24 de junho de 2010

24 de Junho - São João Batista




















João Batista, Segundo o Evangelho de São Lucas, era filho do sacerdote Zacarias e Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus. Profeta, batizou muitos judeus, incluindo Jesus, no rio Jordão.

São João nasceu em Junho, precisamente no dia 24 de Junho. Homem simples, despojado, amigo do deserto, tinha uma importantíssima missão: preparar o caminho para a chegada do Messias.

Na história do povo de Israel, a comunicação era feita através do fogo. Foi isso que aconteceu quando João Batista nasceu. Zacarias, seu pai, anunciou o nascimento de seu filho João acendendo uma fogueira. Essa tradição continua até os nossos dias, na celebração do nascimento de João Batista: acende-se fogueiras, reúne-se a família, as comunidades, para fazer festa.

Os evangelhos dizem que, ainda no ventre de sua mãe, João percebe a presença do Messias quando Maria visita a prima Isabel. O evangelho de São Mateus fala das pregações e dos batismos que realizava às margens do rio Jordão, não distante de Jericó.

Ao atingir a maturidade, o Batista se encaminhou para o deserto e, nesse ambiente, preparou-se, através da oração e da penitência - que significa mudança de atitude, para cumprir sua missão. Através de uma vida extremamente coerente, não cessava jamais de chamar os homens à conversão, advertindo: " Arrependei-vos e convertei-vos, pois o reino de Deus está próximo". João Batista passou a ser conhecido como profeta. Alertava o povo para a proximidade da vinda do Messias e praticava um ritual de purificação corporal por meio de imersão dos fiéis na água, para simbolizar uma mudança interior de vida.

Crítico da hipocrisia e da imoralidade, São João Batista foi decapitado por capricho de Salomé, enteada de Herodes. João Batista, juntamente com os profetas Elias e Eliseu, é considerado o protótipo do ideal ascético, e modelo de vida perfeita. (fonte: Sgarbossa, Mario e Giovanni, Luigi – Um Santo para cada dia, São Paulo, 1983, 9a. ed.).

A liturgia festeja o nascimento de São João Batista, a “Aurora da Salvação”. Por sua austeridade e fidelidade cristã, ele é confundido com o próprio Cristo, mas, imediatamente, retruca: "Eu não sou o Cristo" (Jo 3, 28) e " não sou digno de desatar a correia de sua sandália". (Jo 1,27). Quando seus discípulos hesitavam, sem saber a quem seguir, ele apontava em direção ao único caminho, demonstrando a seta principal, ao exclamar: "Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". (Jo 1,29).

Foi, pois, o maior entre os profetas, porque pôde apontar o “Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo” (Jo 1, 29-36). Sua vocação profética desde o ventre materno, reveste-se de acontecimentos extraordinários, repletos de júbilo messiânico, que preparam o nascimento de Jesus. (cf Lc 1, 14-58).

Profeta do Altíssimo, João Batista é prefigurado por Jeremias: - “antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei, e te constituí profeta entre as nações” (Jer 1, 4 – 10).

João Batista é descrito na Bíblia como pessoa solitária, que vivia no deserto, e comia gafanhotos e mel. O caminho desse homem recluso, mas profeta de grande popularidade, cruzou com a da família real na época, a do rei Herodes Antipas, da Galiléia. João condenou publicamente o fato do rei ser amante da própria cunhada, Herodíades. Salomé, filha de Herodíades, dançou tão bonito diante de Herodes, que este lhe prometeu o presente que quisesse. A mãe de Salomé aproveitou a oportunidade para se vingar: anunciou que o presente seria a cabeça de João Batista sobre uma badeja.

ORAÇÃO - Ó Deus, que suscitastes São João Batista, a fim de preparar para o Senhor um povo perfeito, concedei à vossa Igreja as alegrias espirituais e dirigi nossos passos no caminho da Salvação e da Paz. Amém.


20 de junho de 2010

DE COMO AS COISAS COMEÇARAM EM SÃO DAMIÃO...


Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

O texto de reflexão de hoje tenta captar em que consistia a vida das pobres irmãs bem no começo, quando mal e mal se instalaram junto à igrejinha de São Damião. Temos sempre diante dos olhos o livro de Chiara Giovanna Cremaschi, Chiara di Assisi. Un silenzio che grida (p. 49-50).

Para podermos compreender o início dos inícios temos que nos reportar ao Testamento de Clara. A leitura de algumas dessas linhas nos coloca diante de coisas simples, mas fundamentais. Era preciso inventar o novo.

“Depois que o Altíssimo Pai celestial, por misericórdia e graça, se dignou iluminar meu coração para fazer penitência segundo o exemplo e ensino de nosso bem-aventurado pai Francisco, pouco depois de sua conversão, com algumas irmãs que Deus me dera logo após a minha conversão, eu lhe prometi obediência voluntariamente, como o Senhor nos concedera pela luz da sua graça através da vida admirável e do ensinamento dele. Vendo o bem-aventurado Francisco que nós, embora frágeis e fisicamente sem forças, não recusávamos nenhuma privação, pobreza, trabalho, tribulação nem humilhação ou desprezo do mundo, e até julgávamos tudo isso as maiores delícias, como pôde comprovar freqüentemente em nós a exemplo dos santos e dos seus s frades, alegrou-se muito no Senhor. E, movido de piedade para conosco, assumiu o compromisso, por si e por sua Ordem, de ter sempre por nós o mesmo cuidado diligente e a mesma atenção especial que tinha para com seus irmãos. E assim, por vontade de Deus e do nosso bem-aventurado pai Francisco, fomos morar junto da igreja de São Damião, onde em pouco tempo o Senhor nos multiplicou por sua misericórdia e graça, a fim de que se cumprisse o que tinha predito por seu santo. Pois, antes tínhamos morado em outro lugar, por pouco tempo” (24-32).

1. Agora as irmãs chegam ao seu espaço. Elas vão morar junto da igrejinha de São Damião. Para nós, franciscanos, São Damião evoca uma página dourada de nossa família espiritual. Aquele crucifixo! E lá foram se instalar esses mulheres, nossas irmãs, mulheres pobres, bonitamente pobres e desejosas de viverem à sombra do amor de Deus manifestado em Jesus e tão presente nos espaços de São Damião. Ali acontece o verdadeiro começo da vida das irmãs e que tem como fundamento a pessoa de Clara. E Francisco, ele mesmo ou através dos seus frades daquele tempo e de sempre haveriam de cuidar dessa fraternidade das damianitas.

2. Francisco confia nelas. Sabe que são tenazes e capazes de suportar a pobreza e os desafios. Clara revela em suas filhas que Francisco reconhecia força e vigor nessas frágeis mulheres...

3. Ali Clara entra como peregrina e forasteira, nesta casa pobre e despojada. Ali haverá a contemplação do Deus, único bem, a vontade de viver somente para ele. Esta a base da vida de Clara e de suas duas companheiras. Esse caminho Clara assume porque Deus mesmo o revelou ao coração sob a inspiração de Francisco.

4. Ali entra para fazer penitência, entrar num caminho verdadeiro de conversão que quer percorrer ao longo de toda a sua vida. Os franciscanos são penitentes. Essa a nossa profissão. Entrar num esquema de vida novo. Mudar o coração. Deixar o desejo de posse, de brilho e viver de outro modo.

