1. A vida espiritual pretende ser uma experiência de Deus, desse Altíssimo que, encontrado, conhecido e amado torna-se aquele que molda toda a vida do cristão e lhe dá sentido. Como fazer essa experiência de Deus? Ele não é aquele que não se pode ver sem morrer 0 (cf. Ex 33,20)? Ora, o fiel conhece uma experiência do Altíssimo que transcende a própria inteligência e que diz respeito a seu coração, sua vontade e seu agir. Trata-se de uma experiência que se traduz com palavras humanas: sinto, creio que Deus está presente. Tais palavras, em certos momentos, são tão fortes que quem as experimenta pode fazer um relato delas. Acontece com o homem de hoje aquilo que aconteceu com Isaías no templo ou Elias na caverna. Como Moisés, o fiel é convidado a tirar a sandália dos pés porque pisa uma “terra santa”. Tais palavras parecem inquestionáveis em determinados momentos de sucesso na caminhada espiritual. Nos momentos de secura e de aridez, de desolação e de abandono, elas parecem perder sua força. O fiel perde o pé e duvida. Os que atravessam regiões exuberantes e desertos secos continuam a se sentir ligados a Deus. Caminham em sua presença e suplicam que ele não se ausente. Os que fazem a experiência de Deus são testemunhas de sua fala e de seu silêncio.
2. O homem é um ser quaerens, um buscador. É capaz de andar à cata de Deus. No cristianismo, no entanto, é Deus que vem ao encontro do homem e lhe propõe a aventura da Aliança. Trata-se de uma experiência espiritual pela qual Deus, através do Espírito Santo percebemos o Senhor próximo e vivo. “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito que está no seio do Pai, este o deu a conhecer”. Assim, a convivência com o Filho nos leva ao Pai. Deus fica sendo sempre aquele que por primeiro chama o homem e o atrai por meio de Jesus. O Pai afirma: “Este é o meu Filho bem amado… escutai-o”. O Filho se entrega ao Pai e nós nos entregamos no Filho. Por aí começa a experiência cristã de Deus.
3. O encontro entre Deus e o homem somente é possível graças ao poder do Espírito Santo, porque Deus é Espírito e é ele que torna o cristão morada do Espírito Santo , capaz de encontra-lo e acolhê-lo. O Espírito que desce naquele que crê dá um começo de vida espiritual engendrando o homem como filho de Deus. A mesma palavra do Pai pronunciada no Jordão é repetida para cada cristão em seu novo nascimento no momento do batismo: vida filial, vida fraterna com Jesus, vida do Espírito em nós… “Esta nova criação que acontece com o Batismo deverá ser assumida posteriormente pelo cristão, que consentirá no desenvolvimento coerente da graça santificante. Diríamos que o cristão deve tudo preparar em si para uma aquisição coerente do Espírito Santo”.
4. Necessário prestar atenção a alguns desvios. O encontro com o Deus que vem, será o encontro com o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Palavra feita carne, o Deus que no Espírito Santo nos salva e nos dá como dom sua própria vida, a vida divina. Na vida espiritual se procura e se busca no encontro com o Deus vivo, três vezes santo, quer dizer o Outro. Trata-se de uma vida espiritual cristã. “Vida espiritual cristã: não a busca de uma fusão impessoal com Deus, mas uma vida marcada pela aliança como encontro de uma alteridade. Há muita voracidade religiosa hoje, também na Igreja; busca-se mais a religião do que a fé, deseja-se um Deus imediatamente acessível, disponível em suas operações e recusa-se a arte do encontro e da comunicação na diferença, no respeito da alteridade, aceitando-se as distinções e a distância. Rejeita-se, assim, a santidade de Deus. Este tipo de comportamento leva a uniões holísticas e impessoais. Na espiritualidade cristã, o caminho não é o de uma divinização fácil e impessoal mas uma senda que começa com a regeneração pela graça em criaturas novas até se tornar filhos no Filho de Deus por meio do seguimento de Cristo vivido na história, na comunidade dos fiéis, em companhia dos homens. É caminhar na direção de Deus orientados pelo Espírito Santo”.
5. Necessário também prestar atenção a certos expedientes modernos que “garantem” o encontro com Deus por meio de práticas mecânicas, ascese oriental. Faz-se necessário prestar atenção à proliferação de escolas e técnicas de oração. A vida espiritual necessita de ascese, de métodos, de exercícios. Quem salva, no entanto, quem leva à comunhão com Deus é o Espírito Santo. É a graça e não o que vem do homem. Pode se dar que nosso orgulho humano tenha a pretensão de pensar a vida espiritual como uma empreitada da qual nós seriamos os protagonistas, uma vida marcada por nossas obras, nossos progressos, nossas contradições e nossas quedas. Fomos salvos pela graça. Não fomos nós que o escolhemos, mas Jesus que nos escolheu e nos enviou a produzir frutos e frutos que permaneçam, (cf. Ef 2,8; Jo 15,16).
6. Deus criou o homem no seu Filho e os destinou antes da fundação do mundo a ser filho no Filho; para que isso fosse possível Deus enviou seu filho para que se tornasse homem e por primeiro levasse os homens para Deus graças às energias do Espírito. Pode-se falar de um caminho de volta ao Pai, desse itinerário da vida espiritual, caminho que a imaginação humana descreveu como ascensão ao céu, uma escada que da terra vaio até Deus; um itinerário a ser percorrido na dessemelhança até a conformidade com Deus, um retorno a se realizar, um êxodo a ser vivido e que encontra seu cumprimento pascal na morte. O homem que aceita caminhar no Espírito, viver uma vida sob o senhorio do Espírito, aceita viver a Páscoa na qual ele se oferece em holocausto a Deus, assim se encontra nele como Filho do próprio Deus, vivendo a vida de Deus.
À guisa de conclusão:
Resta-nos ver com se viverá concretamente essa vida espiritual. Há o encontro com a Palavra, o empenho da conversão, o seguimento de Cristo, a prática do amor fraterno, a oração que culmina com a plena consciência da inabitação da Trindade, o ir pelo mundo.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
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