3 de junho de 2012

03/06 - SANTÍSSIMA TRINDADE :

Glória ao Pai! Poder ao Filho! Louvor ao dinamismo do Espírito!


Por Frei Jacir de Freitas Faria, OFM (*)

I. INTRODUÇÃO GERAL

Ao celebrarmos, hoje, na festa da Santíssima Trindade, a nossa fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, recordemos, primeiramente, o longo processo vivido pela igreja na solidificação da fé na trindade. Primeiramente, vale recordar o testemunho de santos mártires, que morreram testemunhando a fé na Trindade. Um deles ficou famoso, o de Santa Cecília, a padroeira da música, martirizada em Roma, por volta do ano 230. Na catacumba de São Calixto, em Roma, onde foram encontrados seus restos mortais, em 1599, pode-se ver a cópia de uma estátua da santa, do escultor Stefano Maderno, que estava presente no momento da abertura do túmulo. O escultor retratou o corte da espada no pescoço e a posição dos seus dedos: três abertos na mão direita e um na esquerda, o que demonstrava a sua fé na Unidade e na Trindade de Deus.

Na verdade, “Tertuliano, padre da Igreja, morto em 222, foi quem usou por primeiro a expressão Trindade. Para ele, Deus é três em grau, não em condição; em forma, não em substância; em aspecto, não em poder (Contra Praxeias, 2). Em 318, Ário, um presbítero de Alexandria, propõe a tese trinitária do subordinacionismo do Verbo, Filho, ao Pai. Ário negava a preexistência de Cristo como Deus. Em 333, o imperador Constantino mandou queimar todos os escritos de Ário, mas a sua ideia permaneceu em seus adeptos, que a propagavam, à revelia da igreja que se tornava hegemônica. Já no Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325, com a presença e convocação do Imperador Constantino, são estabelecidas neste concílio, as normas de fé para o cristianismo, em oposição a Ário, que fora exilado. Posteriormente, surgem movimentos antiniceanos. Em 350 surge outra tese trinitária, a de que o Filho (Verbo) é diferente do Pai. Assim, em Niceia ficou estabelecido que: há um só Deus, Pai criador; um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado desde a eternidade, gerado e não criado, nascido por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria. Ele morreu, ressuscitou, voltou para Deus e retornará para julgar vivos e mortos. Há o Espírito Santo, Senhor e fonte da vida que procede do Pai; com o filho é adorado e glorificado. A Igreja é una, santa, católica e apostólica. Há um só batismo que redime pecados. Os cristãos devem manter-se firmes na fé na ressurreição dos mortos.

Mais tarde, em 381, no I Concílio de Constantinopla, ficou definida a divindade do Espírito Santo: “Uma substância, três pessoas”. Nesse momento, consolida-se a teologia trinitária do cristianismo hegemônico. No entanto, foi mesmo em 451, no Concílio de Calcedônia, que a igreja proclamou as duas naturezas na única pessoa de Cristo: “Cristo é uma substância conosco no tocante à sua humanidade; ele é como nós em todos os aspectos, menos no pecado; no tocante à sua divindade, ele foi gerado pelo Pai antes dos tempos, mas mesmo assim gerado, quanto à sua humanidade, por Maria, a Virgem, a portadora de Deus; ele é um e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, apenas gerado, reconhecido em duas naturezas sem confusão, sem mudança, sem divisão e sem separação”. Parte da igreja da Síria, Egito, Armênia e Etiópia, ainda hoje continuam monofisitas, não comungando com a decisão de Calcedônia, que resolveu a questão da natureza de Cristo, mas criou divisões entre a igreja do oriente e a do ocidente. Nesse ínterim, o arianismo se fortalece novamente, vindo a servir de fundamento para a criação da nova religião, o islamismo, que surgiu sob a liderança de Maomé, entre 590 e 632, no oriente (cf. FARIA, Jacir de Freitas, Apócrifos aberrantes, complementares e cristianismos alternativos – Poder e heresias! 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009, pp. 119; 134-135; 147). Nos séculos vindouros, à soleira do que fora estabelecido pela igreja, teólogos e papas, comunidades e santos, continuaram testemunhando a Trindade.

Vale ressaltar ainda que, na numerologia judaica, o número três representa o divino: firmamento, céu e Xeol – morada dos mortos. A estrela de Davi, que aparece na bandeira de Israel, é composta de dois triângulos equiláteros – de três partes cada um. Nos evangelhos, várias vezes aparece o número três. Pedro nega Jesus três vezes e Jesus lhe pergunta outras três vezes se ele o ama; Jesus morre às três horas e ressuscita ao terceiro dia. Diante dessas evidências, será que não poderíamos afirmar que a base da fé cristã na trindade tem relação direta com esse modo de pensar? Bases bíblicas é que não faltam. É o que ouvimos nas leituras de hoje, que passamos a comentar.

