31 de julho de 2012

REFLEXÃO : "Caminho"



“Na vida, não existem soluções. Existem forças em marcha: é preciso criá-las e, então, a elas seguem-se as soluções” (Antoine de Saint-Exupéry).

O que existe são caminhos que se apresentam, possibilidades que se abrem diante dos olhos! Assim é a vida: desejo intenso, força para seguir em frente, vontade de construir relações, poder de fazer diferente e de fazer a diferença…. A vida é dinâmica, energia que faz girar as engrenagens, capacidade de caminhar sem parar, sem se cansar!

A dinâmica da vida vai acontecendo no próprio caminho, no aprendizado, no fazer, no cumprir as normas, no cotidiano. As soluções vão se apresentando diante de nós e, assim, construímos pontes, prosseguimos, vamos em frente… E a vida, o que é? Abertura que fazemos ao projeto divino: é nosso viver que faz a própria vida acontecer em nós e por nós…


Frei Paulo Sérgio


30 de julho de 2012

Quem tem “chispas” de vocação franciscana?


Quando falamos em vocação estamos diante do mistério. Precisamos tirar as sandálias dos pés. Na página em que contemplamos um certo Francisco de Assis, queremos elencar alguns sinais que mostrariam a alguém que ele pode ter vocação para ser franciscano ou franciscana. Seriam umas “chispas”… A brilhar no caminho. Quem, eventualmente, poderia seguir esse caminho?


1. Pessoas normais, não exaltadas, que vivem a vida de todos os dias, com gosto, mas com uma pontinha de santa insatisfação. Pessoas que têm um pé na terra e o outro querendo atingir as estrelas. Pessoas normais, sinceras, sem duplicidade, capazes de se deixarem instruir por outros mais sábios e mais prudentes.

2. Pessoas que, devido a situações pessoais e a circunstâncias próprias foram levadas a fazer uma experiência de proximidade com Jesus: por ocasião de um sucesso ou de um fracasso na vida; de uma profunda experiência de abandono; num desejo incontido de generosidade (desejo de dar tudo) etc. No meio de tudo isso, tais pessoas sentem ressoar dentro delas convites ao seguimento do Senhor. Sentem um apelo que vem de fora.

3. Os que se apresentam em nossas fraternidades franciscanas seculares ou de vida consagrada são pessoas desejosas de experimentar a fraternidade. Estão embebidas das passagens dos evangelhos que falam do amor pelo irmão, pela vida fraterna como sacramento do reino: viver com…, sonhar com… ajudar as pessoas a sobreviverem.

4. Pessoas que se sentem convocadas as se desvencilharem de coisas e de bens, sobretudo de si mesmas. Querem aprender a conviver com aquele que sendo rico se tornou pobre e servo de todos. Deixaram-se tocar pela kenosis de Jesus.

5. Pessoas que, como Francisco, desejam se fazer próximas das pessoas: conviver com os que precisam de convivência, ir de lugar em lugar dizer que o Amor precisa ser amado, estabelecer o diálogo neste mundo de compartimentalizações e fechamentos. São pessoas que não existem para viver em ninho fechado. Também não querem simplesmente serem instrumentos de organizações frias.

6. Pessoas que não tenham espírito de carreirismo, que não visam promoções nem busca de lucros pessoais, que não assinam nem subscrevem sem pensar os estatutos da sociedade de consumo. São pessoas livres.

7. Pessoas que hoje reagem contra todo formalismo da fé, que sonham com uma pastoral feita por etapas, catecumenal, desejosos de dar sua colaboração para ações evangelizadoras novas no seio da Igreja.

8. Pessoas que experimentam uma sadia tensão entre contemplação e ação. Como Francisco estão sempre procurando lugares silenciosos e ermos para se “perderem” em Deus e, ao mesmo tempo, dizem a quem precisar que podem contar com eles. Mas não querem ser “ativistas” tontos que sobem e descem, entram e saem. Têm sempre saudade em visitar seu interior. Assim, irão pelo mundo mais à maneira de Francisco, transpirando ardor.

9. Pessoas que foram também conhecendo a figura encantadora e bela de Clara de Assis. Algumas dessas pessoas andaram lendo as cartas de Clara a Inês de Praga e ficaram encantadas com a mística da contemplação clariana. Ficaram profundamente impressionadas com as descrições do espelho. Da contemplação de Cristo no espelho: a pobreza, a humildade, a beleza do esposo pobre. “Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na minha adega, até que a tua esquerda esteja sobre a minha cabeça, tua direita me abrace, toda feliz e me dês o beijo de tua boca” (4Carta a Inês 31-32).

10. Pessoas que sentem que sua vida poderá ser a de “cuidadoras” dos bens da terra, do verde, da água, do meio ambiente. Mas também cuidadoras dos irmãos mais simples, dos que não têm vez nem voz, dos que vivem nas trevas de um mundo louco consumista, materialista, imediatista. Pessoas cuidadoras da vida, da fragilidade da vida da criança que ainda não nasceu e do velho que precisa morrer com dignidade.

Frei Almir Ribeiro Guimarães


FONTE: http://www.franciscanos.org.br/n/

28 de julho de 2012

Ordem Franciscana Secular: Vigoroso laicato na terra dos homens



Muitos temas têm ocupado a atenção dos franciscanos seculares nos últimos tempos em diferentes níveis da Ordem: identidade franciscana secular, senso de pertença à Ordem, empenho de revigoramento das fraternidades locais, abertura à missão, preservação da natureza e tantos outros. A Ordem é dos leigos. Cabe-lhes tomar sua história em mãos e rasgar seu amanhã. Os franciscanos seculares não vivem à sombra dos frades. Têm sua caminhada própria, eminentemente laical. Há toda uma premente evangelização no mundo de hoje a ser desenvolvida e que só se realizará pelos leigos. Sua omissão será catastrófica. Nestes últimos tempos resolveu-se estudar mais de perto a questão do laicato franciscano e a significação da Ordem na Igreja local e no mundo em nossos tempos. Que significado tem, essa Ordem de cristãos leigos, no momento atual do mundo e da Igreja? Como se manifesta, de fato, a “secularidade” de seus membros? Vamos, pois, aqui, tecer, uma vez mais algumas considerações sobre a secularidade dos membros da OFS.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

1. É importante viver e viver densamente. Acordar de manhã, sentir as batidas do coração e atravessar o tempo da vida na alegria de acolher o borbulhar da existência: homem, mulher, trabalho, empenhos, filhos, projetos para viver em plenitude, sondando o mistério da existência e vislumbrando lá em seu interior Alguém que nos espreita e nos convida a viver em plenitude. Ser do Senhor. Mas também levantar os caídos, maravilhar-se com um ipê roxo todo florido e chorar a morte do rapaz que foi eliminado pelo tráfico. Vida, sempre de novo a vida. Nada de mediocridade, nada de “empurrar” a história para frente, nada de formalismos frios, nem de uma religião longe da vida e alienante, religião de sacristia, asséptica, tranquila, inofensiva. Felizes aqueles e aquelas que, na aventura da vida, são chamados a seguir Cristo Jesus. “Vem e segue-me!” Aqueles que carregam o frasco do perfume do Evangelho. São os bem-aventurados discípulos do Ressuscitado. Tentam ser luz do mundo e sal da terra e assim fazem sua parte, dão sua contribuição para que a terra seja mais parecida com o mundo que começou a existir com a paixão, morte e ressurreição do Senhor.

2. Sentir-se homem, sentir-se mulher, crescer, quebrar a solidão. Nascer no seio de uma família, sentir-se acolhido, amado. Não é bom que o homem viva só. E essa peregrinação do masculino para o feminino ocupa importante lugar na aventura da vida. Companheiros, amigos, confidentes, parceiros de uma história. Um homem e uma mulher, dois que constituem uma comunidade de vida e de amor, respeitosa, amorosa. A proximidade dos corações, o encontro dos corpos. Tudo isso vivido sob o olhar do Senhor. Marido e mulher que refazem em suas vidas a aliança entre o Esposo no alto da cruz e sua Igreja. No casal cristão está a origem de uma família cristã. Ali, no tecido do cotidiano, se refaz uma evangelização que se tornou impossível no mundo da indiferença. A evangelização da vida e na vida… Os pais transmitem, mesmo com toda dificuldade exterior, um estilo de viver aos filhos, um modo de habitar o mundo, uma maneira de atravessarem a existência sem que fiquem arranhões demais, para que os filhos não sejam vazios, que possam escutar o ecoar do chamado de Deus no seu coração de jovens. Os pais são os primeiros evangelizadores dos filhos. Não é esta a missão dos leigos franciscanos em suas famílias?

3. Aí estão, pelo mundo afora, esses milhares de franciscanos seculares. Seu habitat é o mundo, a cidade, o campo. Não vivem em primeiro lugar nos espaços reservados para o sagrado e para celebração do culto. São do mundo, vivem no mundo, transformam o mundo, evangelizam o mundo, sofrem no mundo, se alegram no mundo. Mundo aqui não quer dizer a ordem de coisas que vai contra a vontade de Deus, esse mundo do inimigo. Os cristãos são do mundo, sem serem do mundo. Jesus dizia que os seus não eram desse mundo mau. O mundo em que vivem os leigos é essa realidade boa que saiu das mãos de Deus: sol e lua, água e fogo, vida de todos os dias, cotidianidade, homem e mulher. Sentem os franciscanos seculares que precisam “dominar a face da terra”. Alguns campos de atividade lhes são próprios: família, trabalho e organização da pólis ( política). Sentem eles que seu lugar se situa nas praças e no trabalho, nas fábricas e campos, nos jornais e nas emissoras radiofônicas. Com Francisco contemplam esse mundo que saiu das mãos de Deus e que era “muito bom”. São apaixonados e fascinados pelo Evangelho, a ponto de fazerem uma profissão de segui-Lo por toda a vida. Estão por ai: são pais e mães com filhos pequenos, são jovens e adultos, vivem o matrimônio, educam os filhos, carregam peso do trabalho, enfeitam a terra, cantam o sol que chega e se encantam com a água mansa que desce pedras abaixo. São balconistas, frentistas, médicos, escritores, marceneiros, fisioterapeutas, advogados, mecânicos. Seu lugar primeiro e preferencial são os caminhos pisados pelos homens, a cozinha da casa, o hospital para onde levam seus familiares, a tribuna de uma câmara de vereadores. São biscateiros, empregadas domésticas e professores. São leigos cristãos que se vestem com as cores de Francisco e de Clara, no meio do mundo. Vão pelo mundo sem perder o espírito da devoção e da santa oração.

