1. Nunca nos cansamos de contemplar os últimos momentos da trajetória do Cristo de nossas vidas. Sabemo-lo ressuscitado e presente no meio de nós. De alguma forma, podemos dizer que nossa vida se confunde com sua vida. Não somos homens e mulheres da sexta-feira das dores, mas da manhã da ressurreição. Neste curto espaço de tempo de nossa vida tivemos a ventura e a alegria de sermos delicadamente apresentados ao Senhor. Gostamos, mesmo sabendo que o Senhor é o ressuscitado, de contemplar sua cruz. Aquela solidão, aqueles momentos delicados em que o próprio Pai parece tê-lo abandonado. Aquele peito aberto pela lança do soldado. Aquele Coração que espreitava o nosso coração. Aqueles braços abertos querendo nosso abraço.
2. Zózimo, autor eclesiástico antigo, contemplando a cruz do Senhor, escreve: “Quando nos aproximamos da cruz de Jesus, ele nos olha de braços abertos. Tem sua santa cabeça inclinada para ouvir tua voz. Deus fechou os olhos para não ver teus pecados. Permitiu que seus pés fossem pregados ao lenho, para não se afastar daqueles que, na realidade, não mereciam seu amor”.
3. Discípulos de Cristo, experimentamos, diante do Coração aberto do Mestre um sentimento de confusão pelos nossos pecados, pela incapacidade de responder amor com amor, pela vida mais ou menos tíbia que uns e outros levamos. Pela falta de zelo missionário. Pela perda do élan no desgaste do tempo. Esse sentimento de confusão se mistura ao desânimo e ao peso de atos que colocados corroem a nossa consciência. Mas ele está pregado, preso, não se afasta. Está a chamar. É possível tudo recomeçar. O sentimento de confiança, do cor contritum, invade a nossa vida. É o grande momento da graça!
4. Novamente Zósimo: “Ele não somente abriu a porta de seu coração, cheio de caridade. Permitiu que ele fosse traspassado pela lança para que sua ternura e seu amor escorressem sem interrupção sobre todos os que se lança aos pés de Deus que, com seu amor, se fez pregar na cruz”. Se é verdade (e como!!!) que os cristãos não podem se acomodar, não descansam enquanto o maior número de homens e de mulheres não venham a se apaixonar por Cristo, também é certo que precisam compreender contemplativamente a grandeza do sangue que corre, da água que mana do Coração daquele ama sem ser amado. Não se pode perder de vista esse denso momento da trajetória de Deus que se aproxima de nós.
5. Não é possível deixar de beber desta fonte no cuidado da busca do silêncio e na constante visita ao nosso interior. Não podemos deixar o nosso interior se torne vazio. Intimidade sim, em vista da missão. Mas tempo de intimidade. “Entendei o que bebeis. Diga-vos Jeremias, diga-vos a própria fonte: Abandonaram-me a mim, fonte de água viva, diz o Senhor (Jr 2,13). O próprio Senhor, nosso Deus, Jesus Cristo, é a fonte da vida: por isso nos convida a irmos a ele, fonte para bebermos. Bebe-o quem ama; bebe quem se sacia com a palavra de Deus; quem muito ama, muito deseja; bebe quem arde de amor pela sabedoria” (São Columbano, Liturgia das Horas IV, p. 143).
6. Vamos correndo na direção do Coração aberto do Senhor, sem medo e sem hesitação. Zósimo nos ensina a postura diante dele: “Medita em sua bondade e reza, ou como o publicano, dize baixinho com humildade e compunção: Tem piedade de mim, que sou pecador! Ou então grita como a cananéia, ou permanece silencio banhado de lágrimas, como a pecadora aos pés do Salvador, ou corre sem medo, como o filho pródigo. Os braços do Salvador, cobertos de sangue, acolhe todos os que a ele se voltam”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário