1.
 Estamos assistindo em nossa Igreja um empenho de  busca das coisas essenciais. Não basta apenas uma prática solta,  mecânica ou emocional. Não queremos uma sacramentalização sem seguimento  de Cristo.  O Documento de Aparecida e o outro da Iniciação à Vida  Crista da CNBB  nos falam de seguimento, discipulado, ardor, recepção  lúcida e consciente  dos sacramentos.  “A pessoa amadurece  constantemente no conhecimento , amor e seguimento de Jesus Mestre, se  aprofunda no mistério de sua pessoa, de seu exemplo e de sua doutrina.  Para esse passo são de fundamental importância a catequese permanente e a  vida sacramental,  que fortalecem a conversão inicial e permitem que os  discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em  meio ao mundo que os desafia”  (
Aparecida, 278,c).                                     
2. Não há dúvida. Necessário se faz  colocar-se aos pés do Mestre, contemplar seus gestos e se extasiar  diante do amor que se torna cruz, abandono e solidão.  Na medida em que  deixamos que nosso interior seja  perpassado por este tipo de  contemplação saímos da dimensão do jurídica, do funcional, do imediato,  do formal, do frio... Os que vão se deixando tocar pelo amor do Senhor  são discípulos ardorosos.                                   
3. Toda a mística cristã sempre  contemplou com imenso carinho e respeito a ferida do peito aberto de  Cristo no alto da cruz.  Afinal de contas, não podia ser de outra  maneira. Nos que fomos arrancados do tétrico universo da solidão e do  abandono  não cessamos de contemplar essa  ferida e a fonte que dela  jorra.  Nunca seremos suficientemente reconhecidos ao Amor que não é  amado.  Nunca poderemos pagar esta dívida: o mais belo de todos os  filhos dos homens, Deus morando em nosso meio,  morrendo de amor.  São  Columbano (sec. VII) assim escreve: “Oxalá, Senhor, te dignes admitir-me  a esta fonte. Deus misericordioso, bom Senhor, onde eu, com os que têm  sede de ti,  beberei da onda viva da fonte viva da água corrente.   Refeito por sua indizível doçura,esteja sempre unido a ela e diga:  Quão  doce é a fonte de água viva que jorra para a vida eterna”.  A água que  jorra, no dizer de João, é o Espírito.  A água que jorra serve para  matar a sede de plenitude que existe em nós e que nunca pode ser  saciada.  Da fonte saem água e sangue. Em outras palavras jorram rios de  amor.  Assim, nessa contemplação profunda, cresce o discípulo,  dilata-se sem coração e arde dentro dele o senso missionário.  Não quer  ficar numa beata contemplação, cheia de emoção e de afeto, mas quer  fazer de sua vida um hino de serviço amoroso, como Cristo Jesus.   Insisto: os que se colocam diante do Coração se tornam ardorosos  missionários.                                   
4. Mais adiante  São Columbano  fala  da ferida do amor, da caridade. “Rogo-te, nosso Jesus, inspira os nossos  corações com aquela brisa do teu Espírito e fere nossas almas com a tua  caridade (...). Desejo, Senhor, que se grave em mim esta ferida. Feliz a  alma que assim foi ferida pela caridade; esta busca a fonte, esta bebe  e, no entanto, sempre tem sede bebendo  e sempre haure desejando  aquela  que sempre bebe sedenta. Assim sempre busca amando aquela que se cura  ferindo”.   Sim, ser discípulo não  simplesmente colocar meia dúzia de  práticas religiosas. Não é repetir as fórmulas do Credo, mas é deixar-se  tocar pelo amor, pela caridade.  Não há receita mágica para alimentar o  amor de esposos.  São as coisas de todos os dias que robustecem o  coração: atenções, presença, carinho, fidelidade.  Os que fomos tocados  pelo amor do peito rasgado de Cristo e que aparamos nossas mãos para  colher os rios de misericórdia,  sentimos com que uma ferida na alma,  somos marcados pelos raios e pela reverberação do amor do peito de  Cristo que a lança do soldado abriu.  Somos assim convidados a  contemplar demoradamente.  Alimentamo-nos desse amor de modo especial,  no banquete do pão e do vinho e no sacramento do perdão.  E a ferida  aberta em nosso coração nunca fecha.                                   
5. Os que são feridos pela Caridade   se encantam com o projeto de Jesus e a ele dão  sua generosa adesão. “O  projeto de Jesus não tem nada de pequeno e de mesquinho: pelo contrário,  somos chamados a um trabalho exigente e emocionante. Num mundo ferido  pela violência, escravizado ao consumismo irresponsável, numa sociedade  construída sobre a injustiça, Jesus nos impulsiona a viver a  fraternidade, a defender os fracos, a construir a paz, valorizando a  honestidade e a dignidade humana, sabendo perdoar e partilhar”  (
Iniciação à Vida Crista,  Estudos da CNBB  97,  n.21).  O mundo está  cheio de pessoas feridas, jogadas à beira do  caminho. Elas serão atendidas por aqueles que foram feridos pela  Caridade do Coração do Redentor.  Os devotos da chaga do coração de  Cristo não são alienados, mas ardorosos missionários.                 
Nota bene:   As citações de São Columbano foram tiradas  da Liturgia das Horas  IV, p. 147-148