
Somos discípulos do Senhor. Muitos nascemos em famílias cristãs e, desde nossa mais tenra infância, aprendemos a contemplar imagens e gravuras do Coração de nosso Mestre e Senhor. Ousaria afirmar que uma das primeiras manifestações do Senhor ao nosso coração se deram através do olhar que lançamos para estas gravuras, por meio da quais o Senhor nos olhou. Quem sabe, ainda em nosso berço, com poucos meses de vida, já aninhávamos dentro de nós esse Jesus com traços de grande amor e de infinita misericórdia. Somos cristãos, encontramos abrigo na fresta do peito aberto do Senhor.
Antes de mais nada fazemos uma observação quase trivial. Gostamos de dizer a quem amamos de verdade: “Eu te amo de todo o meu coração!” Uma tal declaração não pode ser entendida como mera expressão de sentimentalismo. Quando queremos bem a alguém de verdade queremos significar que a pessoa pode contar conosco, com nossos cuidados, nossa ajuda, nosso apreço, com o que tivermos de melhor. Ela pode bater à porta quando quiser, poderá receber ajuda na solução de seus impasses e, eventualmente, estamos até prontos para perdoar. Os que amamos de todo o coração não esquecemos, estão presentes em nossas orações, eles contam aos nossos olhos. De alguma forma, podemos dizer damos a vida por eles.
Ora, declarações e posturas de Jesus, consignadas nos evangelhos, estão a nos dizer que Jesus é a expressão mais nítida e acabada de um Senhor grande e belo que nos ama. Ele veio na noite dos tempos viver nossa vida, percorrer os caminhos que são os nossos, beber da água de nossas fontes, olhar e contemplar os dourados campos de trigais, anunciar um tempo de graça, pedir a transformação de nosso interior, que deixemos as desavenças e tentemos fazer e construir uma terra de irmãos e de reconciliação. Com amor eterno, esse Jesus, expressão acabada do amor do Pai, se volta para nós.
Encanta-nos ouvir a parábola do samaritano que é bom. Ele vai pelos caminhos do mundo. Vê o que se passa à sua volta. Observa com um coração pleno de atenção. Vê esse ser humano entre a vida e a morte, na desesperança. Toma o tempo necessário. Desce da montaria. Socorre o indigente. Leva-o para um espaço onde possa ser curado. Cobre as despesas. Promete ao dono da hospedaria voltar e pagar novas despesas. Ama desinteressadamente. A tradição sempre identificou este homem com o Cristo que ama os jogados à beira da estrada. Muitos fazemos essa experiência, a de perdição, de morte à vista de um universo sem luz. Fazemos a dolorida experiência do pecado e da solidão. O samaritano bom é aquele que tem o peito aberto e nos prodiga o perdão, levanta-nos do desânimo e nos leva para albergue do seu coração aberto pela lança do soldado. Lá é a hospedaria. Os custos pelo cuidar de nós foram vultosos e pagos no madeiro da cruz.
Outra cena. Outro momento em que a bondade do Senhor se manifesta. Uma cena entre muitíssimas outras. Aquele homem devia ser jovem. Havia escutado o Mestre e se encantado com seus gestos e suas palavras. Chega perto e pergunta: “Mestre, que devo fazer para ingressar nesse mundo de beleza que é o teu?”. “Tu simplesmente observarás os mandamentos do amor”, respondeu o Mestre. E o jovem: “Desde a minha infância observo de coração os mandamentos”. E Jesus o olhou com amor. Um homem reto que tocou o coração do Senhor, o coração daquele que veio para amar de todo o coração. Pena que esse jovem não tenha tido a coragem de ir até o fim, de deixar tudo e seguir com toda radicalidade o Mestre que tinha um coração que não cabia em seu peito.
Uma terceira cena. Esta se passa no espaço do Calvário. Jesus e salteadores tinham sido presos a cruzes. O Mestre não tem mais posição na cruz. Não sabe até quando poderá aguentar. Um ladrão dirige-lhe a palavra. Pede-lhe um passaporte para entrar no mundo novo de que falava o Mestre da cruz do centro. “Hoje mesmo estarás comigo no mundo novo, tudo que andaste por caminhos travessos. Passada esta tormenta estaremos juntos no mundo do meu Pai”.
Comemorar a solenidade do Coração do Redentor é contemplar esses gestos de bondade do Deus belo que foram colocados por Jesus. É ter a certeza de que continuamos sendo lavados pela água do Coração e alimentados pelo sangue que correu dessa santa e abençoada Fenda na estalagem da Igreja.
Os que têm consciência de terem sido objeto do amor deste imenso Coração entram num caminho de arrependimento e gastam o tempo de sua vida em tornar o Amor amado. Celebrar a solenidade do Coração do Senhor é tomar consciência de que este peito amou desmedidamente.
Os homens, contemplando o peito aberto de Jesus na Cruz, puderam compreender até que ponto Deus nos ama. “No Calvário tudo parecia acabado; e é verdade para os que crucificaram Jesus; mas o discípulo amado compreende que tudo começa agora num plano mais elevado. Vê o pleno significado daquele sacrifício: o verdadeiro Cordeiro foi imolado na verdadeira Páscoa para a mais verdadeira e plena libertação dos homens da escravidão do ódio, do mal, do pecado: “Aquele era um dia solene!” É o amor que triunfa, que “se abre” (o coração traspassado é o símbolo disso) para derramar sobre os homens as fontes da graça (o sangue e a água, símbolo dos sacramentos) e finalmente os homens verão e compreenderão com que Deus os amou (…). A celebração de hoje é uma exaltação é uma exaltação do Amor, mostra que tudo é devido ao amor; da criação à redenção, o eterno destino de glória na plenitude do Amor-Deus. Nada mais viril, nada mais forte do que o amor divino-humano do Cristo, nada mais valoroso, mais nobre do que reconhecer e retribuir este amor” (Missal Dominical da Paulus, p. 522).
Frei Almir Ribeiro Guimarães , OFM
Extraído de: http://www.franciscanos.org.br/
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