24 de março de 2013
“Os passos da Semana Santa”
Frei Almir Ribeiro Guimarães
1. No tempo que passa, vamos construindo nosso semblante eterno. Desde a nossa juventude aprendemos a contemplar a adorável figura de Cristo. Ele foi ocupando lugar central em nossas existências. Alguns de nós, mesmo tendo sido batizados quase como recém-nascidos, na adolescência, na juventude, ou na idade madura, numa das encruzilhadas da vida, fomos seduzidos por Cristo. Tivemos dele um conhecimento experiencial. Ele deixou de ser uma figura do passado e se tornou palpavelmente para nós quem ele é: Senhor vivo e ressuscitado, sentido de nossas vidas. Naquele momento tínhamos vontade de dizer como Paulo que passamos a ter como lixo tudo o que não for Cristo Jesus. Durante os dias da Semana Santa somos convidados a contemplar os passos daquele que nos tocou o coração. Na solene liturgia celebramos o mistério de sua passagem, da páscoa de Cristo, da morte para a vida. Não se trata de um teatro, de uma encenação, de um drama que assistimos como espectadores, mas da atualização nos gestos da Sagrada Liturgia, do mistério pascal. Quando celebramos os dias da Semana Santa e, mais especialmente, o Tríduo Pascal é nossa história que é revivida. Morremos a nós mesmos e ressuscitamos com Cristo Jesus. Somos, com ele, criatura nova. É a Páscoa do Senhor, mas é também a nossa Páscoa.
2. Tudo começa no domingo das palmas. Jesus entra em Jerusalém, montado num burrico, acolhido com ramos de oliveiras, ovacionado como rei. Um rei montado num burrico, depois um rei com uma coroa de espinhos, depois um rei sentado no trono da cruz, depois, finalmente, nosso rei, rei de nossos corações, rei ressuscitado, nosso Senhor “Acompanhemos o Senhor, que corre apressadamente para a sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro. Não para estendermos à sua frente, no caminho, ramos de oliveira ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos aos seus pés, com humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima e acolhermos aquele Deus que lugar algum pode conter” (…) Portanto, em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo. Revestidos de sua graça, ou melhor, revestidos dele próprio, – vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo (Gl 3,27)- prostremo-nos a seus pés como mantos estendidos” (Santo André de Creta, Of. Das Leituras do Domingo de Ramos).
3. No Domingo das Palmas, além ouvir o relato da Paixão somos levados a contemplar o servo sofredor do Profeta Isaías. Jesus vai iniciar sua dolorida Paixão. Ele é a concretização do servo sofredor sem beleza, nem formosura, aquele do qual se arranca a barba, que se tornaria uma só chaga para que em suas chagas fôssemos salvos. Quando participamos com atenção da Liturgia do Domingo de Ramos damo-nos conta que começou o drama. Paulo nos lembra que ele, de condição divina, tornou-se servo, obediente, obediente até a morte e morte de Cruz. Trata-se da kénosis, do abaixamento. Os discípulos de Jesus não podem querer palmilhar outro caminho. Eles salvarão o mundo com Cristo se tiverem a coragem de servir, no abaixamento… Uma Igreja que não vai ao fundo do poço como seu Chefe é uma Igreja sem o brilho que devia ter.
4. Na quinta-feira santa, de manhã, o Bispo reúne o seu clero e o povo fiel para a Missa do Crisma. Momento importante da vida da Igreja. O Pastor está junto de seus colaboradores, os sacerdotes, os padres. O pastor com os pastores. Nesta manhã são abençoados os óleos para os batizados, para o sacramento da crisma e para a unção dos enfermos, sacramentos da vida, da vida que Cristo nos alcançou com sua paixão, morte e ressurreição. Nesta missa da manhã os sacerdotes renovam seus compromissos, manifestam o desejo de seguirem as orientações do Pastor e viver alegremente seu compromisso celibatário para o bem dos fiéis. Maravilhoso ver um clero idealista, unido ao Bispo e junto do Povo santo de Deus! Ao cair da tarde, os fiéis se reúnem para a Ceia do Senhor. A Igreja prescreve alegria para esse dia: toalhas bonitas, paramentos brancos, flores, hino do Glória, alegria profunda. O Mestre dos olhos do infinito reúne os seus para a ceia do adeus. Antes há um gesto que desconcerta. Ele depõe o manto e, colocando uma toalha à cintura, lava os pés dos seus. Pedro resiste. Não quer aceitar. Mas o Mestre insiste. Só permitindo tal gesto Pedro poderá ter parte com Cristo. O Lavapés é quase um sacramental. As cerimônias desta tarde se passarão com solenidade, mas também despojamento. Dispensam-se muitos comentários. Os gestos falam mais do que as palavras. Jesus, na verdade, faria o verdadeiro lavapés no alto da cruz. O sangue do Salvador lavaria não nossos pés, mas haveria de nos purificar por inteiro, por dentro, lá no fundo de nosso ser gente. Depois de lavar os pés, o Mestre retoma o manto e dá seu corpo e seu sangue. Corpo que é dado e sangue que é vertido. Festa do dom, do amor, festa antecipada. Somente no dia seguinte ele haveria de dar, efetivamente tudo, até a última gota de sangue. Veneramos com respeito imenso esse pão que dá vida e esse sangue que alimenta. Nossas missas não são espetáculos. Elas, na singeleza dos gestos, trazem para o hoje do mundo o corpo que é dado e o sangue que é vertido. Francisco tinha um carinho todo especial pela Eucaristia. “Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as vossas igreja que estão pelo mundo inteiro e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”.