4. Frei Jorge Peixoto, OFMConv, argentino, no VIII Congresso Latino-Americano OFS/JUFRA (maio de 2012) dizia: “Queremos recordar o fato de que Francisco descobre Deus no mundo, no abraço dado a um pobre excluído, desprezado e miserável, no encontro com a miséria social que se manifesta na pessoa do leproso. Francisco rompe com um certo tipo de mundo: o mundo marcado pela exclusão e pela crueldade, que produz sempre novos leprosos. Entra neste mundo a partir de um outro lugar, a partir de um mundo marcado pela misericórdia e ternura de Deus que se manifestou na pobreza e na humildade de Jesus, que resgata o homem e todas as criaturas, colocando-as no centro de seu amor”. Sim, no dizer de João, Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único. Continua Frei Jorge Peixoto: “Essa vocação secular da espiritualidade franciscana nem sempre se manteve ao longo da história. Bem lá no começo apareceram correntes que conseguiram seguir outros modelos mais tradicionais. A separação do mundo e das pessoas do mundo foi se acentuando, criando uma distância da vida corrente de dada dia. A clericalização da vida dos frades e de muitos leigos nos foi distanciando do mundo secular. Alguns irmãos seculares se reuniam em associações piedosas, sem maior influência sobre a sociedade”.

5. Há muito se fala que vivemos a “hora dos leigos”. A OFS é uma escola de formação de um laicato maduro. O texto normativo da vida dos leigos é a Regra com suas orientações, suas insistências e sua força: leigos que não sejam superficiais na oração, que não se contentam com uma vida salpicada aqui e ali de um pouco de água benta. Gente que escuta a Palavra, se se forja pela Palavra, que passa do Evangelho para a vida e da vida para o Evangelho, pessoas que vivem da Eucaristia, dessa Eucaristia quase cotidiana que faz deles não apenas leigos ativistas que correm de um lado para o outro, mas homens e mulheres profundos, gente que não se deixa encantar pelo consumismo e pelo fascínio das coisas que brilham e passam. Insistimos: não se trata de convidar os leigos a correrem de um lado para o outro no ativismo que a nada leva.

6. Tomo a liberdade de transcrever umas linhas magistrais de Michel Hubaut que exprimem bem a ação do franciscano no mundo: O franciscano “é um cristão que tem necessidade do apoio de uma fraternidade de irmãos e irmãs para enraizar seus compromissos e amadurecer os compromissos mais diversos na luta contra toda forma de injustiça, de violência, de racismo, de desrespeito pela vida, pelas pessoas e pela criação e para concretizar a paixão pela paz. É um cristão cuja alegria manifesta que o Evangelho é caminho de humanização…”. Típico do franciscano secular é viver em fraternidades e a partir do mistério da koinonia ir pelo mundo.

7. Leigos franciscanos que vivem a experiência da fraternidade. Na mesma linha vai Frei Jorge Peixoto: “Uma fraternidade tem coração e não somente projetos e tarefas para realizar. A porta de ingresso na fraternidade não pode ser nem a razão nem o interesse, porque estaríamos realizando mais uma empresa do que uma fraternidade. O sentimento, a capacidade de sentir-se tocado pelo outro, de comprometer-se com ele sem possuí-lo nem humilhá-lo são conteúdos normativos de uma relação fraterna. Admitir que a prioridade da bondade e do cuidado que se funda na bondade original de Deus deve organizar o pensamento e a expressão humana não significa deixar de trabalhar e de atuar no mundo… Ao contrário, impulsiona a um modo de ser novo que renuncia a todo tipo de poder de dominação que reduz os outros em objetos sem história e sem sentimentos. Admitir a prioridade do cuidado e da bondade faz com que o encontro humano tenha valor e que valha a pena conviver. O cuidado se expressa na categoria do irmão guardião, como aquele que guarda e serve os irmãos, o que se desvela desinteressadamente, que se faz menor e disponível, e ao mesmo tempo designa uma atitude fundamental ou modo de ser que possibilita uma existência nova”.

8. A formação no seio das Fraternidades se encarregará de levar os seus a uma profunda experiência cristã e franciscana: assim eles poderão mostrar um estilo de vida cristã no comer, no comprar, no vender, do lazer, no labor, na dor… A fonte é sempre essa experiência crística. Os leigos deverão poder dizer: “Vimos o Senhor!” E franciscanos dirão: “Convivemos com um Senhor que nos ama e se nos manifestou no rosto do servo Jesus, daquele que não tinha uma pedra para reclinar a cabeça, daquele nos encantou com sua pobreza e dependência de tal forma que nós nos apaixonamos por ele e por seu estilo de vida despojado. Assim também nosso viver é despojado”. Assim, a vida leiga é perpassada da presença do Senhor. Um fiel leigo que vive cada passo de sua Regra se dispõe a ser um leigo pregador pelo seu estilo de viver, pelo seu estilo de usar a água, de conviver, de partilhar, de se vestir com beleza, mas com simplicidade. Será que os franciscanos seculares deixam transparecer tudo isto?

9. Em Discurso numa assembleia pastoral da Itália, o Cardeal Diogini Tettamanzi afirmou: “Urgente acelerar a hora dos leigos, retomando o esforço eclesial e secular sem o qual o fermento do Evangelho não pode atingir os contornos e meandros da vida cotidiana, nem penetrar os ambientes fortemente marcados pelo processo se secularização (…). Necessário se faz criar nas comunidades cristãs espaços em que os leigos possam tomar a palavra, comunicar suas experiências de vida, exprimir seus desejos, suas descobertas, seu pensamento a respeito do que vem a ser cristão no mundo. Somente desta maneira poderemos criar uma cultura que seja atenta às dimensões cotidianas do viver. Por isso, urgentíssima uma formação dos leigos que leve em consideração seu crescimento espiritual e intelectual, pastoral e social, fruto de um novo estágio formativo para os leigos e com os leigos, formação que leve à maturação de uma plena consciência eclesial e os habilite a um eficaz testemunho no mundo. Estes novos programas requererão formas de espiritualidade típicas da vida laical, para que encontro com o Evangelho gere modelos capazes de serem propostos por sua beleza”. As Fraternidades franciscanas seculares, custe o que custar, terão que ser escola de leigos capazes de escreverem a historia de suas vidas no meio do mundo com “seu estilo de habitar o mundo”. O Cardeal italiano diz alguma coisa muito simples e fundamental: escolas de formação de leigos que os habilite a dar um testemunho no meio do mundo. Não é essa a missão da formação na Ordem de leigos dos franciscanos? Esta é nossa prioridade, e não em primeiro lugar fornecer agentes para funções litúrgicas e pastorais. Os franciscanos leigos bem formados serão uma presença significativa na Igreja local.

10. Tenho receio de não ter respondido ao tema que quis abordar pensando no Capítulo Nacional da OFS do próximo mês de agosto. Que sugestões práticas vêm à mente quando pensamos no tema do laicato franciscano? Que todos aceitem estas considerações finais:

A história da Ordem Franciscana Secular (Ordem Terceira) teve páginas brilhantes escritas por leigos. Há esses leigos cujos nomes não são mencionados, terceiros anônimos. e que temos a certeza de terem sido cristãos leigos e de muito valor. Alguns são conhecidos internacionalmente: Frederico Ozanan, Raimundo Lullo, Zilda Arns, Giorgio La Pira, Léon Harmell. Recentemente encontrei mais uma vez um nobre frade menor, Mario Cayota, franciscano uruguaio que foi mesmo embaixador de seu país na Santa Sé. Não quero apenas me referir a nomes conhecidos. Há muitos outros leigos admiráveis que viveram escondidos nas Fraternidades. Cada Fraternidade deveria fazer a crônica de seus santos leigos.

• Nossas Fraternidades serão espaços de reflexão séria sobre os grandes problemas que os leigos vivem e sobre os campos de ação. A formação se encarregará de ajudar os irmãos a habitarem franciscanamente a Igreja e o mundo. Quais são esses problemas? Entre outros: indiferença para com a fé, vivência de um cristianismo sentimental, confusões de gênero, sociedade hedonista, meios de comunicação e mídia, deslocamento geográfico das pessoas, questionamento de uma pastoral meramente conservadora sem a chama evangelizadora.

• Constato que, nos últimos tempos, Capítulos e Congressos dos seculares insistem na questão da família. Uma das prioridades da Ordem é precisamente o tema da família. Pensamos em primeiro lugar que homens e mulheres, casais franciscanos, reavivem chama de seu amor conjugal, acendendo as graças do sacramento do matrimônio, que não levem uma vida conjugal medíocre, que vivam uma espiritualidade conjugal e familiar franciscana. Nossas famílias são o primeiro espaço da nova evangelização e constituem o primeiro momento do discernimento vocacional. Elas podem ser um lugar de gestação de uma nova cultura cristã, do nascimento de um olhar cristão sobre a caótica realidade que vivemos. Este é um papel importantíssimo da família e, nosso caso da família dos franciscanos seculares.

• Os livros de formação da OFS deverão ser fortemente marcados pelo método do ver, julgar, agir. Não se trata apenas de encher a cabeça de ideias, mas de olhar critica e cristãmente a realidade.

• No momento atual será de fundamental importante, sobretudo no caso dos formandos, que sejam levados a viver uma intensa espiritualidade franciscana, base de seu amanhã na Ordem.

• Na medida do possível, e em estreita união com a pastoral local, os franciscanos seculares poderão dar sua contribuição específica na evangelização das famílias.

• Aos poucos precisamos ver serem multiplicadas fraternidades mais simples, mais flexíveis, mais verdadeiras.

Terminamos nossas reflexões, mais uma vez, dando a palavra a Michel Hubaut: “Irmãos e irmãs de São Francisco, temos um papel original a desempenhar nesse futuro que devemos construir com todos os homens de boa vontade acentuando a prioridade das pessoas no seio da Fraternidade universal; manifestando a novidade do Evangelho, fonte de felicidade, encarnando, no cotidiano dos relacionamentos o amor salvador de Cristo. Esforçando-nos para sermos testemunhas da liberdade interior no Espirito; recusando a ditatura do dinheiro e a pauperização de dois terços do planeta. Construir um futuro maravilhando-nos da beleza da criação e promovendo um desenvolvimento humano durável; apaixonado pela paz e pelo diálogo entre as religiões; fiéis a uma Igreja muitas vezes pecadora e por vezes luminosa”.

