13 de março de 2012

São Francisco de Assis e a Opção pelos Pobres. (3ª Parte)

Francisco fez opção pelos pobres?


A práxis de Francisco

Depois de termos visto, de maneira sucinta, o conceito que Francisco tinha de pobre, cabe a pergunta: Francisco fez opção pelos pobres? Para obtermos a resposta, requer-se uma análise do que Francisco instituiu com relação ao pobre. É numa práxis instituída que se pode verificar uma verdadeira opção.

Antes, porém, de prosseguirmos, impõe-se um brevíssimo excursus sobre o termo “instituição” que para muitos autores modernos tem significado negativo. Eles estabelecem dicotomia e oposição entre carisma e instituição, atribuindo-as ao próprio Francisco. A nosso entender, não há carisma, a não ser instituído. Carisma não instituído é pura abstração. O carisma só existe em opções concretamente instituídas. Por exemplo, ao ouvir o evangelho do envio na Porciúncula, Francisco diz: “É isto que eu quero, é isto que eu procuro, é isto que eu desejo fazer do íntimo do coração”
. E o texto continua: “Por conseguinte, apressa-se o santo pai, transbordando de alegria, em cumprir o salutar conselho e não suporta demora alguma, mas começa devotamente a colocar em prática o que ouviu”.

Neste episódio, constata-se um texto evangélico inspirador, há uma opção instituída por viver esse texto (propósito), inicia-se uma práxis imediata.

Igualmente, ao receber Bernardo e Pedro Cattani, segundo a narração do Anônimo Perusino, após escolherem os textos evangélicos, Francisco diz: “Esta será a nossa regra”. Em seguida acrescenta: “Ide e, da maneira como ouvistes, realizai o conselho do Senhor”
.

O processo é idêntico: textos evangélicos inspiradores, opção instituída de viver de acordo com os textos (esta será nossa regra), a prática imediata.

Pode-se contra-argumentar, dizendo que nos exemplos dados o texto evangélico é o carisma. Insistimos na afirmação de que o texto evangélico só se torna carisma quando assumido como opção, instituído como propósito de vida e levado à prática. Caso contrário, o texto não chega a ser inspirador, não move a vontade a uma opção, permanece, portanto, mera abstração, letra morta.

Após este brevíssimo excursus, retornemos à pergunta: Francisco fez opção pelos pobres? Quais foram suas opções instituídas que traduzem em concreto sua opção pelos pobres?

Embora a ruptura com Pedro Bernardone e com a cidade de Assis (centro de poder e de decisões) tenha significado uma mudança de lugar social (Francisco já não pensa a partir do centro, mas da periferia), a nosso ver, não constitui ainda uma clara opção pelos pobres. De fato, ele se coloca também a serviço dos leprosos, mas não consta que tenha sido um serviço permanente. O beijo ao leproso (se realmente houve), que teria acontecido antes mesmo da ruptura com o pai, não significa ainda uma opção pelos leprosos. Embora os leprosos fossem os excluídos (banidos) da sociedade, no entanto, muitos cristãos em busca de santidade lhes prestavam serviços. Na vida de muitos santos, quando eles se propõem um caminho de santidade, a primeira atitude concreta é voltar-se para os pobres. Talvez dentro deste clichê hagiográfico, também Francisco se tenha voltado para os leprosos.

Após a ruptura com o pai, Francisco dedica-se alternadamente a várias experiências: leva uma vida eremítica (que parece ser a experiência de fundo), priorizando a solidão, os lugares propícios para a meditação, tais como grutas, bosques e regiões inóspitas; presta periodicamente serviço aos leprosos; empenha-se na reconstrução de pequenas capelas abandonadas.

A vida eremítica vai ceder definitivamente seu espaço a uma vida marcadamente itinerante, opção feita na Porciúncula por ocasião da escuta do evangelho do envio, mesmo se de vez em quando Francisco sinta saudades da solidão e procure tempos fortes de contemplação longe do rebuliço das multidões. A reconstrução de capelas foi algo transitório na práxis de Francisco. O serviço aos leprosos continua sendo uma prática da fraternidade primitiva, mesmo sem constituir uma opção
instituída da Ordem. Que este serviço era uma prática pode-se deduzir do texto da Regra não Bulada, quando Francisco alude à permissão de pedir esmola para os leprosos. Já o fato de ter omitido esta permissão na Regra Bulada mostra que não o serviço aos leprosos não era uma opção instituída.

Mesmo não sendo uma opção instituída, a prática do serviço aos leprosos será sempre uma constante na fraternidade primitiva. Em sua itinerância, os irmãos pregadores anunciavam o evangelho ao povo, os não pregadores buscavam outros trabalhos e serviços, entre os quais o dos leprosos. Esta mobilidade do início causará em Francisco, no fim de sua vida, um sentimento de nostalgia, inclusive queria voltar a servir os leprosos.

Há um texto tardio que poderia sugerir o serviço aos leprosos como uma opção instituída: “... nos primórdios da religião, depois que começaram a multiplicar-se os irmãos, quis que os irmãos permanecessem nos hospitais dos leprosos para servi-los; porque, naquele tempo em que chegavam à religião nobres e plebeus, entre outras coisas que lhes eram anunciadas, se lhes dizia que era necessário servir os leprosos e permanecer nas casas deles”. Ainda outro texto poderia causar a mesma interpretação: “E devem alegrar-se, quando conviverem entre pessoas insignificantes e desprezadas, entre os pobres, fracos, enfermos, leprosos e os que mendigam pela rua”.

Estes textos, porém, nos soam mais como uma preferência do que como uma opção instituída, da mesma maneira que Francisco preferia hospedar-se em leprosários a hospedar-se em casas de outras pessoas. De fato, se o serviço aos leprosos fosse uma opção instituída, como justificar que a Regra Bulada e uma legenda importante como a do Anônimo Perusino o ignorem completamente?

Também o fato de Francisco dar esmolas a mendigos e a outras pessoas que lhe pedem não pode ser considerado uma opção pelos pobres. Também Pedro Bernardone e outros ricos davam esmolas aos pobres. E muitos cristãos, mesmo não sendo ricos, praticavam a esmola. Nem por isso se pode dizer que fizeram opção pelos pobres.

Alguns modernos querem ver na esmola algo negativo, interpretam-na inclusive como um meio egoísta de santificação do doador. Isto, porque a desvinculam do sentimento de compaixão. Deste modo, acabam esvaziando a esmola de seu sentido cristão. Os biógrafos insistem em afirmar o sentimento de compaixão que Francisco tem para com os pobres. A LTC afirma um amor profundo e compassivo de Francisco para com eles . A compaixão é o sentimento que dá sentido à esmola. Mas a compaixão não pode ainda ser considerada uma opção instituída por Francisco pelos pobres.

Em que sentido, então, se pode falar de uma opção instituída de Francisco? Recorrendo às fontes, dificilmente podemos falar de uma opção pelos pobres; há, sim, uma opção instituída de Francisco pela vida de pobreza. Francisco institui para a fraternidade uma vida como a dos pobres. O que ele disse ao bispo de Assis a
respeito da posse de propriedades, ele institui na regra: “Os irmãos não se apropriem de nada, nem de casa, nem de lugar, nem de coisa alguma”.

A proibição de usar e de receber dinheiro é instituída na regra. O trabalho manual, meio de sustento dos pobres, é instituído como meio de sustento dos irmãos . A esmola é o recurso alternativo instituído como meio de sustento, no caso de os irmãos não receberem seu salário. O modo de vestir-se é o modo como os pobres se vestem, isto é, com vestes baratas rudes e não com vestes finas e macias. O modo de morar dos irmãos é instituído antes como um hospedar-se, pois são peregrinos e forasteiros. E as casas devem ser pobrezinhas, construídas de galhos e de barro, à maneira das casas dos pobres . A proibição de andar a cavalo é igualmente uma identificação com a vida dos pobres . Até mesmo os utensílios deviam lembrar a vida dos pobres, a opção por uma vida em pobreza .

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