O desejo da união com o Cristo esposo
Certamente o ano de 2012 será marcadamente clariano. Em agosto estaremos comemorando os 800 anos do carisma que foi concedido a Clara de Assis e suas irmãs que começaram sua aventura espiritual nos exíguos espaços de São Damião. Apoiados no sólido estudo de Philip Blaine, OFMConv, Santa Chiara Guida spirituale alla vita francescana (Miscellanea Francescana, 1993, I-II, p. 376-426), queremos agora tecer algumas considerações, na linha da contemplação, limitando-nos agora ao desejo de Clara de unir-se ao Cristo esposo.
1. O crescimento espiritual de uma pessoa depende de um adensamento de seus relacionamentos com Deus. As pessoas encarregadas de orientar outros na vida espiritual precisam conhecer experimentalmente a Deus e ter uma certa capacidade de perscrutar os mistérios do ser humano. Deverá ter clareza sobre os princípios teológicos e conhecer o “espírito” das Escrituras… Isso, no entanto, não é suficiente. Para bem orientar uma pessoa no caminho acidentado de biografias que não se repetem, necessário fazer o levantamento de todas as potencialidades do outro ou dos outros. Na verdade, uma das dificuldades que experimenta uma pessoa que está à frente de outras é a da aquisição de habilidade seja teológica ou psicológica para que possa ser feita uma leitura autêntica dos relacionamentos dinâmicos entre Deus e o homem. Ora, Clara é uma verdadeira guia espiritual para a vida franciscana. Seus escritos manifestam uma compreensão profunda da espiritualidade franciscana e dos grandes temas da espiritualidade monástica, assim como uma aguçada compreensão da condição humana.
2. Clara não é uma “substituta” de São Francisco que foi para ela guia e pai espiritual. Ela mesma se autodefine como “plantinha de Francisco”. Em razão do relacionamento todo particular com São Francisco e de quanto o conhecia; por causa de seu carisma e de sua visão mística da realidade humana e do mundo espiritual, fruto de muitos anos de vida contemplativa e de orientadora das irmãs pobres de São Damião e de outras, e finalmente pelo fato de ser uma mulher, pode-se talvez dizer que Clara, mais do que qualquer outra pessoa, venha a ser o complemento mais significativo, talvez até mesmo essencial, de São Francisco e desta forma uma autêntica guia espiritual para a vida franciscana (p.376-377). Quando pensamos na atualidade de Clara para nós pensamos exatamente naquela que nos estimula a viver a contemplação.
3. Vejamos, então, o tema do desejo de união com Cristo esposo. A doutrina espiritual de Clara brota de sua experiência mística, experiência cristocêntrica e mariana. Mais do que teológico-conceitual, seu cristocentrismo é, antes de tudo, afetivo experiencial. Insiste na necessidade absoluta de se procurar a comunhão de vida com o Cristo-Esposo, pobre e humilde, caminho para a união com o Pai. Corolário deste tema basilar é o desejo do céu (união plena com Deus) para além dos atrativos deste mundo.
4. O tema do desejo da união com Cristo é dos mais importantes e singulares em Clara, como mestra de vida espiritual e para sua espiritualidade. A essência da vida para as irmãs pobres, não é em primeiro lugar, uma coisa, mas amar uma pessoa, Jesus Cristo, respondendo ao seu amor… Trata-se de dar-se a Cristo. Nada querer que não seja Cristo Jesus (LSC 13). Sua espiritualidade é ele: o Filho de Deus se fez para nós o Caminho (Test 5). A pedra angular de todo o edifício religioso, de toda a vida espiritual de Clara e de suas irmãs consiste em estarem ligadas por uma afeto pessoal a Cristo Jesus com amor ardoroso e apaixonado. Por causa de Cristo, em vista de Cristo, perto de Cristo se realizam todas as suas experiências e constrói-se a vida das irmãs em sua totalidade.
5. Suas cartas a Inês de Praga estão repletas de expressões que, a princípio, poderiam ser simples sinais de sua afetividade feminina. Em parte é verdade, mas também podemos considerá-las como expressão normal da natureza afetiva da espiritualidade franciscana. Trata-se de uma linguagem de amor intenso e de desejo de união com o esposo divino, Jesus Cristo que se apossara tanto do coração de Clara quanto de Inês, como havia cativado o coração de Francisco: “Quem seria capaz de narrar a caridade fervorosa na qual ardia Francisco, o amigo do esposo? Parecia, de fato, todo absorto, como um carvão ardente, na chama do amor divino… Jesus Cristo crucificado, no qual ele desejava transformar-se permanentemente no íntimo por meio de um excessivo incêndio de amor, morava permanentemente o íntimo de seu espírito como um ramalhete de mirra” ( São Boaventura, Leg. Maior IX, 1-2).
6. Se a união esponsal com Cristo é o valor central da vida espiritual franciscana, diremos que o desejo de aprofundar esta união está entre as características mais relevantes da espiritualidade de São Francisco que encontramos explícita e implicitamente em seus escritos; é a condição absolutamente necessária para o crescimento desta vida.
7. Servindo-se da imagem esponsal, Clara define implicitamente a vida franciscana como caminho permanente de busca do Senhor, a única coisa necessária (2Carta a Inês 1), o tesouro incomparável (3 Carta a Inês), ligando-se a ele, a ele se unindo em contemplativo abraço para experimentar misticamente sua presença, para segui-lo, para imitá-lo e conformar vida e pensamento a ele que por nós se entregou totalmente (2 Carta a Inês, 15).
8. Com as mesmas palavras usadas por Francisco na Regra, Clara sublinha a prioridade absoluta que deve ser dada ao desejo da união com Cristo, união que se realiza na alma pelo Espírito Santo: “Lembrem-se que acima de tudo devem desejar ter o espírito do Senhor e sua santa operação” (Regra X,9).
9. A linguagem do desejo ardente da união com Cristo é apresentada, antes de tudo, nas Cartas a Inês, por exemplo: “Ficai firme no santo serviço do Pobre crucificado, ao qual vos dedicaste com amor ardente” (1Carta 13). Mais densamente: “Achei bom suplicar a vossa excelência e santidade, na medida do possível, com humildes preces, nas entranhas de Cristo, que vos deixeis fortalecer no seu santo serviço, crescendo de bem para melhor, de virtude em virtude, para que aquele que servis com todo o desejo do coração se digne dar-vos os desejados prêmios” (1Carta 31-32).
10. Talvez mais feliz expressão da intensidade do desejo de Clara por Cristo se encontra em dizeres da quarta carta a Inês: “Contemplando suas indizíveis delícias, riquezas e honras perpétuas, proclame, suspirando com tamanho desejo do coração e tanto amor: Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor dos teus bálsamos (Ct 1, 3), o esposo celeste! Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na tua adega (Ct 2.,4), até que a tua esquerda esteja sob a minha cabeça, sua direita me abrace (Ct 2,6) toda feliz e me dês o beijo mais feliz de tua boca (Ct 1,1).
11. Clara procurou despertar e desenvolver em Inês o desejo apaixonado pela união com Cristo. Esse desejo que se exprime na imitação de Cristo, foi a razão e força do abraçar corajosamente a pobreza de Cristo, como também sua determinação de permanecer pobre a todo custo apesar de tantas oposições.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
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