18 de outubro de 2009

A Dimensão Proférica da Vida Francisclariana

A profecia da vida do carisma franciscano e clariano é sempre atual. Francisco e Clara viveram profundamente o dom na humanidade de seu tempo e por esse motivo conseguem dar respostas atualizadas aos desafios de cada geração. Nesta reflexão vamos apenas pontuar alguns elementos iluminadores de nossa realidade e que podem fazer a diferença.

Deus gente solidário no amor e na dor. A encarnação do Filho de Deus provocou tal fascínio em Francisco que o levou a representar e porque não dizer atualizar o acontecimento do natal de Belém em Greccio. Mas a encarnação acontecida em Belém não é única para Francisco. A dinâmica da encarnação acontecida em Belém é contemplada por ele também na Eucaristia. Francisco alimenta ainda, com vigorosa paixão, outro momento conseqüente da encarnação que é a crucifixão. O Crucificado o impressiona tanto que o leva a pedir para experimentar as mesmas dores do seu amado Jesus. Segundo os biógrafos Francisco é atendido, no monte Alverne, quando recebe os estigmas.

O que caracteriza a Encarnação? Assumir a condição humana, desde a origem, fazer-se criança. Simples, pobre, indefesa, dependente e necessitada de tudo. Total dependência, inteira confiança, simplicidade, transparência, encantamento, e outros elementos mais que possam ser elencados. Quem quiser se encarnar não pode perder a capacidade, o dinamismo e as virtudes da criança.

Somos chamados a encarnar a vida, as pegadas, o ensinamento de Francisco que continua ao longo dos séculos no seguimento, discipulado de Jesus Cristo. O que caracteriza o discipulado segundo Francisco é o seguimento da doutrina e das pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Há discípulos de doutrinas. Existem discípulos de pegadas. Mas há pessoas que se fazem discípulas em tudo, no ensinamento, no mandamento e também na prática, no jeito de ser e de viver.

A vida em conversão (penitência). Entremos na bondade de Deus (Lc 6,36)! É importante lembrar que toda a vocação é para a missão e que não existe missão sem vocação. È sempre Deus que chama e sempre nos chama para que colaboremos de alguma forma na sua obra. A esse engajamento denominamos resposta. Mas é necessário que tenhamos claro que a nossa resposta é progressiva construída ao longo da caminhada que fazemos. Nosso sim precisa ser renovado, atualizado em cada passo, para permanecer vigoroso.

Assim como Jesus pede que cada um tome a sua cruz a cada dia (Lc 9,23), assim também precisamos dar nosso sim a cada dia.

Francisco sentiu-se chamado a uma vida de continua conversão. A conversão é um processo que só termina quando termina a nossa vida terrena. Viver em conversão é viver aberto, voltado para o futuro e deixar-se conduzir pelo espírito porque, como diz o papa João Paulo II “É para o futuro que o Espírito vos projeta a fim de realizar convosco ainda grandes coisas”.

A conversão é o primeiro anúncio do Evangelho de Jesus: “Cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). O principal elemento da conversão não é o arrependimento, como muitas vezes nos foi pregado, mas a convicção. O convertido não é um arrependido, mas um resolvido, um decidido, alguém que vendo o futuro desinstalou-se de sua pratica, de seu modo de pensar e proceder. O arrependido é um re-ativo, que reage a uma provocação, geralmente, em vista de reparação. A reparação em geral é focada no passado com o perigo de a pessoa andar de costas para o futuro. O convertido é um pró-ativo, faz uma opção positiva porque foi conquistado, convencido e assumiu o que viu. Por isso anda de frete para o futuro. A conversão diz respeito a todos os campos de nossa existência e tem como objetivo levar-nos para a transcendência. É necessário que caminhemos sempre, que demos o passo de cada dia e que marquemos o dia com o passo. Quem pára, fica para traz e depois reclama porque não é como no seu tempo. O tempo se chama hoje. É necessário estar no hoje. Não se trata de desprezar o ontem, mas de dinamizá-lo para que o hoje nasça e cresça vigoroso. Hoje é o tempo da salvação.

Acompanhemos o profeta Elias no Horeb. Este profeta, que já é de Deus e trabalha por ele, tem ainda muito caminho a fazer para se converter. “Estou queimando de zelo pelo Senhor” diz Elias, mas por esse zelo ele mata, maltrata, arrebenta muita gente. Este não é verdadeiro discípulo do deus de Jesus Cristo.

A conversão cristã, segundo o evangelista Lucas consiste em “Se alguém tiver duas túnicas, reparta com aquele que não tem; se alguém tiver o que comer, faça o mesmo”. Lucas identifica ainda práticas especificas para cada categoria de pessoas que se engaja no movimento messiânico liderado por João Batista. Aos responsáveis pela receita tributária ele diz: “Não exijam mais do que a taxa fixada”. Para os responsáveis pela ordem e segurança publica ordena: “Não sejais violentos e não façais mal a ninguém, contentai-vos com o vosso salário”. Tal modo de proceder caracteriza conversão.

Em Marcos 8,27-33, nas respostas de Pedro a Jesus, vemos o que acontece quando alguém não se mantém permanentemente no caminho da conversão. Pedro que dá a resposta mais acertada a Jesus, dá, em seguida, o maior fora de sua história.

Acompanhemos ainda o testemunho de Francisco “Como eu estivesse em pecado parecia-me verdadeiramente repugnante olhar para leprosos, mas o Senhor mesmo me conduziu entre eles e eu tive misericórdia para com eles então o que me parecia amargo converteu-se me em doçura da alma e do corpo”. Notemos que os olhos do pecado não deixavam ver uma pessoa na figura do leproso. O leproso causava nojo a Francisco porque Francisco ainda não havia entrado em processo de conversão, depois que entrou, conseguiu ver um irmão amado onde antes só via um leproso nojento. Eis o grande desafio de uma vida em conversão: conseguir ver a graça no meio da desgraça, ver o bem no meio do mal, o positivo no meio do negativo. Claro está que sempre haverá mistura. Mas a capacidade de discernir o positivo é o premio de quem se mantém na conversão segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vejamos ainda os textos das admoestações que começam com a expressão “Bem aventurado o homem...”. Em cada uma delas temos uma orientação prática que demonstra o que é estar no caminho da conversão. Podemos ainda verificar na Legenda Maior III,3-5 como Francisco reage quando Bernardo quer juntar-se a ele na vida de conversão-penitência. O texto deixa claro que quem orienta a vida de Francisco e de quem quer que seja que queira segui-lo é o Senhor. Por isso vai ao Evangelho três vezes e não tem dúvida de seguir a risca o que encontra escrito.

A graça divina da conversão é para Francisco o inicio da VIDA que ele percebe através do leproso. Assim a conversão é um encontro de graças: o leproso ajuda Francisco e Francisco ajuda o leproso. É um encontro de troca de dons de duas pessoas abertas.


Texto de Frei Moacir Casagrande

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