5. No momento em que Francisco leva as três irmãs para São Damião, para elas começa alguma coisa completamente nova, que precisará ser inventada. Há umas poucas certezas básicas que fundamentam o seu “estar juntas”:

  • Iluminação do Espírito Santo para seguir os passos de Cristo pobre e crucificado no estilo de Francisco.
  • Trata-se de tomar o Evangelho como constante ponto de referência deixando-se levar pela graça num abandono sem restrições nas mãos do Pai das misericórdias.
  • A pobreza absoluta será um ponto fundamental inquestionável.
  • Da mesma forma será ponto básico o amor exclusivo pelo Senhor Jesus Cristo alimentado por longa e incessante oração. As três irmãs, como conseqüência, haveriam de se querer e, juntas, amar os mais pobres.
  • A concretude de uma pobreza escolhida por amor e vivida na alegria comportava um desprezo por parte da sociedade da época, sobretudo pelas famílias nobres às quais as três pertenciam. Clara e suas duas primeiras companheiras colocam-se na categoria do minores, os últimos da escala social, aqueles que não contam.

18 de junho de 2010

Ficha limpa, uma vitória da sociedade

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral, de que o projeto Ficha Limpa vai valer para as eleições deste ano, é sem dúvida resultado da movimentação da iniciativa popular, que apresentou o projeto com mais de um milhão e trezentas mil assinaturas. A alteração do texto original, feito pela Câmara e pelo Senado, não mudou a essência do projeto, que é impedir a candidatura de pessoas julgadas e condenadas pela Justiça.

Tenho a certeza que este projeto favorecerá uma mudança na postura dos partidos políticos, que a partir de agora vão escolher com mais critérios os seus candidatos. O impedimento de políticos condenados em segunda instância de serem candidatos, fortalece a fidelidade partidária e mais ainda o desejo da sociedade brasileira de eleger para o Congresso Nacional – Senado e Câmara dos Deputados – pessoas que tenham um histórico de prestação de serviço à sociedade e não que olhem somente para os seus interesses pessoais. Vale ressaltar, que esta lei vai valer também para escolha dos candidatos ao Governo do Estado e para eleições municipais, para escolha do prefeito e vereadores.

Quero parabenizar os petropolitanos que apoiaram o projeto e participaram da campanha de assinaturas, contribuindo para que nossa Diocese apresentasse mais de 20 mil assinaturas. O nosso trabalho não terminou com o projeto transformado em lei, mas começa agora com a fiscalização sobre os candidatos, acompanhando o processo político de escolha dos candidatos. Este acompanhamento pela Igreja será feito através da Pastoral dos Católicos com atuação na Política. Não somente no período eleitoral, mais durante o exercício do mandato.

A Igreja Católica não tem candidato, mas, temos a obrigação de orientar o povo, apontando os critérios para escolha dos candidatos, que devem defender a vida em todas as suas dimensões, desde a concepção até o seu fim natural, a família, o bem comum e outros pontos importantes e definidos pela Doutrina Social da Igreja.

Sobre este ponto, lembro a passagem do livro do profeta Isaías (Is 10,1-2): “Ai dos que decretam leis injustas e editam escritos de opressão, para afastar os humildes do julgamento e privar do direito os pobres do meu povo, para fazer das viúvas suas presas e roubar os órfãos”.

O sucesso do projeto Ficha limpa é um passo muito importante para que a população possa escolher seus representantes dignos para que editem leis a fim de garantir na sociedade o bem comum de todos. Por fim, volto a afirmar o nosso compromisso como Igreja, como pastor, de ajudar a sociedade, as pessoas mais carentes e serem respeitadas em seus direitos. Vamos continuar atuando, seguindo a orientação da Doutrina Social da Igreja, para que possamos criar uma sociedade justa e fraterna, que encontre o Cristo, e a partir deste encontro possa viver plenamente a sua humanidade.

Dom Filippo Santoro

O Bom Cristão segue o exemplo das abelhas

Lê-se na história natural que as abelhas pequeninas trabalham sem descanso. Têm asas fininhas e são de cores mais escuras, como se fossem queimadas.

Abelhas pequenas são os bons cristãos sem pretensões que só se ocupam de boas e úteis obras,
de forma que o diabo não os encontra nunca de mãos vazias ou desocupadas.

Têm asas finas, isto é, desprezam as vaidades e os prazeres do mundo e se inflamam de amor pelo Reino Celestial. Com essas asas sobem alto,
voando livres no ar puro, com o coração fixo na Glória de Deus.

As abelhas trabalhadeiras são de cor escura, como se fossem queimadas. A respeito disto, a alma cristã exclama no Cântico dos Cânticos (1.5-6): "Sou morena, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, sou como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Não repareis na minha tez morena, pois foi o sol que me queimou!" Oh! anjos do céu, oh! almas santas, sou morena porque as abstinências, os jejuns, as vigílias e outras penitências me tomaram assim. Porém, sou bela na alma pela pureza da mente e pela integridade da fé. Sou morena como as tendas de Cedar, que quer dizer nômade; habito de fato em tendas móveis que se transportam de um lugar para o outro, das quais os soldados atacam ou nas quais são atacados, "porque não temos aqui embaixo nenhuma cidade permanente, andamos em busca da que há de vir" (Hb 13,14).

Não deis importância ao fato de eu ser morena, pois sou morena porque o sol me queimou. O sol em eclipse descora todas as coisas. Assim Jesus Cristo, o verdadeiro sol, "que conheceu seu ocaso" (SI 103,19) quando na cruz padeceu o eclipse da morte, deixou a atração das vaidades, as falsas glórias, todas as honras mundanas.

Por isso, a alma cristã pode afirmar com razão: "Sim, sou morena, minha pele é escura, o sol me queimou". Enquanto, com efeito, com os olhos da fé eu contemplo a meu Deus, meu esposo, meu Jesus, pregado na cruz, atravessado por cravos, alimentado com fel e vinagre, e coroado de espinhos, toda a beleza, toda a glória, toda a honra, toda a pompa mundana empalidece a meus olhos e perde todo o valor... Eis aqui, estas são as abelhas pequenas e escuras, como se fossem queimadas. Assim pensam e atuam os verdadeiros cristãos.

Abelhas de bela aparência são ao contrário todos os cristãos inautênticos e todos os que não sabem fazer outra coisa senão agitar aos quatro ventos as falsas credenciais de sua falsa honestidade e bondade, enquanto na realidade são somente sepulcros, de aparência bela e solene, porém cheios por dentro de podridão e ossos ressequidos...

As tentações do maligno atacam especialmente aquelas pessoas honestas e virtuosas que, quando percebem que não agiram corretamente, logo reconhecem suas culpas e se apressam a confessá-las e a fazer uma justa reparação. E aí, então, que na consciência dessas pessoas retas o maligno procura penetrar e instalar-se com o fim de transtornar sua sensibilidade moral. O bom cristão, porém, sabe opor-se com todas as forças a esses intentos e nunca permitir que tal projeto se realize.

Os bons cristãos deveriam seguir o exemplo das abelhas. Diz-se que as abelhas se colocam com todo o cuidado nos buracos da entrada da colméia e, na eventualidade de que algum bichinho consiga entrar, elas não o deixam em paz e o perseguem por todos os lados até expulsá-lo para fora da colméia.

O nome em latim das abelhas parece derivar do fato de que elas se entrelaçam entre si por melo das patinhas as quais, no entanto, elas não possuem no momento do nascimento. Por isso é que se chamam "apes", isto é, "sem pés". Os cristãos também se encontram unidos entre si por sentimentos de caridade, de recíproco amor. Esta, porém, não é uma prerrogativa natural; até São Paulo (cf. Ef 2,3) afirma que "somos destinados por natureza à cólera". É, antes, um dom gratuito depositado em seus corações por Deus.

Como as colméias, assim são os nossos corpos: possuem cinco entradas que são os cinco sentidos. Entre estes, de especial importância são os olhos com os quais temos que vigiar atentamente para que não penetre em nós algo estranho e turvo. Se alguma sugestão diabólica ou algum instinto perverso perturbar nosso espírito, não devemos de jeito nenhum e por nenhum motivo permitir que permaneça por muito tempo em nós. Com efeito, sua demora transforma-se em perigo e, assim o afirmam os moralistas, um pensamento mau, conservado com complacência, já constitui uma falta mortal. Portanto, logo que a consciência adverte que o pensamento está indo para o ilícito e não o afasta, está permitindo que se forme o assim chamado pensamento mau cultivado.

Como as abelhas, assim o bom cristão deve movimentar-se prontamente e, com o ferrão de sua boa consciência e da oração, tem que perseguir sem se cansar os intrusos até expulsá-los para fora da colméia do seu coração. (
Dom. III in Quadr. 153, 27155, 10).

14 de junho de 2010

O AMOR E O PERDÃO

A Palavra de Deus nos convida neste domingo a refletir sobre o perdão misericordioso de Jesus. O evangelho é de Lucas, 7,36-8,3. O contexto da cena é um banquete. Jesus participa como convidado. Oferecem-lhe os seus dons duas pessoas muito diversas: um fariseu e uma mulher de má fama.

O fariseu o convida a um almoço suntuoso. Seria exagerado acusá-lo de vontade má; talvez tenha convidado Jesus porque sentia respeito por ele. Todavia, no fundo de seu gesto, existe um sentido de crítica e de suspeita, e por isso ousa julgar-lhe a conduta. Ele tem sua verdade feita, conhece Deus e não tem necessidade que alguém lhe ensine a nova profundidade do reino e da vida.

A mulher pública não foi convidada, mas se apresenta espontaneamente. Sabe que Jesus oferece uma mensagem salvadora, conheceu a sua virtude de homem que se dedica inteiramente aos outros, e portanto vem oferecer-lhe simplesmente aquilo que tem: o perfume que usa no seu trabalho, as suas lágrimas e os seus beijos. Tomado em si , este gesto é ambivalente. O fariseu, fiel às suas normas de moralidade estreita, condena a mulher, qualifica o seu gesto de ligeireza e julga Jesus que se deixa tratar daquele modo. Jesus ao invés interpretou a atitude da mulher como um ato do seu amor, como expressão de gratidão por ter sido compreendida e perdoada.

A visão de Jesus é compreendida melhor através de uma parábola: entre dois devedores insolvíveis , amará mais o Senhor aquele ao qual foi perdoado um débito maior. Aplicando a parábola precisa-se melhor a atitude do fariseu e a da prostituta.

O fariseu Simão e a mulher pecadora encarnam duas atitudes diante de Deus, como o fariseu e o publicano de uma outra parábola representam dois tipos de religiosidade (Luca 18,10-14). Mas aqui os modelos são reais e interpretam ao vivo uma nova parábola de Jesus: a dos dois devedores insolventes e perdoados. Simão é o que deve cinqüenta dinheiros e a mulher quinhentos. Depois que o débito de ambos é perdoado, é claro quem é mais grato pelo favor, isto é, quem ama mais: a mulher cujos gestos de afeto para Jesus, diferente da cortês reprovação do fariseu, demonstram somente amor e alegria pela experiência do perdão.

O amor que nos demonstra quem nos perdoa, Isto é Deus, é o que regenera a pessoa. Por isso devemos começar com reconhecer a nossa situação de pecado. Encarnamos o fariseu Simão quando perdemos a consciência de ser pecadores, coisa que efetivamente estão perdendo o homem e a mulher de hoje. Não se trata de um sentimento doentio, mas realístico de culpabilidade. Julgar com dureza os outros sem pensar que também nós erramos e temos necessidade do perdão de Deus, como Davi pecador e a mulher pecadora, significa esquecer que diante de Deus somos todos devedores insolventes.

O perdão de Deus, como o seu amor, é gratuito: talvez por isso, por causa da nossa mentalidade mercantilistica, não o avaliamos bastante. Jesus ensina hoje que não nos libertamos do pecado com nossas forças (é a atitude do fariseu), mas aceitando o perdão e o amor gratuitos de Deus (atitude da pecadora). Isso diz respeito a Deus; e em relação aos irmãos, quem não se sente pecador não pode colaborar para construir um mundo melhor, porque é incapaz de começar de novo, mudando a si mesmo pessoalmente e aceitando depois os outros assim como são.

Em Cristo, Deus se colocou do lado do homem, pelo perdão e a reconciliação. O perdão de Deus, por sua disposição, se realiza no sacramento da reconciliação ou penitência, através do qual a Igreja reconcilia com Deus e recupera para a comunidade o membro pecador. Mas a reconciliação se faz já no momento em que no íntimo de nosso coração percebemos que ofendemos a Deus e ofendemos nosso próximo, e pedimos perdão na confiança que Deus nos perdoa porque Ele mesmo tomou a iniciativa de oferecer-nos o perdão.

A grandeza do perdão que Deus fez e faz é provado pela grandeza do amor que esse perdão suscita. Lembremo-nos o caso de David, de Pedro, de Paulo, de Agostinho, para que confiemos na bondade de nosso Deus nosso Pai, como nos garante seu Filho Jesus Cristo.

Cardeal Geraldo Majella Agnelo

11 de junho de 2010

1ª SEXTA-FEIRA DO MÊS

AQUELE QUE TEM OS BRAÇOS ESTENDIDOS


Nunca nos cansamos de refletir sobre o amor daquele que se entrega sem limites no alto da cruz, no abandono dos abandonos, na solidão das solidões. Há um momento crucial: não tendo mais posição no patíbulo, com os pés trespassados por um só prego, Jesus olha o horizonte próximo e distante. Não vê claro muito longe porque seus olhos estão turvados com a poeira, o suor e os escarros... Não vê longe, mas está ali. Reúne na mente e no coração as melhores energias que tem e entrega-se ao Pai pelos seus. Ama de verdade, sem romantismo, sem lirismo. Ama valente e vigorosamente. Os devotos do Coração de Jesus contemplando um amor tão vigoroso querem amar na qualidade do amor do Mestre.

O texto da meditação atribuída a Santo Anselmo diz que naquele momento, depois de ter feito a oferenda viva de si, Jesus está com a cabeça inclinada. Sabemos que a morte não foi a última palavra do Mestre. O Pai não deixou que assim fosse e por isso o arrancou da morte e fez dele o Senhor dos vivos e dos mortos. Não somos fautores de uma espiritualidade sombria, escura, cinzenta. Somos filhos da manhã da Páscoa, o que não nos impede de contemplar a cena final da vida daquele que é vida de nossa vida.

Aquele que tem a cabeça inclinada é o manso Jesus, o manso cordeiro, aquele que foi levado não para o deserto, mas para fora dos muros e que, com a oblação, se tornou o cordeiro querido que tira o pecado do mundo. Sabemos disso. Para que repetir? Porque estamos acostumados demais a não pensar no que significa dar a vida pelos seus e dar vida por cada um de nós. A rotina e a repetição automática fazem com que sejamos criaturas sem fogo.

