22 de dezembro de 2011

Especial - Greccio, a nova Belém (parte 1)



O MUNDO TORNOU-SE UM PRESÉPIO


A encarnação do Verbo de Deus, Jesus Cristo, mudou o curso da história, o destino do homem e do mundo. O tempo foi fecundado pelo eterno e os atos humanos ganharam uma significação decisiva: nos fatos se constrói a salvação ou a perdição da vida. Crer num Deus que assumiu a condição humana é crer que toda pessoa tem uma dignidade e um valor fundamental, pelo simples fato de viver, porque a vida é sagrada.

Depois de Cristo, tudo tem a ver com Deus: as criaturas, a natureza, as diferentes culturas, as raças, e todas as coisas mais comuns que constituem a vida humana. “Todas as coisas foram feitas por Ele e sem Ele nada se fez de tudo o que foi feito” (Jo 1,3). Hoje, a encarnação tem um caminho de volta: por meio de cada pessoa e do mundo em que vivemos, podemos descobrir a presença do Deus que assumiu nossas feições e tornou-se um de nós. “Entre nós armou sua tenda e nós vimos sua glória” (Jo 1,14).

Quando São Francisco de Assis, em sua intuição original recriou no presépio de Greccio, a expressão poética do natal, desejava experimentar e reviver na própria carne, o mistério e o encantamento, o amor e a dor, a contradição da glória divina revelada na pobreza do Filho de Deus. Desde então, compor um presépio com figuras e materiais comuns e ordinários, tornou-se um ato de fé, vislumbrando a presença do Deus encarnado em tudo aquilo que constitui a vida. Para contemplar o presépio e nele descobrir a revelação divina no cotidiano humano, há uma condição: é preciso mudar o coração e o olhar, porque o mundo tornou-se presépio.

É este o sentido de compor e imaginar a cena do nascimento de Jesus Cristo nas mais diferentes situações e culturas. É Ele o índio, é Ele o negro, é Ele o pobre, o homem comum na cidade, na favela, no campo… Porque todo ser humano tornou-se sacramento do Filho, e todo lugar e cultura tornaram-se sacramento da manjedoura de Belém. Universal não é o presépio, é sim o mistério da vida que só tem uma morada: o coração humano.

Natal e presépio revelam uma contradição: ao assumir na carne as limitações da vida humana, Deus eliminou toda distância e superou toda separação. Porque é livre, cada pessoa pode não viver nesta mesma dinâmica divina do amor e, de algum modo, vai experimentar o paradoxo de uma vida fechada em si mesma. Natal é linguagem divina. Presépio é pedagogia humana para que, na abertura ao mundo, se possa descobrir o que é essencial. Então seremos capazes de sentir, mesmo na precariedade da vida que, “Deus armou sua tenda entre nós, e vimos sua glória, e da sua plenitude TODOS nós recebemos graça sobre graça” (Jo 1,14.16).

Frei Regis Daher, ofm

SÃO FRANCISCO E O NATAL

Para São Francisco, o Natal é a festa das festas, porque o Filho de Deus se revestiu da verdadeira carne da nossa frágil humanidade, para a nossa salvação; e por isso quer que seja celebrado com alegria e generosidade para com os pobres e mesmo para com todos os animais. Numa singular intuição une e funde o mistério da encarnação, na pobreza e humildade, com a eucaristia.

Por isso quer “ver”, com os próprios olhos do corpo, o Natal da celebração eucarística, e criar um ambiente sugestivo para um encontro real com Jesus eucarístico, acolhido na humildade de uma gruta. Assim é o presépio de Greccio, no Natal de 1223. Aquilo que Francisco quer ver e fazer entender é a pobreza-humilhação do Filho de Deus na sua vinda ao mundo, tal qual acontece diariamente na eucaristia. O binômio Belém-eucaristia é de tradição bem mais antiga, que vê o altar como presépio.

Francisco tem a originalidade de atualizá-lo em formas plásticas e simples, ao vivo. Seu desejo era o de fazer nascer Jesus menino e as suas virtudes nos corações de todos e o de fazer “ver” o momento da salvação no Natal-eucaristia.

O mérito de São Francisco não foi o de ter inventado uma cena que todos poderiam reproduzir, mas o de ter mostrado com que sentimentos de coração devemos nos acercar do Menino Jesus.

Cesarius Van Hulst

FRANCISCO PREPARA UM PRESÉPIO NO DIA DE NATAL


Sua maior intenção, seu desejo principal e plano supremo era observar o Evangelho em tudo e por tudo, imitando com perfeição, atenção, esforço, dedicação e fervor os “passos de Nosso Senhor Jesus Cristo no seguimento de sua doutrina”. Estava sempre meditando em suas palavras e recordava seus atos com muita inteligência. Gostava tanto de lembrar a humildade de sua encarnação e o amor de sua paixão, que nem queria pensar em outras coisas.

Precisamos recordar com todo respeito e admiração o que fez no dia de Natal, no povoado de Greccio, três anos antes de sua gloriosa morte. Havia nesse lugar um homem chamado João, de boa fama e vida ainda melhor, a quem São Francisco tinha especial amizade porque, sendo muito nobre e honrado em sua terra, desprezava a nobreza humana para seguir a nobreza de espírito. Uns quinze dias antes do Natal, São Francisco mandou chamá-lo, como costumava, e disse: “Se você quiser que nós celebremos o Natal de Greccio, é bom começar a preparar diligentemente e desde já o que vou dizer. Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro”. Ouvindo isso, o homem bom e fiel correu imediatamente e preparou o que o santo tinha dito, no lugar indicado.