O laicato escuta as batidas do coração do Senhor no meio do mundo.

Questões:

1. Nossas fraternidades locais exprimem, de verdade, o carisma de Francisco na Igreja?

2. Procure traçar o perfil do franciscano leigo secular.

3. Bem praticamente o que significa evangelizar a família hoje?

Frei Almir Ribeiro Guimarães


FONTE: http://www.franciscanos.org.br/n/

27 de julho de 2012

A vida consagrada na Igreja local

Pequena teologia da VR na Igreja “neste lugar”

Nossa “janela” se abre para a diocese, para a Igreja local e para os religiosos que aí vivem. Alphonse Borras, sacerdote diocesano de Liège, Bélgica, canonista, escreveu um calmo e sólido artigo em torno redimensionamento da vida religiosa. Aborda de modo particular o papel da vida consagrada na Igreja local (Vie Consacrée, n. 71, 1999). Abrindo a “janela”, tentamos ver o sentido da vida religiosa na Igreja local. Como nos situamos na Igreja local? Como o bispo do lugar vê nossa presença? Que expressão temos na Igreja que está “neste lugar?”

Vivemos em Igreja. Somos cristãos, de modo especial da Igreja local. A Igreja é obra do Espírito. Ali encontramos variedade de vocações e serviços sempre tendendo à unidade. Felizes as dioceses que contam com casas de religiosos e religiosas que vivem a alegria de sua consagração. Sua presença enriquece a vida da diocese. Sua ausência constitui sempre um vazio.

No seio da Igreja local, entre os batizados, algumas pessoas decidem “viver somente para Deus”.

Enquanto todos os batizados, conjuntamente, dão o testemunho da Boa Nova na história dos homens, no intuito de levá-los à plena realização, ou seja o “Reino de Deus” alguns são chamados pela Igreja para se “gastarem” no anúncio do Evangelho, na edificação das comunidades e na realização da missão.

Há ainda batizados que optam por “fazer profissão” dos conselhos evangélicos que podem explicitar a radicalidade do evangelho e a urgência do Reino. Eles lembram que tudo passa. Antecipam livremente uma tríplice morte das quais ninguém escapa: o abandono das riquezas, da esposa (esposo) e dos filhos, bem como todo “domínio” sobre seu destino. Apontam, desta forma, para a força da ressurreição, a acolhida de uma plenitude de vida, a felicidade de serem amados de graça. Lembram a todos, serenamente, que Deus pode cumular plenamente uma existência. “Deus basta”. Aceitam, assim, o alegre risco de uma vida totalmente entregue ao serviço de Deus, “ao louvor de sua glória”. Um vida “religiosa”.

Cristo, através do Espírito, quis visitar nossa humanidade, tomar parte em nossa condição humana para que pudéssemos participar de sua divindade e abrir a história dos homens à sua Aliança. A opção dos religiosos por Deus constitui precisamente uma consagração particular que tem íntimas raízes na consagração batismal e a exprime com mais plenitude.

Pode-se, assim, mensurar a tríplice dimensão profética, fraterna e escatológica da vida consagrada: ela é anúncio radical da Boa Nova, ela é realização humilde, mas resoluta, da fraternidade e prelibação do que esperamos, permanecendo vigilantes na fé. Se os fiéis cristãos leigos são convocados a testemunhar a graça do batismo e que o ministério dos bispos, com a ajuda dos padres e dos diáconos, apoia esse testemunho e ajuda a se enraizar no Cristo e a se abrir ao Espírito Santo, a vida consagrada incita os cristãos e seus pastores a levar a sério o Evangelho: a vida consagrada, por sua existência na Igreja se coloca a serviço da consagração da vida de todos os fiéis leigos e clérigos.

Desde o período da implantação da Igreja, a vida consagrada foi tida como um dos critérios para se tenha uma Igreja local de pleno direito. Além disso, sua presença enriquece a catolicidade da Igreja realizada em um lugar. Não somente ela a completa, mas serve-lhe de estímulo. Na diocese, ela exerce o papel de catalizadora da santidade de todos os batizados, inclusive pastores e ministros. Presidindo a Igreja em um lugar, o bispo diocesano protegerá e promoverá esse dom. Isso ajudará a revigorar a santidade do povo de quem ele tem o encargo pastoral. Será solícito em fazer com que seja conhecida e apreciada a vida consagrada junto aos fiéis e ao clero. Ressaltará a importância dos institutos de vida consagrada presentes em sua diocese. Fará de sorte que as obras desses institutos sejam colocadas a serviço do crescimento dos fiéis. Por isso, um “diálogo cordial e aberto” entre o bispo diocesano e os superiores dos institutos de vida consagrada será a garantia de uma boa inserção na diocese e de colaboração fecunda a serviço do Evangelho.

Considerações

• A diocese, a Igreja que está em um lugar, presidida pelo bispo só tem a ganhar com a presença estimulada, vigorosa, clara e expressiva de homens e mulheres límpidos, chamados religiosos;

• Desde sempre a Igreja se tornou mais rica com os carismas dos religiosos e das religiosas, pessoas para as quais Deus basta;

• Sua sadia distância do poder, do dinheiro, do protagonismo e da tirania da eficiência faz dos religiosos seres simples que embelezam uma diocese e sejam profetas de um mundo que está para vir;

• Entre todos os carismas acolhidos pela Igreja parece importante que a vida dos contemplativos, nesse mundo de correria, superficialidade e ruídos é importante para dar vigor à Igreja diocesana.

Questionamento:

1. Até que ponto, nós religiosos, sentimos que estamos revigorando a Igreja local?

2. Até que ponto os bispos estão, de fato, clamando por uma presença dos religiosos em suas dioceses?

Frei Almir Ribeiro Guimarães

Fonte : http://www.franciscanos.org.br/n/

25 de julho de 2012

REFLEXÃO : "Amor"


“Grava-me, como um selo em teu coração, como um selo em teu braço; pois o amor é mais forte que a morte” (Ct 8,6).

O amor é eternidade; a morte, passagem. O amor é plenitude; a morte apenas um momento. O amor conduz; a morte apenas interrompe… O amor é chama divina, é poder que faz o tempo acelerar quando é espera ou parar quando é encontro. O amor é eternidade acontecendo num momento, pois transcende tempo e espaço…

Fomos criados pelo poder do amor de Deus e neste amor infinito somos sustentados para uma experiência sempre mais profunda, mais grandiosa… Quem ama verdadeiramente quer o bem dos seus amados, quer o céu aqui na terra, quer a vida triunfando sobre a morte. Então, comece a semear, a plantar, a edificar uma vida grandiosa na experiência divina do amor!


Frei Paulo Sérgio


24 de julho de 2012

Abeirando-nos do mistério da vocação - Animação e promoção vocacional para a OFS



Animação e promoção vocacional para a OFS

1. Quando fazemos um retrospecto de nossa vida humana, cristã e franciscana, damo-nos conta de que um fator decisivo e cheio de consequências para todo o tempo de nosso existir foi o do discernimento de nossa vocação. Mais do que isso: da aceitação da vocação, da resposta a um apelo que nos veio do mistério da vida e do mistério de Deus. Nem sempre conseguimos verbalizar os acontecimentos e encadear dos fatos que nos levaram a ser cristãos, optar pelo casamento ou ingressarmos no caminho franciscano. Pensamos na escolha do casamento. Um rapaz se encontra com um mulher… uma mulher se detém num determinado homem e, aos poucos, optam pelo casamento. Um rapaz e uma moça, um homem e uma mulher, na sua juventude fazem profundas experiências de Deus e desejam seguir o Senhor e querem ser cristãos. Convivendo com frades, morando perto de ambientes franciscanos, uns e outros, num determinado momento da vida, quisemos seguir os passos de Cristo à maneira de Francisco. Penso aqui mais particularmente nos membros da terceira Ordem secular. E para podemos falar de vocação, num sentido mais pleno e espiritual, dizemos a vocação é um dom de Deus. Por isso nos abeiramos com imenso respeito do tema da vocação e é a partir deste pano de fundo que abordamos a questão da animação e promoção vocacional para a OFS.

2. Uma das mais constantes preocupações dos responsáveis pela Ordem dos Frades Menores e da TOR, bem como dos conselhos das Fraternidades Seculares é a de promover e descobrir novas vocações. Muitas Fraternidades seculares estão reduzidas a poucos irmãos e irmãs, muito deles envelhecidos, dependendo do carinho do serviço dos enfermos e idosos. Há Fraternidades seculares que há muitos anos não têm iniciantes e formandos. Diante desse quadro insiste-se muito na promoção vocacional. O que é justo. Realizam-se aqui e ali encontros ditos vocacionais com franciscanos das diversas Ordens, constando de palestras, momentos cênicos, cantos, DVSs. As Fraternidades locais ou os Distritos mostram-se contentes quando podem realizar tais encontros. Por mais necessária e oportuna que seja a propaganda vocacional, em termos de encontros, deve-se dizer que a problemática é mais profunda e bem mais ampla. Com toda evidência essa “promoção” vocacional é um começo. Deve ser feita. Mas precisa se realizar com bom senso, critério e discernimento. Não basta apenas momentaneamente emocionar as pessoas. Será preciso um tempo para tocar-lhes as fibras mais íntimas.

3. Como pano de fundo de nossa reflexão sirva este texto do Documento de Aparecida: “O caminho de formação do seguidor de Jesus lança suas raízes na pessoa e no convite pessoal de Jesus Cristo, que chama os seus pelo nome e estes o seguem porque lhe conhecem a voz. O Senhor despertava as aspirações profundas de seus discípulos e os atraía a si maravilhados. O seguimento é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo a quem reconhece como o mestre que o conduz e acompanha” (n. 277). Em outras palavras, a vocação é um momento único e fundamental daquele que tem nos olhos o olhar de quem o ama. A vocação não nasce de efeitos sonoros e visuais midiáticos. Ela é um dom de Deus que pode ser acolhido ou não, no tempo, na humildade, no aconselhamento, na verdade.

4. Vivemos uma época de profundas transformações. Aqui e agora, não é o lugar de detalhá-las. Muitas paróquias estão se esvaziando. A pastoral faz o que pode. Conserva quanto pode. Há um desconforto de muitos que foram batizados na Igreja. Não sabem se creem, ou simplesmente se fazem parte de um “grupo” de Cristo, sem afinidades profundas e nem senso de pertença. Boa parte dos jovens faz sua caminhada sem uma convivência com Cristo. Nossas Provincias franciscanas do mundo desaparecem com fusões e redimensionamentos. Alguns de nossos contemporâneos manifestam desejo de busca do espiritual. Essa busca do espiritual por parte de muitos não seria o espaço de apresentar a vocação franciscana secular às pessoas?

