4 de outubro de 2009

São Francisco de Assis

São Francisco e a Verdadeira Alegria


“Vou referir um dito de São Francisco que encontra, como se sabe, um similar dentro do budismo. É a questão da perfeita alegria. Frei Leão perguntou: “O que é a verdadeira alegria?” Frei Leão era aquele amigo com quem Francisco sempre estava, com quem ia pelos caminhos e a quem ele chamava de “a ovelhinha de Deus”. Então ele diz: “Será que a verdadeira alegria consiste em ser missionário, converter todos os infiéis e sarracenos e fazê-los cristãos?” São Francisco diz: “Esta não é a verdadeira alegria”. Frei Leão: “Será a verdadeira alegria ser um profeta da palavra ardente, que convence todos da verdade de Deus? Não será isso a verdadeira alegria?” São Francisco diz: “Não, esta não é a verdadeira alegria”. Retruca Frei Leão: “Será então que a verdadeira alegria não é ser um taumaturgo que faz milagres, que transforma pedras em pão, que sacia a fome de todos os pobres do mundo inteiro, não será esta a verdadeira alegria?” São Francisco responde: “De longe, esta não é a verdadeira alegria”. Frei Leão: “ Será que a verdadeira alegria não é você se encher de tanto amor pelos pobres e sofredores que você entrega até o seu corpo à chama, à perseguição e ao martírio?” São Francisco diz: “Não é a verdadeira alegria. Meu irmãozinho Frei Leão, se você chegar comigo em nosso conventinho, em nossa comunidade, saindo de uma tempestade de neve, e ao chegar na portaria tocarmos a campainha e o porteiro, nosso irmão, com quem vivemos há muitos anos, nos disser: “ Eu não conheço vocês! Ladrões, bandidos, exploradores de pobres, fora daqui!” E não só nos expulsa da portaria, mas nos derruba ao chão, nos joga e nos arrasta na neve aos sopetões e coices...E ainda se ele pegar o bastão e nos bater de nó em nó, dando-nos golpeadas. Se todas essas coisas suportarmos (porque é verdade que somos ladrões, bandidos) com paciência e alegria, é aí que está a verdadeira alegria”. E São Francisco diz mais: “Acima de todas as graças e de todos os dons do Espírito Santo, os quais o Cristo concede aos amigos, está o vencer-se a si mesmo e, voluntariamente, pelo amor, suportar trabalhos, injúrias, opróbrios, desprezo. Porque de todos os outros dons de Deus não podemos gloriar por não serem nossos. Mas na cruz da tribulação, de cada aflição, nós podemos nos gloriar, porque só isso é nosso”. A negatividade, se nós a acolhemos, então estamos na verdadeira alegria.
Alegria, biblicamente, é o Espírito Santo que irradia, que se manifesta e que está presente na nossa vida e na nossa história. Essa alegria representa um desafio fantástico para qualquer antropologia. É tolerarmos que falem mal de nós, que nos persigam e agridam, renunciando a qualquer autodefesa. É poder conviver com essa negatividade e ser mais forte que ela. É crer na força interior da luz. Um pouco de luz que eu acenda de noite, brilha por ela mesma, faz o seu caminho e encontra sempre um olho atento para captá-la, um ouvido para compreendê-la.
Às vezes quem está batendo em Francisco não é um assaltante, um pivete de rua. É um confrade que o conhece e que golpeia e o abandona no frio. Ele diz: “ Eu acolho isso. Sou mais forte que essa contradição”. Ele não pede a Deus para livrá-lo das ondas perigosas. Mas pede: “Dá-me forças para ser mais forte que as ondas”. Não pede para ficar na praia, tranqüilo, numa sesta espiritual. Diz: “Leva-me ao mar alto, perigoso, porque sou mais forte que as ondas, porque tenho Deus que me conduz”.
A fé tem como oposição não o ateísmo e a negação de Deus. A oposição da fé é o medo. Quem tem fé não tem medo. Os medievais distinguiam a fé útil da fé preciosa. Fé útil é quando eu peço a Deus que me abençoe, me proteja, me dê saúde, inteligência. É uma fé útil para mim. Eu peço a Deus e ele tem que vir me ajudar. A fé útil não é uma fé plena, uma fé de verdade. A fé bíblica, a fé de Jesus, a fé dos pais da fé – Abraão, Isaac, Jacó – é outra. Esses testemunham a fé preciosa. A fé preciosa é quando você nada pede a Deus. É a fé-gratuidade. Entrega-se a Deus, porque descobre quem Deus é – O Pai e a Mãe de bondade. Esta fé tem como efeito a serenidade, a absoluta segurança, porque você se confiou, entregou não só a sua mente, mas seu coração, seu corpo, sua vida. É a fé preciosa. Tem como efeito a superação de todos os medos e, por acréscimo, advém a alegria, a jovialidade, a leveza na vida.
É de São Francisco esta frase: “O santo triste é um triste santo”. E ele dizia: “Quer ficar triste? Vá para o seu quarto. Chore lá dentro. Mas enquanto eu estiver aqui tem que ficar alegre”. Por quê? Porque Deus nos ama, nos perdoa por piores que sejamos. Depois que o Senhor ressuscitou não há motivo nenhum para ficarmos tristes. Porque triunfou a síntese, a vida, a totalidade possível ao ser humano.
Francisco viveu essa radicalidade da dimensão da fé preciosa. Não a fé como ato mas como atitude, como totalidade da entrega. Estamos integrados. Viramos pai e mãe de nós mesmos. Chegamos à madureza da fé. À maturidade humana e espiritual. Estamos na casa de Deus, Pai e Mãe. E estamos na alegria de quem está em casa.
Imitando São Francisco, que até na hora de sua morte cantava com alegria, proponho que cantemos a Oração de São Francisco e que, em seguida, recebamos a sua bênção:


“Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.

Onde houver ódio, que eu leve o amor;

Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;

Onde houver discórdia, que eu leve a união;

Onde houver dúvida, que eu leve a fé;

Onde houver erro, que eu leve a verdade;

Onde houver desespero, que eu leve a esperança;

Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;

Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, Fazei que eu procure mais

Consolar, que ser consolado;

compreender, que ser compreendido;

amar, que ser amado.

Pois, é dando que se recebe,

é perdoando que se é perdoado,

e é morrendo que se vive para a vida eterna”.


Bênção de São Francisco


O senhor te abençoe e te proteja.

Mostre-te a tua face e se compadeça de ti.

Volva a ti o seu rosto e te dê a paz.

O Senhor te abençoe,Pai, Filho e Espírito Santo.Amém.


(BOFF, Leonardo. Terapeutas do Deserto. Petrópolis, Vozes, 1997. P.138-141)

FELIZ FESTA DE SÃO FRANCISCO PARA TODOS!

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