9 de abril de 2010

Especial a Paixão de Cristo em Francisco

Por Frei Mauro Strabeli


A encarnação do Verbo está ligada, para São Francisco, a outro grande mistério: Jesus Crucificado. Com o "mistério de Jesus Crucificado", Francisco entra na mais alta contemplação da Trindade.

A vocação de Francisco nasce do chamamento a ele feito pelo Crucificado de São Damião. Ao Crucificado ele vai identificar-se tanto, a ponto de trazer dele os estigmas da crucifixão.

A Cruz é, para São Francisco, o sinal do despojamento total do homem para encher-se de Deus.

A meditação e a contemplação de Jesus Crucificado foram experiências que São Francisco foi buscar na própria Palavra de Deus. Parte ele do exemplo do próprio Cristo: "Ele tinha a condição divina, mas não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo... humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente ate a morte, a morte de cruz!" (Fl 2,6-11).

E o próprio Cristo recomenda a Cruz como caminho de seguimento: "Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e me siga..." (Lc 9,23). O Novo Testamento coloca na "loucura da cruz" a razão do "ser cristão": "Fui morto na cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou por mim" (Gl 2,19). "Quanto a mim, que eu não me glorie a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio do qual o mundo foi crucificado para mim e eu para o mundo" (Gl 6,14). "Pois a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem. Mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus... Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos" (ICor 1,18.22-23).

E o que é a Cruz para São Francisco? O que é, para ele, Jesus Crucificado? Certamente não é por masoquismo que São Francisco faz da cruz um ponto referencial na sua leitura da Palavra de Deus. Pelo contrário. Amou a cruz por uma compreensão profunda do seu significado e do seu "mistério" - tão desconhecido por nós.

"A cruz, diz J.C.C. Pedroso, deve ser o mais antigo e mais difundido símbolo humano de que se tem conhecimento, muito antes da vinda de Cristo na carne. Nós a encontramos nas seculares mandalas do Tibete, nos tapetes da Pérsia, nos desenhos e na arquitetura de todos os povos. Achamos a coisa mais natural reforçar nossos móveis e construções com barras cruzadas ou assinalar nossas opções no papel com uma cruzinha. Justamente porque está no âmago da nossa natureza enfrentar o corte e o cruzamento que simbolizam a tensão entre os opostos...

A cruz é o símbolo que melhor expressa a união dos opostos que precisa acontecer em toda vida saudável e madura. A cruz é um símbolo muito positivo quando consideramos a vida nova que dela brota. Sem a cruz não pode haver crescimento no amor ou maturidade, nem plenitude ou equilíbrio, nem vida e energia, nem relacionamento pessoal entre Deus e a humanidade.
O amor, a plenitude e a santidade só se tornam autênticos e ativos na presença de uma tensão sempre crescente".

Foi isso que São Francisco compreendeu. Esse foi o significado que ele intuiu no mistério da cruz. Ele entendeu que a vivência em plenitude da Palavra de Deus e de seu Projeto só seriam possíveis mediante a tensão pessoal, uma catarse às vezes duramente conseguida, um conflito entre o querer o bem e se inclinar para o mal.

A cruz é, então, o instrumento de purificação, de realização, de plenitude. A cruz não foi loucura para ele; foi símbolo de purificação e símbolo da dor também. Ela significa luta, sofrimento e até a morte. A crucifixão de Jesus representa o gesto de imenso amor de Deus que, para ser solidário conosco, assume a cruz, os sofrimentos, para ensinar que só dessa fonte é que jorra vida plena.

Jesus viveu o dilema de fugir do sofrimento: "minha alma está numa tristeza de morte... Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim esse cálice" (Mt 26,38-39a). Mas, como homem total, assumiu a sua condição: "Contudo, não seja feito como eu quero, e sim como tu queres" (Mt 26,39b). Este gesto maravilhoso de amorosa submissão à vontade do Pai, sem valer-se de sua condição divina, faz de Jesus, o homem verdadeiro: assumiu a condição de servo (Fl 2,7). "A cruz é mistério... Simboliza, com suas duas traves que se atravessam, a dilaceração do cristão entre Deus e a humanidade, entre o bem e o mal, como todas as outras tensões da vida.

Francisco expressou isso muito bem em sua famosa exclamação: "O amor não é amado!". A cruz não é para São Francisco o que é para nós: sinal de glória, de honra, ou símbolo cultural. Era, sim, instrumento de real e profunda meditação e contemplação, pois resume em si toda a ambivalência humana, toda tensão, toda procura, todo crescimento, toda realização, toda a vida.

"A cruz é a chave da história humana e da história de cada um". Parece ser esse o sentido de toda a meditação de São Francisco sobre a Paixão do Senhor, bem como o sentido da VIA SACRA, instituição devocional bíblica, sem dúvida, inspirada na sua espiritualidade.

Extraído do livro "Leitura Franciscana da Bíblia", de Frei Mauro Strabeli, OFMCap - Centro Franciscano de Espiritualidade.

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