Anselmo chama atenção para o Senhor dos braços estendidos. Quem tem os braços abertos quer acolher, está disposto ao abraço, não coloca resistência. Belíssimo ver uma criança que corre ao encontro do pai que chega do trabalho e que lhe abre os braços. Que beleza um tal abraço! No aeroporto uma irmã, com os braços abertos, espera o irmão que vem da guerra. A mãe que vai visitar o filho presidiário, depois da conversa, levanta-se abre os braços e aperta o filho junto do coração. Os braços abertos convidam para a intimidade, constituem um sinal de perdão. Os que abrem os braços para acolher os outros também querem um espaço no coração dos outros. O pai do pródigo abraça o filho e o cobre de beijos.

A partir da morte e da ressurreição do Senhor o pecado do homem, suas loucuras, a satisfação de seus desejos imediatos, o esquecimento daquele que é belo, do Senhor, a tentativa de organizar a vida a partir de interesses pequenos podem ser cobertos pela misericórdia do Senhor.

Aquele que tem a cabeça inclinada, os braços estendidos, tem também o lado aberto. E do lado aberto do Senhor, do rochedo de seu peito, saíram dois pequenos filetes de água e de sangue. Lembramo-nos deste peito aberto quando as pessoas são batizadas. As águas de nossos batistérios são sacramentos do lado aberto. Lembramo-nos da sede de nossa gargantas. Dessa sede de plenitude, de amor sem limites. Lembramo-nos do cálice que está sobre a toalha branca, cálice e vinho, eles também, sacramentos desse bendito lado aberto.

Aquele que está suspenso entre o céu e a terra tem os pés trespassados, mas corre velozmente, como Ressuscitado, batendo à porta dos seus e esperando a festa da intimidade. O prego não impediu a corrida daquele que é o Amado buscando o amor dos seus.

Coração aberto, janela do amor, fonte de vida, asilo dos que estão cansados!

Frei Almir Guimarães

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus




Com júbilo comemoramos a solenidade do Coração do Redentor. Os discípulos de Cristo exultam de profunda alegria. No centro de tudo está a adorável figura de Cristo mostrando bondade, manifestando misericórdia, lançando um apelo para que seus discípulos compreendam que será preciso incendiar o mundo com as labaredas de amor que tem sua origem no seu peito aberto. Diante do Coração rasgado do Mestre não cabe atitudes melífluas e suspiros piedosos. Será preciso dizer ao mundo, com palavras e gestos, com dedicação e audácia, as mesmas palavras de Francisco de Assis: “O amor precisa ser amado”.

A liturgia deste dia nos faz ouvir a parábola do pastor que tem cem ovelhas e que deixa as noventa e nove protegidas e vai atrás da única que se desgarrara. O pastor bom se embrenha no meio de espinheiros, ousa descer abismos vertiginosos para agarrar a frágil criatura que só pode viver com a força de seu amor. E depois que encontra a perdida ovelha faz festa, a festa do reencontro. O pastor que busca a desgarrada é aquele que tem o coração tocado pela lança.

Estamos na sexta-feira das dores. Depois de horas de tormentosa agonia, Jesus, inclinando a cabeça, dá o último suspiro. Entrega o Espírito nesse ato de amor livre e total. Coberto de poeira, suor, sangue lá está o corpo morto do mais belo de todos os filhos dos homens. Era a véspera do sábado, dia da grande festa dos judeus. Estes pediram a Pilatos que os corpos dos condenados fossem retirados das cruzes. Não convinha tê-los ali no dia grande festa que se aproximava. Que se lhes quebrassem as pernas e que os corpos fossem sepultados. Que as cruzes não tivessem mais esses malfeitores! Os soldados não quebraram as pernas do Senhor, mas abriram seu lado. No dizer do Crisóstomo, profanaram o cadáver. Os atos perpetrados por esses homens destituídos de boas intenções, no entanto, pareciam estar nos desígnios de Deus. Um profeta, com efeito, havia dito:
Olharão para aquele a quem traspassaram.

Não foi por acaso, nem sem finalidade que duas fontes brotaram do peito aberto de Jesus: sangue e água são elementos constitutivos da Igreja. Os que foram iniciados na fé cristã sabem muito bem que se alimentam da carne e têm como bebida o sangue.

Os cristãos se aproximam do cálice para se abeberarem das fontes do salvador, das fontes do lado aberto do Redentor, do coração de Jesus.

Belamente proclamamos no Prefácio da solenidade: “Elevado na cruz, entregou-se por nós com imenso amor. E, de seu lado aberto, pela lança, fez jorrar com a água e o sangue, os sacramentos da Igreja, para que todos atraídos ao seu coração, pudessem beber, com perene alegria, na fonte salvadora”

A Escritura falava que o cordeiro pascal não devia ter osso algum quebrado. Ora, o cordeiro pascal nada mais era do que uma figura do Cristo, verdadeiro Cordeiro de Deus. Em lugar de ter suas pernas quebradas, o Salvador teve aberta uma fonte no peito.



“De seu lado saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido leitor, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te o outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação do Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa. Por esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão osso de meus ossos e carne da minha carne (Gn 2,23), que São Paulo refere, aludindo ao lado de Cristo. Pois assim como Deus formou a mulher do lado do homem, também Cristo, de seu lado nos deu a água e o sangue para que surgisse a Igreja. E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte” (L.Horas II, p.416).

10 de junho de 2010

Palavras de Fé

Manso Jesus, de cabeça inclinada, morto. Manso, de braços estendidos. Manso com o lado aberto pela lança. Manso, com os pés trespassados por um prego

Das Meditações atribuídas a Santo Anselmo

8 de junho de 2010

Dom, pessoa e missão

O bispo da Igreja Católica, um sucessor dos apóstolos, daqueles apóstolos primeiros chamados pelo Mestre Jesus Cristo, assim constituídos por Ele, é nomeado de ‘dom’, uma titulação precedendo o seu nome de batismo. A respeito desses primeiros apóstolos, o evangelista Marcos narra que “Jesus subiu a montanha e chamou os que ele quis; e foram a ele. Ele constituiu então doze, para que ficassem com ele e para que os enviasse a anunciar a Boa Nova, com o poder de expulsar os demônios” (Mc 3,13-15).

É chamado de dom aquele que é bispo, tradição de dois mil anos, na Igreja do seu Mestre e Senhor. Bispo, portanto, não é um título que alguém pode arvorar e definir para si, como fundador e líder de um grupo de fieis que passam, ainda que por razão de práticas religiosas, a se definir como uma Igreja. A Igreja nasce do querer e do coração do seu Mestre e Senhor Jesus. O querer é de Cristo, aquele que morreu e ressuscitou.

Dom não é, então, um simples título honorífico. Não é uma formalidade para nomear uma pessoa. Dom é referência a uma pessoa - consagrada para a missão que o Senhor Jesus deu àqueles onze primeiros chamados. E que permaneceram com Ele, numa tradição sucessória ininterrupta, nestes dois mil anos de existência da Igreja Católica. Uma existência sustentada, em meio às vicissitudes do tempo e da história, pela fidelidade e obediência corajosa ao mandato do seu Mestre.

