11 de novembro de 2011

Páginas Franciscanas

UMA FRATERNIDADE
SOCIALMENTE PROFÉTICA

Nossa Página Franciscana deste mês de novembro está na linha de um desdobramento da Leitura Espiritual precedente. Ela descreve a fraternidade franciscana como socialmente profética. Traduzimos este texto do livro "Francesco d’Assisi maestro de spiritualità", de Niklaus Kuster, Ed. Messagero Padova, p. 150-153.

Nobres e sacerdotes foram se associando à Fraternidade do Poverello, renunciando a seus privilégios sóciais e eclesiásticos para serem, como todos os outros, frades menores: os menores da sociedade, a serviço de todos os homens e amigos dos mendigos, dos pobres e dos leprosos. Exatamente, por meio dessa voluntária “descida” na direção dos pequenos, uma vida à margem da sociedade e seu testemunho de serem cordialmente irmãos, uniram na sua nova fraternitas, o que a Igreja e a burguesia citadina de então dividiam em classes e estados: clérigos e leigos; “orantes” e “trabalhadores”; ricos e pobres; cavaleiros e burgueses; citadinos e camponeses .

Tomás de Celano se detém em descrever esta surpreendente novidade quando em 1228, escreve a respeito dos inícios: “... a fama do homem de Deus começou a dilatar-se para mais longe. Naquele tempo São Francisco e seus irmãos tinha realmente alegria muito grande e júbilo especial, quando alguém - quem quer e qualquer que fosse - fiel, rico, pobre, nobre, sem nobreza, desprezado, benquisto, sábio, simples, clérigo, iletrado, leigo no povo cristão, levado pelo espírito de Deus, vinha para receber o hábito da santa religião. Também os seculares tinham com relação a todos grande admiração, e o exemplo da humildade provocava-os à via de uma vida mais correta e à penitência dos pecados” (1Cel 31).

Também Francisco deve ter ficado admirado diante do “milagre social” que “o próprio Senhor” operava à sua volta (Test). A Fraternidade reunia homens de todos os estratos e condições sociais e colocava perto uns dos outros na qualidade de irmãos, os pobres como os ricos, os instruídos como os artesãos, os padres como os leigos. Alegrou-se com a chegada dos primeiros padres, tanto mais que eles não hesitavam em abandonar todos os direitos clericais. Vinham de diferentes lugares com profissões variadas. Externamente nada os distinguia uns dos outros. Todos trabalhavam com os camponeses no cultivo da terra, prestavam serviço nas casas da cidade e mendigavam quando fosse necessário. O ingresso de homens respeitáveis na fraternitas e seu modo humilde de viver entre os pobres comovia os cidadãos às lágrimas e eram uma advertência para todos que poderiam ser vítimas das transformações operadas na cidade.

A opção de Francisco, descendo na escala social, tem tom de profecia. Não se trata de adotar um programa revolucionário. É o Evangelho e o exemplo de Cristo que animam essa “descida” social e a tornar viável seu projeto de vida fraterna ( a palavra frater ocorre 309 vezes nos escritos do santo). A Regra de 1221 faz alusão a um texto chave que motiva evangelicamente a opção pela posição social e voluntária “descida” dos frades: “Jesus falou à multidões e a seus discípulos: os doutores da lei e os fariseus... amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los nem sequer com um dedo... Gostam de lugar de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas. Gostam de ser cumprimentados nas praças públicas e de ser chamados de mestres. Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de mestres.... porque todos vós sois irmãos. Na terra não chameis a ninguém de pai, pois um só é o vosso Pai... e nem de guia. O maior dentre vós é aquele que serve....” (cf, Mateus 23,, 1-10, Regra não bulada XXII).

Francisco deseja exire de saeculo (Test) não como os monges pela distanciamento físico do mundo, mas como radical transformação do pensamento, dos valores e do comportamento. A Fraternidade entra num diálogo crítico e profético com a sociedade citadina. Não mais as normas sociais e os valores burgueses, mas o Evangelho e a vida de Jesus deverão determinar o espírito e o comportamento dos frades. A primeira fraternitas vê em suas fileiras iletrados perto de pessoas cultas, juristas e sacerdotes. Pobreza significa que ninguém se garganteie de sua proveniência ou de seu saber, que renunciando a tudo abracem nu o Crucificado (2Cel194). Francisco lembra que os primeiros frades eram tidos como idiotas. Com isso, ele não quer considerá-los “estúpidos”, mas gente que renuncia a todos os privilégios sociais que a instrução dá. A pobreza é concebida, antes de tudo, como um olhar lançado na direção da kenosis de Cristo, em última análise como renúncia ao próprio “ego” (cf. 2Cel 80). Francisco havia começado a trilhar esse caminho de “abaixamento” como vitória sobre si mesmo no encontro com os leprosos. A pobreza está intimamente ligada, não por acaso, com “sua santa irmã a Humildade” (Louvor das Virtudes).

“O bem-aventurado Francisco, desde o princípio de sua conversão, com a ajuda de Deus, como o homem sábio do Evangelho, fundou-se a si mesmo e fundou a sua casa, isto é, a Ordem, sobre a rocha firme da Altíssima humildade e pobreza do Filho de Deus, pelo que lhe deu o nome de Ordem dos Frades Menores. Sobre a mais profunda humildade: por isso, desde quando começou a aumentar o número dos frades, quis que eles morassem nos hospitais dos leprosos. Nesse tempo, quando chegavam candidatos nobres ou plebeus, era-lhes dito que tinham de servir os leprosos e conviver com eles.. Sobre a altíssima pobreza, assim está escrito na Regra, que os frades devem habitar nas casas onde moram, como estrangeiros e peregrinos, nada mais querendo ter debaixo do céu a não ser a santa pobreza, pela qual o Senhor os nutrirá com o alimento corporal e com a virtude aqui na terra, e obterão na vida futura o céu como herança... Francisco escolheu para si o sólido fundamento da humildade e da pobreza. Embora se tornasse mais notado na Igreja de Deus, queria e procurava sempre ocupar o último lugar, não só na Igreja, mas também entre seus irmãos” (Leg. Per, 103).

A absoluta renúncia ao dinheiro que a Fraternidade se impunha tem dupla motivação. Em primeiro lugar é obediência à ordem de Jesus “de não levar nem ouro, nem prata, nem cobre em vossos cintos” (cf Mt 10,9). Em segundo lugar, o Poverello toma distância da cultura capitalista em germe (ver Regra não Bulada, VIII). A maior insegurança externa e a troca “do trabalho pelo sustento” une os frades com os que são pobres sem querê-los. Sua confiança na Providência de Deus pressupõe e torna possível também a renúncia aos privilégios eclesiásticos e às cartas de recomendação (Test).

Frei Almir Ribeiro Guimarães

http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/bau/2011/11/03.php

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