1 de março de 2013

“Que mais podia ter feito?




1.  Neste mês de março estaremos mais um vez vivendo os dias da Semana das Semanas, da Semana Santa. No desenrolar da Sagrada Liturgia trazemos para o hoje aqueles acontecimentos centrais da fé crista: a reunião do Senhor com os seus na ceia de adeus, a solidão do Cristo na cruz e sua entrega amorosa ao Pai e aos irmãos, o silêncio do sábado e as luzes e claridade da Ressurreição. Normal que nesse tempo da Quaresma procuremos meios e modos de contemplar mais de perto o amor que se torna oferenda de cruz, amor do Senhor do peito dilacerado pelo soldado. Soam em nossos ouvidos os Lamentos do Senhor da sexta-feira das dores. “Que te fiz, meu povo eleito? Dize em que te contristei? Que mais podia ter feito, em que foi que te faltei. / Só na cruz me exaltaste quando em tudo te exaltei; por que à morte me entregaste? Em que foi que te faltei?”

2. Chegara a hora de Jesus. Lá, em Caná da Galileia, ainda não era sua hora. Ali, no alto da cruz, soara sua hora. A contemplação da Paixão e Morte de cruz é, para nós, ocasião de formular em nosso interior os mais sentidos sentimentos de arrependimento por nossas infidelidades, pela tibieza de nossa vida diante de um amor tão generoso do Senhor. São Cipriano, em seu Tratado sobre o Bem da Paciência, fala dessa virtude vivida por Jesus em todos os momentos, de modo especial, nos últimos momentos de sua vida: “Durante a própria paixão e cruz, antes que chegasse à crueldade da morte e à efusão do sangue, ouviu pacientemente as injúrias das palavras e tolerou as blasfêmias. Recebeu daqueles que o insultavam, escarros – ele que, com saliva, pouco antes, abrira os olhos ao cego. Foi flagelado que, pela força do próprio nome, flagela o diabo com seus anjos. Foi coroado de espinhos quem, com flores eterna coroa os mártires. Sofreu açoites na face, com palmas quem concede verdadeiras palmas aos vencedores. Foi despojado da veste terrena quem aos outros veste com a imortalidade. Foi alimentado com fel quem oferece alimento celeste. Foi com vinagre saciado em sua sede, quem brindou os outros com uma bebida salutar”. Poderíamos ainda acrescentar: “Aquele que, sem pedra para reclinar a cabeça, sem casa, aquele que anda pelo mundo fez cavar uma casa para nós na intimidade de seu peito aberto pela lança do soldado. Ali, na casa de seu Coração, poderemos descansar.

3. A cena do Gólgota e a cavidade do peito aberto do Senhor nos convidam à ação de graças. Fomos cumulados de um amor vigoroso, de um amor de quem pacientemente sofreu tudo sem reclamos e revoltas. Sabemos que essa paixão paciente do Senhor continua de modo especial em todos os que sofrem no corpo e no espírito: essas mulheres pisoteadas pelos maridos, esses que se contorcem de dores por causa de uma doença incurável, esses jovens que, aos vinte anos, são trapos ambulantes. Duas atitudes: contemplar e agradecer o amor até o fim e procurar estar o mais perto possível de todo os que continuam em seus membros a paixão de Cristo.

4. Continuamos com São Cipriano: “Ele, inocente, justo, a própria inocência e a própria justiça, é julgado entre criminosos e, com falsos testemunhos, é esmagado, ele, a própria verdade. É julgado, quem há de julgar. Ele, a Palavra de Deus, é levado ao sacrifício. E, quando junto da cruz do Senhor, as estrelas se confundem, os elementos se perturbam, a terra treme, a noite encerra o dia, ele não fala e não se move, nem manifesta sua majestade, nem ao menos durante a própria paixão, Até o fim, perseverante e continuamente, tudo é tolerado, para que se consuma, em Cristo, a plena e perfeita paciência”.
Terminamos com versos de um hino da Liturgia da Sexta-Feira da Paixão: “Cravam-lhe os cravos tão fundo, seu lado vão traspassar; já corre o sangue fecundo, a água põe-se a brotar: estrelas, mar, terra e mundo, a todos pode lavar”. Realmente, que mais podia ele ter feito?Obs.: Os textos de São Cipriano aqui transcritos foram tirados do Lecionário Monástico II, p. 546-547.

Frei Almir Ribeiro Guimarães 

Extraído de: http://www.franciscanos.org.br/

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