O evangelho segundo Mateus narra a cena dos “ inícios” em referência ao grupo daqueles que ao longo dessa história vem perpetuando, no tempo, esse mandato de Jesus, no contexto da língua portuguesa, no Brasil, referidos como dom. “Os onze discípulos voltaram à Galiléia, à montanha que Jesus lhes tinha indicado. Quando o viram, prostraram-se; mas alguns tiveram dúvida. Jesus se aproximou deles e disse: ‘Foi-me dada toda autoridade no céu e na terra. Ide, pois , fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,16-20).

O Senhor Jesus ressuscitado prometeu a esses discípulos, os onze primeiros dessa tradição e sucessão apostólica: “Eu enviarei sobre vós o que o meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto” (Lc 24,49). O evangelista Lucas narra também, nos Atos dos Apóstolos, que esses primeiros onze discípulos, indagaram de Jesus sobre o estabelecimento do Reino para Israel. A resposta ilumina o entendimento das raízes que constituem um bispo, chamado e conhecido como dom: “… recebereis o Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra… Então os apóstolos deixaram o monte das Oliveiras e voltaram para Jerusalém, à distância que se pode andar num dia de sábado.

Entraram na cidade e subiram para a sala de cima onde costumavam ficar. Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres – entre elas, Maria, mãe de Jesus – e com os irmãos dele… Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam reunidos todos no mesmo lugar. Todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 1,8.12-14;2,1.4).

Dom é aquele que, nesta sucessão apostólica congrega, como sinal visível da unidade, uma porção deste Povo de Deus, como Igreja, comunidade de fé. Esses sucessores dos apóstolos, à frente das 32 dioceses de Minas Gerais e Espírito Santo – constituídos no Conselho Episcopal Regional Leste 2 (um dos 17 regionais da Conferência Nacional do Brasil), estão congregados para uma visita a Roma do dia 5 a 19 de junho. É a visita ad Limina Apostolorum: ao lugar onde os apóstolos Pedro e Paulo testemunharam sua fé, oferecendo suas vidas.

Roma é o lugar. Lá está o sucessor de Pedro, o Papa, o Santo Padre Bento XVI. Os bispos do mundo inteiro, periodicamente, vão a Roma, para esta visita que inclui espiritualidade, estudo, convivência, reflexões e encontros, reavivando a memória do coração - a riqueza da tradição, e tem como coração o encontro com o Papa. De novo, em cada tempo, aquela experiência de Paulo apóstolo, por ele mesmo descrita, na carta aos Gálatas, quando saiu de Damasco e foi a Jerusalém para conhecer Cefas e ficar com ele 15 dias. Aquele momento fortaleceu o apóstolo que partiu em missão, movido pela graça, e sustentado pelo encontro com Pedro. A consagração no ministério de Bispo é compromisso não apenas de ser chamado dom, mas de ser, verdadeiramente, dom para todos.

Dom na tarefa de congregar na unidade, para além da administração. Dom na experiência de ser, nesta época moderna, sinal e inspirador da procura de sentido, no seguimento de Jesus Cristo, na condição de contemplativo presente no mundo, seu conhecedor e intérprete de suas perguntas. Buscando respostas, servindo especialmente aos mais próximos, solidariamente próximo a todos.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

7 de junho de 2010

DE QUE LADO NÓS ESTAMOS?

A vida que Deus nos deu é um dom...
Mais que um dom,
ela é mestra que nos ensina a viver...
Pois, aprendemos com a vida, nossa e dos outros...
lições para nos portarmos dignamente...
durante a nossa permanência neste mundo...

Fomos criados não por nossa vontade,
pois, não a tínhamos ainda por não existirmos...
Mas uma vez na existência...
a temos perfeitamente como um bem,
um bem precioso...
E o que estamos fazendo com esse bem que nos foi dado?

Ora, sabemos que aqui tudo é passageiro...
Daqui nada levamos...
Ou seja, um dia perderemos tudo...
E só ganharemos o que plantarmos...
segundo a vontade de Deus...
quando da ressurreição dos mortos...

Por que, então, damos tanta importância aos bens materiais?
Por acaso, pode o homem acrescentar um só dia à sua vida?
Por que damos tanta ênfase à estética...
Ao “status” social...
Ao viver artificial...
se com isso a alma fica vazia,
sem fruto algum?

De fato,
deixamos o eterno pelo temporal...
Mesmo sabendo da existência daquele...
Porque aqui não ficamos muito tempo...
É para a eternidade que estamos vivendo...
Porque uma vez existente...
para sempre existente...
E ninguém pode mudar essa verdade...

Daí a pergunta, de que lado nos estamos?
Do lado de Deus,
o Eterno que nos ama?
Ou do lado da maldade e da infâmia...
que nos atormenta a todo instante...
querendo nos devorar em sua eternidade maléfica?

Aqui, devemos lembrar nosso livre arbítrio...
Que nada mais é que o poder de decidir...
Se decidimos por Deus,
nos unimos a Ele e o obedecemos prontamente...
E assim vencemos o pecado e o seu resultado, a morte...
Se decidimos pelo mal...
nos perdemos com o mal eternamente...
Só nos restando a saudade da verdade,
Da bondade,
Da santidade,
Do amor que perdemos...
E nada mais...
...
“Já te foi dito, ó homem, o que convém, o que o Senhor reclama de ti: que pratiques a justiça, que ames a bondade, e que andes com humildade diante do teu Deus”. (Miq 6,8).
...

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

1 de junho de 2010

FRATERNIDADE E MINORIDADE

Os frades levavam a saudação da Paz com que a todos saudavam, na alma o Evangelho e a confiança de que o Espírito de Jesus os acompanhava a encher-lhes o coração e as falas. Trabalhavam pelos campos com os lavradores ou outras ocupações prestadias, com todos cantando os louvores de Deus. Comiam do que lhes davam Descansavam as noites nas leprosarias onde se demoravam dias a tratar dos lázaros, em casa de benfeitores devotos ou em qualquer barraco à borda dos caminhos.
Fernando Félix Lopes - O Poverello. São Francisco de Assis

1.
Oitocentos anos se passaram desde que o Altíssimo e Bom Senhor, na história da humanidade e do povo do Senhor em marcha, visitou seu servo Francisco e mostrou-lhe um caminho novo, uma senda antiga que precisava ser trilhada de uma outra maneira. Francisco seria o homem evangélico, homem de um mundo novo. Seus discípulos seriam logo conhecidos como gente de coração mudado, gente penitente. E nós, franciscanos, não concebemos nossa vida a não ser em relação a esse Francisco e a tudo que dele ouvimos desde a nossa juventude. Queremos que os dias do jubileu seja tempo de graça nova.

2. Uma das perguntas que anda sempre de novo aflorando em nossas existências humanas, cristãs e franciscanas, ontem e hoje, é esta: “Quem somos nós?” Sócrates, o velho filósofo, havia forjado o famoso “Conhece a ti mesmo”. Os dois questionamentos se interpenetram e se associam a uma pergunta de Francisco que fazemos nossa: “Senhor, o que queres de mim? Trata-se do tema da identidade, abordado a gosto e contragosto, talvez nos últimos trinta anos. O que ser religioso? O que é ser sacerdote? O que ser casal? O que é ser pai? O que é ser mãe? O que é ser cristão? O que evangelizar? O que é ser franciscano? Parece que tudo está para ser refeito e revisto. Diante das loucas transformações e vertiginosas mudanças há os que questionam tudo. Por vezes, quem sabe, pelo prazer de questionar, pelo modismo de fazer como os outros. Outras vezes, na tentativa de serem fiéis a si mesmos, ao chamado de Deus e à missão que precisam exercer nesse espaço que se chama vida. Nesse tempo da celebração do carisma muitos ângulos do carisma estão sendo objeto de nossa meditação. Quem somos nós, franciscanos? Nesses tempos de retorno à graça das origens tentamos responder a esta questão. Que “expressibilidade” temos no mundo e na Igreja? Ainda hoje os frades escrevem páginas esplendorosas com sua vida dedicada. Mas questionamos a diminuição das vocações e uma certa desmotiivação.

