3 de agosto de 2012

Clara de Assis, apaixonada pela paixão do esposo



Estamos às vésperas da festa de Santa Clara (11 de agosto). Nesse momento todas as atenções se voltam para os oitocentos anos do carisma da Mulher de Assis e de suas irmãs de São Damião (1212-2012). Nesta primeira sexta-feira de agosto de 2012, queremos chamar atenção para alguns aspectos da devoção de Clara pela paixão de Jesus e do carinho que tinha pelo “lado aberto” do Senhor no alto da cruz.

1. Através de seus escritos e da biografia de Tomás de Celano (Legenda de Santa Clara), somos informados de que Clara meditava muitas vezes e profundamente na Paixão de Jesus. As Irmãs rezavam o Ofício da Paixão, composto por Francisco de Assis, e Clara também recitava a Oração das Cinco Chagas de Cristo. As irmãs, ao longo do Processo de Canonização da santa, insistem no carinho que a Mãe Clara tinha para com a Paixão. Irmã Benvinda de Dona Diambra, diz com simplicidade, que Clara “lhe ensinou que sempre deveria recordar a Paixão do Senhor”. No mesmo processo, Irmã Inês lembrava: “Depois ela rezava, especialmente na hora sexta, pois dizia que naquela hora Nosso Senhor foi posto na cruz”.

2. Escrevendo a Inês de Praga, na quarta Carta, falando da contemplação do espelho, Clara diz: “E no fim desse espelho contemple a caridade inefável com que quis padecer no lenho da cruz e nela morrer a morte mais vergonhosa. Assim, posto no lenho da cruz, o próprio espelho advertia quem passava para o que deviam considerar: Ó vos todos que passais pelo caminho, olhai e vede se há outra dor igual à minha (Lm 1,12). Respondamos a uma só voz, num só espírito, ao que clama e grita: Vou me lembrar para sempre, e minha vai desfalecer em mim (Lm 3,20). Tomara que você se inflame cada vez mais no ardor dessa caridade, “rainha do Rei celeste” (4CtIn 23-27). A simples leitura destas linhas nos coloca diante de uma mulher que se detém longamente diante do Crucificado. Há elementos fundamentais de uma espiritualidade de contemplação do Crucificado: caridade inefável que quis padecer no lenho e sofrer morte vergonhosa; os que passavam viam a dor do torturado; a alma do que contempla começa a arder. Clara deseja que Inês se inflame neste amor. O Coração do Mestre é fonte de ardor.

3. Mais um testemunho, o da Irmã Filipa, filha do falecido Messer Leonardo de Gislério: “A referida testemunha também disse que dona Clara foi tão solícita na contemplação que, na sexta-feira santa, pensando na Paixão do Senhor, ficou como que insensível durante todo aquele dia e grande parte da noite seguinte” (Proc 3,25).

4. Nesta rubrica sobre o lado aberto do Cristo na cruz queremos nos deter em outro aspecto. Novamente lançamos mão dos depoimentos do Processo de Canonização de Santa Clara. Trata-se do testemunho da irmã Angeluccia de Messer Angeleio de Espoleto: “A testemunha também disse que, uma vez, a santa madre Dona Clara ouviu cantar depois da Páscoa Vidi aquam egredientem de templo a latere dextro (cf. Ez 47,1), guardou isso na memória e ficou tão contente que, sempre, depois de comer e depois das Completas, fazia servir água benta e ela e às outras Irmãs e dizia: “Minhas irmãs e minhas filhas, vocês devem lembrar sempre e guardar na memória da água bendita que saiu do lado direito de Nosso Senhor Jesus Cristo pendente na cruz” (Proc 14,8).

5. A antífona Vidi aquam faz parte do rito de aspersão com água benta, previsto para o início da celebração eucarística dominical e característica do tempo pascal. Renova a consciência do batismo conferido na noite pascal e da água que se junta ao vinho para a celebração eucarística. Clara repete esse rito de aspersão duas vezes ao dia num gesto de significado cristológico. Tem certamente diante dos olhos o Coração do Crucificado, a fonte que dele brotou com o golpe da lança. Clara vê nesse lado aberto o supremo dom do amor, amor derramado sobre o homens por meio da água e do sangue do peito do Senhor. Renovando esse rito na liturgia doméstica, Clara nada mais faz senão tornar concreta a memória constante da dor e do amor do Cristo pobre.

6. Concluímos ainda com uma citação da quarta carta a Inês. Essas linhas falam por si. Dispensam comentários. Estamos diante das núpcias místicas entre a alma e o esposo pobre da cruz. Misturam-se delícias, honras e riquezas: “Além disso, contemplando suas indizíveis delícias, riquezas e honras perpétuas, proclame, suspirando com tamanho desejo do coração e tanto amor: Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor de teus bálsamos (Ct 1,3), o esposo celeste! Vou correr sem desfalecer até me introduzires em tua adega (Ct 2,4), até que a tua esquerda esteja sob a minha cabeça, sua direita me abrace (Ct 2,6) toda feliz e me dês o beijo mais feliz de tua boca (Ct 1,1) (4CtIn 28-32).

7. Clara, a contemplativa da Paixão do Senhor e que quer ser a esposa daquele Jesus pobre, que deixa seu coração esvaziar com o toque da lança do soldado.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

FONTE : http://www.franciscanos.org.br/n/?p=19537

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