4 de abril de 2014

Naquela tarde… Naquele entardecer de tanta solidão.


Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Desde a nossa mais tenra infância, nós cristãos, temos o hábito de contemplar a cruz do Senhor. De tantas árvores da terra, alguns pedaços de madeira “compuseram” a cruz. Uma haste vertical e outra horizontal. Madeira que veio da terra e foi novamente fincada na terra naquela tarde de tanta solidão. Uma árvore que teria um fruto inaudito: o Filho do Altíssimo feito dom para a vida do mundo. Um homem jovem, sem apoios, sem defensores, sem advogados. Fora dos muros de Jerusalém. Um pequeno grupo de seguidores meio acovardados, umas mulheres fiéis, e o desrespeito para com um homem, o Homem.

 Ele tinha sido o desejo mais sonhado do Altíssimo. Deus quis viver nossa vida, comer nossa comida, sonhar nossos sonhos. Veio na simplicidade de uma criança, percorreu os caminhos da terra, abriu fendas em corações empedernidos, reuniu pessoas, compôs um grupo de seguidores.

Deixou que os soldados abrissem uma brecha em seu coração. É rejeitado. Veio para o que era seu e os seus não o receberam. Sentiu dor profunda ao constatar que Jerusalém ia se fechando aos seus apelos e pedidos de conversão. O horizonte foi se obstruindo. O próprio Pai foi se fazendo ausente, mas nunca tão próximo do Filho, esse no qual ele havia colocado toda as suas complacências. Os soldados estavam apressados em acabar com tudo aquilo. Era a véspera da grande solenidade e todos queriam ir para o seio de suas famílias para comerem a páscoa. Mal sabiam eles que ali, na insignificância daquele cenário estava surgindo a páscoa nova, estava se oferecendo o verdadeiro cordeiro.

Necessário se faz enaltecer esse momento. São Teodoro Estudita nos pega pela mão e nos faz contemplar o Mistério da sexta-feira santa e o esplendor da cruz: “Ó precioso dom da cruz! Vede o esplendor de sua forma! Não mostra apenas uma imagem mesclada de bem e de mal, como aquela árvore do Paraíso, mas totalmente bela e magnífica para a vista e o paladar. É uma árvore que não gera a morte, mas a vida; que não difunde as trevas, mas a luz; que não expulsa do Paraíso, mas nele introduz. A esta árvore subiu Cristo como um rei que sobe no carro triunfal, e venceu o demônio, detentor do poder da morte, para libertar o gênero humano da escravidão do tirano. Sobre esta árvore o Senhor, como um valente guerreiro, ferido durante o combate em suas mãos, nos pés e em seu lado divino, curou as chagas de nossos pecados, isto é, curou a nossa natureza ferida pela serpente venenosa”.

São Teodoro lembra-nos mais uma vez o “lado divino”, o lado do coração, o esvaziamento do coração, o amor que vai até o fim. A contemplação da cruz e do lado aberto de Jesus nos levam ao fundo de nós e faz com que sejamos invadidos por um sentimento de perplexidade. Mais o Senhor não podia fazer. Somos renovados, renascemos desse lado aberto, arreganhadamente aberto.

Naquela tarde… naquele entardecer de tanta solidão e, ao mesmo tempo, tanto amor. Cada primeira sexta-feira do mês é tempo de contemplar o amor do Senhor que prepara um abrigo para nós na brecha de seu coração.



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