3. Nós, franciscanos, dispersos no meio do mundo, correndo de um lado para o outro, atraídos por mil solicitações, dando nossa colaboração nas paróquias, preparando o capítulo, revendo os passos dados e desejosos de ir adiante, buscamos “nosso próprio’’, aquilo que constitui nossa identidade mais profunda. Quem sou eu? Quem somos nós? Por que continuamos na Ordem? Quais os desafios de nossa Província? Quem somos nós que percorremos os corredores da VOT do Rio, que visitamos as capelas do interior de Concórdia, que dinamizamos a paróquia de São João Batista em São João de Meriti, que atendemos na portaria do Largo de São Francisco em São Paulo, que estamos diante das planilhas do computador ou percorremos os leitos do hospital de Piraquara? Qual é nosso próprio? Certamente, ele não existe em estado puro.

4. Documentos da Ordem, Cartas do Ministro Geral, textos das Conferências Franciscanas, reflexões de frades e a vida dos irmãos nos ajudam a compreender melhor o sentido de nossas vidas e da vida de nossos confrades que foram tocados pela fascinante figura de Francisco. Eventos grandiosos, como o Capítulo das Esteiras, ajudam a colocar questões e transmitem elan. Mas não são suficientes. Será preciso esse labor pessoal. Não podemos fazer a economia do empenho pessoal. Ninguém está autorizado a sentar-se à beira do caminho e esperar que outros lhes dêem soluções para impasses. Os congraçamentos, as festas não enchem o vazio que pode existir no fundo do coração de muitos irmãos. Por que tantos irmãos, depois de pouco tempo de profissão, deixam a Ordem? Necessário será tomar a decisão de voltar ao amor primitivo, ao primeiro élan, aos dias em que dissemos com Francisco: “É isso que eu quero, isso que busco de todo o coração”.

5. Só consegue viver com alegria profunda aqueles que seguem, de verdade, o chamamento e respondem à vocação. Esses são os que “difundem” a alegria de viver o Evangelho, através da singeleza de seu testemunho. Será que os frades da Província são pessoas profundamente alegres?

6. Ter encontrado sua vocação é uma graça. A vocação em si é sempre graça. É uma graça viver e saborear, sem muitas interpretações, sem glosas as palavras de Francisco em sua Regra, no Testamento e nas Admoestações. Quando as lemos com os olhos do rosto e com as vistas do coração sentimos que dentro de nós as cinzas se tornam brasas e temos vontade de reescrever, ainda hoje, com a nossa vida, a aventura fascinante do Evangelho franciscano. Fala-se de uma utopia! Todos guardamos nos cantos do coração a bênção de Francisco no final de seu Testamento. Em nossos antigos capítulos de culpa, realizados às sextas-feiras, com odor de peixe (desculpem evocar estas coisas, tiradas do baú da memória), na imensa vontade de sermos filhos de Francisco, ouvíamos com alegria profunda e esperançosa as palavras do Pai: “Ordeno firmemente por obediência a todos os meus irmãos, clérigos e leigos, que não introduzam glosas na regra nem nestas palavras dizendo: é assim que devem ser entendidas. Mas como o Senhor me concedeu de modo simples e claro dizer e escrever a regra e estas palavras, igualmente de modo simples e sem glosa, as entendais e com santa operação as observeis até o fim” (Testamento, 38-39). Fraternidade e minoridade são aspectos fundamentais do caminho evangélico franciscano. Eles seriam “nosso próprio”. Ao menos dele fariam parte preponderante.

7. O tema da fraternidade, do fraternismo, simplesmente da vida fraterna parece gasto. Por vezes, a leitura de certas páginas sobre o tema chegam a nos irritar. São moralizantes e tacanhas. Como se precisássemos ficar roçando uns nos outros tempo todo... Como se a fraternidade se resumisse a uns encontros mais ou menos “quentes” ou “formais” em torno da mesa, na sala de recreio ou mesmo na hora do ofício! Longe, bem longe de mim, a idéia de minimizar os encontros acima mencionados, instrumentos de afervoramento da vida fraterna, sacramentos de algo maior do que aquilo que mostram. A fraternidade é bem mais do que esses encontros prescritos e previstos. Eles são muletas que devem nos levar a fazer a experiência teologal do fraternismo. Exprimem o que existem e suplicam pelo que ainda não é.

8. “Como todos os sonhos de Deus, a Fraternidade é dom e simultaneamente responsabilidade que interpela nossa responsabilidade. Construir constantemente a fraternidade não é, em primeiro lugar, questão de horários e de estruturas; supõe a acolhimento sincero do apelo do Senhor que nos desenraiza de nossas seguranças e nos coloca a caminho para ousar, com “lucidez e audácia”, viver aqui e agora a utopia da Fraternidade universal em nossa realidade concreta, junto com os irmãos com os quais nos é dado de viver precisamente este hoje” (Projeto do Secretariado para a Formação e os Estudos, OFM, Roma 2008, n.10). Destaque-se a idéia: viver com os irmãos este hoje.

9. Mistério da fraternidade! O frade Jean-François Comminardi, ofm, na revista Évangile d’ aujourd’ hui, n. 217, lembrando o fundamentp teológico da fraternidade, evoca o abismo esplendoroso da Trindade: “A Fraternidade provém diretamente da Trindade! É isso antes de tudo que Francisco diz quando ele se dá e nos dá esse nome, esse título de irmãos. É, associados pelo Espírito a Jesus, o Filho que de fez nosso irmão, que podemos dizer na verdade e juntos: Pai. Não se pode esquecer esta primeira afirmação, a mais fundamental: Cada vez que nos chamamos pessoal e mutuamente de irmãos afirmamos e celebramos nosso ingresso na comunhão trinitária, afirmação maravilhosa, mas também maravilhosamente exigente porque, como acrescenta Francisco na Carta aos Fiéis, retomando uma palavra de Jesus: “Somos verdadeiramente irmãos (de Jesus) quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus” (52). E Francisco acrescenta: “Como é glorioso, santo e sublime ter nos céus um Pai!(...) Como é santo e dileto, aprazível, humilde, pacífico, doce, amável e acima de tudo desejável ter tal irmão e filho que expôs a sua vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10, 15) e orou ao Pai por nós, dizendo; Pai guarda em teu nome aqueles que me deste (Jo 17,11) (54 e 56)”.

10. Venha em nossa ajuda Éloi Leclerc : “A vida evangélica não é absolutamente nada disso ( busca de uma fraternidade de puros). Não se trata de sonhar com uma fraternidade ou uma Igreja de pessoas puras, mas aceitar viver com os irmãos, com todos os irmãos. Não só com os justos, mas também com os medíocres e os pecadores. Não só com os sadios, mas também com os doentes e com os estropiados... E no meio de todos, trata-se de testemunhar a imensa paciência de Deus, seu inesgotável perdão e sua graça sempre renovada. Pois este é verdadeiramente o coração de Deus. Quando se dá este testemunho, então começa aqui e agora o Reino de Deus: a luz do Evangelho brilha na obscuridade do mundo (Éloi Leclerc, O Sol nasce em Assis, Vozes Petrópolis, 2000, p. 71).

