmitiram. Como discípulos de Cristo, acreditamos também na Igreja que é seu corpo comunitário animado pelo Espírito. A fidelidade ao Cristo supõe  a fidelidade à sua Igreja. Um documento pastoral dos bispos franceses, reza: “Recebemos da Igreja  encorajamento,  formação e orientações para nosso comportamento. Toda a comunidade cristã é lugar de discernimento da retidão cristã das decisões. Para estarmos certos de responder em nossa vida aos apelos do Espírito de Cristo temos necessidade de buscar tal verificação na comunidade habitada  pelo Espírito como se manifestam os frutos do Espírito”.

10. “A comunidade cristã,  de modo especial pela vida litúrgica,  modela nossa maneira de ver o mundo, instrui nosso caráter moral, e educa  nossa atitude diante de questões éticas.  A liturgia nos descentraliza, nos coloca diante da Palavra de Deus  para que possamos ser imitadores de Cristo. Por seus pastores também a Igreja nos fornece indicações a respeito de nosso seguimento de Cristo”  (Thomasset).

11. A partir de Abraão, o pai dos crentes, crer é entrar em relação.  Um eu diante de um tu, uma resposta de fé à iniciativa de Deus. A fé  é da ordem da relação (e da revelação) e da confiança.  Abraão é a testemunha maior de tal confiança do homem em Deus pessoalmente encontrado: a questão não é mais a da existência de Deus, mas da confiança feita a esse Deus que se interessa pelo homem. “A fé um caminho a ser percorrido, também como foi para Abraão, o ato de caminhar na direção de Deus, do outro e de nos mesmos.  Para o cristãos, esse caminho se faz seguindo um homem que se encarnou em nossa história:  Jesus se Nazaré.  Este homem, Filho de Deus, nos arranca  da crença e da religiosidade, convidando-nos a segui-lo em toda a liberdade  e nos comprometendo a viver o Evangelho e sua mensagem:  amar, partilhar, perdoar e dar a vida.”  (Régine Maire).  A fé nunca é adquirida de uma vez por todas. Dúvidas estão ligadas à fé. A fé é combate que todos os santos conheceram. Podem surgir dificuldades para crer a partir do mal,  da mediocridade do testemunho cristão.  Entramos, por vezes, na noite terrível da dúvida.

12. “ A fé é virtude, atitude habitual da alma, inclinação permanente a julgar e agir segundo o pensamento de Cristo, com espontaneidade e vigor, como convém  a  homens  “justificados”. Com a graça do Espírito Santo, cresce a virtude da fé, se a mensagem cristã é entendida e assimilada como “boa nova”, no sentido salvífico que tem  para a vida cotidiana do homem!  A Palavra de Deus haverá de aparecer a cada um como abertura aos próprios problemas, uma resposta às próprias indagações, compreensão dos próprios valores  e satisfação das próprias aspirações.  A fé se torna facilmente motivo e critério de todas as avaliações e escolhas” (Il Rinnovamento dela Catechesi, n. 52).

13. Michel  Hubaut,  franciscano francês, no seu livro  La Voie Franciscaine  (tr. espanhol  El caminho franciscano)  disserta sobre o horizonte da fé de Francisco. O Poverello busca a fé como se procura um poço  no deserto. Ele se dá conta que ela é uma frágil chama no meio da noite. Vai procurar a fé como se  remexe  a terra para ver se por ali está enterrado um tesouro. A fé começa sempre com uma rutura. O homem frágil,  ergue-se, abre os braços. Como acolher a gratuidade dos dons do Senhor sem deixar cair de nossas mãos nossas pseudo-riquezas? Nos começos de sua caminhada o evangelho fez com que Francisco tivesse dores como aquelas que provoca o bisturi do cirurgião rasgando a carne. A homilia  dominical que mantinha meio adormecida a assembleia tornou-se para ele o evangelho de fogo. Hubaut: “O contrário do medo é a fé.  Ter a coragem de tudo arriscar.  Renunciar ao desejo de  manipular sua vida, seus talentos, seus bens, de cada um seguir seu caminho solitário. Renunciar a tudo isso para  entregar-se à vontade de Deus, para entrar no projeto amoroso que Deus tem para cada um: este é o mistério da fé.  Tudo aposta na fé. Não se pode compreender nada da vida de Francisco quando se esquece este fundamento inicial.  Sua conversão é o desejo  do homem que se abre ao desejo de Deus”

14. “Este é o cerne da espiritualidade de Francisco:  a fé vigilante. Para além das ideologias, das sirenes  que anunciam desgraças, dos slogans publicitários sobre a felicidade, permanecer disponível ao chamamento de Deus, ao Espírito do  Senhor.  Iluminar de novo  nossas fontes interiores. Escutar a Deus.  Buscar a Deus. Deixar-se modelar por Deus. Deixar-se conduzir de novo no meio da noite pela esperança que ganhou rosto em  Jesus Cristo. Despertar desta sonolência espiritual em que se entregou o mundo ocidental  no meio de sua abundância.  O projeto evangélico de São Francisco se enraíza na fé. A fé que crê que  Deus é amor, que seu projeto sobre o homem  faz ir pelos ares a estreiteza de nossos horizontes e que esta dependência de amor (a Deus) não aliena o homem, mas o liberta”

Obs.:
Esta reflexão esteve fortemente apoiada  em:

● Introdurre ala  vita di fede oggi,  Roberto Laurita,  in Credere oggi,  n. 89, 5/  1995, p. 89-107
● La Joie de croire, Régine Maire, in  Les cahiers de croire, , n. 284
● Croire c’est imiter Dieu,  Alain Thomasset,  in Les cahiers, op.cit.
Frei Almir Ribeiro Guimarães

4 de fevereiro de 2013

Reflexão - Luz


“Cultivar estados mentais positivos como a generosidade e a compaixão decididamente conduz a melhor saúde mental e a felicidade”.
Dalai Lama.

