4 de outubro de 2009

Sobre o passamento do Santo Pai -Como exortou e abençoou os irmãos no fim

No fim do homem - diz o Sábio - suas obras serão desnudadas (cfr. Eclo 11,29).
Neste santo vemos que isso se realizou por completo, e gloriosamente. Ele percorreu com alegria da mente o caminho dos mandamentos de Deus, chegou ao alto passando pelos degraus de todas as virtudes e viu o fim de toda consumação como uma obra amoldável, aperfeiçoada pelo martelo das múltiplas tribulações.
Quando partiu livre para os céus, pisando as glórias desta vida mortal, resplandeceram mais as suas obras admiráveis, e ficou provado pelo juizo da verdade que tudo que tinha vivido era divino.
Achou que viver para o mundo era um opróbrio, amou os seus até o fim e recebeu a morte cantando.
Sentindo já próximo seus últimos dias, em que a luz perpétua substituiria a luz que se acaba, demonstrou pelo exemplo de sua virtude que não tinha nada em comum com o mundo.
Prostrado pela doença grave que encerrou todos os seus sofrimentos, fez com que o colocassem nu sobre a terra nua, para que, naquela hora extrema em que ainda podia enraivecer o inimigo, estivesse preparado para lutar nu contra o adversário nu.
Na verdade esperava intrepidamente o triunfo e já apertava em suas mãos a coroa da justiça.
Assim, posto no chão, sem a sua roupa de saco, voltou o rosto para o céu como costumava e, todo concentrado naquela glória, cobriu a chaga do lado direito com a mão esquerda, para que não a vissem.
E disse aos frades: “Eu fiz a minha parte; que Cristo vos ensine a cumprir a vossa!”
Vendo isso, os filhos sucumbiram à dor imensa da compaixão, soltando rios de lágrimas e dando longos suspiros.
O seu guardião, contendo os soluços e adivinhando por inspiração divina o que o santo queria, levantou-se, foi correndo buscar uma calça, o hábito de saco e o capuz, e disse ao pai:
“Fica sabendo que te empresto, em virtude da obediência, este hábito, as calças e o capuz!
Mas para saberes que não tens nenhum direito de propriedade, tiro-te o poder de dá-los a quem quer que seja”.
O santo se alegrou e se rejubilou de alegria do coração, vendo que tinha mantido a fidelidade para com a Senhora Pobreza até o fim.
Fizera tudo isso por zelo da pobreza, a ponto de não querer ter no fim nem o hábito próprio mas como emprestado por outro.
Usara na cabeça o capuz de saco para esconder as cicatrizes da doença dos olhos, quando teria necessidade de um gorro de lã cara, que fosse bem macio.


Depois disso, o santo levantou as mãos para o céu e louvou a Cristo porque, livre de tudo, já estava indo ao seu encontro.
Mas, para demonstrar que era um verdadeiro imitador do Cristo, seu Deus, em todas as coisas, amou até o fim os frades e filhos, a quem amara desde o começo.
Pois fez chamar todos os irmãos presentes e, aclamando-os com palavras de consolação, por sua morte, exortou-os com afeto de pai ao amor de Deus.
Falou também sobre a observância da paciência e da pobreza, dizendo que o santo Evangelho era mais importante do que todas as instituições.
Estando todos os frades sentados ao seu redor, estendeu sobre eles a sua destra e, começando por seu vigário, a impôs sobre a cabeça de cada um.

E disse: “Filhos todos, adeus no temor do Senhor! Permanecei sempre nele!
E como a tentação e a tribulação estão para chegar, felizes os que perseverarem no que começaram.
Eu vou para Deus, a cuja graça recomendo-vos todos”.
Nos que estavam presentes, abençoou a todos os frades que estavam por todo o mundo e os que haveriam de vir depois deles, até o fim dos séculos dos séculos.
Que ninguém usurpe para si mesmo essa bênção que, nos presentes, deu aos ausentes. Assim como se acha escrita em outro lugar parece ter algo de especial, mas isso é um desvirtuamento.

Fonte :Tomás de Celano ;Segunda vida (2CEL)

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