16 de maio de 2012

Francisco se encontra com o crucificado


Francisco, o homem de Assis, foi tocado pelo mistério de Deus e pelo esplendor de Cristo despojado e pobre. Sentiu-se chamado a um seguimento intenso do Senhor Jesus. Nada estava claro no começo do apelo divino. Aos poucos, Francisco foi discernindo a vontade de Deus a seu respeito. Houve um encontro particularmente importante em sua vida. Este se deu na igrejinha de São Damião. Francisco teve nitidíssima certeza de que o Crucifixo bizantino daquela capela lhe dizia alguma: “Francisco vai e repara a minha igreja que, como vês está em ruínas”. Será que a vocação de Francisco poderia ser descrita como a de um pedreiro que reconstruiria as igrejinhas em ruína? Ou se deveria pensar maior?



1. Nós, franciscanos, temos um carinho todo especial por uma capelinha consagrada a São Damião que ficava fora dos muros da antiga cidade de Assis. Muitos acontecimentos queridos de nossa história franciscana ali se deram. O mais importante de todos, sem dúvida, foi que ali viveram Clara e suas irmãs uma aventura espiritual esplendorosa. Falar em São Damião, para a alma franciscana, é deixar que o coração fale e se deliciar com tudo aquilo que ali se passou. Nessa capelinha, em ruínas, dedicada a São Damião, companheiro de São Cosme, havia um crucifixo bizantino dos olhos negros e profundos que hoje se encontra proto-mosteiro de Santa Clara, dentro dos muros da cidade. A capela, com efeito, estava em ruínas. Francisco, neste momento, já estava vivendo uma transformação. Passa a usar uma roupa diferente. Vai discernindo a vontade de Deus. Os biógrafos assim descrevem o episódio que se passou na igrejinha de São Damião. “Transcorridos poucos dias, estando ele a andar nas proximidades da igreja de São Damião foi-lhe dito em espírito que entrasse na mesma para a oração. Entrou nela e começou a rezar com fervor diante de uma imagem do Crucificado que piedosa e benignamente lhe falou, dizendo: ‘Francisco não vês que minha casa está destruída? Vai, portanto, e restaura para mim’. Tremendo e admirando-se, ele diz: “Vou fazê-lo de boa vontade, Senhor”. Ele entendeu que lhe fora dito daquela igreja que por causa de sua extrema antiguidade, ameaçava uma ruína próxima. Por causa desta palavra que lhe fora dita, ficou repleto de tanto júbilo e iluminado de tanta luz que na sua alma sentiu verdadeiramente que fora o Crucificado quem lhe falara” (Três Companheiros 13, 6-10).

2. Francisco estava nos arredores e entra na capelinha. De fato, estava em ruínas. Havia poeira, falta de limpeza. Lá no fundo o Crucificado com seu olhar sereno e negro e Francisco alguém que estava buscando clarear o seu caminho. O Poverello é um ser em trabalhos de parto para saber o que Deus quer efetivamente dele. A oração que Francisco faz só pode ser essa: “Iluminai as trevas de minha alma, dai-me um fé íntegra uma esperança firme e uma caridade perfeita para que eu possa conhecer a vossa vontade”. Francisco deve, pois, ter se sentado no chão e passou a contemplar aquela imagem de Cristo diferente de outras. Era um Cristo cheio de paz, como que descansando, de pé, na cruz, aqueles olhos profundos e perto da coxa um galinho que lembrava o galo que cantou três vezes por ocasião da negação de Pedro. Francisco, por um tempo, mergulha na oração. Há essa mensagem que lhe chega: “Francisco, vai e restaura a minha igreja que, como tu vês, está caindo as pedaços”.

3. Durante um tempo, Francisco leva vida de pedreiro. Pede ajuda. Sobe a um muro e diz que um dia, no futuro, naquele lugar, haveriam de morar mulheres santas que honrariam a Igreja. Fazia ele a profecia da instalação naqueles espaços, mais tarde, de Clara e de suas irmãs, das irmãs pobres de São Damião. Francisco leva vida de pedreiro e apressa-se em dar ao padre do lugar uma igrejinha, refeita e bonita.

4. Quando vemos Francisco ali, aos pés do belo Crucificado, vemos o amante procurando o amado. O homem buscando o Cristo, nessa vontade de comunhão, de agradecimento sem limites pela cruz, pela morte de cruz, pelo dom. Francisco amará o Senhor do presépio simples e chegando à cruz despojada, passando pela Eucaristia tão rica de simplicidade. Francisco vai crescendo no amor desse Cristo que vai ocupar todo o espaço de seu coração, de sua vida, de suas preocupações. Pe. Fernando Felix Lopes escreve a respeito dos expedientes de Francisco para conseguir pedras para a restauração de São Damião. “Foi-se, pois, à cidade e pelas praças e ruas e começou a cantar os louvores de Deus, ébrio que andava do espírito do Senhor. E, ao fim, lembrava a pequenina igreja de São Damião precisada de restauro, e rematava a cantilena devota com o estribilho: “Quem me der uma pedra, terá uma recompensa; quem me der duas, duas terá também; e quem me der três, outras tantas recompensas há de ter”. E em palavras singelas desfiava o seu pedido. Ser simples e escolher a Deus, em todas as circunstâncias se apresentaria simples. Houve ainda quem dele se mofasse e o tratasse de doido; mas outros ao pensar na vida em que fora criado com tantos mimos e luxos, enterneciam-se até às lágrimas, ao vê-lo assim feito pobre em tanta embriaguez de amor divino” ( O Poverello, p.65).

5. Aos poucos, Francisco e seus primeiros irmãos compreenderam, com toda humildade, sem soberba, que se tratava de reformar a grande Igreja, que andava meio abandonada. O clero não tinha muita instrução. Os fiéis andavam meio desorientados. Faltava-lhe a força do Evangelho, a seiva do Evangelho. Surgiam aqui e ali movimentos evangélicos de cunho penitencial e sentia-se a esposa de Cristo, a Igreja, se vestia de roupas novas. Francisco e os seus foram compreendendo que não se tratava de serem pedreiros, mas reconstrutores da grande Igreja por meio de uma vida evangélica, profundamente fraterna, ocupando-se dos mais abandonados… Mas isso vem mais tarde. Agora, nesse momento preciso tratava-se de restaurar esta igreja e ainda outras, como seria o caso da Porciúncula. Por enquanto, eles podiam tentar absorver o espírito das bem-aventuranças, viver sem complicação, pessoas que não se consideram superioras aos outros. Os franciscanos sabem disto: levando a sério sua opção ajudam a construir uma Igreja forte. Foi esse o pedido do Crucifixo de São Damião a Francisco e aos que desejam ser irmãos de Francisco.

Para continuar a reflexão

2Celano 10 : O Crucificado fala a Francisco

Para reflexão em grupo

1. O que mais chama sua atenção nesse texto de estudo?

2. O que significa restaurar a Igreja hoje?

Frei Almir Ribeiro Guimarães

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