5. Estamos todos convencidos de que é urgente, necessário, indispensável trabalhar as vocações que já existem. Não podemos irmãos e os que fizeram sua profissão devem encontrar a santidade, “a perfeição na caridade”. Não podem ser membros passivos de uma instituição na qual não encontram alma. Em outras palavras, se trata de revigorar os irmãos e irmãos e a vida franciscana, de modo particular, em nossas Fraternidades locais. O trabalhar as vocações já existentes consiste em fazer que todos valorizem o chamamento, a vocação. Não estamos na Ordem para cumprir um pequeno número de formalidades e de obrigações, mas porque fomos chamados. Os Conselhos locais sabem muito bem o que significa trabalhar as vocações que existem: verificar se os irmãos mergulham na oração, se já estão com alguns ou muitos traços do Cristo pobre e servo em seus rostos, se eles gostam de percorrer as Fontes Franciscanas e delas se impregnar, se andam preocupados em conviver franciscanamente, se aprenderam a ter uma intimidade pessoal com o Senhor, se aceitam com generosidade os serviços propostos pela Fraternidade e pela Igreja. Trata-se da qualidade da reunião, das propostas oferecidas ao crescimento dos irmãos, do despertar neles o senso missionário, dos empenhos da formação permanente. A melhor propaganda vocacional é uma Fraternidade que é animada pelo espírito de Cristo e que caminha pelas trilhas da espiritualidade franciscana.

6. Têm vocação para a Ordem Franciscana Secular as pessoas que querem (e precisam) fugir da mesmice e superficialidade. Importante prestar atenção ao que se passa à nossa volta. Michel Hubaut, franciscano menor francês, no prefácio de uma de suas recentes publicações assim se exprime: “No seio da mutação sociocultural emerge uma formidável expectativa espiritual, uma busca de autêntica espiritualidade, capaz de dar um sentido aos nossos compromissos humanos, de oferecer uma razão e uma maneira de viver, de reencontrar o laço que existe entre a fé cristã e a vida de todos os dias. Aprender a passar incessantemente do Evangelho para a vida e da vida para o Evangelho” (Chemins d’intériorité avec saint François, Ed. Franciscaines, Paris, 2012, p. 13). Por isso, nas reuniões da Fraternidade e nos encontros vocacionais esta plataforma precisa ser sugerida. As melhores vocações para a Ordem Franciscana Secular serão a de pessoas que estão cansadas de viver uma fé “tranquila” demais, pacata, sem fogo, feita de práticas mecânicas. Ressalto esse pensamento de Michel Hubaut: precisamos reencontrar o laço que une a fé cristã e a vida de todos os dias.

7. E estas pessoas sentem que estão sendo chamadas a dar um sentido aos seus dias, enquanto é tempo. Novamente Michel Hubaut: “Francisco nos convida não a formar guetos para iniciados, mas lugares de encontro, de diálogo e trocas fraternas onde cada um é acolhido como pessoa única, um dom de Deus; espaços fraternos onde cada um é convidado a dar o melhor de si mesmo, onde as pessoas se ajudam mutuamente a viver as exigências do Evangelho, a estarem sempre atentas aos “leprosos”, aos pobres e aos mais desamparados de nossos tempos” (p. 16). Assim, nossas Fraternidades serão espaços atraentes. Os que nelas penetram ganham a certeza de estarem sendo chamados porque ali se vive esse ir da vida para o Evangelho e do Evangelho para a vida. Na primeira e na terceira Ordem necessário criar o novo para que surjam vocações para esses tempos. Nos primeiros tempos de participação na Fraternidade essas pessoas deverão poder experimentar uma proximidade com Cristo.

8. As vocações para nossa Ordem são as que desejam espaço e meios para cultivar uma amizade pessoal com Cristo. No empenho de animar nossas Fraternidades haverá esse cuidado de levar os que estão e os que querem estar a terem suculentas experiências de Cristo: audição e leitura dos Evangelhos, participação consciente da eucaristia quase diária, esses encontros marcados com o Cristo “despedaçado”. As pessoas que podem querer entrar na Ordem são aquelas que a partir de um retiro, de um sofrimento, de um franciscano transparente querem subir o Tabor para ver o rosto transfigurado de Cristo, para dar-lhe um copo de água fresca num dia de sol e vesti-los depois da guerras e fracassos quando chegam cobertos de farrapos. E andar pelo mundo sendo instrumentos de paz. Não pode deixar de existir o “eis-me aqui, enviai-me”.

9. Vivemos um mundo de perplexidades. As instituições claudicam. Os cristãos se questionam. As certezas desvanecem. Os costumes parecem vazios. As tradições ou nos colocam num imobilismo ou as rejeitamos. De repente, uns e outros, nos sentimos perdidos e, ao mesmo, temos saudade do Mistério. As Fraternidades da Ordem Franciscana Secular serão espaços onde as pessoas possam se reconhecer nesse mundo que corre e se reconstruírem como pessoa, cristão, missionário e franciscano. Se nossas Fraternidades locais e regionais forem espaços de reconstituição do tecido esgarçado não teremos dificuldade em ter vocações. Não é lícito fazer promoção vocacional sem que nossas Fraternidades, sobretudo na formação, tenham condições de ajudar as pessoas a reconhecerem onde estão e a reconstruir sua biografia.

10. Seria importante que cada Fraternidade fizesse um sério exame a respeito de suas relações com a JUFRA. Esta, por sua vez, só tem interesse em viver com as Fraternidades. Deus nos ajude a ter Fraternidades de JUFRA onde os jovens possam discernir sua vocação.

11. Chegando a este ponto do texto a impressão que tenho é que nada foi dito, nada foi acrescentado de novo e, ao mesmo tempo, nas linhas e entrelinhas tudo foi dito. Tomo a liberdade de transcrever mais uma vez Michel Hubaut. O texto é um pouco longo mas diz o que é ser um leigo franciscano:

“ Um leigo franciscano é um cristão que sente um apelo de Deus para seguir Cristo, à maneira de Francisco de Assis por descobrir que sente uma cumplicidade espiritual com as intuições evangélicas de Francisco. É um cristão que sente uma convocação do Espírito para viver hoje o carisma franciscano necessário à vida da Igreja e do mundo. É um cristão que quer que façam parte de sua vida tempos gratuitos de oração para encontrar-se com Deus e Cristo e dar sentido à sua vida.

É um cristão que deseja fazer o aprendizado da vida fraterna com irmãos e irmãs, padres, religiosos, leigos casados ou solteiros, em reciprocidade vital.

É um cristão que tem necessidade do apoio de uma fraternidade de irmãos e de irmãs para poder deitar raízes e amadurecer seus diferentes compromissos na luta contra toda forma de injustiça, de violência, de racismo, de falta de respeito pela vida, pelas pessoas e pela criação para poder concretizar sua paixão pela paz.

É um cristão cuja alegria manifesta que o Evangelho é caminho de humanização porque Francisco faz com que o Evangelho cante e mostra que o seguimento de Cristo leva à verdadeira felicidade” (p. 18).

Sim, vamos com toda urgência organizar encontros, congressos, jornais de propaganda e promoção vocacional. Não esqueceremos, contudo, que a vocação é um mistério que vem do Mistério.

Questionamentos

1. O que mais chama sua atenção na leitura deste texto?
2. Que razoes daremos à uma pessoa para que ela pense em ser terceira franciscana?
3. Como trabalhar as vocações que existem, ou seja, como anima-las vocacionalmente?
4. O que significa fugir da mesmice, da mediocridade, da superficialidade na vida cristã e franciscana?Link


FREI ALMIR GUIMARÃES

EXTRAÍDO DE : http://www.franciscanos.com.br/n/

22 de julho de 2012

REFLEXÃO : "Semear flores"

“Mesmo que a maior angústia te visite e te acompanhe, não deixes que ela se reflita em teu rosto. Mundo agitado e triste precisa que leves contigo tua paz e tua alegria”. Dom Hélder Câmara.

A alegria da vida é viver e fazer coisas que valham a pena, é tornar produtivo todos os pontos áridos da terra. É enfrentar as dificuldades, dominá-las e reerguer-se, é tornar verdadeiro o que foi falso, e doce o que era amargo… pois só conhece a alegria perfeita aquele que de um pequeno pedaço de terra faz um solo mais rico do que era antes de começar o trabalho.

Então, diante dos obstáculos e dificuldades que lhes são apresentados, você deve ter sempre uma postura grandiosa: enfrentá-los, mostrar quão grande você e não temer perder batalhas… Em cada derrota você se erguerá ainda mais forte e será vitorioso na batalha final. Tenha fé em Deus, na vida e nas pessoas… Siga em frente semeando flores e cuidando dos jardins da vida!


Frei Paulo Sérgio

22/07 - Santa Cunegunda Rainha da Polônia


Virgem e religiosa da Segunda Ordem (1224-1292). Aprovou seu culto Alexandre VIII no dia 11 de junho de 1690. Canonizada por João Paulo II em 1999.

Santa Cunegunda nasceu a 5 de março de 1224. Foi uma alta expoente da nobreza húngara. Era sobrinha de Santa Edwiges e de Santa Inês de Praga; irmã das Bem-aventuradas Iolanda e Margarida; prima de Santa Isabel de Portugal; prima e cunhada da Bem-aventurada Salomé de Cracóvia; tia de São Luís de Tolosa.

Muito trabalhou para a canonização de Santo Estanislau e Santa Edwiges. Nasceu em 1224. Casou-se com Boleslau V, o Casto, príncipe de Cracóvia, em 1239, vivendo com ele durante 40 anos em virgindade: durante a vida do casal, o casamento nunca foi consumado por decisão do casal, para servir melhor a Jesus Cristo.

Cunegunda dedicou muita atenção aos pobres e desafortunados. Uma lenda associa-a à descoberta das minas de sal de Wieliczka, na Polônia e é representada nas mesmas minas de sal de Wieliczka como em visita com a família real. Após a morte do marido, em 1279, tornou-se Clarissa, no Mosteiro de Stary Sacz, fundado por ela e o marido em Sandeck, decidindo não querer ter qualquer papel na governação do reino e desfazendo-se de todas as suas posses materiais.

