Quando os anos pesam e a enfermidade nos visita
E se algum irmão cair enfermo, os outros irmãos devem servi-lo como gostariam de ser servidos (Regra Bulada de São Francisco VI, 10).
Avançando em idade, aprendam os irmãos a aceitar a doença e as crescentes dificuldades e a dar à vida um sentido mais profundo, no progressivo desprendimento e encaminhamento à Terra Prometida (CCGG art. 27, 1)
1. As Fraternidades Franciscanas Seculares sempre tiveram uma preocupação toda especial para com os enfermos e os idosos. Houve tempos em que esse segmento da Fraternidade recebia a designação, nem sempre bem compreendida, de “ala paciente”. Hoje designamos de Serviço dos Enfermos e Idosos (SEI) a essa tarefa de todos os membros de uma Fraternidade no cuidado desses irmãos que vivem doença e idade avançada. Embora seja de todos tal tarefa é confiada de modo particular a um ou mais membros escolhidos ou eleitos para concretizar esse gesto amoroso. Sempre de novo precisamos ficar atentos e inventar expedientes e mimos para que os irmãos não se sintam esquecidos e nem se considerem marginalizados.
2. O tema da enfermidade e doença e da idade avançada pode ser visto sob diferentes ângulos. Há o doente e o idoso de um lado e há, de outro, o irmão da Fraternidade que é encarregado de prestar atenção na situação do irmão e da irmã. Deveremos distinguir o irmão doente durante um certo tempo e, de outro, lado aquele que está fadado a não se levantar do leito ou a viver na dependência quase que total de familiares ou de outras pessoas. Cada situação é uma situação. Há doenças em que o enfermo conserva sua lucidez e outras em que a família até chega a poupar visitas para que estas não assistam a espetáculos constrangedores.
3. Num primeiro momento façamos algumas considerações atinentes à postura do irmão e da irmã que precisam ir se retirando da vida ativa e entrando nessa condição de idosos ou gravemente doentes.
• Os documentos franciscanos pedem que o irmão acolha a doença e os inconvenientes da idade avançada. As CCGG exortam que todos aceitem a situação sabendo que nossa existência continuará na vida eterna como “comunhão dos santos” (art. 27,1).
• A doença, quando não se manifestar de maneira violenta e não tirando a consciência, pode ser uma ocasião de crescimento, de prática de penitência, de aceitação de nossa limitação. Idosos e menos idosos somos convidados a aceitar os reveses da vida. Sabemos que é fácil escrever essa frase, mas que é necessário têmpera e garra e muita força do alto para carregar a cruz de uma enfermidade que veio para ficar ou acolher os achaques humilhantes da velhice.
• Os idosos e enfermos saberão ter a simplicidade de comunicar aquilo de que precisam. Num contexto mais centrado no conjunto do tema da fraternidade, Francisco fala na Regra Bulada: “E onde estão e onde quer que se encontrem os irmãos, mostrem-se mutuamente familiares entre si. E com confiança um manifeste um ao outro sua necessidade, porque se uma mãe ama e nutre seu filho carnal quanto mais diligentemente não deve cada um amar e nutrir seu irmão espiritual?” (Regra Bulada VI, 8-9). Assim, o irmão doente tem o direito de expor seus desejos sejam eles de coisas simples ( dar um passeio pela cidade, visitar um parente, degustar um sorvete de creme, escutar uma música).
• Os doentes e idosos não se acanhem, pois, de exprimirem o que desejam. Porém, prestarão atenção para não serem exigentes e procurarão evitar reclamações e “murmurações”.
• No momento da enfermidade há os que começam a refletir sobre sua vida passada e se enchem de escrúpulos e de arrependimentos por atos poucos nobres cometidos. Os acompanhantes (também o assistente religioso da Fraternidade) haverão de ajudar o irmão nesse transe. Que ele possa ter paz no coração e não fique remoendo o que passou. Pela confissão sacramental e pelo arrependimento do coração saberá o doente que foi perdoado. Ninguém pode ficar se torturando com escrúpulos e arrependimentos doentios.
• Doentes e idosos procurem simplificar as coisas. Na medida do possível esvaziem gavetas, distribuam os bens quando existirem, procurem desligar-se de todas as preocupações desnecessárias. Joguem-se nas mãos do Senhor.
