Frei Salvio Romero, eremita capuchinho
A beleza do canto, da poesia e da música em geral teve um lugar significativo na vida do nosso pai São Francisco. Ele se tornou o trovador de Deus, o cantor das criaturas e o poeta apaixonado pela dama pobreza. Nos momentos luminosos e nos sombrios, nas horas de dor e de alegria ele nunca desistiu de fazer de sua vida um jubiloso canto ao seu Criador.
Antes
da conversão, o jovem Francisco já demonstrava predileção pelo canto. A Legenda
dos Três Companheiros afirma que ele era “aficionado aos divertimentos e aos
cânticos” (LTC 2,3). Esta mesma obra
nos oferece uma cena que ilustra muito bem como deveria ser a vida secular deste
jovem: “Mandou que se preparasse um suntuoso banquete, como muitas vezes o
fizera. Quando já refeitos, saíram da casa e os companheiros todos juntos o
precediam, indo pela cidade a cantar” (LTC
7,2-3).
Ao dar-se a sua conversão, ele não
abandonou seu gosto pelo canto. Pelo contrário, nova inspiração nasceu do seu
encontro com o Cristo e seu Evangelho. Tomás de Celano após nos contar como se
deu o rompimento de Francisco com o seu pai, Pedro de Bernardone, apresenta-nos
um santo que gostava de cantar: “Vestido agora com andrajos aquele que outrora
usava escarlate, ao caminhar por um bosque e cantar os louvores ao Senhor em
língua francesa, de repente ladrões caíram sobre ele” (1Celano 16,1). Este mesmo autor nos diz que, depois de ter sofrido
algumas agressões por parte desses salteadores, São Francisco “alegrando-se com
grande júbilo, começou a cantar em alta voz pelos bosques louvores ao Criador
de todas as coisas” (1Celano16,4).
Durante toda a sua vida,
especialmente em momentos de grande exultação, o santo de Assis se exprimia
através do canto. Um detalhe registrado por todos os seus principais biógrafos
se refere ao idioma utilizado por São Francisco nestes momentos: “Quando fervia
dentro dele a mais suave melodia do espírito, ele a expressava exteriormente em
língua francesa” (2Celano 127,2). E
como se não bastasse o próprio canto, ele acrescentava o instrumento e a dança:
“De vez em quando, como vi com meus próprios olhos, ele colhia do chão um
pedaço de pau e, colocando-o sobre o braço esquerdo, mantinha um pequeno arco
curvado por um fio na mão direita, puxando-o sobre o pedaço de pau como sobre
um violino e, apresentando para isto movimentos próprios, cantava em francês
cânticos sobre o Senhor. Frequentemente, todas estas danças terminavam em
lágrimas, e este júbilo se convertia em compaixão para com a paixão de Cristo” (2Celano 127,3-4).
Quem
não se lembra daquela noite santa de Gréccio, quando o santo com seus frades e
demais fiéis entoaram cânticos ao Menino de Belém? Descreve o biógrafo: “O
bosque faz ressoar as vozes, (...) os irmãos cantam, rendendo os devidos
louvores ao Senhor, e toda a noite dança de júbilo. O santo de Deus está de pé
diante do presépio, cheio de suspiros, (...) e com voz sonora canta o
Evangelho. E a voz dele, de fato, era uma voz forte, voz doce, voz clara e voz
sonora, a convidar todos aos mais altos prêmios” (1Celano 85-86).
O
canto e a música não só estavam presentes nos momentos de júbilo e exultação de
nosso pai São Francisco. Nos momentos sombrios e dolorosos, também encontramos
um santo que se deixa iluminar pelo canto que brota de seu coração. Quando esteve
muito doente dos olhos, fazendo um tratamento em Rieti, pediu um favor a um de
seus frades: “Eu gostaria, portanto, irmão, que trouxesses em segredo uma
cítara de empréstimo, com a qual, fazendo algum canto honesto, desses algum
alívio ao irmão corpo cheio de dores” (2Celano
126). Como o referido irmão não achou conveniente voltar a utilizar o
instrumento que tocava antes de sua conversão, na noite seguinte o santo ouviu
misteriosamente uma melodia vinda daquele instrumento: “Já que não pude ouvir
as cítaras dos homens, ouvi uma cítara mais suave” (2Celano 126,10). Não esqueçamos que foi numa noite de terríveis
tormentos, já cego e muito doente, que este santo compôs o seu mais belo
cântico, chamado por ele de “Cântico do Irmão Sol”.
São Francisco também via no canto um
meio para levar a mensagem de Cristo ao mundo. Na Compilação de Assis se afirma
que, após compor o Cântico do Irmão Sol, o santo desejou enviar Frei Pacífico,
excelente músico, com alguns frades a ir pelo mundo a pregar e louvar a Deus.
Primeiro falariam ao povo e depois cantariam os louvores de Deus. No final o
pregador deveria dizer ao povo: “Somos os jograis do Senhor” (CA 83,27).
O
canto, que sempre fora seu companheiro, esteve com ele até ao derradeiro
instante de sua vida terrena. Tomás de Celano nos conta que, sabendo da proximidade
da irmã morte, o seráfico pai: “chamou a si dois irmãos e filhos seus
prediletos, ordenando-lhes que cantassem em alta voz e na exultação do espírito
os Louvores ao Senhor pela morte próxima” (1Celano
109). Nos seus últimos dias, São Francisco se preparou para a morte
entoando salmos e outros louvores a Deus.Portanto, aprendamos também nós, em
toda e qualquer situação, a elevar a Deus um hino de louvor e gratidão. Que o
nosso canto transborde de um coração cada vez mais purificado, iluminado e
unido a Deus que é Pai e Filho e Espírito Santo.
Pax et bonum!
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