5 de abril de 2013

O caminho de volta à pátria.



A fresta do Coração daquele que desceu à mansão dos mortos.


Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como  Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado.  Meu sono vai arrancar-te do sono da morte.  Minha lança deteve a lança  que estava dirigida contra ti.

(De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo)

1. Semana passada  vivemos em nossa Igreja os dias abençoados da Semana Santa. Temos bem vivas em nossas retinas as cerimônias  do tríduo pascal.  Ano após ano, no Ofício da Liturgia das Horas, lemos no sábado  santo,  uma  bela homilia  que fala da descida de Jesus  à mansão dos mortos, onde ele foi encontrar-se com nossos primeiros pais e todos os que antes  dele haviam morrido e estavam esperando o tempo da ressurreição e da renovação de todas as coisas.  Sempre  ficamos profundamente tocados com o abandono do Mestre na cruz, sua solidão, a  fuga de todos os seus com medo e falta de confiança. Impressiona-nos o grito de abandono do Senhor na cruz.

2. José  Antonio Pagola, refletindo sobre os últimos momentos da vida do Senhor  comenta a frase  “Meu Deus, meu  Deus, por que me abandonaste?”. “Estas palavras, pronunciadas em aramaico,  língua materna de Jesus, e gritadas no meio da solidão e do abandono total são de uma sinceridade esmagadora. Se Jesus não as tivesse pronunciado, ter-se-ia   alguém na comunidade cristã  atrevido a pô-la nos seus lábios? Jesus morre numa solidão total. Foi condenado pelas autoridades do templo. O povo não o defendeu. Os seus  fugiram. A seu redor só houve zombarias e desprezo. Apesar dos gritos ao Pai no Horto do Gêtsemani,  Deus não veio em sua ajuda. Seu Pai querido o abandonou a uma morte ignominiosa.  Por quê?  Jesus não chama Deus de  Abba, sua expressão habitual e familiar. Chama-o de  Eloi, “meu Deus”,  como todos os seres humanos. Sua invocação não deixa de ser uma expressão de confiança: Meu Deus! Deus continua sendo Deus, apesar de tudo.  Jesus não duvida de sua existência e de seu poder para salvá-lo. Queixa-se do seu silêncio:  onde está? Por que se cala? Por que o abandona precisamente no momento em que mais precisa dele?  Jesus morre na noite mais escura.  Não entra na morte iluminado por uma revelação sublime. Morre com um “por quê”  nos lábios.  Tudo fica agora nas mãos do Pai” ( Jesus.  Aproximação históric a,  Vozes, p. 483-484).

3. Cremos que, depois de tão tormentosa paixão, Jesus ressuscitou e vive entre nós. Na cruz ele adormeceu. E um soldado toca-lhe o lado. Por causa da humanidade, a lança ainda penetra o  Coração do  Senhor.  Tudo já consumado.  Mas há ainda  o sacramento do lado aberto. Lado aberto do Coração que é albergue e pousada dos que estão cansados.  Lado aberto que é ninho onde a esposa se esconde com o  Esposo para  inaugurar as núpcias do  Cordeiro.  Esse sono da cruz  vai continuar no sono da sepultura.  Lá ele vai acordar a  humanidade que dormia o sono da morte.

4. Antes de morrer, antes de ser descido da cruz e levado ao sepulcro, no ápice do abandono, quando  a noite descia sobre o calvário e o hóspede da cruz, há um dialogo de Jesus com um homem de coração arrependido, aquele que designamos com o delicado nome de  “bom ladrão”.  Há um caminho aberto quando  Jesus se entrega ao Pai calado. São Leão Magno fala  de uma porta aberta, de um  entrada. Porta da Paixão, porta do Coração aberto. Esse caminho empreendeu o ladrão bom:  “O povo cristão é convidado a gozar as riquezas do paraíso, e para todos os batizados está aberto  no caminho de volta à pátria perdida, desde que ninguém queira fechar para si próprio aquele caminho que se abriu  também à fé do ladrão arrependido”.

O povo cristão é convidado a gozar as riquezas do paraíso, e para todos os batizados está aberto o caminho da volta à pátria perdida,  desde que ninguém queira fechar para si próprio aquele caminho que se abriu também à fé do ladrão.  (São  Leão Magno,  LH II,  p. 280)

Frei Almir Ribeiro Guimarães - OFM

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