• Se o idoso e enfermo tiver condições de fazer a contribuição financeira prevista pela Ordem Franciscana Secular haverá de realizá-lo com presteza. Esse ponto faz parte da formação inicial e permanente. Há muitos irmãos e irmãs acamados que sempre lembram aos familiares e visitas que providenciem o pagamento de sua contribuição financeira.
• Facilitem a vida dos irmãos da Fraternidade e de sua família determinando a regularidade com que gostariam de receber os sacramentos da eucaristia e da penitência. Conveniente seria que o irmão, se dando conta do agravamento da doença, pedisse a visita do sacerdote para receber a unção dos enfermos.
• À guisa de sugestão diria que o local onde está o enfermo fosse “decorado” com flores e que não se administrasse esse sacramento lugubremente, mas com plena participação do enfermo ou idoso e com tintas de alegria e de esperança no fundo do coração. Diria mesmo que se cantasse algum hino franciscano. Desta forma, isto é, com esperança alegre é que se prepara a chegada da Irmã Morte.
• Os irmãos doentes e idosos, aceitando os incômodos da idade as dores do corpo completam em si o que falta à paixão de Cristo.
4. Vejamos agora alguns cuidados que precisam ter irmãos e irmãs encarregados por esse carinhoso serviço fraterno. Antes de mais nada deve-se dizer que o cuidado e acompanhamento dos idosos é um verdadeiro serviço de amor pastoral. Que belo quando irmãos acompanham os doentes e idosos durante a dor e a solidão do sofrimento e estão presentes, como diletos irmãos e amigos na celebração da passagem. Esses aprenderam a chorar com o que choram e a rir com os que riem.
• A visita deverá se fazer com um certo ritmo. Não se pode exagerar na frequência, nem espacejá-las demais. Tudo deverá ser combinado com a família. O irmão visitador precisa sentir o “tônus” da família. Pode ser que alguns familiares nem sempre queiram visitas para que seus entes queridos não se exponham a situações constrangedoras (pessoas com incontinência etc.). Pode acontecer que a visita precise ser abreviada. Necessário ter sensibilidade para tanto.
• O doente e o idoso querem viver, querem sentir uma proximidade carinhosa com que os visita. Num momento em que as esperanças humanas vão desaparecendo, o enfermo quer uma pessoa realista e que, ao mesmo tempo, lhe traga alegria. Sabemos que cada caso é um caso. Nunca o doente deverá sentir que irmão faz uma visita formal ou simplesmente cumprindo a obrigação de lhe trazer o Sacramento do Corpo do Senhor.
• Na administração da Comunhão eucarística, ministro ou irmão da Fraternidade cuidarão de não se prolongar demais. Bom que o rito fosse desenvolvido com calor na voz e expressão carinhosa nos gestos. Nada de frio formalismo.
• O irmão que visita precisa, de alguma forma compreender aquilo que vive o irmão, em outras palavras, saber colocar-se em seu lugar. E, como já dissemos, cada caso é um caso. Há os doentes mais gravemente enfermos e terminais. Há o sofrimento físico, é claro, por vezes aliviado com analgésicos, há a vergonha de não poder controlar suas necessidades, o mal-estar de perder o fio de um assunto e ficar num estado de perplexidade. Há doentes que passam facilmente de um estado de euforia a outro de depressão e de pranto. Não se deve ficar chocado quando um irmão se revolta contra a doença e a proximidade da morte por meio de palavras e mesmo de vociferações. Deitado em seu leito, o doente pode estar vivendo sentimentos de cólera, de depressão, de revolta com a chegada da morte, de dúvidas a respeito de sua salvação eterna, de remorsos cruéis e mesmo crises de desespero. Por vezes pode mesmo acontecer que os doentes manifestem sua revolta contra Deus. O visitador não fará discursos moralizantes, mas tentará ouvir e mais vale ficar quieto e perto do que fazer discursos para defender o Senhor Deus. Que o irmão doente chore, reclame e encontre em nosso rosto a paz da compreensão.
