Elementos da Forma de Vida dos Irmãos de Francisco
Reflexões sobre as Constituições Gerais da Ordem dos Frades Menores
Os franciscanos e milhões de amigos de São Francisco gostam de refletir sobre o modo como o Poverello foi fazendo seu arranjo existencial. Nesta nossa rubrica do mês de junho tomamos o Artigo 1 das Constituições Gerais dos Frades Menores com os seus dois parágrafos. Francisco aí aparece como alguém fascinado pelo Evangelho vivo chamado Jesus Cristo. Convida os seus a viverem o Evangelho.
Art I § 1
A Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco de Assis, é uma Fraternidade na qual os irmãos, seguindo mais de perto a Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo, pela profissão, dedicam-se totalmente a Deus, o sumo bem, vivendo o Evangelho na Igreja, segundo a forma observada e proposta por São Francisco.
1. Uma forma e um gênero de vida, segundo o Evangelho. Não segundo a materialidade do texto dos quatro evangelistas, não fundamentalmente, mas de acordo com o espírito daquele que é o Evangelho vivo: Cristo ressuscitado. Não ousamos seguir por nossa iniciativa. Vivemos uma vocação. Ao longo de nossa vida fomos sendo convocados por esse Cristo vivo e ressuscitado. Sonhos, aspirações, entranhas, corpo, mente, trabalho, pastoral, dores e alegrias, juventude, idade madura e tempo das colheitas, tudo orientado para esse que nos chamou. No ardor de nossos verdes anos quisemos ser do Senhor. Como Francisco sentimos que deveríamos viver aspirando o Evangelho. Nosso gênero de vida é seguir o Cristo vivo à maneira de Francisco. Respondemos a um chamado que deu sentido a nosso viver.
2. Temos uma predileção por certas partes dos textos dos evangelistas. Assim, por exemplo, cada vez que lemos ou ouvimos o Sermão da Montanha de Mateus temos vontade de dizer com Francisco: “É isso que eu quero, isso que eu busco de todo o coração”. Nem sempre sendo fiéis, experimentamos um desejo de viver a limpidez do discurso do novo Moisés no alto do monte da nova aliança: ser sal da terra e luz do mundo, oração no secreto, fé na providência, construir a casa sobre a rocha, jejuar perfumando a cabeça, caminhar 2000 passos com quem nos pede 1000. Sem a pujança do Sermão da Montanha perdemos o fogo, somos praticantes, funcionários das coisas do sagrado, gente da rotina. Na verdade queremos levar uma vida segundo a forma do Evangelho.
3. Fernando Uribe, OFM, em La Regla de San Francisco. Letra y espíritu, Murcia 2006, p. 57, tece considerações a respeito do verbo observar que está na expressão observar o Evangelho. “O verbo observar… etimologicamente é composto da raiz servare, locução que significa guardar ou custodiar o lugar de alguém e o prefixo ob que enfatiza a ação do verbo; neste caso indica que a custódia se realiza com particular interesse. A uma conclusão semelhante se chega aplicando-se observare a significação visual de “vigiar ou montar guarda” que se deu na latinidade clássica, de onde se originou o termo observatório, que comporta a máxima atenção na vigilância, ou no estudo, ou na análise, ou na reflexão. À luz do contexto semântico em que se encontra, quer dizer, referindo-se ao Evangelho, pode-se dizer, portanto, que o ver observar se coloca na esfera da contemplação”.
4. Francisco, homem do evangelho, irmão universal. Foi um homem simples e um cristão excelente e nisso transparece o modo como vai encarnando o Evangelho. Uma bela página de Frei José António Merino, frade menor espanhol, talvez possa nos animar: “Podemos ver, considerar e admirar Francisco a partir de muitas e sugestivas perspectivas humanas, porque foi personalidade rica em suas vivências e atitudes. Nada pode obscurecer ou diminuir, no entanto, sua dimensão religiosa porque foi um cristão excelente”.
5. Continuamos a seguir o texto de Merino. Yves Congar, dominicano célebre, profeta dos tempos novos, homem corajoso, afirmou a respeito de Francisco que, “depois do Único (Jesus Cristo), ele foi o primeiro”. Foi mesmo denominado de outro Cristo. Todos os seus escritos são uma clara e iluminadora confissão de fé. Soube empreender uma caminhada ininterrupta para Deus. Foi um verdadeiro e sincero peregrino na direção do Amor infinito que é Deus e que ia se revelando em diversas ocasiões de sua vida pessoal, familiar e no mundo em que vivia. Podemos aplicar-lhe perfeitamente a palavra de Boaventura: “Senhor, venho de ti e é por ti que vou a ti”.
