10 de outubro de 2011

Páginas Franciscanas

FRANCISCO E CLARA
Irmão e Irmã

Nossa Página Franciscana deste mês tem a ver com Francisco e Clara. Os dois não podem ser pensados separadamente. Estas duas trajetórias sem se confundirem, se complementam harmonicamente. Hoje se fala até de um carisma francisclariano, palavra rejeitada pelo dicionário do computador. Christian Bobin num texto cheio de poesia e de verdade nos fala do irmão e da irmã. Francisco e Clara dois seres extraordinários que se encontram no tempo e para além do tempo.

...Em sua imitação inocente, quase obsessiva, das Escrituras, Francisco de Assis não podia evitar esse encontro com uma mulher amorosa, sua irmã, seu “dúplice”.

Que dizer a respeito desse encontro, senão que os dois se completam como duas pilastras de um templo, que todos os matizes do amor passam de um para o outro, assim como todas as cores do sonho.

A respeito dela nada mais que evocar seu nome; ele diz o que ela é, aquilo que tem a dar: clara, clareira, clarividência, esclarecimento, luminosidade... Todas estas palavras estão em seu nome, todas essas luzes dela proveem... mocinha de dezesseis anos que seus pais desejam que se case, mocinha parecida com moças do cancioneiro francês, pássaro rebelde ao canto que se lhe ensina, pardal que prefere ficar pulando através dos caminhos molhados do que proteger-se sobre as folhagens de um árvore, por mais nobre que esta pudesse ser.

O que tu queres fazer quando tu ficares grande?
Muitas vezes fazemos esta pergunta a crianças que mal e mal se dão conta do momento presente e no momento presente a presença maravilhosa do todo. Com quem queres te casar mais tarde? Esta pergunta é feita a alguém cuja beleza inquieta. Deseja-se persuadi-la de terminar o tempo leve da mocidade por meio do casamento... Mas aquele que ela (Clara) deseja desposar não está presente e não estará nunca. Não está ali nem em lugar algum. Ele é o mais elevado e o menos elevado... ele está longe e perto... ele está e ele não está.

Como nas letras das músicas de antigamente, a jovem foge da casa dos pais à noite, passa por uma porta secreta, obstruída por muitos pedaços de lenha, vai tirando toco por toco com suas mãos, desliza caminha abaixo na noite de estrelas para junto daquele que arquitetara o “sequestro”, o rei do coração, o príncipe da fuga, Francisco de Assis. Eles amam na mesma qualidade de amor, são feitos para se compreenderem, embriagados do mesmo vinho.

Ela muda sua veste resplendente por uma veste como aquelas que usavam as empregadas da época. E ei-los os dois juntos e separados, ele prendendo na armadilha de sua voz os pássaros do céu, os animais dos campos e os homens das cidades, ela recolhendo nas redes de Deus moças cada vez mais numerosas, cada vez mais bonitas.

Dois caçadores furtivos. Dois andarilhos percorrendo as invisíveis propriedades de Deus.

Separados como antigamente eram separados os meninos das meninas nos pátios das escolas primárias: ela na fila das meninas, ele no lado dos meninos. Separados nas aparências e lugares, estavam unidos para sempre pelo diálogo das almas, nesse êxtase de terem encontrado o interlocutor privilegiado, aquele ou aquela que ouve até nossos silêncios, mesmo o que não seriamos capazes de dizer no silêncio, a irmã e o irmão sem os quais o tempo passado na terra não teria sido mais do que um tempo – nada mais.

A legenda costuma dizer aquilo que é verdade, não como as coisas acontecem na frieza de provas, mas como os fatos se dão no sangue das almas. E a legenda diz que no dia em que Francisco visitava Clara e as irmãs no seu convento, as pessoas podiam perceber um incêndio à distância. O povo de Assis veio correndo apagar o fogo. As pessoas, no entanto, não viram chama alguma, nada de fogo, somente Francisco de Assis e Clara em torno de frugalíssima refeição e uma grande luminosidade entre os dois, uma claridade que não diminuía.

Ele morreu antes dela, fato, aliás o que não tem a menor importância. O amor quando irrompe, desde os seus primeiros frêmitos, abolidos os velhos decretos do tempo, suprimidas as distinções entre o antes e o depois, mantém somente o eterno hoje dos vivos, o hoje amoroso do amor.

Christian Bobin
Le Très-Bas
(Gallimard, p. 101-104)


Fonte:http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/bau/2011/08/03.php

Nenhum comentário:

Postar um comentário