30 de dezembro de 2014

30/12 - Bem-aventurada Margarida Colonna


Virgem da Segunda Ordem (1254-1284). Pio IX aprovou seu culto a 17 de setembro de 1847.

 
Margarida nasceu na Palestrina, da família Colonna. Educada desde a mais tenra idade nas virtudes cristãs por sua mãe Mobilia ou Madalena Orsini, que tinha conhecido a São Francisco na casa de seu irmão Mateus. Ao tornar-se órfã, primeiro de pai e logo depois também de mãe, foi confiada à tutela de seu irmão João.

Em 1273 depois de ter recusado um matrimônio muito vantajoso com um nobre romano, retirou-se ao Monte Prenestino, hoje Castelo São Pedro, onde fundou uma comunidade de clarissas. Viveu ali no exercício heróico de todas as virtudes, edificando ao povo com a oração e o exemplo de uma caridade heróica. Distribuiu o seu rico dote aos pobres e para si não quis nenhuma ajuda direta da parte de seus irmãos; preferiu viver como franciscana, recorrendo à “Mesa do Senhor”, pedindo esmola de porta em porta.

Por ocasião de uma epidemia, Margarida fez-se “toda para todos” assistindo fraternalmente aos irmãos enfermos e recorreu também em ajuda aos franciscanos de Zagarolo. Outra vez acolheu em sua casa um leproso de Poli, comendo e bebendo no mesmo prato, num ímpeto de amor beijando aquelas repugnantes chagas. Seria demasiado prolixo recordar todas as manifestações de intensa vida mística de Margarida: a observância escrupulosa da regra de Santa Clara, o amor à pobreza, a contínua união com Deus, os êxtases, as efusões de lágrimas, as freqüentes visões celestiais, o matrimônio místico com o Senhor, que lhe apareceu colocando-lhe um anel no dedo e uma coroa de lírios sobre a cabeça e lhe imprimiu a chaga do coração.

A morte de Margarida foi em tudo digna de uma perfeita filha de São Francisco, o qual por amor da dama pobreza quis morrer desnudo sobre a desnuda terra. Há três anos sofria de uma grave úlcera no estômago. Na noite do Natal de 1280 se lhe apareceu a Virgem com o Menino nos braços, e a deixou num profundo estado de exaltação. Depois de ter recebido o viático e a unção dos enfermos, pediu a seu irmão o cardeal Jaime, que a colocassem na terra, desejando morrer pobre como Jesus e o Seráfico Pai São Francisco. Ficou em estado de profundo gozo, mas somente por um breve espaço de tempo, porque estava demasiadamente extenuada. Por último pediu que lhe trouxessem o crucifixo: tendo beijado com intenso afeto, o mostrou a suas co-irmãs, exortando-as a amá-lo com todas as suas forças.

Adormecendo por um momento voltou a si e exclamou com vigor: “Eis aqui a Santíssima Trindade que vem, adoremos!” Em seguida, cruzando os braços sobre o peito, e fechando os olhos no céu, expirou serenamente; era o alvorecer do dia 30 de dezembro de 1280. Os funerais ocorreram no mesmo dia na Igreja de São Pedro Sul Monte Prenestino com grande concurso do povo e de todos os franciscanos da zona. Em 1285 as clarissas da Beata Margarida se transferiram para o mosteiro romano de São Silvestre em Cápite, levando consigo o corpo da Beata.

Margarida se nos apresenta como uma delicadíssima figura de mulher em quem os dotes naturais de inteligência, fascinação e sensibilidade, unidas ao realismo e à dignidade de sua vida doméstica, se insertam na robusta árvore da espiritualidade franciscana. Sua vida brilha como um arco-íris de paz na história tumultuada de seu tempo.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola.

29 de dezembro de 2014

29/12 - Bem-aventurado Geraldo de Valencia



Religioso da Primeira Ordem (1270-1345). São Pio X aprovou seu culto a 13 de maio de 1908.

 
Geraldo Cagnoli nasceu em Valença, Piamonte, aproximadamente em 1270. Depois da morte de sua mãe, ocorrida em 1290 (seu pai já era falecido), abandonou o mundo e viveu como peregrino mendigando o pão e visitando os santuários.

Esteve em Roma, Nápolis, Catania e possivelmente em Erice (Trapani). Impressionado pela fama de santidade do franciscano São Luís de Anjou, o bispo de Tolosa, ingressou na Ordem dos Frades Menores em Randazzo, Sicília, onde fez o noviciado e viveu algum tempo. Do convento de Randazzo passou a Palermo na qualidade de porteiro e permaneceu até sua morte sendo a admiração de seus co-irmãos e dos fiéis por suas virtudes.

Perto da porta do convento plantou um cipreste e montou um pequeno altar em honra da Virgem e de São Luís de Anjou, de quem era devoto. Ali ardia continuamente uma lâmpada de azeite. Com um pequeno ramo de cipreste banhado no azeite da lâmpada, benzia os enfermos com seguinte fórmula: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, pela intercessão da Virgem Maria, de São Francisco e de São Luís sê lliberto desta enfermidade”. Os milagres se sucediam.

Enrique d’Abbati braço direito do rei, estava gravemente enfermo e se tinha perdido toda a esperança. Frei Geraldo foi chamado e consolou com palavras fraternas o enfermo. Colocou-se em profunda oração. Dormia poucas horas sob uma desnuda tábua; com instrumento de penitência maltratava seu corpo; contínua oração, íntima união com Deus, era o programa de sua vida.

Tinha transcorrido mais de 30 anos na Ordem Franciscana, quando na festa de São João Evangelista de 1345 se lhe apareceu a Santíssima Virgem e lhe assegurou que dentro de dois dias voaria ao céu. Ante este anúncio Geraldo se alegrou muitíssimo e se preparou para as bodas eternas com grande fervor. A 29 de dezembro recebeu com profunda devoção os últimos sacramentos da fé e adormeceu serenamente no sono dos justos. Tinha 75 anos.

Seu sepulcro foi meta de muitas peregrinações de devotos que iam a seu socorro. Seu culto continuou sem interrupções. Os despojos mortais do Beato Geraldo Cagnoli repousam no templo de São Francisco em Palermo, a poucos passos da porta do convento que por longos anos foi testemunha de sua santidade.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola.

28 de dezembro de 2014

28/12 - Serva de Deus Teresa Gardi


Virgem da Terceira Ordem (1769-1837). Em processo de beatificação.

 
Nasceu em Imola (Bolonha) a 22 de outubro de 1769 e ali mesmo morreu a 01 de janeiro de 1837. Pio IX quando era bispo de Imola determinou que fosse sepultada na igreja da Observância, onde se encontra atualmente, na coluna esquerda olhando para o altar maior. Ingressou na Ordem Franciscana Secular a 13 de outubro de 1801.

É uma das mais doces criaturas da Romaña de todos os tempos. Pode ser considerada uma segunda Santa Teresinha. Se as pessoas que tem recebido seus favores soubessem deixar uma precisa documentação dos favores recebidos.

Desde seu nascimento foi uma criança distinta, celestial, devotíssima da Igreja, da Eucaristia, cheia de fé e fervor místico. Sempre transportada em Deus, tanto desejava morrer logo para chegar a Ele. Cultivou a pureza “como um verdadeiro anjo na carne”, escreveu seu confessor. Quis que o sofrimento fosse seu alimento diário. Levantava-se muito cedo, comia pouco pão, bebia pouca água, praticamente vivia apenas da Santa Comunhão.

Considerou-se sempre uma nada, menos que nada, sentido e adorando apenas o poder de Deus. Foi heroína na fé e na esperança. Amou a todos, particularmente a seus pequenos escolares que tinha como mestra de jardim das crianças em sua casa, educando-os com veemente amor ao divino. Sofreu mortificações e calúnias. Levou a paz às casas divididas pela discórdia. Atraiu os pecadores à conversão, pagando pessoalmente com padecimento inenarráveis. Distinguiu-se excepcionalmente pela prudência no governo de sua casa, por sua justiça para com o próximo, para consigo mesma e para com seus deveres, como mestra das crianças. Sofreu ofensas graves de seu irmão, que pretendia ser mantido por ela.

Sua humildade superou todo o imaginável, como também sua força para suportar as tribulações e enfermidades. Mas, sobretudo contra as tentações do inimigo que nunca venceu sobre ela. Suas amigas mais próximas a viram em êxtases repentinamente. Sua vida espiritual foi intensa e rica em contatos pessoais com o divino. Teve os estigmas invisíveis, e uma ampla ferida visível ao lado que permaneceu ainda depois de sua morte. Recebeu grandes dons do céu. Também hoje sabemos de muitas intervenções suas para converter, sarar e unir as famílias.

Há 150 anos seguem acudindo à Observância de Imola pessoas de perto e de longe para orar sob seu túmulo. Indubitavelmente desde o ponto de vista de sua estatura espiritual ela é a maior filha da cidade de Imola de todos os tempos. Seu processo de beatificação foi retomado a raiz dos últimos testemunhos escritos por graças alcançadas.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola.

27 de dezembro de 2014

27/12 - Bem-aventurado Federico Ozanam


Professor, da Terceira Ordem Secular (1813-1853). Fundador das Conferências de São Vicente. Beatificado por João Paulo II.

 
Antonio Federico Ozanam nasceu em Milão a 23 de abril de 1813 de família descendente de um antigo tronco israelita da Bresse Lione. Em 1816 a família voltou a Lião e Federico foi aluno no colégio real onde fez seus estudos humanísticos desde 1822 até 1829. Com apenas 15 anos sua juventude foi abalada por uma profunda crise de fé, mas teve a graça de ter ao seu lado o abade Noirot, seu professor de filosofia, que mais que nenhum outro lhe ajudou a superá-la.