Ali, porém mais tarde, precisou aceitar o cargo de abadessa. Passou o resto da sua vida em oração contemplativa, não deixando ninguém referir-se ao seu papel anterior como rainha da Polônia. Morreu em 24 de julho de 1292, aos 68 anos. Foi declarada padroeira da Polônia e Lituânia pelo Papa Clemente XI em 1695. Foi beatificada em 1690 pelo Papa Alexandre VIII; e canonizada pelo Papa João Paulo II em Stary Sacz no dia 16 de Junho de 1999.

21 de julho de 2012

Amizades de São Francisco: Jacoba e Praxedes

Encontrar uma verdadeira amizade é, segundo as Escrituras, encontrar um tesouro. Na sua vida, São Francisco experimentou o significado de tão belo ensinamento. De fato, ele pôde contar sempre com a amizade de Clara, de Frei Leão, da senhora Jacoba, de Praxedes, etc.

Falaremos brevemente sobre a amizade de São Francisco com essas duas mulheres de Roma: Jacoba e Praxedes.
Jacoba de Settesogli
No Tratado dos Milagres, o Frei Tomás de Celano nos oferece algumas informações sobre esta amiga do seráfico pai: “Jacoba de Settesogli, ilustre, seja por sua nobreza, seja por sua santidade, na cidade de Roma, merecera o privilégio de uma afeição toda particular da parte do santo” (3Celano 37,1).

Estando gravemente enfermo, e sabendo que iria morrer em breve, o pai Francisco mandou escrever uma carta à Senhora Jacoba “comunicando-lhe que se apressasse, caso desejasse ver aquele a quem tanto amara, o exilado, que estava para retornar à sua pátria” (3Celano 37,3). Antes do mensageiro sair com a carta, chega uma comitiva com a Senhora Jacoba para visitar o santo. Ele se alegrou de tal forma que disse aos frades: “Bendito seja Deus, que nos enviou o nosso irmão, Senhora Jacoba! Abri as portas e introduzi-a, pois o decreto que proíbe a entrada de mulheres não vale para Frei Jacoba” (3Celano 37,8-9).
Um detalhe importante é descrito por Celano: “Tudo quanto a carta pedia que fosse trazido para as exéquias do pai esta santa mulher o trouxera. Um pano cinza para cobrir o corpo moribundo muitas velas, um sudário para cobrir o rosto, um travesseiro para a cabeça, e mesmo algumas iguarias de que o santo gostava. Tudo o que o espírito desse homem desejara Deus havia trazido” (3Celano 38,3). O biógrafo diz que a presença desta nobre senhora “deu mais força ao santo, e havia a esperança de que ele viveria ainda um pouco mais” (3Celano 38,6).
Poucos dias depois morre o santo pai. A senhora Jacoba permaneceu até os últimos momentos ao lado do amigo querido. Frei Elias, o Vigário de São Francisco, entregou o corpo do santo para que a distinta senhora pudesse contemplar melhor aquele que se tornara imagem de Cristo aqui na terra. Disse-lhe o Frei Elias: “Eis aqui, toma nos braços, depois de morto, aquele a quem amaste quando vivo” (3Celano 39,1b). E Tomás de Celano afirma que ela, afastando o sudário, viu as cinco chagas de Cristo esculpidas na carne do bem-aventurado pai, e que esta contemplação trouxe-lhe grande consolação.
São Boaventura nos conta que São Francisco, em certa ocasião, passando por Roma, deixou um cordeirinho aos cuidados da Senhora Jacoba, e que “o cordeiro, como se tivesse sido instruído pelo santo nas coisas espirituais, ligou-se à senhora como companheiro inseparável quando ela ia à igreja, quando lá permanecia e quando retornava” (LM 8,7).
Quando visitamos o sepulcro de São Francisco, podemos ver na mesma cripta o lugarzinho onde estão os restos mortais desta santa mulher tão dedicada ao Pobrezinho de Assis.
Praxedes
O Frei Tomás de Celano também nos informa que São Francisco foi amigo de uma eremita romana, chamada Praxedes. Era uma mulher que vivia na reclusão de uma pequena cela, dedicando-se dia e noite à oração, ao silêncio e à penitência.
No Tratado dos Milagres, Celano fala brevemente sobre esta mulher e de sua relação com o seráfico pai:
“Praxedes era muito famosa, tanto entre as religiosas de Roma quanto em todo o território romano, porque desde a mais tenra idade, por fidelidade para com seu Esposo e
terno, se recolhera numa cela estreita, já passados quase quarenta anos. Mereceu o privilégio de uma santa familiaridade para com São Francisco. O que este não fizera a nenhuma outra mulher, fez com ela, aceitando-a à obediência e concedendo-lhe, por piedoso devotamento, o hábit
o religioso, isto é, a túnica e o cordão”. (3Celano 181, 1-2).
Certo dia, sofrendo uma terrível queda, Praxedes teve vários ossos quebrados, ficando praticamente paralisada sobre o chão. Como a eremita não queria renunciar de nenhuma maneira o seu voto de perpétua clausura, mesmo sendo aconselhada por um cardeal, não aceitou a presença de outras pessoas que pudessem socorrê-la.
Então ela voltou-se para São Francisco e implorou o seu auxílio: “Ó santíssimo Pai meu, que em toda parte socorres com bondade às necessidades de tantos, que nem sequer conhecias quando vivo, por que não vens em auxílio desta infeliz, que, mesmo que indignamente, teve o privilégio da tua amizade, enquanto vivias? Realmente, faz-se necessário, como vês, ó Pai, ou mudar o meu voto, ou, então, sofrer o juízo da morte”. (3Celano 181, 8-9). Depois deste lamento, ela caiu num sono profundo e viu São Francisco que vinha até ela, dizendo: “Levanta-te, filha bendita, não temas! Recebe o dom da completa saúde e conserva inviolável o teu voto”. (3Celano 181, 11b-12). Assim, quando ela acordou, percebeu que estava totalmente curada, e pôde levantar-se e andar como antes.
Esta amizade, mesmo que descrita de forma muito breve por Tomás de Celano, parece ter sido intensa. Esta conclusão é confirmada pelas fortes expressões utilizadas pelo autor: “Mereceu o privilégio de uma santa familiaridade para com São Francisco”; e “Por que não vens em auxílio desta infeliz, que, mesmo que indignamente, teve o privilégio da tua amizade, enquanto vivias?”.
Através destes relatos podemos enxergar um santo que não teve medo dos mais nobres sentimentos humanos. Já estando liberto dos apegos egoístas, pôde cultivar nobres amizades que alegraram seu espírito até mesmo nos seus últimos instantes.
Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.

20 de julho de 2012

OS ÍCONES E AS IMAGENS - Final

Por Frei Vitório Mazzuco Fº.

O olho chega a sua oferenda sacrifical, de onde nascera uma segunda visão, a sobrenatural, que sublima, substituindo a simples visão corporal. É o olho interior, o olho do coração, o olhar dos místicos que percebem a luz divina.

Os valores mais propriamente religiosos e místicos do olho são numerosos e variados. A palavra ‘ayin’, olho, ocorrem 675 vezes no Antigo Testamento e 137 vezes no Novo Testamento o que marca a riqueza de suas significações simbólicas. Ele designa primeiro o órgão da visão modelado pelo Criador para o bem do homem e da mulher, pois “é uma alegria para o olho ver o sol”. Mas o olho é também um órgão do conhecimento que a Escritura
associa sempre a qualidade de sábio e prudente: assim Balaão, o adivinho cujo olho esta fechado para as realidades terrestres que o cerca, mas que se abre para o escondido e o invisível desde momento que ele encontrou o Todo Poderoso (Nm 25,25). O Senhor faz dele um vidente cego usando assim o tema de uma visão superior a visão corporal normal. Simbolicamente, o olho designa a consciência do humano que Javé abre para o conhecimento de sua lei.

Para o mundo bíblico Deus vê tudo, Ele é o Deus ao qual nada escapa. Sua soberania transcendente tem como característica a onividência. Seu olho divino é justiceiro, diante dele o justo poderá encontrar graça; é um olho paternal, o da providência divina. Mas qualquer que seja seu desejo o humano não tem a possibilidade de ver a Deus face a face, pois ninguém pode ver Javé sem morrer (Sl 42,3).

Diz o apostolo João: ”ninguém jamais viu a Deus”, mas Jesus prometeu àqueles que têm o coração puro verão a Deus (MT 5,8). Essa bem aventurança faz do olho o símbolo da pureza interior. A primeira pregação cristã insiste em mostrar a oposição entre os olhos da carne e os olhos de espírito, a seguir a física precedendo simbolicamente a abertura dos olhos do coração (At 9,18). A função do Filho é revelar seu Pai: “quem me viu, vê o Pai” disse Jesus a Filipe, mas no fim dos tempos a plena visão será dada a todos e “os olhos de todos contemplarão a glória de Deus assim como ele é” (Jo 14,9; 1Jo 3,2). O olho é a luz interior no humano iluminado, e o protótipo desse humano de luz é o “olho de luz”.

Em numerosas tradições filosóficas religiosas esse interior permite acesso a sabedoria. O olho da alma ofuscado pela luz da inteligência, se fixa na pura claridade; a alma vê então a luz que se encontra no interior de seu próprio olhar.

O olho interior só é órgão de sabedoria porque é capaz da própria experiência de Deus. Toda revelação se apresenta como um véu que se retira diante dos olhos para se ver a visão beatifica e a contemplação. Olho do coração é um tema freqüente na literatura espiritual e na arte. Não pode nem ver nem discernir seu objeto sem a luz, assim também a alma não pode contemplar a Deus sem a luz da fé, a única que pode abrir os olhos do coração. Para os padres do deserto o “homem inteiro, deve se tornar olho”.

No século X, Filóteo o Sinaíta, escrevia: “nos encontraremos a pérola do Reino dos Céus dentro do coração, se primeiro purificarmos os olhos de nosso espírito”.

EXTRAÍDO DE: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

19 de julho de 2012

REFLEXÃO : "Amizade"


“As mais bonitas sementes de uma amizade são plantadas em um coração puro onde horizontes não possuem barreiras e o infinito e apenas o começo!”
Gabriel Chalita.


Muitos dizem que quem encontrou um amigo encontrou um tesouro, muitos dizem que amizade verdadeira dura para sempre. Outros que as amizades nascem do acaso ou de alguma força que faz de, uma simples brincadeira, unir duas pessoas… e a cumplicidade vai ganhando corpo e o desejo de estar junto vai aumentando e, com ele, a sensação sempre boa de poder partilhar e de doar!