6. “Francisco de Assis antecipou tudo o que há de mais sugestivo e simpático na moderna sensibilidade, como: liberdade pessoal, alegria profunda, senso de fraternidade, camaradagem universal, amor à natureza, a compaixão social, a cortesia com todos, a atenção especial aos seres mais marginalizados da sociedade, uma sensibilidade aguçada a respeito dos perigos da prosperidade, do poder e do consumismo”. Francisco, aquele que se tornou um evangelho vivo, aquele que, com sua vida, escreveu uma página viva do Evangelho no século XIII, talvez o único que reescrito o Evangelho em sua vida.
7. Continuamos com Merino. Francisco “praticou a difícil pedagogia de dizer sim sem contradizer. Não porque fosse carente de interlocutores, mas porque respeitava a liberdade e a originalidade de cada pessoa. Francisco é um desses raros seres que sempre traz consigo e transmite a primavera de seu coração. Um santo profundamente cordial. Daí sua simpatia e sua ternura. Sua força e sua fascinação”.
8. Um paradoxo: Francisco “propôs uma grande fraternidade e os seus conseguiram cavar lacerações internas. Durante séculos os franciscanos se reúnem mas não conseguem unir os franciscanismos”.
9. Em nossos tempos, tempo do Papa Francisco, discípulos de Francisco, somos chamados a viver o Evangelho na Igreja: fraternidade de frades que querem se estimar, fraternidades evangélicas de irmãos que buscam juntos o Senhor, fraternidades abertas ao mundo sem perder sua mais profunda identidade. A Igreja necessita fraternidades sólidas e quase utópicas para podermos ser colaboradores do Papa na obra de restauração da Igreja nesse século XXI, que como vemos, esgotou algumas de suas possibilidades e precisa reencontrar o novo que vem do Evangelho: “…vivendo o Evangelho na Igreja, segundo a forma observada e proposta por São Francisco”. Repetimos: Estamos à disposição da Igreja para ajudar sua reconstrução. Ou no dizer de Uribe: observar contemplando.
10. Antonin Alis, OFMCap: “Por seu grito (“É isso que eu quero, isso que desejo de todo o coração”), por seu gesto, Francisco nos convida a levar a sério o Evangelho. Antes de tudo vemos essa atitude de verdade para consigo mesmo e para com aquilo que ele percebe e sente a respeito da vontade de Deus a seu respeito. A vontade de Deus. Esta é uma evidência do mais profundo de seu ser. Depois do primeiro momento de discernimento, Francisco abandona tudo e entra numa trilha de conversão. Despoja-se exteriormente de todos os bens ficando apenas com o essencial. Depois haverá de despojar-se do orgulho, da suficiência e de seu narcisismo. Progressivamente, e isto vai ocupar toda a sua vida, ele palmilhará um caminho de serviço, minorismo e fraternidade que permitir-lhe-á de deixar de lado todo desejo de poder, de dominação sobre outros, imitando Jesus Cristo servo. Progressivamente abre-se à ação do Espírito Santo e à sua santa operação, deixando-se transformar a partir do interior. Este despojamento realizado pela escuta da Palavra vai acompanha-lo até à morte, nu sobre a terra nua. Lentamente, a Palavra germina nele e torna-se fecunda a ponto de o identificar com seu Senhor e mestre. A Palavra se torna fecunda na vida de outras pessoas que o escutam, esses que são testemunhas do trabalho do Espírito nele. Francisco é testemunha da existência e do amor de Deus porque deixa que a Palavra o transforme. Por isso, por ser transformado pela Palavra, é alegre, vive a alegria perfeita da qual está cheio e transborda em ação de graças”.
11. Tudo isso vem belamente sintetizado no Art 1 § 2: “Seguidores de São Francisco, os irmãos são obrigados a levar uma vida radicalmente evangélica, isto é: viver em espírito de oração e devoção e em comunhão fraterna; dar testemunho de penitência e minoridade; anunciar o Evangelho ao mundo inteiro em espírito de caridade para com os homens; pregar por obras a reconciliação, a paz e a justiça; e mostrar o respeito pela criação”.
Questões:
A) O que significa praticamente para nós, franciscanos, viver o Evangelho?
B) Para que nós existimos? Por que somos cristãos? Para que somos franciscanos?
Frei Almir Ribeiro Guimarães, Ofm
Extraído de: http://www.franciscanos.org.br/
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