Com efeito, a vida de Ozanam está marcada pelo pronto benefício deste sacerdote que soube fazer intuir ao jovem sua vocação de apologista e apóstolo. Em 1831, enviado por seu pai a Paria para realizar estudos jurídicos, Federico foi hóspede por dois anos do cientista André Marie Ampère, e pôde freqüentar aquele verdadeiro viveiro de jovens esperanças que Emanuel Bailly soube reunir ao redor de um dos protagonistas da fundação da Pia Sociedade das Conferências de São Vicente de Paula (23 de abril de 1839).

A 30 de agosto de 1836 pôde coroar seus trabalhos convertendo-se em doutor das leis e a 07 de janeiro de 1839 chegou a se doutorar em letras. De 1839 a 1840 esteve em Lião como professor de direito comercial e acariciou um vago desejo da vida religiosa; ao não poder realizá-lo, fez-se fervoroso na Ordem Franciscana Secular e se inspirou na espiritualidade franciscana. Em 1841 casou com Amália Soulacroix, filha do reitor da universidade de Lião, da qual teve em 1845 uma filha chamada Maria.

A ambas amou ternamente na mais suave felicidade familiar. Tendo-se estabelecido definitivamente em Paris, foi titular da cátedra em Sorbone, onde travou amizade com eminentes personalidades do mundo literário e católico. O ensino universitário o obrigou a fazer contínuas viagens de estudos por toda a Europa, especialmente na Itália.

A vida de Ozanam pertence em especial à história da Igreja e seu nome está ligado à sociedade de São Vicente de Paula. O método por ele adotado era o da visita a domicílio aos pobres, aos quais junto com uma boa palavra de consolo e de fé, sabia levar-lhes o socorro de sua caridade.

A Sociedade de São Vicente de Paula teve graças a ele um desenvolvimento extraordinário desde o começo: um ano depois de sua fundação os confrades eram uma centena, dez anos mais tarde, em 1853 o mesmo Ozanam podia dizer: “De oito que éramos a princípio, hoje apenas em Paris somos 2000 e visitamos 5000 famílias”. Hoje as conferências de São Vicente superam os 1.250.000 membros.

Em 08 de setembro de 1853, amorosamente assistido por sua esposa, sua filha, seu irmão sacerdote, seu irmão médico e seus confrades vicentinos de Marsella morreu aos 40 anos.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola.

26 de dezembro de 2014

26/12 - Bem-aventurado Bentivoglio de Bonis

Sacerdote da Primeira Ordem (1188-1232). Pio IX aprovou seu culto a 30 de setembro de 1852.

 
Bentivoglio de Bonis nasceu em 1188 em São Severino Marcas de Giraldo e Albasia. Depois de ter escutado uma série de pregações do fervoroso franciscano Paulo de Espoleto, Bentivoglio se dirigiu a Assis, onde o mesmo São Francisco o admitiu na Ordem dos Frades Menores. Ordenado sacerdote chegou a ser um modelo de perfeição cristã e teve o dom dos milagres.

Masseo, pároco de São Severino, depois de ter assistido a um dos êxtases, decidiu abandonar o mundo e entrar na Ordem Franciscana. O mesmo fez seus dois irmãos. Frei Bentivoglio morou um tempo sozinho num convento chamado “Trave Bonati”, ou “Ponte da Trave” para assistir e curar um leproso. Um dia recebeu de seus superiores a ordem de partir para outro convento, ao parecer o Monte São Vinício, perto de Potenza Picena, distante uns quilômetros; e para não deixar abandonado o pobre enfermo, pela grande caridade que o amava, colocou-o nas costas e o levou para seu novo destino, causando admiração e o espanto de todos.
Bentivoglio abraçou com valor a vida de abnegação e de penitência, de modo que veio a ser modelo de humildade, obediência e caridade. Cheio de zelo pela salvação das almas, foi incansável no exercício do ministério apostólico, seja do púlpito como do confessionário, sua palavra inflamava as almas em santos ardores do amor divino.

Um dia enquanto pregava ao povo, apareceu em sua frente uma estrela luminosa que fez brilhar toda sua pessoa. Com este prodígio Deus queria recompensar seu trabalho pela evangelização das almas. Bentivoglio sentia grande compaixão pelos pobres, nos quais sua caridade o fazia ver a imagem de Cristo. Foi também favorecido de Deus com o dom dos milagres. Com freqüência foi visto em êxtases e logo foi elevado no ar e rodeado de luz. Com isto comoveu tanto, que muitos começaram uma vida nova.
Depois de uma vida rica em virtudes e boas obras, o Beato Bentivoglio entregou sua alma a Deus no convento de São Severino, na pátria, no Natal de 1232. Tinha 44 anos. Foi sepultado na Igreja do convento e os fiéis se amontoaram ao redor de sua tumba para render homenagem a este humilde frade menor cujos restos mortais Deus glorificou com muitos milagres.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola.

25 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém


A ENCARNAÇÃO DO VERBO ETERNO DE DEUS


Frei João Mannes, OFM

Na noite luminosa do Natal celebra-se o mistério central da nossa fé: o Verbo eterno de Deus, “subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo por solidariedade aos homens” (Fl 2,6-7). Esse hino sublinha o empenho pessoal do Filho de Deus que renuncia absolutamente a si mesmo e assume a condição de servo (natureza humana), embora subsistindo na condição divina.

O Verbo eterno (Lógos em grego), o Filho de Deus Pai, assume a natureza humana de Jesus, ao encarnar-se no seio da Virgem Maria. Não pode haver maior paradoxo à razão humana do que dizer que o Deus experimentado e vivido pelo cristianismo não é somente o Deus transcendente, eterno e infinito, mas é também o Deus que se autocomunica, por Sua livre graça, na pequenez e na fragilidade de uma criança. Como entender que este homem, criado no tempo, seja ao mesmo tempo Deus? Isso é um escândalo para os judeus e para todos os que adoram e veneram um Deus totalmente inobjetivável.

O Deus experimentado e vivido pelo cristianismo é, sim, santo, absoluto, eterno e infinito, mas bem porque Ele é o máximo que se pode pensar, tem o poder de revelar-se “para fora” de forma tão desconcertante e paradoxal. Ou será que não há nada de desconcertante na declaração joanina de que o Verbo eterno de Deus tornou-se “carne” (Jo 1,14)? A palavra “carne” indica, por um lado, a fragilidade e mortalidade próprias da pessoa humana e, por outro, indica a grandeza do abaixamento (kénôsis) de Deus. A alteza e profundidade do mistério quenótico, que se radicaliza na entrega de Jesus na cruz, transcende infinitamente ao máximo que se pode pensar. Por outras palavras, parafraseando Leonardo Boff, o Deus que em e por Jesus se revela é tão humano e o homem que em e por Jesus emerge é tão divino que a linguagem humana não pode dizer adequadamente.

O Verbo (Filho) eterno do Pai assumiu a natureza humana, conservando a Sua divindade. Isso quer dizer que Jesus Cristo, em pessoa, é humano e divino. Enquanto pessoa, Ele é essencialmente relação. A pessoa toma consciência de si e constrói sua individualidade no relacionamento de doação e de recepção da alteridade do outro. Ora, sabe-se da mútua implicação das três pessoas divinas e do quanto Jesus Cristo doou-se incondicional e gratuitamente a todos, bem como abraçou a cada um em seu amor ilimitado (Mc 2,13-17), inclusive aos inimigos (Mt 5,43-44). E devido ao Seu absoluto desprendimento e inominável receptividade, o eu humano de Jesus foi de tal maneira assumido pelo Lógos, a ponto de dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). Jesus viveu uma relação tão íntima com Deus, invocado por Ele pelo termo “Abba” (Paizinho), que se igualou a nós em tudo, exceto no pecado.

Pensadores clássicos da Filosofia e da Teologia cristãs colocaram muitas questões acerca da criação do mundo e da encarnação do Filho de Deus. Destacamos primeiramente a seguinte: Por que Deus criou o universo? Entre as muitas respostas figurava a idéia de que Deus criou o mundo porque quis, por pura e absoluta gratuidade do amor, manifestar-se ad extra, isto é, para fora de si mesmo. O Sumo Bem cria o mundo contemplando o Verbo, pois é Nele que se encontram as razões ideais (rationes idealis) de todas as coisas criadas e criáveis no tempo. Assim, o Filho de Deus é o princípio; é o primogênito de toda a criatura porquanto todas as coisas visíveis e invisíveis são criadas à luz do Verbo: “Todas as coisas foram feitas por ele [Verbo] e sem ele nada se fez de tudo que foi feito” (Jo 1, 1-3).

Todavia, a suprema comunicação ad extra de Deus não se dá na criação, mas na encarnação do Seu próprio Filho. Poder-se-ia então pensar que Deus criou o cosmos para possibilitar a Sua encarnação em Jesus de Nazaré. Por isso, ao se colocar a questão da criação do mundo indaga-se também pelo motivo da encarnação do Verbo eterno. Onde se fundamenta a decisão divina de encarnar-se em Jesus Cristo? Teria o Verbo se encarnado simplesmente para resgatar a humanidade do pecado?
 Tradicionalmente afirma-se que a encarnação foi condicionada pelo pecado humano. Mas será que essa é uma resposta exaustiva à questão: Cur Deus homo? (Por que um Deus-homem?). Será que Deus poderia ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção?

Para Santo Agostinho, Deus poderia, sem dúvida, ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção. Porém, “não existia nenhum outro modo mais conveniente para remediar nossa miséria” (De Trinitate, XIII). Também Santo Anselmo e Santo Tomás de Aquino entendem que o motivo da encarnação é a redenção do pecado do homem. Conseqüentemente, sem o pecado, a encarnação não teria acontecido.