11. Francisco andava buscando. O seu processo vocacional não foi breve e revelou-se multifacetário. Os estudiosos chamam atenção para vários encontros de Francisco com o Cristo e o Evangelho antes de poder dizer o famoso: “É isso que eu quero, isso que busco de todo o coração” ao ouvir o Evangelho da missão na Porciúncula. Falam, os ditos autores, de um encontro consigo mesmo, com os pobres, com os leprosos, com o Crucificado, com o Evangelho e com os irmãos (cf. El proceso vocacional de Francisciso de Asís, F. Uribe, OFM, in Verdad y Vida 230, 2001, p. 75-100). Francisco olhou para o caminho dos beneditinos. Usou roupa de eremita e cinto de ermitão. Andou triste de um lado para o outro. Pensava que Deus queria que ele fosse pedreiro. Pensou também em ser contemplativo silencioso. Não se encontrou nem cá, nem lá. Estava sempre aberto para descobrir seu caminho. Até que, deixando de procurar, passou a viver.

12. Fundamental é a frase do Testamento que tanto nos marcou e continua marcando: “E depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho” (14). Nesse momento, Francisco se encontrou. Outros preferem dizer que ele foi esclarecido apenas no momento do Evangelho da Missão. Na realidade, a vida não é simples e os caminho que nos fazem chegar a Deus mais complexo ainda. Sublinhemos: o dom dos irmãos. Com a chegada dos irmãos, Francisco se encontrou.

13. O Senhor nos chamou a viver a forma de vida evangélica, não solitariamente, mas numa comunidade de irmãos. Não constituímos um grupo de pessoas que “colaboram” para o bom êxito de um empreendimento. Não somos tocadores de obras, por mais nobres e necessárias que sejam. Não somos apenas pessoas polidas umas com as outras. Somos iguais, somos irmãos, respeitamo-nos profundamente uns aos outros, manifestamos com confiança nossas necessidades, evitamos discussões, murmurações, cólera e julgamentos negativos. Sofremos quando um confrade vive sem atenção num quarto velho no fundo de um corredor sombrio... Prestamo-nos mutuamente humildes serviços, amamo-nos com ternura de mãe. “A fraternidade não é somente, nem em primeiro lugar, uma escola de perfeição ou uma equipe de trabalho apostólico. A fraternidade tem uma razão em si mesma: ser um ambiente onde os irmãos procuram estabelecer relações verdadeiramente interpessoais. A razão de ser de uma fraternidade evangélica é que os irmãos se amem uns aos outros. Ela quer ser uma manifestação visível, uma espécie de sacramento da nova situação do homem , a quem o Senhor concedeu em Jesus Cristo, a possibilidade de amar verdadeiramente todos os homens. Os laços que unem entre os si os irmãos de uma fraternidade evangélica, não são espontâneos como no casal humano. Os irmãos se agrupam para amar-se por causa do Reino de Deus. Querem, desta maneira, manifestar de forma concreta a vocação primeira da Igreja: ser uma comunidade de amor” (Thaddée Matura, OFM, O projeto evangélico de Francisco de Assis, Vozes/CEFEPAL, Petrópolis 1979, p. 80).

14. Para Francisco, a chegada dos irmãos é a confirmação de sua vocação. Para cada um de nós, frades hoje, os irmãos, os frades e nossa vida com eles confirmam nossa vocação. Não existe vocação isolada dos franciscanos. Não existimos sem os irmãos. Não temos apenas que socorrê-los. Necessitamos deles para sobreviver. É nosso próprio. Somos uma fraternidade. A exclusão do irmão ou sua ausência nos faz mal. Não conseguimos ser nós mesmos sem a presença dos irmãos. Perdemos nossa identidade. A presença fraterna se traduz em atenções, acolhida, perdão, respeito, satisfação dada pelas nossas idas e vindas, união de nossa voz com a voz do irmãos na oração, comer juntos o pão da vida, alegria de podermos ir pelo mundo, dois a dois, concordes, dizendo que o amor precisa ser amado, alimentados pela Eucaristia, muitas vezes, concelebrada. Não existe franciscano sozinho.

15. Cada frade precisa ter a certeza de seu chamamento, e assim ir clarificando a questão de sua identidade. E a certeza lhe vem da presença e da pessoa do irmão. Ele é fundamental para que eu possa confirmar minha própria vocação. Essa certeza de que o Senhor nos dá irmãos não acontece ou ocorre uma só vez... O Senhor está sempre dando irmãos. É um ato contínuo, como contínua é a criação e contínua a redenção. A fraternidade se renova ou se atualizada cada dia, cada dia acolhemos, com a alegria a multidão dos irmãos que nos são dados.

16. E quando o irmão peca eu o procuro. Penso nele é claro, quero que saia das trevas, mas penso sobretudo em mim porque se me distancio do irmão, mesmo do pecador, falho em minha própria vocação e não respondo ao chamamento que me foi feito. Minha vocação só se explica com a frase de Francisco: “O Senhor me deu irmãos...” Não existe franciscano sozinho. O irmão é fundamental para que eu continue um cristão franciscano. Ressoa sempre aos nossos ouvidos aquela frase do Gênesis: “Onde está o teu irmão, o que fizeste dele?”

17. O novo documento sobre a formação permanente na Ordem dos Menores, já mencionado anteriormente, insiste: “Marcada muitas vezes por conflitos interpessoais, a Fraternidade aparece como lugar privilegiado para “fazer misericórdia” , para que o negativo se transforme em ocasião de crescimento. A situação de imperfeição das fraternidades não pode nos levar ao desânimo. Somos sempre interpelados pelo exemplo e pela palavra de São Francisco. Na Carta a um Ministro, a delicada situação fraterna é vivida como uma graça, não tanto pelo que ela tem de doloroso (des-graça) mas antes de tudo porque ela oferece ao Ministro a possibilidade de ser misericordioso, podendo desta forma exprimir, como ser humano, a realidade de um ser criado à imagem de Deus. A misericórdia nos faz compreender que não nos é permitido impor tempos e modos de conversão a todos (“Ama-os com tudo isso e não queiras que sejam cristãos melhores” / Carta a um ministro, 7), mas a respeitar os diferentes ritmos dos percursos de cada Irmão e da Fraternidade” (n.12).

18. Podemos voltar a E. Leclerc fazendo afirmações a respeito da verdadeira vocação de Francisco....: “Agora se manifestava com toda clareza a vocação de Francisco. Ela se tornava nítida assumindo toda a sua dimensão. O Senhor não o havia chamado para fundar uma Ordem, mais uma entre muitas outras. Ele próprio jamais havia pensado nisto. Tinha acolhido os irmãos que o Senhor lhe havia dado. Simplesmente isto. Sua verdadeira vocação estava em outro lugar. Ele a via claramente naquele momento. Tratava-se de oferecer ao mundo, além de todas as estruturas, aquela presença total e aquele dom completo que Deus faz de si mesmo a todo momento e a todos os seres. E como era exaltante esta vocação! Francisco podia agora cantar o Irmão Sol que brilha sobre todos com grande esplendor, à imagem de Deus” ( Idem, p.71). Não existe franciscano sozinho.