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Dt 4,32-34.39-40): Deus é Pai criador de tudo e de todos

Partindo da fé vivida por nossos irmãos judeus, desde tempos antigos, a leitura que ouvimos do livro do Deuteronômio nos mostra que Deus é criador de tudo e de todos. Ele escolheu Israel dentre outros povos, falou diretamente com esse povo, libertou-o do Egito e, por fim, pediu-lhe o cumprimento da aliança estabelecida. A Deus a glória por seu ato criador!

Nessa breve exortação, o autor de Dt estabelece o princípio criador de Deus e sua essência, o de ser Um, isto é, não existem outros deuses. Ele não é único, pois não está em relação a outro deus. Ele é um, indivisível e forte. Somente a este Deus Israel deve servir e amar. Os profetas bíblicos se encarregaram de firmar a fé monoteísta.

A tradição cristã transmitiu a fé trinitária. E somente assim se deve compreender o ato criador de Deus. A diferença e a unidade de Deus, em três pessoas, já no seu ato criador, se revela como comunidade que cria o ser humano à sua imagem, – o ser humano é como Deus, e à semelhança, – o ser é um vir a ser como Deus, por meio de suas atitudes.

As primeiras palavras da Bíblia afirmam que no “no princípio Deuses criou”… (Gn 1,1). O sujeito está no plural e o verbo no singular. O ser humano, na sua singular diferença, é chamado a ser como Deus trinitário, na comunhão e no respeito ao diferente que nos une. Israel, como sociedade de povo escolhido, é chamado a ser imagem e semelhança de Deus-Pai e libertador dos oprimidos. Para que isso acontecesse, bastaria uma coisa: seguir a Torá, de modo que a fome e a injustiça não se estabelecessem no meio do povo.

2. Evangelho (Mt 28,16-20): Jesus é o Filho Deus que pede o batismo trinitário para seus seguidores

O término do mais judeu dos evangelhos, Mateus, nos apresenta a missão dos seguidores da primeira hora de Jesus: “ir pelo mundo afora, converter as nações e batizá-las em nome do Pai, Filho e Espírito Santo”. Jesus aparece aos onze discípulos na Galileia, conforme Ele mesmo havia prometido. O evangelho afirma que Jesus tem autoridade sobre o céu, e a terra recorda o ato criador de Deus-Pai da primeira leitura. Além disso, Jesus pede aos discípulos que batizem as nações em nome da trindade. Anunciar o reino pregado por Jesus é estar em comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Jesus também fora batizado no Espírito (Mt 3, 16). Jesus mesmo dizia: “Quem me vê, vê o Pai. Eu e o Pai somos um!” (Jo 14,9-10). Jesus tinha consciência de que fazia a obra do seu Pai (Jo 10,37), por isso ele pede aos seus discípulos que perpetuem a sua obra, tornando-se missionários da salvação, criando comunidade parecidas com aquela de onde ele veio, da Trindade, a melhor comunidade. Ao Filho o poder que vem de Deus! Ao batizado, expressão da fé sacramental na Trindade, o poder e a missão de levar a salvação, o reino a todos.

3. II leitura (Rm 8,14-17): O Espírito de Deus é Santo e nos coloca na condição de filiação adotiva de Deus

Na experiência trinitária, Paulo nos recorda com maestria que “todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (v.14). Nós nos tornamos filhos de Deus graças ao Espírito. Recebemos um Espírito de filhos adotivos, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. O Espírito nos torna livres, como disse Paulo. O Espírito é cheio de dinamismo e nos impulsiona a viver na liberdade criativa da trindade.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

1. Demonstrar para a comunidade a importância de nunca nos acomodarmos na glória do Pai, no poder do Filho, mas sempre nos colocarmos no dinamismo do Espírito que tudo vivifica e cria. A união dos diferentes é que nos faz cristãos.

2. A Trindade tem sua essência na experiência comunitária de solidariedade dos diferentes, no amor e na comunhão. Tudo isso deve suscitar em nós o desejo de construir uma sociedade justa e igualitária, espelho da Trindade, a melhor comunidade.

3. O Espírito Santo não pode ficar aprisionado em instituições e comunidades que se julgam detentoras do poder divino.

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM é Padre franciscano, escritor, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, de Roma, especialista em evangelhos apócrifos, professor de exegese bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA, em Belo Horizonte e em cursos de Teologia para leigos. Autor de uma centena de artigos. Autor e coautor de quinze livros, sendo o último: Infância apócrifa do menino Jesus. Histórias de ternura e travessura. Petrópolis: Vozes, 2010. Diretor Geral e Pedagógico dos Colégios Santo Antônio e Frei Orlando, ambos em Belo Horizonte.
Veja mais: www.bibliaeapocrifos.com.br

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