• O irmão responsável pelo serviço dos idosos e enfermos saberá satisfazer seus desejos e suas necessidades espirituais. O doente precisa sentir que continua dono de sua história. Não é pelo fato de estar numa cama ou impossibilitado de caminhar que pode delegar a outros os fios de sua história. Sobretudo quando a doença é grave o doente sente um peso enorme sobre ele e precisa ser ajudado, discreta, mas realmente ajudado. Há muitas perguntas que ele se faz interiormente sem exprimi-las em palavras. O doente sente que o corpo não responde mais e que a mente se esvai. Há também essa questão de todos, também dos cristãos, também dos franciscanos religiosos e seculares, a respeito depois da morte. Cremos na vida que vem depois da morte, mas… Os que não tem fé esclarecida pesam: “O que me vai acontecer agora? Vou bater com a cabeça num muro de pedra? As CCGG da OFS lembram aos doentes: “Estejam firmemente convencidos de que a comunidade dos crentes em Cristo e dos que se amam nele prosseguirá na vida eterna como comunhão dos santos. Os franciscanos seculares se empenhem em criar em seu ambiente, sobretudo nas Fraternidades, uma clima de fé e de esperança, de modo que a “irmã morte”, seja vista como passagem para o Pai e todos possam preparar-se para ela com serenidade” (art. 27,1-2).
• Muitas Fraternidades costumam organizar encontros festivos e alegres, de modo especial por ocasião das festas do Natal, da Páscoa e nas comemorações franciscanas para os quais são convidados os irmãos que ainda podem se locomover. Essas reuniões feitas num espaço de beleza, de alegria, de fé são de grande proveito para os irmãos. A experiência diz que, mormente para aqueles que nunca podem sair de casa, que a data de seu aniversário seja belamente lembrada e festejada desde a manhã com mensagem, presentes, visita e bolo com velas.
5. Procurem os irmãos que cuidam dos idosos e doentes se fazerem presentes no sepultamento e também junto da família do falecido. Sempre haverão de estar com discrição, mas sempre como irmãos verdadeiros sofrem com a partida do irmão.
Apêndice 1
(para ajudar os que visitam enfermos e idosos)
Quando se envelhece…
…luzes e sombras
Quantas coisas atravessam a cabeça dos idosos e doentes:
- Há a alegria do dever cumprido, da missão realizada: um pai e uma mãe olham os filhos crescidos, adultos, já também pais e avós, um sacerdote faz desfilar em sua mente os anos de ministério, uma professora se recorda das turmas e dos alunos que foram objeto de seus cuidados. Há essa alegria de experimentar o sabor dos frutos que foram lentamente amadurecendo.
- Há essa sensação de que outros estão chegando e vão ocupando um espaço que era o nosso. Há esse pressentimento de que se está sobrando.
- Há essa experiência de anos e anos no campo profissional, nas atividades da paróquia, na Fraternidade franciscana, no contato humano, na arte de negociar, no exercício da acolhida do diferente. Os idosos são peritos em humanidade. São sábios que precisam fazer ouvir a voz de sua sabedoria.
- Há essa sensação de cansaço das pernas e dos braços, o enfraquecimento da memória, a respiração meio ofegante, o sono diante do computador, da televisão e numa sala de espera de um consultório médico.
- Há essa alegria de poder ir refazendo sua biografia humana através do tempo que Deus permitiu que se fosse vivendo.
- Na medida em que os anos chegam vem essa impressão que as cortinas estão para ser puxadas, que há pouco que fazer. Os que ganham idade se dão conta de limitações irreversíveis. Será que ainda se pode fazer algum projeto? Quais?
- A velhice é tempo em que se aprende e se vive o despojamento. Nem sempre é pedido o parecer do idoso. Ou então nem é mesmo levado em consideração. Os móveis e os hábitos são mudados de lugar sem o parecer do idoso ou do doente. Há uma sensação de inutilidade, de se ser um traste tolerado.
- Quando se envelhece há mais tempo para ler, para ver as plantas crescendo, para ver se os passarinhos já nasceram no ninho feito na goiabeira, tempo de acolher com clama uma visita. O idoso não é um apressado. Normalmente transmite paz e serenidade.
- Há esses idosos e anciãos descuidados, sujos, lambuzados, vestindo roupa velha, rasgada. Há esses velhos nos asilos, nos abrigos, nas marquises que são verdadeiros restos humanos.
- Há esses idosos que evitam conversar porque sua existência não teve frutos saborosos e têm receio de se exporem à piedade alheia.
- Há doentes e idosos que têm sempre um sorriso de paz, que ajudam a descascar maças para a torta da noite, ou aqueles que ainda fazem a contabilidade da capela do bairro. Enfeitam o mundo com sua história. Há esses que oferecem para passar uma roupa, há os que falam de flores e aqueles que só dissertam sobre as dores.
- Há os que sabem que, na hora do trespasse, os anjos chegarão para lhes dar a mão. Outros têm medo de colocar os pés nessa terra desconhecida. Há os que rezam com toda confiança: “Santa Maria, rogai por nós, agora e na hora de nossa morte…”
- “Qualquer que seja a sua idade, guardem este pensamento: o importante não é viver muito ou pouco, mas realizar na vida o plano para o qual Deus nos criou. As rosas, a rigor, vivem um dia. Mas vivem plenamente porque realizam o destino de graça e de beleza que trazem à terra. Se vocês sentirem que os anos passam e a mocidade se vai, peçam a Deus para si e para os que se tornam menos jovens a graça de, envelhecendo, não azedar, não virar vinagre” (Dom Helder Câmara).
Apêndice 2
Os desejos de São Francisco quando estava doente….
Os que são responsáveis pelo Serviço dos Enfermos e Idosos em nossas Fraternidades OFS saberão alegrar os irmãos enfraquecidos. Procurarão satisfazer seus lícitos desejos: procurar-lhes uma fruta que apreciam, dar um “giro” de carro pela cidade, fazer com que eles encontrem seu amigos. Os biógrafos de São Francisco relatam alguns desejos, pelo menos curiosos, expressos pelo santo já bem perto da morte e quando já havia atingido altíssimo grau de santidade. André Menard, frade menor francês, escreve a respeito de três deles: música ao som da cítara, uma porção de aipo, uma torta de amêndoas que Fra Jacoba sabia fazer (Les envies, les humeurs et les variations de François, in Évangile Aujourd’hui, n.147. agosto de 1990, p. 42-46).
Um pequeno grupo de irmãos rodeia Francisco no final de sua vida. Permanecem bem perto do santo pai e demonstram atenção e solicitude. O testemunho deles nos permite chegar até a mais profunda humanidade de Francisco. Deixando de lado o “não fica bem” ou “o que os outros vão pensar”, Francisco dá livre curso à realização de seus justos desejos.
Um pouco de música - Prostrado por muitas enfermidades, Francisco sentiu o desejo de ouvir um pouco de música que viesse a lhe devolver a alegria espiritual (cf. Legenda Maior de São Boaventura 5, 11). Francisco sabia que esse expediente lhe faria bem. “Embora muito enfraquecido pela doença, o santo, para consolo de seu espírito e para não se deixar abater no meio de graves e numerosas enfermidades, mandava cantar repetidas vezes durante o dia os Louvores de Deus que havia composto, tempos atrás, durante um período de doença. Pedia também que os cantassem durante a noite para edificação e para recreio daqueles que por sua causa estavam em vigília no palácio (do bispo em Assis) (Legenda Perusina,64).
Seu desejo encontrava uma certa resistência à sua volta. Um dos frades que havia sido conhecido como o rei dos poetas não aceitava realizar o desejo de Francisco.
“Disse Francisco a um de seus irmãos que no século era tocador de cítara: ‘Irmão… gostaria que fosses em segredo pedir a uma pessoa honesta uma cítara emprestada, na qual me tocasses uma bela música para acompanhar as orações e os Louvores do Senhor…’ O irmão respondeu-lhe: ‘Pai, tenho vergonha de ir à procura deste instrumento. Os habitantes desta cidade sabem que, no mundo, eu fui tocador de cítara; e tenho receio de os escandalizar, fazendo com que pensem que estou voltando ao meu ofício…’” (Legenda Perusina, 24).
Francisco bem podia ter previsto esta dificuldade. Ele mesmo, anteriormente, havia dito que os instrumentos de música que antigamente serviam aos santos para o louvor de Deus, agora serviam à vaidade e ao pecado, contrariamente à vontade de Deus”.
Francisco respeita a delicadeza de consciência do irmão musico: “Está bem, irmão, não se fala mais nisso”. O Senhor, no entanto, haveria de atender de outra maneira, o desejo de seu servo: “Na noite seguinte… Francisco começou a ouvir perto de casa, a mais bela e mais suave melodia, que até então ouvira, nas cordas de uma cítara… e, de manhã, disse ao companheiro: ‘Irmão, pedi-te e não me atendeste; mas o Senhor, que consola os seus amigos em suas tribulações, dignou-se consolar-me esta noite’” (Legenda Perusina, 24).