19. A minoridade (ou minorismo) é outra característica própria dos franciscanos. Até que ponto, realmente, a formação consegue nos colocar nesse espírito querido por Francisco? Há os que descrevem as características dos primeiros frades com a mobilidade apostólica, a pobreza, a fraternidade, a inserção nas cidades. Autores, como Eloi Leclerc, fazem parecer que estas notas estavam presentes também em outros movimentos evangélicos da época... ”Se quisermos caracterizar a experiência franciscana primitiva em sua singularidade, é necessário acrescentar outro traço essencial. Tomás de Celano relata o seguinte fato: “Quando assim escrevia na Regra: E sejam menores, ao proferir esta palavra, naquela mesma hora disse: Quero que esta fraternidade se chame Ordem dos Frades Menores” (1Celano 38). “Frades menores”, essa designação vem iluminar e precisar a idéia que Francisco faz da vida dos irmãos e de sua vocação evangélica na sociedade e na Igreja. Assim se exprime dirigindo-se ao bispo de Óstia: “Senhor, meus frades têm o nome de menores para não desejarem ser maiores. Sua vocação é de ficar embaixo seguindo os passos do Cristo” (E. Leclerc, Francisco de Assis. O Retorno ao Evangelho, Vozes/CEFEPAL, Petrópolis 1983, p.61).

20. Não é aqui o lugar de fazer um tratado sobre o minorismo franciscano. Estamos sempre com a pergunta: Quem somos nós? Qual é nossa identidade? “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo; e, depois, demorei só um pouco e sai do mundo” (Testamento 1-3).

21. Donald Spoto, no seu Francisco de Assis. O Santo Relutante (Objetiva, 2003) afirma, com razão, que o leproso foi o lugar da manifestação, da epifania de Cristo para Francisco. Depois do famoso encontro relatado pelo próprio Francisco e repetido mil vezes pela hagiografia, o Poverello ficou diferente. Começou a “deixar o mundo”, a fazer penitência, a mudar o coração, a ser um penitente de Assis. O cuidado pelos leprosos não significou para ele apenas colocação de gestos de benevolência ou de “caridade”. Spoto compreendeu bem. “Com este único ato de caridade, Francisco, aparentemente transformou-se, pois ao chegar à Umbria não apenas retomou a restauração de São Damião, mas começou também a cuidar dos leprosos, tarefa raramente empreendida por quem quer que fosse. Para isso precisava não apenas mendigar comida em nome deles e alimentá-los, mas também levá-los a um regato ou fonte próxima para lavar as feridas. Em nome de Deus, servia a todos eles com grande amor. Lavava a imundície e até mesmo limpava o pus de suas chagas. Seu carinho, em outras palavras, significava mais do que simplesmente não demonstrar aversão. Significava a disposição de ficar em companhia deles justamente porque eram rejeitados. Significava tomar com estrita literalidade o ensinamento do Evangelho de que cuidar dos necessitados era o mesmo que cuidar do Cristo solitário, moribundo e nu” ( P. 101-102). Francisco não experimenta doçura apenas na oração, mas de modo especial, quando cuida das chagas dos leprosos. Indo na direção dos leprosos, Francisco se dirige a um “santuário” de Cristo, onde ele está presente. Não vai tanto para dar, quanto para receber. Não vai praticar boas obras de caridade, mas se aproxima da fonte da dor de Cristo que mora no leproso.

22. Francisco não fica de braços cruzados. Age. Vai. Toma a iniciativa. No final de sua vida, cercado de certas honras e envolvido nas tramas da “administração” de uma grande Ordem, sentindo um certo desgosto de não ter alcançado o que queria, Francisco se lembrará com saudade do tempo em que os frades eram poucos e ele cuidava dos leprosos. “O frade menor aprende que precisa estar junto do mais pobre, do leproso para estar junto do Mestre. É convidado a “estar junto” e não a “mandar outros” para que venham a estar onde ele, frade menor, deve estar”. Será que nossas obras sociais são marcadas pela alegria de estar junto com o Cristo despedaçados ou também andamos burocratizando esse universo todo?

23. Muitos questionamentos e muitas interrogações. Qual é nosso lugar? Onde estão, de verdade, os leprosos de hoje, “domicílios” do Cristo de São Francisco? Praticamente quais os frades que conseguem encontrar esse Cristo? No momento da re-arrumação das casas, depois do Capitulo, será que muitos frades vão estar junto dos seres mais abandonados que são o “santuário” de Cristo? Ou será que precisaremos sempre cobrir os “buracos”?

24. Uma rica tradição bíblica e medieval afirma que as pessoas que se aproximaram carinhosamente da miséria entraram num caminho de conversão. Spoto vê em Teresa de Calcutá uma buscadora de Cristo nos leprosos de hoje. “Após a Segunda Guerra Mundial, a filha de um quitandeiro albanês chamada Agnes Bojaxhiu resolveu tratar os doentes pobres de Calcutá, simplesmente ficando em companhia deles, para que não morressem sozinhos, sem o calor de um abraço humano. Mais tarde, conhecida como Madre Teresa, ela afirmou, ao receber o Premio Nobel da Paz: “Escolhi a pobreza de nossos miseráveis. Mas estou grata em receber o dinheiro do prêmio em nome dos famintos, dos nus, dos desabrigados, dos aleijados, cegos e leprosos, de todos aqueles que se sentem indesejados, sem amor e sem carinho na sociedade – aqueles que se tornaram uma carga para a sociedade e que são rejeitados por todos” ( p. 102-103)” . “Cuidando dos rejeitados do mundo, Francisco começava a ascender à genuína nobreza que buscava, que seria descoberta não nas armas, ou em títulos e batalhas, glórias ou desafios. A honra não estava na companhia dos mais fortes, dos mais atraentes, dos mais bem vestidos ou mais seguros da sociedade, mas entre os mais fracos, os mais desfigurados, os que estavam marginalizados, dependentes e desprezados” ( p. 104). Francisco, cuidando dos leprosos, se aproximou do Cristo desfigurado e o Pai seráfico necessitava dos necessitados como ponto de encontro com o mistério de seu esposo, Cristo Jesus.

25. A Ordem está preocupada. O Documento sobre a formação, já citado, diz ao número 22: “Jesus Cristo é o paradigma da minoridade, ele que se despojou tomando a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens, Animados pelo mesmo espírito de fé, os irmãos aprenderão a partilhar as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo optando por viver, por amor a Cristo que se deu inteiramente, entre os que habitam os lugares de “ruptura” (n.22).

26. Ao concluirmos estas reflexões retomamos o final do Testamento do Pai todo seráfico: “E todo aquele que estas coisas observar seja repleto no céu da bênção do altíssimo Pai e na terra seja repleto da bênção de seu divino Filho com o Santíssimo Espírito Paráclito e com todas as virtudes dos céus e com todos os santos. E eu , Frei Francisco pequenino, vosso servo, quanto posso vos confirmo, interior e exteriormente esta santíssima bênção”. E nós, jovens noviços, estudantes de filosofia ou de teologia, comíamos a frugal refeição das sextas-feiras pensando no céu que nos esperava se fôssemos fiéis a Francisco

27. Ouvimos sempre falar de busca de nossa identidade franciscana. Somos constantemente convidados a voltar às fontes, a interrogar os que nos precederam e nos abeirar da figura de Francisco que uma infinidade e textos e versões nos apresentam.

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM