Reflexões de um assistente depois do Capítulo de Manaus
Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)(21-23 de agosto de 2009)
1. A OFS do Brasil realizou sua XXXII Assembléia Nacional ou Capítulo Eletivo em Manaus. Um novo governo assumiu o serviço da Fraternidade Nacional. Todos se voltam para o paraense eleito Irmão Ministro Nacional, Antônio Benedito de Jesus da Silva Bitencourt e seu Conselho no sentido de que possam prestar um belo serviço à OFS. Penso que ele e seus colaboradores imediatos haverão de se revestir dos melhores propósitos de serviço e disponibilidade pela causa dos leigos e leigas que se consagram a Deus na OFS através de uma promessa/profissão de seguir o Evangelho à maneira de Francisco no meio do mundo, secularmente. As reflexões que seguem não são expressão da Conferência dos Assistentes, mas ponderações espontâneas de um irmão franciscano que há 9 anos acompanha de perto a vida da OFS nos Regionais e no Brasil.
2. No início deste triênio temos o dever irrenunciável de olhar a realidade, examinar os passos dados, as atitudes tomadas e traçar um caminho de futuro, marcado pela sinceridade em seguir Cristo Jesus. Por isso cabe esta pergunta: Para onde caminha, ou pode caminhar, a Ordem Franciscana Secular no Brasil? O Ministro Geral dos Menores (OFM), em texto dirigido aos frades fala da necessidade de que nos abramos ao futuro com confiança. O texto não se aplica, em primeiro lugar, aos irmãos da OFS, mas com as devidas adaptações pode nos ajudar a refletir: “Somos filhos e irmãos de um pai “gigante”, cuja santidade, audácia, intrepidez e criatividade permaneceram vivos por oito séculos e agora vivem no coração e na vida de muitos de nossos irmãos. Santidade, audácia, intrepidez e criatividade que todos nós somos chamados a reproduzir com coragem, deixando-nos arrastar pelo Espírito que nos impele para o futuro e nos dá a força da fidelidade criativa para recriar respostas novas para novos desafios. Neste contexto histórico em que vivemos, como muitos de nossos antepassados que, apaixonados por Jesus Cristo e seu Reino, agiram de tal forma que sua vida se incendiou ao invés de se apagar, assim também nós, longe de desperdiçar energias para conservar e manter uma vida consagrada e franciscana à qual falte energia e incisividade e, portanto, encanto e sedução, somos chamados a permanecer fiéis e atuais, de modo que o carisma de Francisco continue significativo para o homem de hoje. Agarrar-nos aos passado, chorá-lo nostalgicamente, levar-nos-ia a uma inevitável decadência. Não se trata de sermos aventureiros, mas também não nostálgicos. Não há alternativa para a vida consagrada e franciscana senão a de abrirmo-nos ao Espírito. Só a força do Espírito evitará que existam em nós vidas pela metade, sufocadas pela rotina e pela inércia, sujeitas ao funcionamento das estruturas. Só assim podemos abrir-nos com confiança ao futuro” ( Relatório do Ministro Geral José Rodriguez Carballo, ao Capitulo Extraordinário de 2006, n. 118).
3. Não é possível deixar de abrir caminhos novos. Não se trata da repetição monótona do que se vem fazendo. As visitas fraterno-pastorais não poderão deixar de incluir em sua pauta perguntas e indagações a respeito daquilo que as Fraternidades estão fazendo para criar o novo: fraternidades que sejam parábolas do reino, grupo de irmãos que andar ao encontro dos mais abandonados, pessoas que criam verdadeiros “eremitérios” onde as pessoas cheguem a uma oração profunda, jeito diferente de fazer uma pastoral que não seja repetição burocrática de exigências para a sacramentalização, mas conversas que levem as pessoas a sentirem o perfume do Evangelho. Os Conselhos regionais, de modo particular, deverão ajudar as Fraternidades a implementarem o novo na linha do jeito franciscano de viver. Sem isso morreremos de inércia, no dizer do Ministro Carballo.
4. Antes de mais nada espera-se que o Conselho eleito em Manaus, seja constituído de pessoas profundamente boas, transparentes, frágeis mas nitidamente buscadoras da santidade. Um Conselho não precisa ser constituído de peritos na arte da burocracia, mas de irmãos e de irmãs humildes, simples, fraternos e nunca buscadores do poder e do prestigio. A Regra da OFS lembra sempre isto: “Nos diversos níveis, cada Fraternidade é animada e conduzida por um Conselho e um Ministro que são eleitos pelos professor de acordo com as Constituições. Seu serviço, que é temporário, é um cargo de disponibilidade e de responsabilidade em favor de cada membro e dos grupos” ( n. 21).
5. Parece necessário, no momento em que novos irmãos assumem o serviço no Conselho Nacional, que nos lembremos do espírito de Francisco: “ ‘Não vim para ser servido mas para servir’ (Mt 20,28), diz o Senhor. Os que estão constituídos sobre os outros não se vangloriem de sua superioridade mais do que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos. E se a privação do cargo de superior os perturba maios que a privação do encargo de lavar os pés amontoam para si tanto mais riquezas com perigo para sua alma” ( Admoestação 4). Desnecessário dizer que os franciscanos que amam postos e cargos para mandar estão longe do espírito de Francisco e, com sua atitude, ferem gravemente o Evangelho.
6. A Ordem Franciscana Secular precisa formar leigos verdadeiramente conscientes de sua missão de cristãos no mundo. Não temos leigos que gostam apenas de circular nas regiões internas do culto e das coisas sagradas. Urge um estudo aprofundado a respeito do que vem a ser um leigo cristão. Não basta que alguns irmãos e irmãs se reúnam piedosamente algumas vezes por ano. Os franciscanos seculares precisam compreender e adotar o esquema do ver, julgar e agir. A OFS se aproxima daquele espírito da Ação Católica tão elogiado pelos Papas. À mão dos documentos da Igreja os seculares franciscanos ajudarão nas tarefas intra-eclesiais, mas serão restauradores da Igreja no meio do mundo: fermento na massa, sal da terra e luz do mundo. Se as Fraternidades não compreenderem de fato esta dimensão que sentido têm esses grupos?
7. Aproveitando a comemoração dos 800 anos do carisma franciscano a OFS não se limita a congressos, palestras e confraternizações. “Quando Francisco naquele certo dia encontrou-se com o Evangelho, este lhe soou como uma revelação e um convite: a exemplo de Jesus Cristo, tornar-se pequeno, menor despojado de poder e de riqueza e, ir, assim pelo mundo, anunciando o Reino de Deus e a conversão. Francisco e, em seguida Clara e os respectivos grupos, desencadearam um movimento evangélico-penitencial que, em boa parte, correspondia aos anseios do tempo” ( Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina , FFB, p.8).
8. A Ordem Franciscana Secular com sua Regra e sua mística corresponderia aos anseios de nosso tempo? Eis uma questão fundamental. Não basta repetir práticas, fazer capítulos, eleger novos ministros. Importa ter consciência clara que a OFS tem sentido. Há aqueles que não vêm na Ordem nada que responda aos anseios do tempo moderno. Outros grupos são mais atraentes, mais profundos, mais compromissados com o Evangelho. Muitos franciscanos seculares parecem sentir-se bem em alguns movimentos de oração mais intimista e convivência mais ruidosa. É que costumamos ouvir. Só podemos fazer propaganda vocacional, sobretudo no meio dos jovens, se os ministros e seus conselhos, nos diferentes níveis estão convencidos de que temos algo a oferecer. O que de bem concreto podemos propor aos homens e mulheres de hoje? Eis aí uma pergunta que em nível nacional precisa ser respondida sem adiamentos.
9. Pessoalmente estou convencido de que precisamos famílias evangelicamente franciscanas, trabalhadores franciscanos, políticos franciscanos, orantes franciscanos, cuidadores da natureza franciscanos, cristãos humildes e bons franciscanos. Se vivermos a Regra da OFS temos propostas belíssimas a serem feitas. Cabe, bem concretamente, neste contexto, elencar as grandes propostas evangélico-franciscanas-clarianas que temos a oferecer aos homens e mulheres da provisoriedade, do individualismo, do hedonismo e do consumismo o perfume do Evangelho que nossos predecessores ofereceram a tantos e tantas. Nessa direção deve ir a Ordem Franciscana Secular se quiser viver e ser fiel ao carisma. Será que a OFS está sabendo tirar frutos nesse tempo de comemoração dos 800 anos do carisma? O que o Nacional e os Regionais andam propondo? Parece fundamental que os formadores possam dispor de textos comentários a respeito da Regra que façam a ligação dos seus conteúdos com o mundo de hoje? Não seria esta uma tarefa urgente da formação? O texto da Regra é sugestivo e revestido de frescor. Será que os franciscanos seculares conseguem viver a Regra e mostrar sua atualidade? Por vezes penso que a Regra ainda não faz parte da vida dos franciscanos seculares.
10. Não somos orantes espalhafatosos. Os franciscanos, também os seculares, gostamos do deserto, das grutas, do silêncio. Temos saudades dos Carceri e do La Verna. Nosso Pai nos ensinou que devíamos rezar o Ofício como manda a Mãe Igreja. Rahner dizia que os cristãos dos tempos novos ou seriam místicos ou não seriam nada. Entendamos por místicos aqueles que têm contactos regulares, saborosos e densos com o Senhor. Os membros da OFS rezam de verdade. Quando deixamos a oração, a missa quase que diária somos facilmente presas do inimigo que nos oferece o fruto do poder, da vaidade e, depois, ficamos com vergonha de Deus e não podemos mais olhar em seus olhos. Quisemos ser como deuses e Deus nos abandonou. Não se pode negligenciar a vida de oração dos terceiros. Estão eles rezando com a Igreja? Estão tomando gosto pela contemplação? São eles capazes de ver Cristo no rosto dos mais atingidos pela doença e pelo abandono?
11.Os orantes franciscanos não se fixam. São sempre peregrinos, forasteiros. Espera-se que muitos irmãos e irmãs das fraternidades seculares se disponham a ser missionários, quem sabe, até em lugares mais distantes. Em nossos tempos, a palavra mágica é missão. Os franciscanos são missionários pela palavra e pela vida, missionários da família, missionários na paróquia, missionários de verdade. Será que irmãos e irmãs de fraternidades de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Centro Oeste não poderiam dedicar seis meses de suas vidas para um trabalho missionário fora de sua terra?
12. Não se pode imaginar uma Fraternidade Franciscana Secular aburguesada, contente com seu conforto, satisfeita com a repetição de ritos, mas sem viço e sem vocações. Todos os corações retos que poderiam querer fazer parte dos nossos desejam nos ver envolvidos com o mundo dos pobres. O amanhã de nossas Fraternidades passa pelo trabalho e a dedicação aos mais pobres. Todas as Fraternidades precisam ir ao encontro desses pobres que são os idosos mal cheirosos, as mães de filhos encarcerados e drogados, os doentes sem visitas e os jovens sem lenço, sem documento e sem esperança. Insisto na palavra pobre. Quando queremos responder à pergunta título desta reflexão inegavelmente a resposta aponta na direção dos pobres. Faço duas citações de Frei José Rodriguez Carballo, Ministro dos Menores. Ele se refere aos frades. Mutatis mutandis os leigos também podem incluidos por estes pensamentos. O Ministro escreve aos frades a respeito de fraternidades inseridas em ambientes pobres. “Tudo isso levou-nos a tomar consciência do fato de não podermos escolher arbitrariamente os lugares onde morar, mas é necessário deixar-nos seduzir pelos claustros esquecidos, pelos claustros inumanos onde a beleza e a dignidade da pessoa são continuamente ofuscadas. Assim, aproximamo-nos um pouco mais dos pobres, primeiros destinatários da missão de Jesus para nós fazermos misericórdia com eles (Com lucidez e audácia em tempos de refundação, n. 74). Mais ainda: “Tendo presente nossa forma de vida, é também evidente que não se pode separar nossa obra evangelizadora de nossa vocação para a minoridade, pobreza e solidariedade. Por sermos menores, somos servos de todos, renunciando a exercer qualquer tipo de poder ou domínio sobre os outros; por sermos pobres, deixamo-nos evangelizar pelos pobres; por sermos solidários, alargamos nossa tenda para fazer nossas as alegrias e tristezas dos mais pobres e daqueles que mais sofrem” ( Idem,n.75). Os franciscanos sentem-se bem entre os pequenos. Na medida em que os irmãos e irmãs vão vivendo esse espírito pode-se esperar que as eleições em nossos Capítulos tenham as característica de aceitar um fardo para servir e uma honra e um benefício em prol de seu ego.
13. A OFS cuidará de modo especial da vida em fraternidade. Os Capitulares escolheram como uma prioridade do próximo triênio o revigoramento e renovação das reuniões gerais e da vida fraterna. O encontro dos irmãos, seja na reunião geral ou em outros momentos, não pode ser um evento isolado e solto. O momento da reunião é aquele em que se manifesta a visibilidade dos irmãos que se estimam. Reuniões bem feitas, marcadas pela seriedade da formação, pela sinceridade na oração e pelo júbilo no encontro fraterno. Não se trata apenas da reunião. Os laços entre os irmãos serão reforçados, o serviço mútuo incentivado, a participação de todos uma exigência. Quando uma fraternidade cambaleia pode ser tal se deva à negligência dos conselhos e dos irmãos. Diria mais. Pode acontecer que algumas fraternidades tenham que ser fechadas porque alguns irmãos não quiseram entrar no processo de conversão e ali viveram como se vive num grupo de amigos. Nunca nos esqueçamos da palavra de Jesus: onde dois ou três estiverem reuinidos em seu nome, ele estará no meio deles. Até que ponto os irmãos e irmãs se reúnem na limpidez do coração e em nome do Senhor?
14. Se perguntamo-nos a respeito dos caminhos que a OFS precisa trilhar não haveremos de nos esquecer da aproximação dos jovens. A experiência nos diz que um número muito elevado de terciários franciscanos vieram de grupos de juventude franciscana e, de modo particular, da JUFRA. As reuniões e os encontros da OFS necessitam da presença de adolescentes e jovens. Eles chegam para cantar, para transmitir sua alegria. Somos obrigados a falar daquilo de que nosso coração está cheio, ou seja, de Francisco. Os Conselhos haverão de encontrar meios e modos de fazer com que jovens se aproximem e queiram ouvir o murmúrio franciscano que existe em nós. Estamos em condições de acolher, esporadicamente, jovens em nossos encontros? Não criaremos grupos de jovens ou não nos ligaremos aos jovens simplesmente porque desejamos completar as falhas de nossas fileiras. O motivo principal é que o carisma de Francisco continua atual. A razão é missionária. Muitos jovens poderão ser santos e seres esplendorosos se vierem a conhecer Francisco. Depois de tantos discursos a respeito da beleza do carisma franciscano existente há oitocentos anos, será preciso encarná-lo hoje.
15. A OFS necessariamente caminhará para o novo. Inventar o amanhã a partir de um presente de irmãos e irmãs em estado de conversão. Não se inventa o novo por decretos. O novo é obra do Espírito. Ele brota do vigor da vida. Ou não brota. Inimiga do novo é a mesmice e a rotina. Fraternidades surgirão em bairros pobres, com pouco irmãos, mas irmãos de verdade. Poderá surgir uma outra predominante de jovens universitários. Os Conselhos traçarão as linhas de uma formação que capacite o grupo a dar as razões de sua esperança. Alguns grupos se servirão da música, do teatro e da arte. Alguns irmãos farão experiências missionários em rregiões de missões mesmo fora do páis. A OFS está diante da necessidade de enfretntar o desafio do novo. O Documento da FFB vai na msma linha da descoberta do novo. Fala de andar por novas trilhas. “E, exatamente hoje e aqui, sob o império da mais valia, do desejo do lucro, do consumismo, quando de forma avassaladora a antropolotria, na sua face mais cínica – a indiferença para com as criaturas, a exclusão dos pequenos, o aburguesamento, a voracidade insaciável do sempre mais ter, parece não reter seus passos nem mesmo no espaço religioso e eclesial, exatamente aqui interpelam-nos Francisco e Clara a andarmos por outras trilhas... Interpelam-nos a não nos esquecermos a partilha do pouco que somos e temos, a solidariedade dos pequenos gestos, que – se não são suficientes para afrontar a frieza do mundo e os abusos contra as criaturas, nem para debelar as dissimetrias sociais e econômicas, a miséria das maiorias e a violência das guerras, declaradas ou não – pelo menos poderão levar o conforto de uma presença e um raio de esperança aos humildes: a esperança de que, no chão da América Latina e do Caribe, as trevas não haverão de ser isentas de luz na noite de seus sofrimentos. Num tempo em que,maciçamente vastas partes do cristianismo e da catolicidade parecem afeitas a colocar a mão no peito e a fechar os olhos para dentro de um intimismo inoperante, é altamente inspirador recordarmo-nos de Francisco e Clara e, recolhendo de sua claridade alguns raios para nossos caminhos, buscarmos restaurar, com ânimo e presteza, o mais sagrado dos templos de Deus: a vida dos seres humanos e do mundo” (Doc. FFB, p 35).
16. Muito trabalho para o triênio que se inaugurou com o Capítulo de Manaus. Antes de mais nada as pessoas, os franciscanos seculares, precisam se renovar. A reforma começa em casa, nos cantos dos corações das pessoas, na qualidade de nossos encontros, no jeito simples e fraterno de viver e no desejo de que sejamos habitados pelo Espírito de Deus ao qual tudo deve servir. E que ninguém se aposse de nada.... todos simples e bons, livres e fraternos.
São Paulo, 02 de setembro de 2009
3. Não é possível deixar de abrir caminhos novos. Não se trata da repetição monótona do que se vem fazendo. As visitas fraterno-pastorais não poderão deixar de incluir em sua pauta perguntas e indagações a respeito daquilo que as Fraternidades estão fazendo para criar o novo: fraternidades que sejam parábolas do reino, grupo de irmãos que andar ao encontro dos mais abandonados, pessoas que criam verdadeiros “eremitérios” onde as pessoas cheguem a uma oração profunda, jeito diferente de fazer uma pastoral que não seja repetição burocrática de exigências para a sacramentalização, mas conversas que levem as pessoas a sentirem o perfume do Evangelho. Os Conselhos regionais, de modo particular, deverão ajudar as Fraternidades a implementarem o novo na linha do jeito franciscano de viver. Sem isso morreremos de inércia, no dizer do Ministro Carballo.
4. Antes de mais nada espera-se que o Conselho eleito em Manaus, seja constituído de pessoas profundamente boas, transparentes, frágeis mas nitidamente buscadoras da santidade. Um Conselho não precisa ser constituído de peritos na arte da burocracia, mas de irmãos e de irmãs humildes, simples, fraternos e nunca buscadores do poder e do prestigio. A Regra da OFS lembra sempre isto: “Nos diversos níveis, cada Fraternidade é animada e conduzida por um Conselho e um Ministro que são eleitos pelos professor de acordo com as Constituições. Seu serviço, que é temporário, é um cargo de disponibilidade e de responsabilidade em favor de cada membro e dos grupos” ( n. 21).
5. Parece necessário, no momento em que novos irmãos assumem o serviço no Conselho Nacional, que nos lembremos do espírito de Francisco: “ ‘Não vim para ser servido mas para servir’ (Mt 20,28), diz o Senhor. Os que estão constituídos sobre os outros não se vangloriem de sua superioridade mais do que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos. E se a privação do cargo de superior os perturba maios que a privação do encargo de lavar os pés amontoam para si tanto mais riquezas com perigo para sua alma” ( Admoestação 4). Desnecessário dizer que os franciscanos que amam postos e cargos para mandar estão longe do espírito de Francisco e, com sua atitude, ferem gravemente o Evangelho.
6. A Ordem Franciscana Secular precisa formar leigos verdadeiramente conscientes de sua missão de cristãos no mundo. Não temos leigos que gostam apenas de circular nas regiões internas do culto e das coisas sagradas. Urge um estudo aprofundado a respeito do que vem a ser um leigo cristão. Não basta que alguns irmãos e irmãs se reúnam piedosamente algumas vezes por ano. Os franciscanos seculares precisam compreender e adotar o esquema do ver, julgar e agir. A OFS se aproxima daquele espírito da Ação Católica tão elogiado pelos Papas. À mão dos documentos da Igreja os seculares franciscanos ajudarão nas tarefas intra-eclesiais, mas serão restauradores da Igreja no meio do mundo: fermento na massa, sal da terra e luz do mundo. Se as Fraternidades não compreenderem de fato esta dimensão que sentido têm esses grupos?
7. Aproveitando a comemoração dos 800 anos do carisma franciscano a OFS não se limita a congressos, palestras e confraternizações. “Quando Francisco naquele certo dia encontrou-se com o Evangelho, este lhe soou como uma revelação e um convite: a exemplo de Jesus Cristo, tornar-se pequeno, menor despojado de poder e de riqueza e, ir, assim pelo mundo, anunciando o Reino de Deus e a conversão. Francisco e, em seguida Clara e os respectivos grupos, desencadearam um movimento evangélico-penitencial que, em boa parte, correspondia aos anseios do tempo” ( Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina , FFB, p.8).
8. A Ordem Franciscana Secular com sua Regra e sua mística corresponderia aos anseios de nosso tempo? Eis uma questão fundamental. Não basta repetir práticas, fazer capítulos, eleger novos ministros. Importa ter consciência clara que a OFS tem sentido. Há aqueles que não vêm na Ordem nada que responda aos anseios do tempo moderno. Outros grupos são mais atraentes, mais profundos, mais compromissados com o Evangelho. Muitos franciscanos seculares parecem sentir-se bem em alguns movimentos de oração mais intimista e convivência mais ruidosa. É que costumamos ouvir. Só podemos fazer propaganda vocacional, sobretudo no meio dos jovens, se os ministros e seus conselhos, nos diferentes níveis estão convencidos de que temos algo a oferecer. O que de bem concreto podemos propor aos homens e mulheres de hoje? Eis aí uma pergunta que em nível nacional precisa ser respondida sem adiamentos.
9. Pessoalmente estou convencido de que precisamos famílias evangelicamente franciscanas, trabalhadores franciscanos, políticos franciscanos, orantes franciscanos, cuidadores da natureza franciscanos, cristãos humildes e bons franciscanos. Se vivermos a Regra da OFS temos propostas belíssimas a serem feitas. Cabe, bem concretamente, neste contexto, elencar as grandes propostas evangélico-franciscanas-clarianas que temos a oferecer aos homens e mulheres da provisoriedade, do individualismo, do hedonismo e do consumismo o perfume do Evangelho que nossos predecessores ofereceram a tantos e tantas. Nessa direção deve ir a Ordem Franciscana Secular se quiser viver e ser fiel ao carisma. Será que a OFS está sabendo tirar frutos nesse tempo de comemoração dos 800 anos do carisma? O que o Nacional e os Regionais andam propondo? Parece fundamental que os formadores possam dispor de textos comentários a respeito da Regra que façam a ligação dos seus conteúdos com o mundo de hoje? Não seria esta uma tarefa urgente da formação? O texto da Regra é sugestivo e revestido de frescor. Será que os franciscanos seculares conseguem viver a Regra e mostrar sua atualidade? Por vezes penso que a Regra ainda não faz parte da vida dos franciscanos seculares.
10. Não somos orantes espalhafatosos. Os franciscanos, também os seculares, gostamos do deserto, das grutas, do silêncio. Temos saudades dos Carceri e do La Verna. Nosso Pai nos ensinou que devíamos rezar o Ofício como manda a Mãe Igreja. Rahner dizia que os cristãos dos tempos novos ou seriam místicos ou não seriam nada. Entendamos por místicos aqueles que têm contactos regulares, saborosos e densos com o Senhor. Os membros da OFS rezam de verdade. Quando deixamos a oração, a missa quase que diária somos facilmente presas do inimigo que nos oferece o fruto do poder, da vaidade e, depois, ficamos com vergonha de Deus e não podemos mais olhar em seus olhos. Quisemos ser como deuses e Deus nos abandonou. Não se pode negligenciar a vida de oração dos terceiros. Estão eles rezando com a Igreja? Estão tomando gosto pela contemplação? São eles capazes de ver Cristo no rosto dos mais atingidos pela doença e pelo abandono?
11.Os orantes franciscanos não se fixam. São sempre peregrinos, forasteiros. Espera-se que muitos irmãos e irmãs das fraternidades seculares se disponham a ser missionários, quem sabe, até em lugares mais distantes. Em nossos tempos, a palavra mágica é missão. Os franciscanos são missionários pela palavra e pela vida, missionários da família, missionários na paróquia, missionários de verdade. Será que irmãos e irmãs de fraternidades de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Centro Oeste não poderiam dedicar seis meses de suas vidas para um trabalho missionário fora de sua terra?
12. Não se pode imaginar uma Fraternidade Franciscana Secular aburguesada, contente com seu conforto, satisfeita com a repetição de ritos, mas sem viço e sem vocações. Todos os corações retos que poderiam querer fazer parte dos nossos desejam nos ver envolvidos com o mundo dos pobres. O amanhã de nossas Fraternidades passa pelo trabalho e a dedicação aos mais pobres. Todas as Fraternidades precisam ir ao encontro desses pobres que são os idosos mal cheirosos, as mães de filhos encarcerados e drogados, os doentes sem visitas e os jovens sem lenço, sem documento e sem esperança. Insisto na palavra pobre. Quando queremos responder à pergunta título desta reflexão inegavelmente a resposta aponta na direção dos pobres. Faço duas citações de Frei José Rodriguez Carballo, Ministro dos Menores. Ele se refere aos frades. Mutatis mutandis os leigos também podem incluidos por estes pensamentos. O Ministro escreve aos frades a respeito de fraternidades inseridas em ambientes pobres. “Tudo isso levou-nos a tomar consciência do fato de não podermos escolher arbitrariamente os lugares onde morar, mas é necessário deixar-nos seduzir pelos claustros esquecidos, pelos claustros inumanos onde a beleza e a dignidade da pessoa são continuamente ofuscadas. Assim, aproximamo-nos um pouco mais dos pobres, primeiros destinatários da missão de Jesus para nós fazermos misericórdia com eles (Com lucidez e audácia em tempos de refundação, n. 74). Mais ainda: “Tendo presente nossa forma de vida, é também evidente que não se pode separar nossa obra evangelizadora de nossa vocação para a minoridade, pobreza e solidariedade. Por sermos menores, somos servos de todos, renunciando a exercer qualquer tipo de poder ou domínio sobre os outros; por sermos pobres, deixamo-nos evangelizar pelos pobres; por sermos solidários, alargamos nossa tenda para fazer nossas as alegrias e tristezas dos mais pobres e daqueles que mais sofrem” ( Idem,n.75). Os franciscanos sentem-se bem entre os pequenos. Na medida em que os irmãos e irmãs vão vivendo esse espírito pode-se esperar que as eleições em nossos Capítulos tenham as característica de aceitar um fardo para servir e uma honra e um benefício em prol de seu ego.
13. A OFS cuidará de modo especial da vida em fraternidade. Os Capitulares escolheram como uma prioridade do próximo triênio o revigoramento e renovação das reuniões gerais e da vida fraterna. O encontro dos irmãos, seja na reunião geral ou em outros momentos, não pode ser um evento isolado e solto. O momento da reunião é aquele em que se manifesta a visibilidade dos irmãos que se estimam. Reuniões bem feitas, marcadas pela seriedade da formação, pela sinceridade na oração e pelo júbilo no encontro fraterno. Não se trata apenas da reunião. Os laços entre os irmãos serão reforçados, o serviço mútuo incentivado, a participação de todos uma exigência. Quando uma fraternidade cambaleia pode ser tal se deva à negligência dos conselhos e dos irmãos. Diria mais. Pode acontecer que algumas fraternidades tenham que ser fechadas porque alguns irmãos não quiseram entrar no processo de conversão e ali viveram como se vive num grupo de amigos. Nunca nos esqueçamos da palavra de Jesus: onde dois ou três estiverem reuinidos em seu nome, ele estará no meio deles. Até que ponto os irmãos e irmãs se reúnem na limpidez do coração e em nome do Senhor?