Encorajado por esta aprovação divina, Francisco pôde encontrar resposta a dar a Frei Elias. Na verdade, o Ministro Geral exprimiu assim sua própria perplexidade ao relatar as reações dos habitantes de Assis: “Como se explica tanta alegria quando se aproxima a hora da morte? Não seria melhor que pensasse na morte?” Francisco não hesita em retrucar: “Deixa-me rejubilar no Senhor e cantar os seus louvores em meio às minhas enfermidades: pela graça do Espírito estou tão unido ao meu Senhor que, por sua bondade, posso na verdade regozijar-me no Altíssimo” (Legenda Perusina 64).
Através de sua liberdade de comportamento Francisco sugere que o caminho que ele seguiu ontem continua viável hoje. Tudo é puro para os puros e tudo é santo para os santos. Os instrumentos de música, cítaras, saltérios e outros podem se prestar para o louvor de Deus e a consolação da alma. Trata-se do bom uso a se fazer da música.
Um pouco de aipo - Francisco jaz em seu leito, muito enfraquecido pela enfermidade. Procura algum reconforto. Teve desejo de comer aipo. Era noite e o tempo se apresentava inclemente. Sabe ele muito bem que aquele não era o melhor momento de exprimir um tal desejo. E além disso o irmão da cozinha parece não querer colaborar. Ele apresenta argumentos sólidos que tornavam inviável a satisfação desse desejo naquela hora. Francisco vai insistir para que o irmão se decida a acolher seu pedido, embora sem muita convicção. Como o irmão cozinheiro haveria de se ver livre desse doente caprichoso, febril e teimoso?
Os céus haveriam novamente de dar razão a Francisco. No meio de uma soca de ervas sem valor, lá se acha um pouquinho de aipo. Francisco provará um pouco e se sentirá reconfortado. Não poderá ele, no entanto, deixar de exprimir a leve decepção de alguém que tem que insistir muito para ser ouvido. Desta forma nos é revelado que, mesmo sendo já objeto de veneração, Francisco faz a experiência da dependência que o coloca à mercê dos outros. Ele o exprime sem azedume, até mesmo com doçura, como que desejando despertar a generosidade meio adormecida de seus companheiros: “Irmãos, cumpri as ordens sempre à primeira palavra, sem esperar que sejam repetidas” (2Celano 51).
Um pedaço de torta de amêndoas – Teria Frei Elias razão em achar nosso moribundo meio “sem juízo”? Mas Francisco se encontra com pleno uso de suas faculdades, mormente da inteligência e do coração. Disse Francisco a Elias: “Creio que se informásseis a Senhora Jacoba de Settesoli a respeito de meu estado de saúde, haveríeis de lhe propiciar ocasião de uma gesto de delicadeza e de consolação”. Francisco está disposto de dar a Fra Jacoba o prazer de vê-lo, saboreando pela última vez os doces que ela sabia tão bem fazer. “Que ela mande também aquele doce que tantas vezes fez para mim quando eu estive em Roma”.
Francisco tinha bom gosto. Queria um “mostacciulo”, uma torta feita com amêndoas, açúcar e outros ingredientes (Legenda Perusina 101).
Um vez mais Francisco vê seu desejo atendido. Fra Jacoba antecipa a realização de seu querer. Ela conhece os gostos de seu amigo e lhe traz a torta de amêndoas. A acolhida de Francisco é toda espontaneidade, verdadeira liberdade de amor: “Bendito seja Deus que nos enviou nosso irmão, Senhora Jacoba! Abri as portas e fazei com que ela entre, pois o artigo que proíbe a entrada de mulheres não vale para Fra Jacoba (3Celano 37).
E Jacoba “tinha preparado para o santo Pai os doces que ele queria… Ele mal os provou porque as forças do corpo iam declinando…” (Legenda Perusina, 101). Francisco ainda se lembrou que Frei Bernardo também apreciava esse doce: “No dia em que a Senhora Jacoba fez aqueles doces para o bem-aventurado Francisco, lembrou-se ele de Frei Bernardo dizendo: ‘Frei Bernardo é que deve gostar desse doce”. E mandou a um companheiro que o chamasse: ‘Vai, e dize a Frei Bernardo que venha cá’” (Legenda Perusina, 107).
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
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