Patrimônio franciscano
Contemplação
Nesta rubrica estamos nos ocupando de texto de São Boaventura. Ela nos fala dos caminhos da vida espiritual. Transcrevemos páginas do Mestre a respeito do tema da contemplação. Temos diante dos olhos um livro de páginas amareladas: Escriptos Espirituaes de S. Boaventura (Vozes, 1936). Estamos em nosso propósito de tirar coisas novas e velhas do baú...
Da contemplação pela qual a alma alcança a verdadeira sapiência no repouso da tranqüilidade, pelo esplendor da verdade, e com a doçura da caridade.
É pela contemplação que nosso espírito sobe até a Jerusalém celeste, modelo da Igreja terrestre, conforme está escrito no Êxodo (25,40): Olha e faz conforme o modelo que foi mostrado na montanha. De fato, é preciso que na medida do possível, a Igreja militante corresponda à Igreja triunfante, os merecimentos que aqui se formam aos prêmios que lá se recebem, e os que ainda lutam pela vitória aos bem-aventurados que já receberam a coroa. Na glória, aliás, se encontra uma tríplice prerrogativa que torna perfeita a recompensa que a constitui: - a posse eterna da suma tranqüilidade; - a visão ostensiva da suma verdade;- e a plena fruição da suma bondade ou caridade.
Decorre daí a distinção em um tríplice coro da mais alta hierarquia celeste: os tronos, as dominações e os serafins. Para subir das lutas desta vida à bem-aventurança da eternidade é preciso, quanto possível, reproduzir em si a imagem desses três coros celestes, isto é, adquirir o sopor da tranqüilidade, o esplendor da verdade e o dulçor da caridade. O próprio Deus repousa nesses três bens e neles habita em seu trono.
Todavia para possuir qualquer desse três bens, é necessário subir os três degraus que formam os três caminhos da vida espiritual: a via purgativa, para expulsar da alma o pecado; - a via iluminativa, para ensinar-lhe a imitação de Cristo; - a via unitiva para realizar a união com Deus.
Cada um desses caminhos tem os seus degraus e por eles é que a alma sobe, partindo do mais baixo até chegar ao mais alto, do abismo de sua miséria à montanha da perfeição divina.
Da via purgativa ou dos sete degraus que conduzem a alma ao sopor da tranqüilidade pela confiança em Deus.
São esses os sete degraus que conduzem ao sono da tranqüilidade:
O primeiro é o rubor que nos sobe às faces quando nos recordamos da ignomínia dos nossos pecados e consideramos a sua gravidade e quantidade assim como a nossa vergonha e ingratidão.
O segundo é o temor que nos assalta quando pensamos no juízo que nos espera e pelo qual serão avaliadas a devassidão de nossas ações, a cegueira de nossa razão , a dureza de nossa vontade e a condenação final de nossa alma.
O terceiro degrau é a dor que provém da consciência dos danos causados pelo pecado: a amizade de Deus frustrada, a inocência maculada, a natureza deturpada, a vida terrena dissipada.
O quarto é o clamor pelo qual imploramos o socorro de Deus, nosso Pai, de Cristo, nosso Redentor, da Virgem, nossa mãe e da Igreja triunfante.
O quinto é o rigor pelo qual extinguiremos em nós mesmos o ardor da concupiscência domando a preguiça que esteriliza, a malícia que perverte, a sensualidade que entorpece, o orgulho que envaidece.
O sexto degrau é o fervor pelo qual aspiramos o martírio nas esperança de que por ele o Senhor nos conceda o perdão completo dos pecados e a purificação total da alma, a satisfação inteira pelas penas devidas, a santificação perfeita pela graça.
O sétimo e último degrau é o sopor à sombra de Cristo, pelo qual atingimos ao estado final de repouso (Sl 16,8), o homem se sente em segurança: não o excita mais o calor da concupiscência, nem o abate o temor do castigo.
A este estado não se chega senão pelo desejo do martírio; e este não se concebe senão extinguindo os incentivos do pecado; e isto não se alcança senão com o auxílio de Deus; e este não se obtém senão deplorando as próprias faltas.
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