A muitos se diz que o amigo verdadeiro que se faz presente nos momentos mais difíceis da vida, naqueles momentos em que a dor parece querer superar o desejo de viver… amizade maior é aquela que o amigo seja capaz de estar ao lado do outro em todos os momentos, sem faltar com a verdade e sem faltar com a misericórdia que sempre acolhe!

Frei Paulo Sérgio

18 de julho de 2012

Quando o Senhor ocupa o espaço todo de uma vida

Centralidade da fé e conversão do coração (I)

Nos capítulos de nossa “leitura espiritual” deste ano de 2012, estamos refletindo sobre as fontes da espiritualidade e os fundamentos de nossa existência cristã (e franciscana). Os que se embrenham pelos caminhos do Senhor, aqueles que tentam viver “espiritualmente”, fascinados pela pessoa do Ressuscitado, experimentam a urgência de professar a fé no Filho de Deus que passa a ocupar todo o espaço de uma vida e a premência de seguir suas pegadas num alegre processo de conversão. Fé sólida sempre retomada e um incessante caminho de conversão podem proporcionar alegria ao discípulo e ao que resolve consagrar-se a Deus de maneira mais radical na vida consagrada. O que acontece quando o Senhor ocupa o espaço todo de nossa vida? O que significa a sequela de Cristo? Como se exprime nosso empenho de conversão? Encetamos a reflexão sobre o tema neste número de julho e continuaremos no mês de agosto.


1. Quando começo a digitar este texto tenho em mente rapazes e moças desejosos de sair da banalidade e da mediocridade e buscar as estrelas. Alguns pensam na vida de casamento e, outros, na consagração religiosa. No ardor de seus verdes anos, vejo-os a se lançarem na aventura cristã. Penso em noviços que estão se preparando para emitir seus primeiros votos, nos frades que optaram e optam pelo sacerdócio ministerial e querem ser sacerdotes segundo o Altíssimo. Tenho em mente homens e mulheres que desejam ser franciscanos continuando sua vida no mundo e vendo na família franciscana secular um seio que pode nutri-los e, assim, chegarem franciscanamente à santidade de vida. Imagino esses casais cristãos de bodas de prata ou esses religiosos que já passaram pelo meio-dia da vida. Até que ponto o Senhor ocupa ou ocupou o espaço todo de suas vidas? Até que ponto conseguiram ter em seu semblante traços do Cristo que andaram seguindo e perseguindo? Até que ponto conseguiram fazer com que o amargo se tornasse doce e o doce, amargo? Até que ponto os formadores se preocupam que esses novos membros tenham consciência de tudo isso?

2. “O coração da espiritualidade franciscana é este: a fé vigilante. Para além das ideologias, das sirenes que anunciam desgraças, dos slogans publicitários a respeito da felicidade, permanecer disponível à chamada de Deus, ao Espírito do Senhor. Projetar uma luz novamente sobre nossas fontes interiores. Escutar a Deus. Buscar a Deus. Deixar-se amar e modelar por Deus. Deixar-se levar novamente no meio da noite pela esperança que se estampou no rosto de Jesus. Acordar desta sonolência que se abateu sobre nosso mundo ocidental em toda a sua abundância. O projeto evangélico de Francisco se alicerça na fé. Uma fé que acredita que Deus é amor, que seu projeto sobre o homem dilata os nossos horizontes e que esta dependência de amor não aliena o homem, mas o liberta” (Michel Hubaut, El camino franciscano, p.21).

3. O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, carrega em si uma semelhança que, de modo algum, pode ser destruída ou suprimida por nenhuma ação humana. Ele é sempre um ser inquieto, que tem no peito um coração irrequieto. No homem a imagem de Deus é inalienável, mesmo se a semelhança seja contradita pelo não reconhecimento do Criador e pelas escolhas de morte que o homem faz não o levando em consideração os caminhos da vida. Essa imagem está sempre pedindo que o homem volte para Deus, que saia do estado em que vive como consequência de seu pecado, que abandone a mediocridade, que busque as alturas. Não podemos deixar de viver para o Senhor. Somos seres que temos saudade do encontro. Deus, seu lado, parece “não poder viver sem o homem”. O relacionamento entre o homem e Deus é de busca de um pelo outro, manifesta-se na nostalgia do encontro de um pelo outro. Cristo, o enviado querido do Pai, vem derramar o Espírito nos corações para que os homens voltem a Deus. E levando uma vida espiritual estamos sempre em movimento para o Pai.

4. A vida espiritual é um caminho de volta ao Pai, caminho que por vezes a criatividade humana descreve como ascensão para as alturas, escada que da terra chega a céu, passagem que precisa ser efetuada, itinerário a ser percorrido da dissemelhança até à conformidade com Deus, um retorno que se decide, um êxodo a ser vivido e que encontra seu termo em sua realização pascal na morte. O homem que caminha no Espírito (Gl 5,16), leva uma vida sob o signo do Espírito, aceita viver esta Páscoa na qual se oferece a si mesmo em holocausto a Deus e desta forma se encontra diante de Deus como Filho de Deus, vivendo a vida do próprio Deus (cf. Enzo Bianchi, La vie spirituelle chrétienne, in Vie consacrée, 2000, n. 1, p. 42-43).

5. Em Francisco há uma centralidade da experiência da fé. A leitura serena dos escritos do Santo de Assis, o teor de muitas de suas orações, exortações e cânticos de louvor revelam alguém que foi sendo cativado por Deus de tal maneira que o Altíssimo passou a ocupar todo o espaço de seu tempo, de seus trabalhos, de suas preocupações. “Nada mais desejemos, nada mais queiramos, nada mais nos agrade ou deleite a não ser nosso Criador, Redentor e Salvador, único Deus verdadeiro, que é o bem pleno, todo o bem, o bem total, verdadeiro e sumo bem….”. “Nada nos impeça, nada nos separe, nada se interponha entre nós; em qualquer parte, em todo o lugar, a toda hora, em todo o tempo, diária e continuamente creiamos todos nós de verdade e humildemente o tenhamos em nosso coração e amemos, honremos…” (Regra não bulada XXIII). Na vida do cristão, do franciscano, em qualquer parte e a toda hora, sempre a fé no Altíssimo. Não uma fé intelectual, mas aquela que se traduz numa amorosa e respeitosa entrega de vida. Em outras palavras, o fiel caminha à luz da Presença do Senhor, da fé: no seu ir pelo mundo, na maneira como celebra a Eucaristia, no jeito de habitar silêncio, no saborear o Ofício, no amigo e no inimigo, na saúde e na doença, na juventude e nos anos do inverno da existência. Em tudo isso a centralidade da fé: Deus que vai ocupando todos os espaços da vida de alguém. Viver como se estivessem vendo o Invisível.

6. Thaddée Matura, OFM, no seu O Projeto Evangélico de Francisco de Assis (Vozes/CEFEPAL), escreve: “Estudos feitos recentemente (H. Roggen) têm demonstrado que não foi nem a preocupação social, nem o desejo de reformar a Igreja, nem a vontade de opor-se aos hereges que deu origem à aventura espiritual de Francisco. Ele converteu-se a Deus, e antes que outros viessem a se reagrupar em torno dele, viveu sozinho. O elemento central e essencial de sua vida e de seu projeto (…) é a experiência de Deus que ele conquistou com longo e ardoroso esforço. A esta experiência tudo deve estar subordinado. Nada, nem serviço, nem trabalho, nem salário devem ser obstáculo. Quando se fala em evangelismo de Francisco, antes de pensar na pobreza, é neste radicalismo que é preciso pensar, porquanto só ele fundamenta tudo o mais. Jesus e seu Evangelho introduzem o homem neste inefável mistério que Francisco decanta no final da Primeira Regra (cap.23). O arrebatamento pelo mistério explica a importância da solidão, do elemento eremítico e o lugar que a oração deve ocupar na vida dos irmãos” (p.47-48).

7. Esta experiência da centralidade da fé na vida de Francisco e na vida dos seus seguidores é fundamental. “Convertei-vos e crede na boa nova” (Mc 1,15). Francisco em mensagem solene dirigida a todos os homens afirma: “Perseveremos todos na verdadeira fé e na conversão” (1Regra 23,7). Um pequeno fascículo publicado pela Cúria dos Frades Menores em Roma, sob o título A caminho …rumo ao capítulo geral extraordinário (2005), assim expressava o tema: “Ao centro da vida franciscana encontra-se a experiência da fé em Deus no encontro pessoal com Jesus Cristo. Sob qualquer aspecto que se aborde (oração, fraternidade, pobreza, presença no meio dos homens) todo o projeto evangélico remete-nos continuamente para fé. As recomendações incessantes da Regra sobre a busca de Deus e a primazia absoluta e única na vida dos frades, sobre a adoração e o amor que Lhe são devidos, sobre o seguir as pegadas de Cristo e sobre a vida segundo o Evangelho, sobre a abertura ao sopro soberanamente livre do Espírito ou sobre a oração prioritária e incessante; as motivações evangélicas propostas a todos os comportamentos dos frades (contemplação, jejum, oração, vestuário, pobreza, trabalho, mendicidade, alimentação), mostram que na base de uma tal vida existe uma experiência única de fé num Deus que é amor”.

8. Tudo pode mudar. Estruturas podem ser substituídas. Casas e obras não precisam se eternizar. Permanece, no entanto, a nossa fé no Deus e Pai de Jesus Cristo. A fé de que estamos falando não é conhecimento puro ou mera reflexão teológica, repetição de fórmulas, sistema ideológico, “teimosia” cerebral, mas uma descoberta, um acolhimento gradual e vivo da realidade de Deus e do homem à luz de Jesus Cristo. Esta fé, dom de Deus livremente aceito é o único fundamento sólido sobre o qual podemos construir uma vida de oração, de castidade consagrada, de fraternidade, de pobreza e de serviço. As pessoas que desejam viver de Deus na vida cristã, na vida consagrada precisam ter bem claro o que acaba de ser dito. Os que querem começar o noviciado, os que pedem a profissão, os que renovam seus compromissos no jubileu de vida consagrada colocarão a experiência da fé em Deus em primeiríssimo lugar. Os mestres avisados levarão os seus discípulos, sobretudo nos primeiros antes da profissão e depois dela, a viverem experiências de fé.

9. Falamos então de uma busca espiritual. A experiência de fé, por vezes designada não tão adequadamente, de dimensão contemplativa consiste na descoberta incessante desta dupla realidade, Deus e o homem, do vínculo indissolúvel entre os dois, do caminho que deve ser trilhado através do compromisso da conversão. Trata-se de tentar ir além daquilo que se vê, de ver o invisível atrás do visível. Esta experiência se faz no lusco-fusco da fé. Todos os dias… nas coisas cotidianas… e naquelas mais elevadas. Uma vida passada sob o olhar do louco amor de Deus. Uma vida de fé. Desejar o espírito do Senhor, deixar lugar para sua atividade em nós, orar com um coração puro, ter paciência nas contrariedades, amar o inimigo, ter sempre o espírito voltado para o Senhor. Em suma, centralidade absoluta de Deus.

10. Na Carta Porta Fidei, com a qual se proclama o Ano da Fé, Bento XVI escreve: “Desde o princípio de meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no início do pontificado, disse: A Igreja, no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto, para lugares de vida, de amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude (n.2).

11. Ora, essa centralidade da fé leva o discípulo ao seguimento de Cristo. Nesse caminho de volta ao Pai dá o chamado para o seguimento: “Vem e segue-me”. Esse palavra continua a ressoar na vida de tantos, como um chamado pessoal. Os que desejam levar uma vida espiritual não deixam que ela caísse no chão. Trata-se de identificar esse chamado como chamado para nós, apontando uma forma de seguimento de Cristo que me é pedida. Esse chamamento nunca é vago, mas pessoal, mesmo feito no seio da comunidade de fé. Elemento fundamental da vida espiritual é o seguimento de Cristo.

Questões:

1. O chamou sua atenção neste texto?

2. O que significa a afirmação de que Deus ocupa todo o lugar numa vida?

(continua no número de agosto de 2012)

Frei Almir Ribeiro Guimarães


EXTRAÍDO DE : http://www.franciscanos.org.br/n/

17 de julho de 2012

Bento XVI fala de São Francisco e São Boaventura


Bento XVI, após Visita Pastoral à cidade de Frascati, retornou a Castel Gandolfo de onde conduziu ao meio dia a tradicional oração mariana do Angelus.

Apresentamos as palavras dirigidas aos fiéis e peregrinos reunidos no pátio interno da residência pontifícia de Castel Gandolfo:

Queridos irmãos e irmãs!

No calendário litúrgico o dia 15 de julho faz memória a São Boaventura de Bagnoregio, franciscano, doutor da Igreja, sucessor de São Francisco de Assis na condução da Ordem dos Frades Menores.

Ele escreveu a primeira biografia oficial do Poverello, e no final da vida foi Bispo desta Diocese de Albano. Numa carta, Boaventura escreve: “Confesso diante de Deus que a razão que mais me fez amar a vida do beato Francisco é que ela se assemelha ao início e ao crescimento da Igreja” (Epistula de tribus quaestionibus, na Obra de São Boaventura, Introdução Geral, Roma 1990, p.29).

Estas palavras nos remetem diretamente ao Evangelho deste domingo, que apresenta o primeiro envio em missão dos Doze Apóstolos por parte de Jesus “Chamou a si os doze, e começou a enviá-los a dois e dois, e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos;

E ordenou-lhes que nada tomassem para o caminho, senão somente um bordão; nem alforje, nem pão, nem dinheiro no cinto; Mas que calçassem alparcas, e que não vestissem duas túnicas. (Mc 6, 7-9).

Francisco de Assis, depois de sua conversão, praticou ao ‘pé da letra’ este Evangelho, tornando-se uma fidelíssima testemunha de Jesus ; e associado de maneira singular ao mistério da Cruz, foi transformado num ‘outro Cristo’, como o próprio São Boaventura o apresente.”.

Toda a vida de São Boaventura, assim como sua teologia têm como centro inspirador Jesus Cristo. Esta centralidade de Cristo reencontramos na segunda Leitura da Missa de hoje (Ef 1, 3-14), o célebre hino da Carta de São Paulo aos Efésios, que inicia assim: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”.O apóstolo mostra então como se realizou este designo em quatro passagens que começam com a mesma expressão ‘Nele’, referindo à Jesus Cristo. ‘Nele’ o Pai nos escolheu antes da fundação do mundo; ‘Nele’ fomos redimidos mediante o seu sangue; ‘Nele’ nos tornamo herdeiros, predestinados a ser ‘louvor de sua glória’; ‘Nele’aqueles que crêem no Evangelho recebem o sigilo do Espírito Santo.

Este hino paulino contém a visão da história que São Boaventura contribuiu para difundir na Igreja: toda a história tem como centro Cristo, o qual assegura também novidade e renovação a todo tempo. Em Jesus, Deus disse e deu tudo, mas como Ele é um tesouro inexorável, o Espírito Santo jamais deixa de revelar e de atualizar o seu mistério. Por isso a obra de Cristo e da Igreja jamais regride, mas sempre progride

Querido amigos, invoquemos Maria Santíssima, que celebramos amanhã como Virgem do Monte Carmelo, para que nos ajude, como São Francisco e São Boaventura, a responder generosamente a chamada do Senhor, para anunciar o seu Evangelho de salvação com as palavras e antes de tudo com a vida.

15 de julho de 2012

São Boaventura - OS TRÊS CAMINHOS DA VIDA ESPIRITUAL

Da oração

Transcrevemos as considerações que o Doutor Seráfico faz a respeito da oração. Em nossa edição precedente nos detivemos no tema da meditação. Espero que os leitores desta Revista Eletrônica experimentem um prazer muito profundo em ler essas orientações tão profundas e elegantes de Boaventura. Ou seria perda de tempo ler estas páginas? Que influência podem elas ter em nossa vida de oração?

Da oração pela qual a alma deplora a própria miséria, implora a própria miséria divina e adora a Deus.

Depois de havermos explicado, como se chega, pela meditação, à verdadeira sabedoria, explicaremos como se alcança o mesmo resultado pela oração.

Na oração se distinguem três partes ou graduações: pela primeira se deplora a própria miséria; pela segunda se implora a misericórdia divina; e pela terceira se adora a Deus com o culto de latria. Não podemos, no entanto, prestar a Deus esse culto se dele não recebemos a graça necessária; e não poderemos obtê-la da sua misericórdia se não começarmos a deplorar nossa miséria e confessar nossa indigência.

Por conseguinte, em toda oração perfeita se devem encontrar estas três partes. Uma delas sozinha não basta, pois que uma só não é capaz de atingir perfeitamente o fim proposto; para isso é necessária a colaboração de todas.

Da tríplice deploração da miséria

A deploração da miséria, qualquer que seja esta – culpa cometida, graça perdida, ou celeste glória diferida, - deve-se compor de três elementos: dor, vergonha, temor. Dor, pelo dano e pelas inconveniências que resultam dessa infelicidade; vergonha, pelo opróbrio e mácula que a acompanham; temor, pelo perigo e pelo castigo que a devem seguir.

A dor origina-se da memória do passado, relembrando a alma – o que omitiu que foram os mandamentos da justiça; o que cometeu, que foram os atos proibidos; - o que perdeu que foram graças espirituais

A vergonha dimana do conhecimento do presente, notando a alma – onde está, que é em baixo e longe de Deus, quando estava no alto e perto dele; - como está, que é desfigurada pela lama do pecado, quando era uma formosa imagem (de Deus); em que condição está, que é a de escravidão, quando, antes, era a de liberdade.

O temor provém da consideração do futuro, prevendo a alma – aonde vai, que é ao encontro do inferno, para onde seus passos a conduzem com rapidez; - o que a espera, que é o juízo, ao tempo inevitável e justo; - o que receberá, que será o estipêndio da morte eterna.

Da tríplice imploração da misericórdia

A imploração da misericórdia, qualquer seja a graça que se implore, de ser feita – com intensidade de desejo, segundo nos inspira o Espírito Santo, que roga por nós com inenarráveis gemidos (Rm 8,26); - com firmeza de esperança, pois que nos assegura o deferimento Cristo, morto para nos salvar – com insistência no pedido, porque auxilia as nossas súplicas a intercessão de todas as boas almas.

A primeira nos é inspirada pelo Espírito Santo, porque por ele é que o Pai nos predestinou no Filho, desde toda a eternidade: por ele é que renascemos espiritualmente no batismo; por ele é que somos congregados de modo unânime da Igreja.

A segunda nos é assegurada por Cristo, porque na cruz ele se sacrificou por nós, neste mundo; porque diante da face de Deus Pai ele se apresenta por nós ( Hb 9,24) na glória do céu; porque como sacramento, ele é imolado pela santa Madre Igreja.

A terceira nos é ensinada pela comunhão dos santos, isto é, pelo patrocínio dos anjos que nos guardam, pelo sufrágio dos bem-aventurados que já triunfaram, e pelo merecimento dos justos que ainda combatem.

Quando estes três predicados se acham reunidos é que com eficácia se implora a misericórdia divina.

Da tríplice adoração de Deus

A adoração que se presta a Deus, qualquer que seja a graça recebida que a provoque, deve ter três qualidades, pois deve nascer em um coração que, para merecer a graça, saiba curvar-se com reverência e amor diante de Deus; saiba dilatar-se de benevolência e gratidão; saiba elevar-se àquela complacência e mútua comunicação própria dos esposos, como ensina o Espírito Santo no Cântico dos Cânticos e nisto se haver com reta ordem de modo a alcançar a maravilhosa alegria e o júbilo que, arrebatando a alma, a fazem exclamar: Como é bom ficar aqui (Mt 17,4). Este deve ser o termo da nossa oração e antes de atingi-lo não devemos desistir, pois este é o centro do tabernáculo admirável, a casa de Deus, o lugar onde ressoa com regozijo a voz do anfitrião” ( Sl 41,5).

Para suscitar o respeito, admira a imensidade de Deus, e contempla a tua pequenez. Para excitar a gratidão, observa a dignidade de Deus e examina a tua indignidade. Para exaltar a complacência, reflete no calor da divina caridade e na tua frieza para com Deus.

Aliás, é preciso saber que devemos mostrar a Deus reverência porque ele a merece por três títulos: primeiro, como Pai, pelo qual fomos formados, reformados e educados; depois, como o Senhor, pelo qual fomos livrados das fauces do inimigo, resgatados do cárcere do inferno e levados à vinha do Senhor; enfim, como Juiz, diante do qual somos acusados, convictos e confessos; acusados pelo brado da consciência, convictos pela evidência da vida pecaminosa, confessos ante a visão da divina Sapiência; por tudo o que deve, segundo o direito, ser pronunciada sentença contra nos.