Aproximou-se o dia da alegria e chegou o tempo da exultação. De muitos lugares foram chamados os irmãos: homens e mulheres do lugar, de acordo com suas posses, prepararam cheios de alegria tochas e archotes para iluminar a noite que tinha iluminado todos os dias e anos com sua brilhante estrela. Por fim, chegou o santo e, vendo tudo preparado, ficou satisfeito. Fizeram um presépio, trouxeram palha, um boi e um burro. Greccio tornou-se uma nova Belém, honrando a simplicidade, louvando a pobreza e recomendando a humildade.

A noite ficou iluminada como o dia e estava deliciosa para os homens e para os animais. O povo foi chegando e se alegrou com o mistério renovado em sua alegria toda nova. O bosque ressoava com as vozes que ecoavam nos morros. Os frades cantavam, dando os devidos louvores ao Senhor e a noite inteira se rejubilava. O santo parou diante do presépio e suspirou, cheio de piedade e de alegria. A missa foi celebrada ali mesmo no presépio, e o sacerdote que a celebrou sentiu uma piedade que jamais experimentara até então.

O santo vestiu dalmática, porque era diácono, e cantou com voz sonora o santo Evangelho. De fato, era “uma voz forte, doce, clara e sonora”, convidando a todos às alegrias eternas. Depois pregou ao povo presente, dizendo coisas maravilhosas sobre o nascimento do Rei pobre e sobre a pequena cidade de Belém. Muitas vezes,-quando queria chamar o Cristo* de Jesus, chamava-o também com muito amor de “menino de Belém”, e pronunciava a palavra “Belém” como o balido de uma ovelha, enchendo a boca com a voz e mais ainda com a doce afeição. Também estalava a língua quando falava “menino de Belém” ou “Jesus”, saboreando a doçura dessas palavras.

Multiplicaram-se nesse lugar os favores do Todo-Poderoso, e um homem de virtude teve uma visão admirável. Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê dormindo, que acordou quando o santo chegou perto. E essa visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato dormindo no esquecimento de muitos corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua lembrança. Quando terminou a vigília solene, todos voltaram contentes para casa.

Guardaram a palha usada no presépio para que o Senhor curasse os animais, da mesma maneira que tinha multiplicado sua santa misericórdia. De fato, muitos animais que padeciam das mais diversas doenças naquela região comeram daquela palha e tiveram um resultado feliz. Da mesma sorte, homens e mulheres conseguiram a cura das mais variadas doenças.

O lugar do presépio foi consagrado a um templo do Senhor e no próprio lugar da manjedoura construíram um altar em honra de nosso pai Francisco e dedicaram uma igreja, para que, onde os animais já tinham comido o feno, passassem os homens a se alimentar, para salvação do corpo e da alma, com a carne do cordeiro imaculado e não contaminado, Jesus Cristo Nosso Senhor, que se ofereceu por nós com todo o seu inefável amor e vive com o Pai e o Espírito Santo eternamente glorioso por todos os séculos dos séculos. Amém. Aleluia, Aleluia.

Tomás de Celano – Primeiro Livro (Fontes Franciscanas)

A VIGÍLIA SOLENE DE GRECCIO

Três anos antes de sua morte, Francisco resolveu celebrar da forma mais concreta possível, perto de Greccio, o nascimento do Senhor. Dizia: “Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou; como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro”.

Francisco mandou, pois, preparar um presépio e trazer muito feno, juntamente com um burrinho e um boi, dispondo tudo ordenadamente. Reuniram-se os irmãos chamados dos diversos lugares. Acorreu o povo, ressoaram vozes de júbilo por toda a parte e a multidão de luzes e archotes resplandecentes junto com os cânticos sonoros que brotavam dos peitos simples e piedosos transformaram aquela noite num dia claro, esplêndido e festivo.

Francisco lá estava diante do rústico presépio em êxtase, banhado de lágrimas e cheio de gozo espiritual. Como era diácono, cantou na missa o Evangelho, com uma voz forte, doce, clara e sonora. Depois pregou ao povo presente, dizendo coisas maravilhosas sobre o nascimento do Rei pobre e sobre a pequena cidade de Belém. Chamava o Cristo Jesus de “menino de Belém”. Pronunciava a palavra “Belém” como o balido de uma ovelha. Também estalava a língua quando falava “menino de Belém” ou “Jesus”, saboreando a doçura dessas palavras.

João de Greccio, soldado presente à celebração, teve uma visão admirável. Viu no presépio, reclinado e dormindo, um bebê extremamente lindo, ao qual o bem-aventurado Francisco tomou entre seus braços, como se quisesse despertá-lo suavemente do sono. Quando terminou a vigília solene, todos voltaram contentes para casa.

Texto do livro “Francisco de Assis, o Homem do Paraíso”, de Leonardo Boff, com ilustrações de Nelson Porto. Publicação da Editora Vozes, que pode ser adquirido na loja virtual www.lojafranciscanos.com.br

Leonardo Boff e Nelson Porto


CONTINUA

EXTRAIDO DE: http://www.franciscanos.org.br/


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