No entanto, para o pensador franciscano João Duns Scotus, a encarnação não é só um pressuposto para o sacrifício redentor, mas é um acontecimento que faz parte do plano de amor do Pai. Duns Scotus afirma que o Verbo seria encarnado, mesmo se o homem não tivesse pecado, visto ser a encarnação totalmente incondicionada. Ao encarnar-se, evidentemente quis a salvação de todos, pois, era conveniente que o fizesse por amor a cada pessoa na sua singularidade. Não se nega, portanto, que a encarnação do Verbo tem também a finalidade redentora. Sabiamente Scotus acentua que a segunda pessoa da Santíssima Trindade se encarnou, por Sua livre graça, para demonstrar o profundo amor salvífico de Deus pela humanidade pecadora e para conduzir a criação toda à sua plenitude. O Verbo encarnado é simultaneamente o princípio da criação e o fim último para o qual tende a pessoa humana, integrada ao cosmos.

Assim, acenamos para a imensidade do mistério do Natal de Jesus Cristo. A Igreja alerta-nos de que devemos nos preparar adequadamente para a celebração de tão grande mistério. O Deus revelado por Jesus Cristo encarnado é essencialmente um mistério transbordante de amor e, portanto, somente apreensível na experiência (ascese) da liberdade e do amor. E o esforço ascético que precede a solenidade do Natal do Senhor é liturgicamente denominado de “advento”. No advento a humanidade prepara-se para a vinda do Filho de Deus na carne humana de Jesus Cristo. No entanto, o Filho de Deus já veio; o Verbo já se encarnou. Qual é, então, o sentido do advento, se o tempo da espera e das trevas já passou e se o Esperado já veio?

É verdade que Deus veio de forma definitiva para dentro de nossa história, mas apesar disso, Ele é sempre aquele que ainda deve vir para cada um de nós. A natureza humana é assumida pelo Verbo não só por um momento, mas por meio de um ato que se realiza constantemente em cada filho e filha de Deus. O Verbo eterno quer encarnar-se em cada um de nós a ponto de também podermos dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). No advento espera-se, portanto, que o amor de Deus se revele maximamente em cada criatura humana. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).

Cada ser humano vive no desejo da redenção e na ânsia do Libertador. Porém, não somente os seres humanos, mas toda a criação espera pela chegada do Reino da Liberdade: “A criação toda geme e sofre em dores de parto até agora e nós também gememos em nosso íntimo esperando a libertação” (Rm 8, 22-23). De fato, o sonho de harmonia cósmica do profeta Isaías ainda não se realizou. O lobo ainda não é hóspede do cordeiro, a pantera não se deita ao pé do cabrito, nem o touro e o leão comem juntos; não é verdade ainda que a vaca e o urso se confraternizam e o leão come palha com o boi; não é ainda verdade que a criança brinca à toca da serpente e o menino mete a mão no buraco do escorpião (Is 11, 6-8). Em suma: a harmonia entre os seres humanos e entre estes e todos os seres da natureza, é ainda um sonho muito distante da realidade. No entanto, Jesus proclamou a grande novidade de que o Reino de Deus já chegou e atua nesta nossa história (Mt 12,28). O Reino de Deus, muito sutilmente, já “está no meio de vós” (Lc 17,21). Mas, enquanto Deus não for tudo em todas as coisas, enquanto não se restabelecer a paz entre todos os seres do universo, continuaremos na expectativa, suplicando como os primeiros cristãos: Vinde, Senhor Jesus!

Enfim, ressaltamos a especial ternura que nosso pai e irmão Francisco de Assis nutriu pela festa do nascimento do Filho de Deus (2Cel 199). Para ele, o Natal do Menino Jesus era a festa das festas porque nesse dia Deus revelou todo o Seu amor para com a humanidade, tornando-se criança pequenina, e porque no Filho encarnado encontramos um modelo para o nosso viver e o nosso agir segundo a vontade de Deus. O “Filho amado” do Pai convoca a todos os seus irmãos e irmãs a responderem amorosamente Àquele que tanto nos amou e a louvá-Lo com todas as criaturas. Então, sim, não será mais advento, mas NATAL.





EXTRAÍDO DE: http://www.franciscanos.org.br

24 de dezembro de 2014

O Milagre de Natal na Vida de Clara de Assis


A Grande experiência de Clara com Deus foi em março de 1212. Na noite do domingo de Ramos, Clara di Favarone foge de casa e é recebida na Porciúncula por Francisco de Assis. Talvez em maio Clara fica alguns dias no mosteiro de São Paulo e algumas semanas no mosteiro beneditino de Panzo (perto de Assis) e por fim recolhe-se a São Damião, onde fica até a sua morte, em 1253.

Clara viveu uma vida de discipulado, oração e jejum. Foi um exemplo de discípula dedicada ao Ministério da Oração e Intercessão.

Certa vez Clara estava gravemente enferma. Por causa de sua enfermidade, não pode ir a igreja com as suas irmãs em Cristo.

Estava chegando o grande dia da solenidade do Natal de Cristo. Todas as irmãs foram ao Culto da Madrugada (Matinas);
Clara ficou sozinha no leito, triste por não poder ir ao Culto de Natal que simbolizava para ela uma consolação espiritual.

O Senhor Jesus Cristo não querendo deixá-la assim desconsolada, fê-la miraculosamente transportar à igreja e assistir a todo o ofício e o à missa da meia-noite; e além disto, receber a santa ceia e depois ser trazida ao leito. Foi um acontecimento espiritual.

Voltando as irmãs para junto de Clara, acabado o oficio na Igreja, disseram-lhe: "Ó nossa mãe, Clara, que grande consolação tivemos nesta noite de santa Natividade! Prouvesse a Deus que houvésseis estado conosco!"

Clara respondeu: "Graças e louvores rendo ao meu Senhor Cristo bendito, irmãs minhas e filhas caríssimas; porque a todas as solenidades desta santíssima noite e maiores do que as que assististes, assisti eu com muita consolação de minha alma; porque, estive presente na igreja; e com os meus ouvidos corporais e mentais ouvi o canto e o som dos órgãos que aí tocaram; e lá mesmo recebi a santa comunhão. E por tanta graça a mim concedida rejubilai-vos e agradecei a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Clara participou do Culto de Natal na Igreja, mesmo não podendo estar presente opor causa das enfermidades.

É assim que Deus opera na vida da pessoa que crê em Jesus Cristo. Nada pode limitar nossa caminhada na fé, mesmo as maiores lutas e enfermidade.

Oração:
Senhor Jesus. Nesta santa noite de Natal desejamos reafirmar nossa fé perseverante no Senhor. Em ti transpomos barreiras e obstáculos. Com o Senhor conseguimos caminhar mesmo estando em lutas e aflições. O Senhor nasceu. Por causa do Seu nascimento, vida, morte e ressurreição, temos o perdão dos pecados e a vida eterna. Louvado seja o Pai, Filho e espírito Santo. Amém

Rev. Edson Cortasio Sardinha

Fonte Biográfica: OS FIORETTI DE S. FRANCISCO DE ASSIS: Capítulo 35. Como, estando enferma, S. Clara foi miraculosamente transportada, na noite de Natal, à igreja de S. Francisco e aí assistiu ao ofício

24/12 - Serva de Deus Maria Teresa Lega

Virgem da Terceira Ordem Regular (1812-1890). Fundadora das Irmãs da Sagrada Família da Terceira Ordem de São Francisco. O processo de beatificação está em curso.

 
Maria Teresa Lega nasceu a 13 de janeiro de 1812 em Brisighella, Itália. Seus pais Miguel e Gentile Tondina, no batismo lhe colocaram o nome de Ana. Na infância contribuíram a amadurecer em sua filha os dons que Deus lhe deu. Para uma mais ampla formação e para sua mais sólida educação religiosa, a 20 de outubro de 1824 a confiam às Irmãs Dominicanas do Colégio Emiliani de Fognano, onde permanece até 31 de julho de 1831. 

Ao regressar para sua família, sente com mais insistência a voz de seu Senhor. Ele a chama para entregar-se toda inteira na vida consagrada. Mas antes de realizar tal ideal, depara-se com a oposição de seus pais. Finalmente eles condescenderam e com sua benção pôde regressar a Fognano, onde depois do ano de noviciado, a 27 de setembro de 1835, pôde emitir com gozo sua profissão religiosa.

Seu novo nome foi Irmã Maria Teresa da Exaltação da Cruz, um presságio da futura vida à que o Senhor a chamaria. Maria com Jesus e José na Sagrada Família, Teresa como Teresa de Ávila, tornou-se fundadora de um novo instituto, o da Exaltação da Cruz, com São Francisco, o estigmatizado no monte Alverne. Foi intensa sua atividade no mosteiro de Fognano. Duplo seu trabalho, o de seguir e instruir e formar cultural e cristãmente as jovens do conservatório. Os pais das moças e as co-irmãs se sentiam satisfeitos com a preciosa obra da forjadora e Mestra, desempenhados por Irmã Maria Teresa. Outro delicado ofício, o de mestra das noviças, as jovens que aspiravam a vida religiosa.

Este maravilhoso e difícil itinerário cada dia a unia mais a Deus e a encaminhava pela via da perfeição. Mas nem tudo aparecia claro em sua vida. Ainda lhe ressoava no coração a voz de Jesus: “O que fizeres ao mais pobre de meus irmãos menores o considero feito a mim mesmo”. Em Fognano eram acolhidas somente moças abastadas e a porta se fechava às mais pobres. Isto para ela foi motivo de dor. O Senhor lhe inspirava a fundação de um novo instituto onde foram recebidas moças pobres, abandonadas, expostas aos perigos da rua.