Assim sendo a primeira reverência que prestamos a Deus deve ser grande, a segunda maior; e a terceira, a máxima; a primeira, ao modo de inclinação, a segunda ao de genuflexão e a terceira, ao de prostração. Na primeira nos consideramos pequenos; na segunda, mínimos; na terceira, nulos.

Igualmente devemos, de três maneira, manifestar a Deus nossa gratidão: grande, maior e máxima; grande em consideração da nossa indignidade; maior em atenção à magnitude da graça, e máxima em vista da imensidade da misericórdia divina. Grande pelas coisas que nos deu; maior pelas que nos perdoou; máxima pelas que nos prometeu; - a dádiva com a natureza, o perdão, com a graça, - a promessa, com a superabundância dos dons espirituais. Esse sentimento deve, sucessivamente, encher, dilatar e, enfim, transbordar o nosso coração.

Também de três modos havemos de manifestar a nossa complacência com Deus: primeiro, sabendo que só em si ele se compraz; segundo, procurando agradar só a Deus; e, terceiro, desejando que todos partilhem estes modos de ver. O primeiro modo é grande, é o do amor gratuito, e por ele o mundo é crucificado para o homem; - o segundo é maior e é o do amor devido a Deus, e por ele o homem é crucificado para o mundo – o terceiro é o máximo, é o amor composto dos dois precedentes,e por ele o homem é crucificado para o bem do mundo, isto é, dispõem-se a morrer por todos para que todos agradem a Deus.

Este é o estado da perfeita caridade e antes de atingi-lo ninguém se considere perfeito; pois só atingimos esta perfeição quando não só estamos resignados a morrer, mas também desejamos avidamente morrer para a salvação dos nossos próximos, conforme o que dizia São Paulo: De boa vontade darei tudo o que é meu e me darei a mim mesmo para a salvação de vossas almas” (2Cor 12,15).

A este perfeito amor do próximo só se chega depois de haver chegado ao perfeito amor de Deus, por cujo amor se ama ao próximo, que só em Deus pode ser perfeitamente amada.

São Boaventura, Doutor Seráfico


Profundidade de pensamento filosófico e fecundidade das obras na vida de um devotíssimo Doutor da Igreja


No dia 15 de julho de 1274, aos 53 anos de idade, após receber a Extrema Unção das mãos do Papa Gregório X, falecia em Lyon (França) São Boaventura, íntimo amigo de São Luís IX, Rei de França, de Santo Anselmo e de Santo Tomás de Aquino.

Nasceu ele em 1221, em Bagnoregio, cidade da Toscana que pertencia então aos Estados Pontifícios. Aos quatro anos de idade, caindo gravemente enfermo, sua mãe, Rebela, levou-o a São Francisco de Assis, implorando sua intercessão. O Poverello tomou o menino nos braços e o abençoou. Tendo-o curado milagrosamente, devolveu-o à mãe, dizendo: "ó buona ventura" . Assim passou a ser chamado, não obstante ter sido João seu nome de batismo. A mãe, em reconhecimento, consagrou-o a Deus pelo voto de fazê-lo ingressar na Ordem Franciscana.




"Nele, Adão não pecou"

Efetivamente, aos 21 anos ingressou na Ordem de São Francisco, demonstrando desde logo grande fervor.

Dois anos depois era enviado à Universidade de Paris, para completar seus estudos sob a orientação do grande mestre Alexandre de Hales. Este, vendo como, em meio à multidão de estudantes, o novo aluno conservava a alma tão pura, dizia com admiração: "Nele, parece que Adão não pecou" .

Teologia do Amor

No campo da produção intelectual deixou vasta obra teológica, bíblica e ascética. Costuma-se dizer que enquanto Santo Tomás cultivou o amor da teologia, São Boaventura cultivou a teologia do amor.

São Luís IX, o Rei cruzado, tinha particular estima por São Boaventura. A seu pedido, o Santo compôs um ofício da Paixão de Jesus Cristo. Redigiu também uma regra para um convento, fundado por Santa Isabel, irmã do rei.

Em 1257, com apenas 36 anos de idade, foi eleito Mestre Geral da Ordem de São Francisco, que contava mais de 20 mil membros, em cerca de mil conventos por toda a Europa. Ocupou este importante cargo durante 17 anos.

Devoção à Virgem

São Boaventura discorreu magistralmente sobre a Mediação Universal de Maria. Colocou os franciscanos sob a proteção especial da Mãe de Deus, traçando um plano de devoções regulares em sua honra, e compôs o famoso "Espelho da Virgem", onde se estende sobre as graças, as virtudes e os privilégios de Nossa Senhora. Determinou que os frades rezassem o Angelus todas as manhãs, às seis horas, para honrar o mistério da Encarnação.

Nomeado Cardeal e dirigente de um Concílio


Quando morreu o Papa Clemente IV, em 1272, São Boaventura foi procurado pelos cardeais para que indicasse o sucessor. Foi eleito, assim, Tebaldo Visconti, sob o nome de Gregório X, o qual logo depois nomeou São Boaventura Cardeal e Bispo de Albano.

O Papa encarregou-o da preparação e direção do Concílio Ecumênico de Lyon, que devia reaproximar de Roma, embora temporariamente, a igreja cismática do Oriente.

Após a terceira sessão conciliar, caiu enfermo e mal pôde assistir à seguinte, na qual o chanceler de Constantinopla abjurou o cisma, com a aprovação de todo o alto clero greco-bizantino (50 metropolitas e mais de 500 bispos).

No dia 24 de junho, o Papa celebrou solene missa, na qual a Epístola, o Evangelho e o Credo foram cantados em latim e em grego. Os delegados gregos repetiram três vezes em sua própria língua: "Qui ex Patre Filioque procedit". Ou seja, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, que era um dos pontos chaves do cisma. Em seguida São Boaventura pronunciou inflamado sermão.

Seu estado geral, contudo, agravou-se, e veio a falecer na passagem de 14 para 15 de julho de 1274.

Foi sepultado no convento dos franciscanos em Lyon. Canonizado em 1482, teve seu nome inscrito, em 1588, entre os Doutores Maiores da Igreja, ou seja, ao lado de São Gregório Magno, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo e Santo Tomás de Aquino.

Infelizmente, protestantes huguenotes profanaram seu túmulo no século XVI. Os ossos foram incinerados e as cinzas jogadas ao rio. Com muito custo, somente seu crânio foi salvo.

Um fato pitoresco

A Crônica dos Gerais franciscanos conta que um frei de nome Egídio propôs o seguinte problema a São Boaventura: Quando se pensa nas luzes que os doutores de tua categoria recebem do céu, como pretender que os ignorantes como eu venham a conseguir a salvação? O essencial para a salvação ­respondeu o Doutor Seráfico - é amar a Deus. Apesar disso - insistiu Frei Egídio - poderá um inculto amar a Deus tanto como um sábio? E São Boaventura confirmou: Não só O pode amar tanto, mas ultrapassar nesse amor até mesmo os maiores teólogos.

Passava justamente na estrada, junto ao convento, uma pobre carregando um feixe de lenha. Frei Egídio não se conteve e gritou-lhe: Alegra-te, boa velhinha! Acabo de saber que depende só de ti amares a Deus ainda mais do que Frei Boaventura. Logo depois, Frei Egídio caiu em êxtase, que durou três dias.

Reflexões finais

Santo Tomás de Aquino, visitando-o um dia, perguntou-lhe em que livros aprendera sua ciência sagrada. "Eis respondeu, apontando para o crucifixo - a fonte de meus conhecimentos. Estudo Jesus, e Jesus crucificado!"

Temia o Doutor Seráfico comungar com freqüência, por humildade, considerando-se o mais vil dos pecadores. Após ter passado vários dias sem se aproximar da Sagrada Mesa, ao assistir à Missa a Hóstia que o padre consagrara partiu-se e, pelas mãos de um Anjo, foi levada a São Boaventura. Este milagre levou-o a comungar mais freqüentemente, e cada uma de suas comunhões era acompanhada de indizíveis consolações.

A exemplo de São Boaventura, poderíamos fazer quanto esteja ao nosso alcance (vide quadro) para receber Nosso Senhor Sacramentado de modo recolhido e digno, removendo absolutamente de nossas almas tudo quanto possa desagradar o divino hóspede.

Com o intuito de incitar os leitores a esse ardor na devoção eucarística, reproduzimos uma oração composta pelo Doutor Seráfico, cuja festa celebramos a 15 de julho.

Oração de São Boaventura para a Santa Comunhão

Feri, ó dulcíssimo Senhor Jesus, o mais íntimo e profundo de meu ser com o dardo suavíssimo e salutar do Vosso amor, com aquela verdadeira, inalterável, santíssima e apostólica caridade, a fim de que a minha alma se enlanguesça com o único desejo de sempre crescer em vosso amor.

Que eu vos ame intensamente, que desfaleça nos vossos átrios e deseje dissolver-me em vós e ser um convosco.

Que minha alma tenha fome de Vós, ó Pão dos Anjos, alimento das almas santas, Pão nosso de cada dia, supersubstancial, que tem toda doçura e sabor, e todo deleite de suavidade. Ó Vós a Quem os Anjos desejam contemplar!

Que o meu coração sempre tenha fome e se alimente de Vós, e que as entranhas do meu ser sejam repletas com a doçura de vosso sabor.

Que só de Vós tenha sede, ó fonte da vida e da sabedoria e da ciência e da luz eterna, torrente de delícias, riqueza da casa de Deus.

Só por V ÓS anseie, só a Vós procure, só a Vós encontre, só para Vós tenda e vos alcance. Só medite em Vós, só de Vós fale, e tudo o que fizer seja para louvor e glória do vosso nome, com humildade e discrição, com amor e deleite, com bondade e afeto, com perseverança até o fim.

Sede, Senhor, minha única esperança, toda minha confiança, minhas riquezas, meu deleite, meu encanto, minha alegria, minha quietude e tranqüilidade, minha paz, minha suavidade, meu perfume, minha doçura, meu pão, meu alimento, meu refúgio, meu auxílio, minha sabedoria, minha partilha, meus bens, meu tesouro.

Somente em Vós minha alma e meu coração estejam radicados de modo fixo, firme e inamovível. Assim seja.

FONTES DE REFERÊNCIA:

Enciclopedia Cattolica, Cidade do Vaticano, 1949, p.1838 e ss.

Catechismo Maggiore promulgato da San Pio X, Edizioni Ares, Milão, 1979, p.l44 e ss.