14. Se perguntamo-nos a respeito dos caminhos que a OFS precisa trilhar não haveremos de nos esquecer da aproximação dos jovens. A experiência nos diz que um número muito elevado de terciários franciscanos vieram de grupos de juventude franciscana e, de modo particular, da JUFRA. As reuniões e os encontros da OFS necessitam da presença de adolescentes e jovens. Eles chegam para cantar, para transmitir sua alegria. Somos obrigados a falar daquilo de que nosso coração está cheio, ou seja, de Francisco. Os Conselhos haverão de encontrar meios e modos de fazer com que jovens se aproximem e queiram ouvir o murmúrio franciscano que existe em nós. Estamos em condições de acolher, esporadicamente, jovens em nossos encontros? Não criaremos grupos de jovens ou não nos ligaremos aos jovens simplesmente porque desejamos completar as falhas de nossas fileiras. O motivo principal é que o carisma de Francisco continua atual. A razão é missionária. Muitos jovens poderão ser santos e seres esplendorosos se vierem a conhecer Francisco. Depois de tantos discursos a respeito da beleza do carisma franciscano existente há oitocentos anos, será preciso encarná-lo hoje.
15. A OFS necessariamente caminhará para o novo. Inventar o amanhã a partir de um presente de irmãos e irmãs em estado de conversão. Não se inventa o novo por decretos. O novo é obra do Espírito. Ele brota do vigor da vida. Ou não brota. Inimiga do novo é a mesmice e a rotina. Fraternidades surgirão em bairros pobres, com pouco irmãos, mas irmãos de verdade. Poderá surgir uma outra predominante de jovens universitários. Os Conselhos traçarão as linhas de uma formação que capacite o grupo a dar as razões de sua esperança. Alguns grupos se servirão da música, do teatro e da arte. Alguns irmãos farão experiências missionários em rregiões de missões mesmo fora do páis. A OFS está diante da necessidade de enfretntar o desafio do novo. O Documento da FFB vai na msma linha da descoberta do novo. Fala de andar por novas trilhas. “E, exatamente hoje e aqui, sob o império da mais valia, do desejo do lucro, do consumismo, quando de forma avassaladora a antropolotria, na sua face mais cínica – a indiferença para com as criaturas, a exclusão dos pequenos, o aburguesamento, a voracidade insaciável do sempre mais ter, parece não reter seus passos nem mesmo no espaço religioso e eclesial, exatamente aqui interpelam-nos Francisco e Clara a andarmos por outras trilhas... Interpelam-nos a não nos esquecermos a partilha do pouco que somos e temos, a solidariedade dos pequenos gestos, que – se não são suficientes para afrontar a frieza do mundo e os abusos contra as criaturas, nem para debelar as dissimetrias sociais e econômicas, a miséria das maiorias e a violência das guerras, declaradas ou não – pelo menos poderão levar o conforto de uma presença e um raio de esperança aos humildes: a esperança de que, no chão da América Latina e do Caribe, as trevas não haverão de ser isentas de luz na noite de seus sofrimentos. Num tempo em que,maciçamente vastas partes do cristianismo e da catolicidade parecem afeitas a colocar a mão no peito e a fechar os olhos para dentro de um intimismo inoperante, é altamente inspirador recordarmo-nos de Francisco e Clara e, recolhendo de sua claridade alguns raios para nossos caminhos, buscarmos restaurar, com ânimo e presteza, o mais sagrado dos templos de Deus: a vida dos seres humanos e do mundo” (Doc. FFB, p 35).
16. Muito trabalho para o triênio que se inaugurou com o Capítulo de Manaus. Antes de mais nada as pessoas, os franciscanos seculares, precisam se renovar. A reforma começa em casa, nos cantos dos corações das pessoas, na qualidade de nossos encontros, no jeito simples e fraterno de viver e no desejo de que sejamos habitados pelo Espírito de Deus ao qual tudo deve servir. E que ninguém se aposse de nada.... todos simples e bons, livres e fraternos.
São Paulo, 02 de setembro de 2009
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional pela OFM
Assistente Regional do Sudeste II
Nenhum comentário:
Postar um comentário