Reza, sofre, luta, pede conselho para conhecer melhor a vontade de Deus. Um precioso autógrafo do Papa Pio IX de 24 de outubro de 1858 lhe traz o caminho que deve empreender. Finalmente Irmã Maria Teresa Lega, a 16 de julho de 1871 em Modigliana pôde realizar o seu sonho longamente acariciado, com a fundação do Instituto das Irmãs da Sagrada Família da Terceira Ordem Regular de São Francisco, com a finalidade de acolher, assistir e formar jovens expostas às insídias da rua. Na idade em que outros pensam no descanso, ela começa uma vida dinâmica. Muitas foram as casas abertas em diversas localidades, muitas crianças assistidas maternalmente, muitas as Irmãs da Sagrada Família que a ajudaram em seu apostolado. A Madre, com bondade e segurança guiou sua obra. Do exemplo da Sagrada Família e de São Francisco tomou inspiração e celeste proteção.

A 27 de janeiro de 1890, aos 78 anos de idade, em Cesena, Jesus, seu esposo, a chamou às bodas eternas: “Tudo o que fizeste a meus irmãos mais pequeninos, o considero feito a mim mesmo: esposa de Cristo, entra no gozo de teu Senhor!”. Hoje no paraíso a madre Maria Teresa está cercada de suas filhas espirituais, que continuam sua obra na Romaña, nas Marcas, na Toscana, no Lácio e na Colômbia. Na oração e na ação elas esperam a hora da glorificação de sua Madre fundadora.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola

23 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém


O NATAL DE FRANCISCO

Por Assuero Gomes

Um pobre andarilho de Deus no ano de 1223, vagava entre os bosques da região. No seu coração, carregado de amor, palpitava uma idéia que cintilava renitente naquele tempo das proximidades do Natal de Jesus.

Pés no chão, roupa remendada de tecido áspero, entre os cabelos a tonsura. Segue o peregrino de Deus com o coração irrequieto. O que dar aos pobres na noite da festa do nascimento do Senhor? Ora, festas e banquetes, presentes e roupas novas, celebrações litúrgicas sofisticadas, apenas para os ricos da nobreza e da burguesia, porém Francisco e sua companheira Clara já haviam deixado este mundo para trás há algum tempo e não voltariam para ele.
O pobrezinho de Assis, ora meditava, ora dançava ao som das estrelas, ora pregava às borboletas, silenciava às vezes e noutras conversava com seus irmãos. Estava em comunhão plena com o Criador e todas as criaturas, e via em cada pobre o rosto de seu amado Jesus. Mas o Natal se aproximava e o que dar aos pequeninos?

Inspirado como ele só, pois Francisco respirava o Espírito, pensou então em reconstituir a noite luminosa de Belém; mas antes, antes de tudo o que faria daquele instante em diante, ele armou seu presépio interior.

Esvaziou-se de tudo o que não fosse amor (se bem que para ele isso não fosse tão difícil, pois ele assim já vivia), e num movimento de respiração, expirou as preocupações, as aflições, os medos e anseios, a tristeza e a dor, e em moto contínuo inspirou todo o bem que existe no mundo. Foi quando percebeu a linha que une todas as coisas e criaturas entre si e que as une ao Criador, num só movimento, como um sopro translúcido. Percebeu o mistério insondável que se manifestara naquela noite de Belém, quando um Deus incomensurável e glorioso revestiu-se de compaixão pelos humanos e armou sua tenda numa criança frágil e pobre.

Francisco que havia abraçado o leproso, Francisco que havia abandonado todas as riquezas e glórias humanas, Francisco que se escandalizou com o luxo e o poder da Igreja e tomando para si viver na pobreza extrema como a maior forma de contestar este luxo, Francisco que se tornou pobre com os pobres, Francisco que ainda não havia recebido as chagas, neste momento começou a armar o presépio exterior, reflexo e espelho do seu presépio interior.
Dizem que esta noite foi radiante. Os pobres, como em Belém, acorreram todos os da redondeza de Greccio. Alegres armaram o presépio vivo. Certamente as estrelas que ouviram a pregação do louco de Assis e receberam seu brilho, ainda brilham sobre nós. O presépio que Francisco montou perdura e jamais deve ser desmontado dentro de nós, mesmo e principalmente no decorrer dos anos de nossas vidas, pois quando estivermos cansados, deprimidos, amedrontados, inseguros, em meio a uma tempestade ou mesmo numa calmaria, sempre poderemos olhá-lo e ver um menino envolto em panos pobres, ao lado da Mãe e de José, mergulhado em profunda comunhão com a natureza, a nos acenar e sorrir docemente. Então nos sentiremos mais perto de Deus, tão perto como nunca nenhum outro se sentiu.
Um Natal pleno de luz e repleto de paz dentro de nós e nas nossas casas, transbordando de compromisso com os marginalizados. Um Deus que se fez criança acena e sorri com ternura para todos e se faz natal todos os dias do ano. Paz e bem!

23/12 - Bem-aventurado Nicolau Factor

Sacerdote da Primeira Ordem (1520-1583). Beatificado por Pio VI a 27 de agosto de 1786.

 
Nicolau Factor nasceu em Valência, Espanha, a 29 de junho de 1520. Recebeu de seus pais uma ótima educação cristã que favoreceu sua natural tendência a elevar-se espiritualmente. Temperamento de artista, teve uma extrema sensibilidade que educou mediante o estudo das artes, especialmente da pintura e da música.

À idade de 17 anos, a 30 de novembro de 1537 atraído pelo ideal do Poverello de Assis, ingressou entre os Frades Menores do convento de Santa Maria de Jesus em Valência, onde professou a regra franciscana no primeiro Domingo do Advento de 1538. Ordenado sacerdote exerceu com zelo apostólico o ministério da pregação e com prudência e discrição na direção espiritual das almas, especialmente das almas religiosas. Depois de ter desempenhado na província franciscana de Valência os ofícios de guardião e de mestre de noviços, em 1571 o rei Felipe II o destinou como diretor espiritual do mosteiro de Santa Clara em Madri onde viviam religiosas clarissas pertencentes à flor da nobreza da cidade e da corte. De Madri passou logo a dirigir às religiosas da Trindade de Valência e logo às clarissas de Gandía.

Durante sua permanência em Madri esteve em íntima relação com o Beato João dos Anjos, a quem “O triunfo do amor de Deus”, escrito em Medina em 1598, chama de “Santo”. E em Valência teve fraternal amizade com o dominicano São Luís Beltran.

Quase no final da vida, profundamente impressionado pela morte do santo amigo, foi atormentado pela preocupação da salvação eterna, pelo qual, não satisfeito com aquele teor de vida, pediu aos superiores poder passar aos conventos-retiros em busca de uma maior austeridade. Obtido a permissão, nos primeiros dias de abril de 1582 passou ao convento de Santa Catarina da Onda em Castellon da Plana. Em novembro do mesmo ano se transferiu para Barcelona no convento do Monte Calvário, donde regressou ao de Santa Maria de Jesus em Valência em finais de 1583.

Teve o dom dos milagres e da profecia. Seus biógrafos contam detalhadamente maravilhosas aparições e celestes tratos com que foi favorecido por parte de Jesus e da Virgem, que o colocou nos braços a seu divino Filho; de São José, de São João evangelista e de São Francisco de Assis. O amor divino tinha inflamado seu coração. Teve que sustentar terríveis lutas com os espíritos malignos que amiúdo se lhe apareciam. Porém, Nicolau sempre saiu vitorioso com a oração.

Recebidos os últimos sacramentos, sua bem-aventurada alma voou ao céu, a 25 de dezembro de 1583; tinha 63 anos. Depois da morte em sua tumba sucederam numerosos milagres.


Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola

22 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém






A MENSAGEM FRANCISCANA DO PRESÉPIO

Por Frei Vitório Mazzuco Fº

Segundo a tradição, a primeira representação visualizada, teatralizada e celebrada de um presépio aconteceu no ano de 1223, num bosque próximo de Greccio, na Úmbria, região italiana. Quem tomou esta iniciativa foi Francisco de Assis, e ,com isso, ele passa a ser o primeiro a organizar de um modo plástico a cena da Encarnação do Filho de Deus.

Não é de se discutir se o fato é verídico ou legendário, pois Francisco de Assis foi um apaixonado pelo modo como Deus fez morada no mundo dos humanos, e certamente, mais do que palavras quis mostrar o maior evento de todos os tempos: na carne de um Menino, Deus está para sempre no meio de nós. Vejamos o texto das Fontes Franciscanas: “A mais sublime vontade, o principal desejo e supremo propósito dele era observar em tudo e por tudo o Santo Evangelho, seguir perfeitamente a doutrina, imitar e seguir os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo com toda a vigilância, com todo o empenho, com todo o desejo da mente e com todo o fervor do coração.

Recordava-se em assídua meditação das palavras e com penetrante consideração rememorava as obras dele. Principalmente a humildade da encarnação e a caridade da paixão de tal modo ocupavam a sua memória que mal queria pensar outra coisa. Deve-se, por isso, recordar e cultivar em reverente memória o que ele fez no dia do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, no terceiro ano antes do dia de sua gloriosa morte, na aldeia que se chama Greccio. Havia naquela terra um homem de nome João, de boa fama, mas de vida melhor, a quem o bem-aventurado Francisco amava com especial afeição, porque, como fosse muito nobre e louvável em sua terra, tendo desprezado a nobreza da carne, seguiu a nobreza do espírito. E o bem-aventurado Francisco, como muitas vezes acontecia, quase quinze dias antes do Natal do Senhor, mandou que ele fosse chamado e disse-lhe: ‘Se desejas que celebremos, em Greccio, a presente festividade do Senhor, apressa-te e prepara diligentemente as coisas que te digo. Pois quero celebrar a memória daquele Menino que nasceu em Belém e ver de algum modo, com os olhos corporais, os apuros e necessidades da infância dele, como foi reclinado no presépio e como, estando presentes o boi e o burro, foi colocado sobre o feno’. O bom e fiel homem, ouvindo isto, correu mais apressadamente e preparou no predito lugar tudo o que o santo dissera.

E aproximou-se o dia da alegria, chegou o tempo da exultação. Os irmãos foram chamados de muitos lugares; homens e mulheres daquela terra, com ânimos exultantes, preparam, segundo suas possibilidades, velas e tochas para iluminar a noite que com o astro cintilante iluminou todos os dias e anos. Veio finalmente o santo de Deus e, encontrando tudo preparado, viu e alegrou-se. E, de fato, prepara-se o presépio, traz-se o feno, são conduzidos o boi e o burro. Ali se honra a simplicidade, se exalta a pobreza, se elogia a humildade; e de Greccio se fez com que uma nova Belém. Ilumina-se a noite como o dia e torna-se deliciosa para os homens e animais. As pessoas chegam ao novo mistério e alegram-se com novas alegrias. O bosque faz ressoar as vozes, e as rochas respondem aos que se rejubilam. Os irmãos cantam, rendendo os devidos louvores ao Senhor, e toda a noite dança de júbilo. O santo de Deus está de pé diante do presépio, cheio de suspiros, contrito de piedade e transbordante de admirável alegria.” (Cel 30,4).
Sob a inspiração deste fluo, baseando-se nas Fontes Franciscanas, toda a celebração de Natal ganha um novo vigor interpretativo e celebrativo em toda Itália, da Itália para a Europa e da Europa para o mundo. A cidade de Nápoles transforma a cena de Natal num movimento artístico, e a partir dali e dos anos 1700, o presépio é pura arte.

Unindo a Palavra de Deus, a representação artesanal e o folclore, os presépios vão destacando as típicas figuras regionais, e unem fé e beleza estética. As missões franciscanas levam o presépio para o mundo, e assim, cultura local e tradição cristã mostram o maior feito histórico da cristandade.

O presépio tem a forma dos momentos culturais: barroco, colonial, rococó, renascentista, moderno, vanguardista, arte popular, oriental, latino-americano, indiano e africano. O Deus Menino está no campo, na cidade, nas tendas, favelas e arranha-céu; está no centro urbano e na periferia. Une a força do sinal, do sacramental, do sagrado, da teologia da imagem, a fala da fé.

Nos presépios temos a harmonia das diferenças. O mundo do divino encontra-se com o mundo do humano. A grandeza, a onipotência de um Deus revela-se na fragilidade de uma criança. Ali o mundo animal, ovelhas, boi, burro, queda-se contemplativo abraçado pelo silêncio do mundo mineral: pedras e presentes. Há também o toque brilhante daquela Estrela Guia aproximando o mundo sideral.
As plantas formam o colorido arranjo do mundo vegetal. Anjos e pastores, um pai sonhador e uma mãe silente que guarda tudo no coração; afinal todos são conduzidos pelo mesmo mistério. O curioso e controlador mundo do poder representado pelos Reis Magos vem conferir. Fazer presépios é unir mundos! Aquele Menino fez-se Filho do Humano: veio experimentar a nossa cultura, o nosso jeito, a nossa consangüinidade.

Num presépio cabe todos os rostos! É o grande encontro dos simples, dos normais, dos marginais, dos ternos, fraternos, sofridos e excluídos. Quando o diferente se encontra temos a mais bela paisagem do mundo. Tudo se torna transparente na unidade das diferenças. Num presépio não existe preconceito, existe sim aquela silenciosa e calma contemplação da beleza de cada um, de cada uma. Encarnar-se é morar junto e respeitar o diferente! Paz na Terra aos Humanos de vontade boa e bem trabalhada! Isso é que encantou Francisco de Assis!

O presépio nos lembra que Deus não está no mercado das crenças, nem no apelo abusivo do comércio natalino que faz uma profanização deste universo de símbolos: pinheiros e estrelas, animais e pastores, presépios variados. Deus nem sempre está nas igrejas e nem nas bibliotecas; mas Ele está num coração que pulsa de Amor. Esta é a sacralidade inviolável do Natal: Deus está no seu grande projeto, que é Humanizar-se, fazer valer o Amor, Encarnar o Amor!
Deus não está na violência e nem onde se atenta contra a vida. Deus não está no orgulho dos poderosos nem entre os caçadores de privilégios hierárquicos. Mas Ele está na leveza deste Menino, Filho do Pai Eterno, a grande síntese das naturezas humana e divina.

Ele está aqui na mais bela doação do Sim de José e de Maria. Quando há disponibilidade, todo sonho é fecundo. Ele está onde se faz um presépio: lugar do Bem e da Beleza. É o grande momento de refletir este presente que ele nos dá. Isso é que encantou Francisco de Assis!
O Amor tem que ser Amado! A Verdade e a Beleza têm que ser apreciadas. Este é o lugar de Luz no meio das sombras humanas. A luz vale mais do que todas as trevas. Deus está ali com você e com Francisco diante do presépio, e abraçando você com silêncio, paz, harmonia, serenidade; acolhendo você e passando-lhe Onipresença, Onipotência eterna para a fragilidade da criatura. No presépio, Deus olha você, pessoa humana, contemplando a suprema humildade da Pessoa Divina.

Artigo “A Mensagem Franciscana do Presépio, da Revista Franciscana, uma publicação da FFB





22/12 - Santa Francisca Xavier Cabrini

Virgem da Terceira Ordem (1850-1917)
Fundadora das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus. Canonizada por Pio XII no dia 7 de julho de 1946.

 
Nascida a 17 de julho de 1850 em S. Ângelo Lodigiano, de uma família de agricultores, tinha bebido, do ambiente e das pessoas que a cercavam, uma fé autêntica, vivida cotidianamente. Francisca Cabrini foi a penúltima de quinze filhos de Antônio e Estela. Desde pequena se entusiasmava ao ler a vida dos santos. A preferida era a de São Francisco Xavier, a quem venerou tanto que assumiu seu sobrenome, se auto-intitulando Xavier. Sua infância e adolescência foram tristes e simples, cheia de sacrifícios e pesares.

Franzina, de saúde fraca, não conseguiu ser aceita nos conventos. Apesar disso, era dona de uma alma grandiosa, digna de figurar entre os santos. Assim pode ser definida santa Francisca Cabrini, com sua vida voltada somente para a caridade e o bem do próximo.

Sua formação pessoal e profissional desenvolveu-se nos anos das guerras da independência e das lutas políticas, que trouxeram a unificação da Itália; lutam que sacudiram também o quieto curso da vida provinciana e nela inseriram elementos insatisfeitos e contrastes entre grupos opostos.

Foi educada com firmeza e fidelidade aos princípios da fé, na obediência à Igreja e aos seus representantes e sua fé tornou-se para ela em estilo de vida, sempre animado e alimentado pelo vivo desejo de transmitir a riqueza do conhecimento de Cristo e de sua mensagem de amor e salvação. Como professora teve sempre em mira a formação da pessoa, cuidando do desenvolvimento dos valores humanos e cristãos com o método da simplicidade e da clareza, do respeito ao outro, que procura convencer, sem impor.
Francisca, porém, gostava tanto de ler e se aplicava de tal forma nos estudos que seus pais fizeram o possível para que ela pudesse tornar-se professora.

Mal se viu formada, porém, encontrou-se órfã. No prazo de um ano perdeu o pai e a mãe. Enquanto lecionava e atuava em obras de caridade em sua cidade, acalentava o sonho de entregar-se de vez à vida religiosa. Aos poucos, foi criando coragem e, por fim, pediu admissão em dois conventos, mas não foi aceita em nenhum. A causa era a sua fragilidade física. Mas também influiu a displicência e o egoísmo do padre da paróquia, que a queria trabalhando junto dele nas obras de caridade da comunidade.

Francisca, embora decepcionada, nunca desistiu do sonho. Passado o tempo, quando já tinha trinta anos de idade, desabafou com um bispo o quanto desejava abraçar uma obra missionária e esse a aconselhou: “Quer ser missionária? Pois se não existe ainda um instituto feminino para esse fim, funde um”. Foi, exatamente, o que ela fez.

Com o auxílio do vigário, em 1877 fundou o Instituto das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, que colocou sob a proteção de são Francisco Xavier. Ainda: obteve o apoio do papa Leão XIII, que apontou o alvo para as missões de Francisca: “O Ocidente, não o Oriente, como fez são Francisco”. Era o período das grandes migrações rumo às Américas por causa das guerras que assolavam a Itália. As pessoas chegavam aos cais do Novo Mundo desorientadas, necessitadas de apoio, solidariedade e, sobretudo, orientação espiritual. Francisca preparou missionárias dispostas e plenas de fé, como ela, para acompanhar os imigrantes em sua nova jornada.

Tinham o objetivo de fundar, nas terras aonde chegavam, hospitais, asilos e escolas que lhes possibilitassem calor humano, amparo e conforto.

Em trinta anos de intensa atividade, Francisca Cabrini fundou sessenta e sete Casas na Itália, França e nas Américas, no Brasil inclusive. Mais de trinta vezes cruzou os oceanos aquela “pequena e fraca professora lombarda”, que enfrentava, destemida, as autoridades políticas em defesa dos direitos de seus imigrantes nos novos lares.

Madre Cabrini, como era popularmente chamada, morreu em Chicago, Estados Unidos, em 22 de dezembro de 1917. Solenemente, seu corpo foi transportado para New York, onde o sepultaram na capela anexa à Escola Madre Cabrini, para ficar mais próxima dos imigrantes. Canonizada em 1946, santa Francisca Xavier Cabrini é festejada no mundo todo, no dia de sua morte, como padroeira dos imigrantes.


Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola

21 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém



FRANCISCO E O PRESÉPIO


Por Frei Almir Ribeiro Guimarães, ofm

Nós todos aprendemos a gostar de São Francisco ao longo de nossa vida. Encontramos vestígios dele no rosto de certos irmãos e de muitas irmãs. Difícil dizer o que mais encanta. Tudo nele é força na fragilidade e ternura vigorosa. Por vezes, por vezes mesmo, ele nos lembra Cristo Jesus. Os dois se parecem demais.


Gostamos de vê-lo, simples, despojado, caminhando pelas ruas, dizendo que o Amor não é amado. Vai gastando todas as suas energias para dizer a todos os homens que será preciso mudar o coração, fazer penitência.


Ficamos extasiados ao vê-lo passar horas, noites e dias em oração. Ele é o amante das grutas e dos espaços virgens onde a mão humana pouco se faz presente. A impressão que se tem é que Francisco faz sua vida desenrolar-se continuamente na presença de Deus. Ele não é homem de oração. No dizer de Celano, ele é a própria oração. Tarefa alguma pode fazer com que venhamos a perder o espírito de oração e da santa devoção. Por sua vida, ele assim nos ensina.


Gostamos de freqüentar Greccio, nossa Belém. Nunca ninguém soube tão bem festejar o nascimento de Deus na terra dos homens: palha, despojamento, frades encantados e extasiados, homens e mulheres com tochas acesas e Francisco, feito um dançarino de Deus, cantando a glória do Menino das Palhas, no Menino Pobre, do Deus que se toma criança.


Gostamos de nos sentar contemplativamente diante da rudez e majestade do La Verna. Frei Francisco, Frei Leão, o irmão falcão, os abismos, o verde, o serafim e as chagas de Jesus na carne de Francisco nos envolvem e nos encantam.


Gostamos de ver Francisco caminhando pelas terras da Úmbria atrás dos leprosos, dos mais abandonados, fazendo-se amorosamente presente na vida das pessoas.


Por vezes, gostamos de imaginar esse bando de gente simples, de pés no chão, de braços alevantados, estes frades com Francisco, louvando o Senhor, deixando que o sol, que o Irmão Sol lhes queimasse o rosto e sendo acariciados pelo suave Irmão vento ou pela Irmã Brisa. Gostamos de ver chegar Irmã Jacoba nos derradeiros momentos, trazendo a mortalha do Pai e aqueles doces de amêndoa que só ela sabia fazer e de que ele tanto gostava. Gostamos do Francisco humano, verdadeira e belamente humano.


Gostamos de ver Francisco como aquele que tudo descomplica: sem preocupações mundanas, sem bens materiais, sem cultivo do ego, sem vontade de aparecer, não reclamando nada.
A impressão que se tem é que Cristo veio outra vez viver entre nós na delicada e vigorosa figura de Francisco de Assis.

Texto extraído do livro “Por que todos andam atrás de ti?”, de Frei Almir Ribeiro Guimarães. Publicação da FFB, 2005



21/12 - Venerável Ludovico Necchi



Médico da Terceira Ordem (1876-1930). Em processo de beatificação.


Ludovico Necchi nasceu em Milão a 19 de novembro de 1876. Seu pai Luís morreu quando ele tinha cinco anos; a mãe, Cecília Frisiani era parente de Manzoni. Ambos, mesmo que retos, eram indiferentes ao problema religioso. Em março de 1884 Cecília Frisiani adquiriu segundas núpcias com o escultor Fererico Villa, incrédulo declarado. A mãe morreu em 1904, depois de ter voltado a encontrar-se com Deus; igualmente o padrasto morreu depois de ter voltado à fé em 1907. Em 1889 Ludovico inscreveu-se no Liceu Patrini, o qual freqüentou até a licença liceal, tendo por companheiro de classe a Eduardo, o futuro padre Agustin Gemelli, com quem travou uma duradoura amizade que o levou à conversão. O ambiente estudantil era hostil à religião. A religiosidade de Necchi quando entrou em Parini era já fruto de conquista pessoal. Em 1893 falará ele de sua conversão como uma completa entrega a Deus. A educação, a bondade natural, a agudeza de ingênio lhe ajudaram a superar felizmente a crise.

 O célebre jesuíta Guido Matiussi foi por um triênio seu diretor espiritual. Em 1896 se inscreveu na faculdade de medicina em Pavia, entrando no círculo universitário “Severino Boezio”, do qual mais tarde foi presidente.

Em 1900 na cidade de Roma, por ocasião do congresso internacional dos estudantes católicos, foi recebido com outros em audiência privada com Leão XIII. Encontrou-se com Toniolo e com o sociólogo católico Carlos Sonneschein, com quem cultivou uma amizade que durou toda a vida. Chamado em 1901 a formar parte do conselho diretivo Lombardo da obra dos congressos, dedicou-se ao progresso social dos trabalhadores, favorecendo o incremento das ligas católicas para o melhoramento das condições dos camponeses. Laureou-se em medicina a 30 de junho de 1902 e começou junto com Gemelli o ano de serviço militar no hospital militar de Piazza Santo Ambrósio. Depois de alguns meses, tocado pela graça e pelo testemunho de Necchi, Gemelli anticlerical e incrédulo se converteu e terminado o serviço ingressou entre os Frades Menores para ser depois o grande convertido, fundador da célebre universidade do Sagrado Coração de Milão. Por demais, não foi o primeiro condiscípulo de Necchi que por sua influência se converteu e se fez sacerdote.

Em janeiro de 1905 comprometeu-se com Vitória da Silva, e casou em Milão a 26 de abril do mesmo ano e teve três filhos: Camila, Jean Carlo e Antonio. Com o padre Gemelli organizou o dispensário psico-pedagógico para a educação dos meninos anormais, que teve por dez anos. Acrescentaram sua maturidade os estudos e publicações sobre a neurose. Apoiou decididamente ao padre Gemelli em 1908, na fundação da universidade católica do Sagrado Coração. Necchi desde jovem pertencia à Ordem Terceira Franciscana Secular e vivia intensamente sua espiritualidade. A morte lhe sobreveio repentinamente aos 54 anos de idade, a 10 de janeiro de 1930, dando término a uma dura jornada dedicada ao bem dos enfermos, dos quais foi sempre diligente médico.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola

20 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém.



PRESÉPIO E EUCARISTIA


A conjunção Belém-Greccio, manjedoura-altar já estava presente na liturgia natalina e também na tradição literário-eclesiástica. De fato, percorrendo o tesouro dos escritos eclesiásticos que nos foram legados pelos séculos anteriores, ficamos impressionados em encontrar repetidas vezes a presença da ligação entre Belém e o altar eucarístico. Como em Belém, assim também Jesus desce entre os homens. 

Em Belém os pastores trouxeram seus dons. Os fiéis, por sua vez, acorrem com suas ofertas ao altar.
A aproximação entre Belém e eucaristia, aliás, é facilmente intuível. “Belém” significa “casa do pão”. O próprio Jesus se tinha definido como “pão descido do céu”, o “pão da vida”, destinado a nutrir seus fiéis no santo sacrifício. Logo que nasceu foi colocado no presépio, isto é, na manjedoura dos animais. Parece que esta circunstância tenha levado antes de tudo os escritores sacros e os oradores da época a vislumbrar ali uma imagem da eucaristia.

Na liturgia do Natal do assim dito Sacramentário gregoriano anualmente ocorria o seguinte texto: “Este que é o pão dos anjos, no presépio da Igreja se tomou alimento dos animais que crêem”.
De fundamental importância também, porque muito usada, é a glosa ordinária a respeito da Sagrada Escritura (século IX) que, comentando São Lucas, explica: “posto no presépio, isto é, o corpo de Cristo no altar”. Aelredo de Rielvaux (abade cistercense do século XII) escreve: “O presépio de Belém, o altar da Igreja… Não temos nenhum sinal tão grande e evidente do nascimento de Cristo, quanto seu corpo e sangue que diariamente comemos no santo altar. Aquele que uma vez nasceu da Virgem, vemo-lo cotidianamente imolado por nós. Por isso, irmãos, acorramos com presteza ao presépio do Senhor….”. A analogia entre Belém e o altar eucarístico ocorre ainda em outros autores do século XII, como Honório de Autun, Hugo de São Vítor, São Bernardo, Zacarias Crisopolitano, Guarnério de Rochefort, Guerrico de Igny. Este último assim se exprime num sermão natalino: “Irmãos, vós também hoje encontrareis um menino envolto em panos e colocado no presépio do altar”. Pedro de Blois, quase contemporâneo de São Francisco, exprime-se mais ou menos com as mesmas palavras: “Irmãos, embora não sejais pastores, hoje vereis o nosso pequeno, que muitos reis e muitos profetas quiseram ver, havereis de vê-lo colocado no presépio do altar, não em aparência de glória, mas envolto em panos”. A idéia do presépio eucarístico, comum a escritores e oradores daquela época, foi retomada, como é fácil perceber, por miniaturistas e artistas, escultores e pintores. A originalidade de Francisco foi de traduzir de forma plástica, simples e realista, ao alcance de todos, a atualização do mistério do nascimento histórico no mistério sacramental da eucaristia.

Não se pode dizer que, para Francisco bem como para os outros autores citados a esse respeito, a atualização do nascimento de Cristo no mistério da Eucaristia seja entendida em sentido indireto, porque o sacramento da eucaristia atualiza direta e propriamente o sacrifício da cruz e o mistério da ceia.

Texto do “Dicionário Franciscano”, uma publicação da Editora Vozes/Cefepal




20/12 - Serva de Deus Serafina de Jesus Farolfi

Virgem da Terceira Ordem Regular (1853-1917). Fundadora das Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento. A causa de sua beatificação está em curso.
 
Maria Francisca Farolfi nasceu em Tossignano de Ímola (Bolonha) no dia 6 de outubro de 1853 e morreu em santidade em Badia di Bertinoro (Forli) no dia 18 de junho de 1917 aos 64 anos de idade.

É uma destas pessoas que passam pela terra deixando a impressão do céu. Sua ardente alma não conhecia obstáculos e não admitia pausas. Desde jovem mostrou-se doce e voluntária. O delicado complexo físico era compensado por uma rara fortaleza moral. Jovem inteligente, culta e vivaz, enquanto lhe sobrevinha um porvir rico de belas perspectivas, ouviu a voz do Senhor. No mosteiro das Irmãs Clarissas de Forli pôde realizar seu sonho de perfeição religiosa. O itinerário desta frágil mas valente mulher é sugestivo e audaz. Quando é Deus que conduz, chega-se ao ponto.

O mosteiro era precário e necessitava de restaurações urgentes. Portanto Madre Serafina com todas as formandas necessitava de ar e de saúde, foi enviada pelos superiores a Bertinoro, onde transcorreu o proveitoso período de repouso, de oração e de reflexão. O Senhor lhe mostrou a extrema necessidade de assistir, educar e formar a juventude, demasiadamente ainda abandonada às duras leis da rua. Assim, com a aprovação e benção dos superiores e do bispo Monsenhor Polloni, com um grupo de generosas discípulas deu início ao Instituto das Irmãs Clarissas Missionárias Franciscanas do Santíssimo Sacramento. Aprovado por São Pio X com decreto temporário em maio de 1907, e definitivamente por Benedito XV a 12 de agosto de 1915. Agregado à Ordem dos Frades Menores pelo Ministro Geral, Padre Dionísio Schuler a 28 de abril de 1904.

É uma congregação de direito pontifício onde as irmãs professam a regra de Santa Clara, modificada com especiais constituições. Sua espiritualidade é a franciscana, com estas expressões específicas: culto especial à Eucaristia, apostolado nas missões e na educação da infância e da juventude mais necessitada, vida autenticamente evangélica, aberto testemunho da caridade de Cristo.
A Madre Serafina de Jesus, alma aberta aos mais atuais problemas, se adiantou no tempo: o programa deixado por ela a suas filhas podemos resumi-lo em três principais aspectos: alma eclesial, alma eucarística e alma educadora. Surgiram assim numerosos colégios e escolas que ainda hoje atendem a milhares de jovens, hospitais, albergues, assistência espiritual aos militares e encarcerados, trabalho apostólico em países católicos e nas terras de missões.

Sua obra continua nas diversas atividades que realizam suas filhas, alimentada pela oração e o sacrifício, para levar a Cristo aos fiéis e aos infiéis, para que todos o glorifiquem num hino de louvor e de perfeita alegria.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola

19 de dezembro de 2014

Especial - Greccio, a nova Belém



NATIVIDADE

Por Éloi Leclerc

Até o fim de sua vida, Francisco foi solícito em desejar acima de tudo o Espírito do Senhor. E o Espírito não cessou de conduzi-lo num caminho de renúncia de si sempre mais profunda. Mas este despojamento íntimo, longe de ser um empobrecimento de sua verdadeira personalidade, abria nele um espaço cada vez maior de acolhimento, uma capacidade crescente de comunhão e de fraternidade. Nada retendo para si, ele tornou-se presente a toda criatura. Sua pobreza era sua riqueza, a chave do Reino. No espírito de doçura, Francisco nascia ao mesmo tempo para Deus, para o mundo e para si mesmo.

Não há melhor maneira de compreender esse itinerário do que invocando aquele acontecimento que iluminou seus últimos anos. Mais que um simples episódio maravilhoso na sua vida, o Natal que ele celebrou, três anos antes de sua morte, entre as pessoas simples da montanha, foi uma experiência mística, um novo nascimento. Seu primeiro biógrafo não se enganou. Naquela noite, diz ele, Francisco se fez “menino com o Menino (2Cel, 35). O Espírito do Senhor renovava nele seu “advento de doçura”, no auge do rude inverno da natureza e dos homens.

Estamos no fim do ano de 1223, numa pequena aldeia da montanha que domina o vale de Rieti, no centro da Itália. Esta aldeia se chama Greccio. Para seus habitantes, parece que o ano deve terminar como todos os outros: no frio, no isolamento e na pobreza. A primeira neve começou a cair. E a aldeia tomou seu aspecto invernal.

As pequenas casas se escondem sob sua capa branca. As atividades externas vão se tornando raras. As mulheres fiam a lã dentro de casa. Os homens cortam e racham a lenha… E, quando cai a noite, todos reunidos diante da lareira contemplam em silêncio o fogo que crepita e faz sonhar. Eles esperam. O que esperam? O retorno de dias melhores, a primavera, o sol? Sem dúvida, mas acima de tudo um pouco de calor humano, um pouco de amizade e de alegria. Sonham com um sopro de inocência e de ternura. Mas o que pode trazer-lhes naquele instante a verdadeira felicidade?

Em toda a cristandade, através da liturgia do advento, eleva-se de novo a voz suplicante do profeta, o insistente pedido que vem do fundo dos tempos: “Ah! Javé, oxalá rasgasses os céus e descesses…” (Is 63,19). “Céus, destilai orvalho lá do alto; nuvens, fazei chover o Justo…” (Is 45,8). E eis a resposta lá do alto, radiosa, cheia de esperança: “Consolai-vos, consolai-vos, meu povo, diz o vosso Deus, falai ao coração de Jerusalém

e gritai-lhe que seu tempo de escravidão terminou…” (Is 40,1-2).
Mas, em Greccio, não há ninguém para falar ao coração das pobres. Por mais que as pesadas nuvens se abaixem sobre a montanha, caindo em flocos de neve, o céu não se abre e o Justo não dá sinais de descer.
De manhã, não se vê ninguém vindo sobre a neve intacta. E de noite, muito menos, quando as encostas brancas e desoladas se tingem de cor de malva sob os passos da noite. Ninguém. É a imensa solidão do inverno. E como são longas as noites de inverno na montanha! Ouve-se apenas o gemido e o rachar das árvores sob o peso da neve, ao sopro do vento, no bosque vizinho. E às vezes também o uivar dos lobos. Terra regela-da, terra ansiosa, à expectativa de um pouco de amor, “quando enfim verás nascer a aurora divina?”
Entretanto, os habitantes desta pequena aldeia não ignoram que por todos os cantos do país se fala muito de um homem chamado Francisco, ou o Pobre de Assis. Sua reputação de santidade é grande. Filho de um rico negociante de tecidos, converteu-se ao Evangelho depois de uma juventude um pouco desvairada e esbanjadora. Renunciou à riqueza, às honras, ao poder, à violência. Fez-se pobre por amor de Cristo e para ser o irmão de todos.

Muitos jovens se juntaram a ele, às dezenas, depois às centenas. Agora são milhares. Vêm de todas as camadas da sociedade, de todas as condições. Francisco ensina-lhes a viver segundo o santo Evangelho, em grande fraternidade entre eles e com todos as pessoas. Revela-lhes o verdadeiro rosto de Deus. Não do Deus dos domínios da Igreja, nem das cruzadas, nem do dinheiro, mas do Deus dos pequenos que vêm a nós com doçura. “Vede a humildade de Deus!” – gostava Francisco de dizer-lhes, mostrando-lhes o exemplo de Cristo humilde e pobre.

Mas eis que naquele mês de dezembro de 1223, às vésperas do Natal, Frei Francisco foi como que tomado por um grande desejo. Revelou este desejo aos seus irmãos: “Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro” (ICel, 84).

Naquele tempo ainda não existiam os presépios de Natal, principalmente os presépios vivos. A idéia era completamente nova e até ingênua. Tinha surgido de repente no coração de Francisco, como uma chama de amor. Era uma idéia extraordinária como só os poetas podem ter, pois são eles que nos fazem voltar aos olhos da infância. E, de súbito, reencontramos os segredos perdidos. Um boi e um burro na penumbra de um estábulo, e o Natal nos é restituído com o realismo de sua ternura.
“Ver” e “fazer ver” o altíssimo Filho de Deus, nascendo ao mundo na humildade e na pobreza de um presépio entre animais, nada era mais importante para o futuro do mundo. Numa sociedade de cunho mercantil, onde o soberano era o dinheiro, o que podia ser mais útil do que fazer brilhar a gratuidade de Deus? Num mundo de clérigos ávidos de honra e poder, o que podia ser mais salutar do que lembrar a humildade de Deus? E num tempo de violências, de cruzadas e de guerras santas, o que podia ser mais urgente, mais necessário do que fazer ver a doçura, a mansidão de Deus?
Não, não se tratava simplesmente de uma idéia tocante. Era toda a vida ardente de Francisco, todo o seu ser, toda a sua busca de Deus que se expressava neste desejo de ver o Menino divino na penúria do presépio.

“Reinventar” o Natal, reencontrar a humanidade de Deus, a ternura de Deus, eis o que Francisco queria para si e para seus irmãos e para o mundo inteiro, imaginando aquele presépio vivo. Ele via longe, muito longe. E a coisa mais simples do mundo. Fora dos caminhos comuns, dos caminhos batidos, ele encontrava a fonte oculta da ternura e da fraternidade.

E quem melhor do que as pessoas simples da montanha poderia compreender e acolher esta mensagem? Como outrora os pastores de Belém, eles serão os primeiros a ouvir a Boa Notícia. Sem hesitar, Francisco decide então fazer o presépio em Greccio.

Apressa-se em confiar seu projeto a seu amigo, o Sr. João Velita, que, apesar de sua alta linhagem e seus cargos importantes, é muito simples e achegado aos irmãos. Francisco tem muita estima por ele e lhe diz: “Se quiseres, é em Greccio que vamos celebrar a festa do Natal este ano. Sim, quero ver o Menino divino, com meus olhos de carne, assim como estava no presépio de Belém, dormindo na palha, entre um boi e um burro… Vai, começa a fazer os preparativos…”(ICel, 84).

O Sr. João, inteiramente de acordo com o projeto de Francisco e feliz pela confiança que o Poverelio depositava nele, apressa-se e vai à humilde aldeia da montanha. Que alegria para os habitantes de Greccio e que orgulho também, quando souberam que Frei Francisco, aquele de quem todo mundo fala com veneração, escolheu sua aldeia para lá celebrar a festa da Natividade que se aproximava! E que surpresa e deslumbramento quando o Sr. João lhes fez saber que Fr. Francisco quer que se prepare um estábulo, exatamente como em Belém, com uma manjedoura provida de palha e com um burro e um boi.
No mesmo instante, toda a aldeia acordou de sua letargia. Todos queriam ajudar o Sr. João a preparar a festa. O lugar escolhido foi uma gruta bem grande, no flanco da montanha. Ali foi instalada uma manjedoura com feno. Foi levado para lá um burro e um boi. Em pouco tempo tudo estava pronto. No dia 24 de dezembro ao anoitecer chegou Frei Francisco com alguns frades.

Havia chegado enfim a noite abençoada em que toda a cristandade celebra o nascimento do Salvador. Os moradores de Greccio e das redondezas acorrem em massa com tochas e lanternas. Nos bosques, ressoam seus cantos. E uma noite extraordinária, toda iluminada com centenas de luzes que enchem a gruta e tudo em redor dela. “Uma noite tão deliciosa para os homens como para os animais”, conta Tomás de Celano (ICel, 85).
Francisco “passa a vigília de pé diante do presépio, comovido e cheio de uma indizível alegria” (ICel, 85). Na verdade, ele experimentou naquela noite um longo momento de êxtase. Com os olhos fixos na manjedoura, parecia ver o Menino Deus deitado no feno, entre os animais. Com toda certeza, seu espírito estava em Belém.
Mas o que via então o Poverelio naquela noite de Natal? Não era apenas uma cena maravilhosa. Ele contemplava o mistério do Natal em sua profundidade. Se ele quis este presépio, não foi para oferecer uma representação simplesmente comovedora. Sua visão ia muito mais longe: via toda a criação com Deus num mistério profundo. Queria tudo que existia, tudo que vivia para este instante único, para esta comunhão com a vida divina no Deus-Menino.

Portanto, a vida divina não devia ser buscada fora das fragilidades da vida humana e de suas raízes obscuras, fora da criação material. No Deus-Menino tudo se encontrava. E o que estava oculto se tomava visível. O sentido do mundo se tornava bem claro. A unidade da criação se revelava. Era uma epifania de luz. Não se podia acolher a vida divina sem respeitar toda vida: a vida humana é claro, mas também as formas de vida mais humildes. Não se podia comungar com a vida divina sem fraternizar com toda vida, com toda criatura. Com toda a criação.

E o caminho desta comunhão e desta fraternidade era a humildade do presépio, aquela humildade original que nos aproxima das mais humildes criaturas, aquela proximidade e doçura que nos fazem reintegrar o vasto círculo da criação. Não era exatamente esta a mensagem dos anjos aos pastores na noite de Natal: “Hoje vos nasceu um Salvador. Este é o sinal pelo qual o reconhecereis: encontrareis um recém-nascido, envolto em panos e deitado num presépio…” A criação inteira, com suas criaturas mais humildes, se havia tomado o “berço divino”. Só podia aproximar-se do Menino, só podia encontrá-lo, quem entrasse no presépio, quem se fizesse a si mesmo bem próximo das criaturas mais humildes.

Nesta noite de Natal, em que Deus mesmo vinha a nós na humildade de um estábulo, era pois preciso manifestar um infinito respeito e uma grande ternura para com toda a vida, por humilde que fosse. Francisco queria que, naquele dia, os pobres e esfomeados fossem saciados pelos ricos, e que se concedesse uma ração maior e mais feno para os bois e burros (2Cel, 200). E não esqueceu os passarinhos: “Se eu pudesse falar com o imperador, pediria que promulgasse esta lei geral: que todos que puderem joguem pelas mas trigo e outros grãos, para que nesse dia tão solene tenham abundância até os passarinhos, e principalmente as irmãs cotovias” (ICel, 200).

Toda esta ternura transbordava do coração de Francisco, enquanto contemplava, extasiado, a manjedoura, como se estivesse de fato em Belém e visse o Menino com seus próprios olhos. Renovou-se então para ele, de uma maneira sensível, o mistério de um Deus nascendo nas profundezas da terra, entre os animais. “Uma das testemunhas – conta Tomás de Celano – viu, deitado na manjedoura, um bebê dormindo que acordou quando o santo chegou perto”.
Não devemos deter-nos neste lado maravilhoso do evento sem ver seu significado profundo. Se quiséssemos traduzir de uma maneira simbólica a experiência espiritual de Francisco naquela noite, sem dúvida nada seria melhor do que relatar este traço maravilhoso. Tomás de Celano não se enganou a este respeito. Ele escreve em sua “Vita Secunda”: “Foi nesse lugar [Greccio] que Francisco recordou pela primeira vez o Natal do Menino de Belém, fazendo-se menino com o Menino”. Assim, para o seu biógrafo, esta celebração externa traduzia uma transformação interna: “Fazendo-se menino com o Menino, factus cum Puero puer” (ICel, 86).

Este presépio vivo, no fundo de uma gruta onde acorda um lindo bebê quando Francisco se aproxima, simboliza o nascimento oculto do Deus-Menino nas profundezas da alma, num homem plenamente reconciliado com sua arqueologia. O presépio é a expressão
sensível de uma aproximação interna de Deus por caminhos de humildade e de reconciliação: por caminhos de encarnação.

Atribuem-se ao teólogo Bultmann estas palavras: “Eu quero Cristo sem o presépio”. Querer Cristo sem o presépio é querê-lo sem suas humildes inserções naturais, sem sua matriz cósmica. Numa tal perspectiva idealista, o evento da salvação nada mais tem a fazer com a Terra-Mãe, com tudo que nos liga ao cosmos e à vida; ele se desenrola à primeira vista na pura interioridade, acima de qualquer condição carnal; não nos atinge em nossas raízes vitais e psíquicas. Numa palavra, não assume o destino total do ser humano, deste ser “que lança raízes na natureza animal e, ultrapassando o que é simplesmente humano, se eleva até à divindade” (Jung). A criação material e animal é deixada de lado. Ela não é atingida pelo evento da salvação. Portanto não há reconciliação do homem com suas forças obscuras, nem transfiguração da agressividade, nem da libido. Cristo não desceu às nossas profundezas. A paz do Natal ficou pendurada nas estrelas.

Completamente diferente é o caminho de Francisco. Ele encontra o Menino-Deus na humildade do presépio, fraternizando com nossos irmãos os animais e com toda a vida. Ele o encontra lá onde estão as nossas raízes. Deus, para nascer no homem, tem necessidade do homem todo e primeiramente de suas raízes obscuras, vitais e cósmicas. É com isto que ele conta: “Vede a humildade de Deus”, dizia Francisco aos seus irmãos.

Depois desta longa vigília de oração e de canto na gruta transformada em estábulo, a missa do Natal foi celebrada na manjedoura como altar. Francisco, que tinha vestido a dalmática em sua qualidade de diácono, cantou o Evangelho da Natividade. Com sua voz “vibrante e doce, clara e sonora”, proclamou a Boa-Nova: “Não temais, pois eu vos anuncio uma grande alegria que será para todo o povo: hoje vos nasceu um Salvador…” (Lc 2,10-11).
Depois deste anúncio, Francisco dirigiu-se ao povo, convidando todos a regozijar-se com o evento. Não era um sermão que ele fazia, era sua própria vibração interior que lhes transmitia. Em palavras bem simples, evocou a pequena cidade de Belém e o nascimento do Menino-Deus na pobreza do presépio. Ouvindo-o, tinha-se verdadeiramente a impressão de que naquela noite o céu havia perdido todo o seu orgulho e se havia tomado próximo e fraternal. O Deus de majestade se havia feito nosso irmão em Maria sua Mãe.
Pode-se encontrar um eco da homilia de Francisco na oração que ele compôs para as vésperas de Natal, em seu Oficio:

Naquele dia Deus nosso Senhor concedeu a sua graça
e de noite ressoou o seu louvor.
Este é o dia que o Senhor fez,
alegres exultemos por ele.
Pois foi-nos dado um Menino amável e santíssimo,
nascido por nós à beira do caminho
e deitado numa manjedoura,
porque não havia lugar na estalagem.
Glória a Deus nas alturas
e paz na terra aos homens de boa vontade.
Alegrem-se os céus, rejubile a terra,
ressoe o mar com tudo o que contém,
rejubilem-se os campos e o que neles existe!…
“Paz na terra!” A mesma paz que Francisco foi anunciar aos cruzados, depois ao sultão, no Oriente Próximo, foi nesta pequena aldeia da montanha que ela floresceu naquela noite de Natal. Não era necessário correr para o país de Jesus para encontrá-la: Greccio se havia tomado uma nova Belém. O Menino-Deus nasce em toda parte onde há seres humanos bastante humildes para reconhecer-se irmãos uns dos outros e de toda criatura.

Trecho do livro “O Sol Nasce em Assis”, de Éloi Leclerc, Vozes, 2000



EXTRAÍDOS DE: http://www.franciscanos.org.br/