Nunca nos cansamos de refletir sobre o amor daquele que se entrega sem limites no alto da cruz, no abandono dos abandonos, na solidão das solidões. Há um momento crucial: não tendo mais posição no patíbulo, com os pés trespassados por um só prego, Jesus olha o horizonte próximo e distante. Não vê claro muito longe porque seus olhos estão turvados com a poeira, o suor e os escarros... Não vê longe, mas está ali. Reúne na mente e no coração as melhores energias que tem e entrega-se ao Pai pelos seus. Ama de verdade, sem romantismo, sem lirismo. Ama valente e vigorosamente. Os devotos do Coração de Jesus contemplando um amor tão vigoroso querem amar na qualidade do amor do Mestre.
O texto da meditação atribuída a Santo Anselmo diz que naquele momento, depois de ter feito a oferenda viva de si, Jesus está com a cabeça inclinada. Sabemos que a morte não foi a última palavra do Mestre. O Pai não deixou que assim fosse e por isso o arrancou da morte e fez dele o Senhor dos vivos e dos mortos. Não somos fautores de uma espiritualidade sombria, escura, cinzenta. Somos filhos da manhã da Páscoa, o que não nos impede de contemplar a cena final da vida daquele que é vida de nossa vida.
Aquele que tem a cabeça inclinada é o manso Jesus, o manso cordeiro, aquele que foi levado não para o deserto, mas para fora dos muros e que, com a oblação, se tornou o cordeiro querido que tira o pecado do mundo. Sabemos disso. Para que repetir? Porque estamos acostumados demais a não pensar no que significa dar a vida pelos seus e dar vida por cada um de nós. A rotina e a repetição automática fazem com que sejamos criaturas sem fogo.
Anselmo chama atenção para o Senhor dos braços estendidos. Quem tem os braços abertos quer acolher, está disposto ao abraço, não coloca resistência. Belíssimo ver uma criança que corre ao encontro do pai que chega do trabalho e que lhe abre os braços. Que beleza um tal abraço! No aeroporto uma irmã, com os braços abertos, espera o irmão que vem da guerra. A mãe que vai visitar o filho presidiário, depois da conversa, levanta-se abre os braços e aperta o filho junto do coração. Os braços abertos convidam para a intimidade, constituem um sinal de perdão. Os que abrem os braços para acolher os outros também querem um espaço no coração dos outros. O pai do pródigo abraça o filho e o cobre de beijos.
A partir da morte e da ressurreição do Senhor o pecado do homem, suas loucuras, a satisfação de seus desejos imediatos, o esquecimento daquele que é belo, do Senhor, a tentativa de organizar a vida a partir de interesses pequenos podem ser cobertos pela misericórdia do Senhor.
Aquele que tem a cabeça inclinada, os braços estendidos, tem também o lado aberto. E do lado aberto do Senhor, do rochedo de seu peito, saíram dois pequenos filetes de água e de sangue. Lembramo-nos deste peito aberto quando as pessoas são batizadas. As águas de nossos batistérios são sacramentos do lado aberto. Lembramo-nos da sede de nossa gargantas. Dessa sede de plenitude, de amor sem limites. Lembramo-nos do cálice que está sobre a toalha branca, cálice e vinho, eles também, sacramentos desse bendito lado aberto.
Aquele que está suspenso entre o céu e a terra tem os pés trespassados, mas corre velozmente, como Ressuscitado, batendo à porta dos seus e esperando a festa da intimidade. O prego não impediu a corrida daquele que é o Amado buscando o amor dos seus.
Coração aberto, janela do amor, fonte de vida, asilo dos que estão cansados!
Frei Almir Guimarães
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