26 de dezembro de 2012

Silêncio e contemplação em Clara de Assis



Na esteira da comemoração dos oitocentos anos do carisma clariano, continuamos a refletir sobre a figura ímpar desta notável fundadora de um estilo original de vida evangélica e contemplativa na Igreja.  Apoiados no texto da Irmã Angela Emmanuela  Scandella, OSC,  Chiara ‘Alta donna di contemplazione’, Sette parole per il nostro ‘oggi’, in  Italia Francescana 2012/1, p. 17ss,  vamos refletir sobre o silêncio e a contemplação. Limitar-nos-emos a citar os elementos evidenciados pela autora.

Silêncio 

Pensar em Clara é pensar numa  mulher envolvida pelo silêncio, não um silêncio ritual e forçado, mas buscado, cultivado, alimentado. Pode-se dizer que ela foi “habitada pelo silêncio”. Não podemos deixar de pensar, é claro, no silêncio exterior amplamente documentado pelas Fontes, mas, sobretudo, pensamos naquele silêncio interior, feito de solidão e de escuta, tecido do harmonioso equilíbrio entre o silêncio e a palavra. Bento XVI em sua Mensagem para a Jornada  Mundial da Comunicação  Social  (2012), recordando uma homilia sua de 2006, dizia: “Na loquacidade de nosso tempo, na inflação das palavras, urge tornar presente a Palavra, a Palavra que vem de Deus, a Palavra que é Deus”.  Isto só é possível com uma purificação de nosso pensar. Será urgente um trabalho de burilar  nossas palavras.  Necessitamos de um silêncio que se torne contemplação. Ora, a vida de silêncio das Irmãs Pobres de São Damião tinha, e tem, essa finalidade: permitir que o Deus-Palavra possa dirigir-se  ao fundo do coração dos que o ouvem. Não se trata, como foi dito, de um mero silêncio exterior, mas desta organização existencial de tal sorte que as antenas mais profundas da pessoa não estejam ligadas  a coisas, por vezes, tão desnecessárias, tão “desarrumadoras” da paz interior.  O silêncio exterior ajuda à amada do Amado a não se “distrair”. Respirando em casa um clima de recolhimento exterior, o coração começa a viver harmonia que é terra mais propícia para a contemplação.

Michel  Hubaut, refletindo sobre o tema do silêncio interior, lembra que quem quer fazer silêncio para ouvir a Deus  e unificar sua existência, aprende a descer até o  deserto interior de seu coração, onde o Espírito marca encontro. Aos poucos, o ouvinte do silêncio vai se dessolidarizando do que é fugaz e sem valor verdadeiro. Não despreza nada, mas tudo relativiza. Os santos  “profundamente presentes  à vida de seus contemporâneos são cidadãos de uma pátria invisível, mais real, no entanto, que qualquer realidade  humana. A experiência nos leva a  dizer que somente a graça de Deus  pode fazer da solidão um espaço de silêncio interior que abre a fechadura  da vida íntima do homem onde o Espírito murmura e Deus fala”.

Contemplação.

Mais uma palavra de Clara para os tempos de ontem e de hoje: vida contemplativa como vigília, uma longa vigília que dura a vida inteira, esperando aquele que está para vir, esse alguém que feito de desejo, deixando ressoar em nós o desejo por ele como eco de seu desejo por nós.

Entrelaçam-se aqui os temas da vigília, do desejo que desemboca num estado de vida contemplativo. As Fontes  fazem alusão às vigílias noturnas de Clara, longas vigílias, longas e solitárias “vigilante e incansável”  segundo a Legenda (n. 19), para recolher o veio do sussurro  furtivo (cf  Jó 4, 12) que  Gregório Magno interpreta como o falar do Espírito. “É a experiência da presença e da ação  do Espírito que, em nós, nada mais faz do que repetir, desde o dia de nosso Batismo, aquele Verbum absconditum, para mencionar ainda aquele versículo de Jó,  Verbum que é Jesus Cristo”. Silêncio, Verbum e contemplação.  A Legenda continua: Clara “parecia sempre ter o seu Jesus entre as mãos”, porque o  Senhor é Espírito, recorda São Paulo (2Cor 3,17).  Trata-se do tema dos esponsórios que Francisco aborda  na Carta aos Fieis (1, 5-8).  A experiência espiritual de Clara é uma viva exegese de Francisco. Deus em nós pela presença e ação do Espírito.  Não se trata de uma atualíssima palavra  para nós que vivemos derramados nas coisas  como que vivendo exilados de Deus? Irmã Angela escreve:  “Nossos mosteiros, com sua pobreza  e  fragilidade, continuam sendo aquelas casas  (domus), mesmo deterioradas, mas consagradas à interioridade. Lugares em que restaurando o coração se restaura, tenaz e  humildemente, a Igreja, a Domus Dei em ruína”. Bento XVI, em visita às clarissas  por ocasião de sua visita a Assis, em 17 de junho de 2007, dizia: “Vós nos precedeis no caminho da conversão”. Quando a conversão é verdadeira, não faz barulho. Muitas vezes faz sorrir que  certamente é mais proveitoso do que ficar choramingando pelas contrariedades de cada dia. A ação do Espírito do Senhor purifica, ilumina, transforma  e aponta os  passos a serem seguidos para que seja bem percorrido o caminho da conversão.  Aqui ainda uma palavra atual e para o hoje: uma vida que se enfrenta o risco de  expor-se a Deus numa cultura que não quer correr  risco.

Frei Almir Ribeiro Guimarães.

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