6 de agosto de 2010

Primeira sexta-feira do mês

AQUELE QUE NOS AMOU POR PRIMEIRO

Começamos nossa reflexão com um pensamento de Santo Agostinho: “Não há ninguém que não ame. A questão é saber o que se deve amar. Não somos convidados a não amar, mas sim a escolher o que devemos amar. Mas o que podemos escolher, se antes não formos escolhidos? Porque não conseguiremos amar, se antes não formos amados. Escutai o apóstolo João: Nós amamos porque ele nos amou primeiro (cf. 1Jo 4, 10). Procura saber como o homem pode amar a Deus, não encontrarás resposta, a não ser esta: Deus o amou primeiro. Deu-se a si mesmo aquele que amamos, deu-nos a capacidade de amar” (Liturgia das Horas, II, p. 642).

Somos feitos para o amor. Não há sentido em vidas humanas que vegetam, seres que nascem, crescem, morrem de qualquer jeito. Uns jogados sob as marquises, outros drogados, desesperados, sorvem os goles amargos de uma solidão inominável. Esses seres humanos que somos nós temos uma cabeça para pensar, uma vontade para querer, um coração para amar. Aliás, tudo é amor. A criança que vem ao mundo começará bem sua caminhada se puder contar com o olhar amoroso de um homem e de uma mulher, seu pai e sua mãe que quiseram efetivamente que ela viesse ao mundo e tivesse a convicção de ser estimada por eles. Crescendo com esta certeza, a criança se torna adulta e capaz, por sua vez, de querer bem. Uma existência é grande quando tecida de amor, de amor recebido e de amor concedido. Ora, amar é fazer com que o outro exista, exista em plenitude, exista apontando sempre para um melhor existir. Amar significa, não outro jeito, dar a vida aos poucos para o outro.

Num determinado momento da caminhada de uma pessoa, ela busca um concretização especial, tenta dar uma resposta ao emaranhado de sentimentos, anseios e sonhos que dentro dela fervilham. É amada pelos outros e faz a experiência de amar. Vive primeiro a amizade. No tempo da adolescência e da juventude encontra pessoas que se aproximam de seu coração. Elas, de mansinho, se instalam no seu interior. A pessoa é estimada e amada por alguém exterior ao círculo familiar. Todos temos experiências tonificantes de amizade. Amizade é um bem querer desinteressado, gratuito, não possessivo. Alguém tem a porta aberta para nós. De repente, nos vemos colocando gestos generosos e sendo até capazes de esquecer de nós mesmos. Existimos quando somos amados. Analogamente se poderia fazer a mesma reflexão no que se refere ao amor conjugal. Um homem quer bem a uma mulher. Uma mulher abriga em seu interior alguém que vem de fora. Os dois, no jogo do amor, existem e caminham na vida com galhardia.

Ora, o amor de Deus nos renova e nos faz viver. A primeira carta de João, já embutida no texto transcrito de Agostinho, diz coisas maravilhosas: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou em nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos a vida por meio dele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados. Se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4, 9-11).

Antes que existíssemos, já fomos amados. Quando fomos formados lentamente no seio da mãe, as mãos do Criador, foram nos plasmando um pouco menor que os anjos. Nós que não existíamos, passamos a existir. Inteligência, vontade, afeto, borbulhar de sentimentos. Aos poucos fomos nos dando conta de que uma atração irresistível nos fazia buscar as estrelas. Nossa fonte estava para além de nós mesmos. Ele, o Altíssimo, quis que existíssemos. O amor nos criou. Por isso, o coração irrequieto sempre busca fonte que nos tirou do nada.

Todos conhecemos nosso drama, drama nosso e da humanidade. Temos um coração partido, fissurado. Como Paulo diz: queremos o bem, fazemos o mal. Temos uma dupla lei em nossos membros. Fomos compreendendo que o amor criador de Deus, ganhava o nome de amor redentor em Cristo Jesus. Este veio para exprimir o amor do Pai e para ser ele mesmo a encarnação do amor. Nasceu, viveu, cresceu, morreu. Uma trajetória humana. Jesus passou a vida fazendo o bem. Saindo de si. Há um momento crucial em sua trajetória. É levantado da terra ao céu. É pregado numa cruz, aquele que tinha desejo de caminhar. É desprezado e ridicularizado. Fica firme até o fim. Há um momento em que não agüenta mais e, baixando a cabeça, morre de dom, de amor, de entrega. O Deus grande que havia se instalado em Jesus de Nazaré morre de amor. Realiza em sua pessoa aquilo que antes dissera: “Não existe maior amor do que dar a vida pelos seus”. Morre, entregando-se.

Ora, quando viemos à luz, alguém nos amou criando-nos e já tínhamos a garantia de um amor restaurador por parte de Cristo Jesus. Na sua oração sacerdotal já havia pedido por nós, por todos os que um dia viessem a crer nele. No alto da cruz, na tarde das dores, ele já tinha garantido seu bem querer por nós. Somos felizardos!!! E, no final de tudo, digamos mesmo para cúmulo de tudo, Jesus permitiu que seu peito fosse aberto pela lança do soldado. E através desta fenda ficamos sabendo que ele nos amou antes de tudo. Assim, como humanamente vivemos somente quando somos amados, da mesma forma em nosso ser mais íntimo, olhando o peito aberto do Senhor temos a certeza de que podemos viver. Alguém nos ama. E cabe repetir o pensamento de João no versículo da Carta antes mencionada: “Se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros”. Os verdadeiros devotos do Coração de Jesus têm certeza dessa atmosfera de amor que lhes vem do dom de Cristo e de seu Coração aberto e por isso, apesar de suas falhas, tentam viver de amor.

O que ama acolhe o amado em seu interior. O Coração de Jesus é o espaço de amor que nos abriga e nos fortalece para ir através do mundo dizendo a única coisa que conta é o amor.

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