5. A propósito do lavapés: “Pedro falou com bastante rudeza. Julgava bem, mas ignorando o modo como Deus age, foi por espírito de fé que recusou, mas, em seguida, obedeceu de bom coração. Na verdade é assim que o fiel cristão deve se comportar; não deve se obstinar em suas decisões, mas ceder à vontade de Deus. Pois se Pedro exprimiu sua opinião de maneira tão humana, arrependeu-se por amor a Deus” (Das homilias de Severiano de Gábala).
6. Temos todos um carinho extraordinário para com a Eucaristia. Desde a nossa infância aprendemos a olhar com adoração o sacrário e a experimentar paz imensa, na hora da comunhão, quando dizemos que não somos dignos de que o Senhor entre em nossa morada. Importante que saibamos valorizar o domingo, dia da Ceia do Senhor, dia de missa, dia em que a família vai ter com o Mestre. Queremos entrar em comunhão de destino com Cristo. Desejamos ardentemente comer esta ceia que nos revigora e nos robustece. Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição, diz a liturgia. Pão, vinho, vida, história, doação, entrega, caridade, sacramento da caridade.
7. Terminada a reunião com os apóstolos, colocados os gestos e ditas as palavras que seriam repetidas depois, através dos tempos, para fazerem a memória do Mestre, Jesus experimentou aperto no coração e foi rezar no Jardim das Oliveiras. As veias e artérias do Senhor se estreitaram. Ele sua sangue. Pede que o Pai afaste o cálice…. os apóstolos dormem…e Jesus se entrega ao Pai, que nele se faça a vontade do Pai…O Mestre é traído, julgado, mal julgado, rapidamente julgado. E condenado. As coisas se aceleram. A véspera da grande festa pedia que tudo se consumasse antes do por do sol. Não havia tempo. Esse que carrega a cruz, esse que está sentado no trono da cruz, esse que não consegue enxergar porque seus olhos estão cheios de sangue, de escarro e de poeira lá está feito o mais vil de todos os homens. Tudo isso aconteceu para pudéssemos abandonar as trevas e ser alçados à luz. Temos vontade de gritar com Francisco: “O amor não é amado, o amor não é amado…” Ficamos sempre impressionados com a figura de Maria, ao pé da cruz, a Pietà, a Senhora das Dores, aquela que, naquele momento, compreendera a palavra do velho Simeão: “uma espada de dor atravessará teu coração…”. E, depois de algumas horas de sofrimento e abandono, de silêncio e de total prostração, inclinando a cabeça, ele morre para a vida do mundo.
8. “Queres compreender mais profundamente o poder esse sangue? Repara onde começou a correr e de que fonte brotou? Começou a brotar da própria cruz e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista,um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com esse cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro, e eu recebi o fruto do sacrifício.”(São João Crisóstomo). Diante da cruz temos vontade de repetir com a Liturgia: “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo”.
9. O sábado santo é dia de silêncio. Os antigos escritores sagrados afirmam que o rei dormia ele foi até o Hades, aos abismos para buscar Adão e tirá-lo das trevas. Sábado santo, dia de recolhimento e de meditação, dia de silêncio. “Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grane silêncio e uma grande solidão. Grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos. Vai antes à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos” (De uma Homilia antiga do grande sábado).
10. A Igreja se enfeita de luzes e harmonias na vigília da ressurreição. Fora do templo, prepara-se a fogueira. O círio é aceso, ele penetra no templo, espanca as trevas, acaba-se o combate entre a escuridão e a claridade. A luz saiu vitoriosa. Jesus vive. É O Senhor. Ressuscitou. Exulte a Igreja inteira por uma tão bela noite. Para trás o deserto, o Mar Vermelho, o tempo do maná e das codornizes, das panelas do Egito e das incertezas durante a travessia rumo à Terra Prometida. Chegamos ao Coração do Senhor, nossa Terra Prometida, ressuscitado, vivo. Tomamos posse da verdadeira Terra Prometida. Para sempre o Senhor nos tirou das trevas e da morte e passamos a ser luz e vida. Noite santa da Vigília, noite dos batismos, noite da renovação de nossos compromissos cristãos, noite da água e da luz, do aleluia e do júbilo. “Nesta solenidade à sombra da árvore da fé brilha o esplendor dos círios com o fulgor que irradia da pura fonte batismal. Nesta solenidade, desce do céu o dom da graça que santifica os recém-nascidos e o sacramento espiritual do admirável mistério que os alimenta. Nessa solenidade a assembléia dos fiéis, alimentada no regaço materno, adorando a Unidade da natureza divina e o nome da Trindade, canta com o Profeta o salmo da grande festa anual: Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele exultemos” (Sl 117, 24).
Concluindo
Ela, a mulher de Magdala, tinha se levantado muito cedo, cedo demais. Não tinha dormido. Queria levar ungüentos para o corpo do seu Senhor. E, de repente, ele não estava lá. Haviam roubado o Corpo de seu Senhor. Ela corre, indaga, pergunta, questiona. Não suporta mais. Haviam matado seu Amor e agora roubado seu Corpo. E depois das inquirições Maria ouve o Mestre, sob a aparência de um Jardineiro. “Maria” . “Mestre… meu Mestre”. Aquele que havia cativado o coração de Maria vivia. A vida tem sentido.
Cristo, nossa esperança vive no meio de nós. Aleluia!
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