Pensar, desejar, querer são ações anteriores ao fazer e ao realizar. Quando dispomos nossa mente de maneira positiva estamos abrindo nossa vontade à força maior do universo. É como se você estivesse dizendo: estou pronto (a) a receber toda força e todo poder do cosmos para que eu possa atingir essa meta, alcançar esse objetivo. Você cria uma disposição imensa para o poder do amor envolver suas ações e suas buscas.

Então, evite toda forma de pensamento negativo e tudo aquilo que possa derrubar sua auto estima. Você traz dentro de você mesmo o amor de Deus e a luz divina. Pense, deseje, queira, aja na direção da luz! Somente você pode mudar sua vida e libertar-se de amarras que o (a) impede de lançar-se no voo da felicidade. Então, começa agora positivando sua mente com frases poderosas: eu quero, eu posso, eu sou capaz, eu trabalho, eu sou feliz!

Frei Paulo Sérgio, ofm

1 de fevereiro de 2013

Extasiados diante de tanto amor!


Gostamos de nos deter diante do amor de Jesus mormente  manifestado em sua paixão, morte e ressurreição.  Fazemo-lo sempre, mas de modo especial,  diante do Coração aberto do Senhor.  Não se trata de um mero diletantismo.  Queremos ser gratos ao amor do Senhor e sempre somos acordados para a urgência de amar na mesma qualidade desse amor.

1. “Ó morte, princípio de imortalidade e origem de vida! Ó descida à mansão dos mortos que lança uma ponte a fim de que eles passem ao reino da vida. Ó meio dia da morte de Cristo, recordação daquele meio dia do paraíso  em que Eva colheu o fruto!  Ó cravos que fixam o mundo para Deus e traspassam a morte! Ó espinhos, fruto da videira má!  Ó fel,  que dás a doçura da fé! Ó esponja, que lavas o mundo de seu pecado!  Ó instrumento que inscreves os fiéis no livro da vida!”  (São Proco de Constantinopla, bispo).

2. Aquele que viera na calada da noite e se manifestara aos pastores, que fora envolvido em paninhos quentes pela mãe, agora, no meio do dia, está preso à cruz, desnudado, sem o manto do amor. Cravos fixam-no ao madeiro.  Ele tão frágil e tão cheio de amanhã no presépio das palhas,  tão lastimosamente abandonado no alto da cruz.  Morte, triste e temível, morte.  Mas essa morte de Cristo acaba com a abominação da morte: o sono de Cristo é origem de vida.
3. Proco de Constantinopla inventa essa imagem: o meio dia. Há o meio dia do paraíso em que os pais haviam comido da árvore.  Há o meio dia do Calvário em que Cristo, fruto da árvore nova, árvore da vida, dá vida aos que estão desfalecendo.
4. Cravos, pregos fixam Jesus à cruz. Os cravos e pregos das paixões nos fixam em nosso eu louco e desvairado.  Fazemos a dolorida experiência de que somos escravos de nós mesmos,  experiência desse ímpeto de sermos os donos de nossa vida.  Saboreamos adoidadamente  frutos que parecem tão suculentos e, quando os comemos, há uma espécie de gosto amargo dentro de nós. Os pregos que nos prendiam às paixões são destruídos pelos cravos que  fixaram Jesus à cruz.  Fomos libertos de nossas amarras pelos cravos  do Mestre.
5. Vemos o  Cristo coroado de espinhos e o sangue a banhar seu rosto, sangue que se mistura com a poeira e o suor.  Lembramo-nos  desses espinhos que não deixam plantinha crescer, segundo a parábola do semeador.  Esses cuidados por tantas coisas que nos tornam medíocres ouvintes das palavras da Palavra.  Nem sempre a Palavra cai em bom terreno.  Há cuidados tolos a vida toda.
6. O fel chega à boca do Senhor. Fel se opõe a mel.   Quando Francisco de  Assis começou seu caminho para a luz, quando começou a querer ser mudado, disse:  “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, frei Francisco,  começar um caminho de penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira  amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo, se  me  converteu em doçura da alma e do corpo; e depois demorei só um pouco e saí do mundo”  (Testamento  1-3).  O fel  quando bebido com caridade perde seu amargor.  A conversão nos permite descobrir outras facetas da vida.
7. Proco vê  na esponja não em primeiro o lugar o fato de estar impregnada de um líquido que pode matar a sede, mas na esponja que lava.  “Ó esponja, lavas o mundo do seu pecado”.  A esponja com água lava e mata a sede.  E do peito de Jesus brota uma nova água. O   Coração de Jesus é fonte.  O Coração de Jesus é fonte de água que mata nossa sede de plenitude,  água que lava o corpo dos fiéis e seus corações.

“Ó descida à mansão dos mortos que lança uma ponte  a fim de que eles passem para o reino da vida”!

Frei Almir Guimarães, Ofm