7 de setembro de 2012

Uma fonte de vida em duas torrentes


A fissura do peito do Salvador

1. Todos aprendemos a contemplar com imenso respeito os últimos momentos da vida do Senhor. Sempre de novo desejamos nos deixar impregnar dos sentimentos de Jesus no alto da cruz. Foi ali que ele rasgou definitivamente um documento que existia contra nós e fomos resgatados com seu sangue precioso. E Jesus viveu ali imensa solidão. José Antonio Pagola descreve com cores muito sombrias esses instantes finais de Jesus: “A insensibilidade de seus discípulos o fazem mergulhar na solidão e na tristeza. O comportamento deles faz-lhe ver a magnitude de seu fracasso. Reuniu em redor de si um pequeno grupo de discípulos e discípulas; com eles começou a formar uma “nova família”, a serviço do Reino de Deus; escolheu os Doze como número simbólico da restauração de Israel; reuniu-os nessa recente ceia para transmitir-lhes sua confiança em Deus. Agora os vê prestes a fugir, deixando-o só. Tudo rui por terra. A dispersão dos discípulos é o sinal mais evidente de seu fracasso. Quem os reunirá dali em diante? Quem viverá a serviço do Reino de Deus” (Jesus. Aproximação histórica, Vozes, p. 478-479).

2. Teodoreto de Ciro, bispo do século V, descreve de maneira tocante os momento finais da vida de Jesus: “Chora sobre Jerusalém que pela incredulidade atraía para si a ruína e prediz a suprema destruição do templo, outrora famoso. Com toda paciência suporta ser batido na cabeça por homem duplamente escravo. Esbofeteado, cuspido, injuriado, atormentado, flagelado e por fim crucificado e dado por companheiro de suplícios a dois ladrões, contado entre os homicidas e celerados. Bebe o vinagre e o fel produzidos pela má videira, coroado de espinhos, em vez de louros e cachos de uva. Escarnecido com a púrpura, batido com a cana, ferido o lado pela lança e enfim levado ao sepulcro” (Liturgia das Horas IV, p. 77). Assim, morre o mais belo dos filhos dos homens. Teodoreto faz questão de lembrar o pormenor da ferida feita pela lança em seu lado. Estamos sempre no tema do coração dilacerado e aberto.

3. Assim, contemplamos essa cavidade no peito de Jesus como expressão de um amor que vai até o fim. O mesmo Teodoreto continua sua reflexão: “O lado aberto, à semelhança de Adão, deixa sair não a mulher, que por seu erro gerou a morte, mas fonte da vida que com dupla corrente inunda vivifica o mundo. Uma, no batistério, nos renova e nos cobre com a veste imortal: outra, à mesa divina, alimenta os renascidos como leite aos pequeninos” (Idem, p.78).

4. Há a torrente do Batismo. Os homens, esses homens todos, cheios de boa vontade, mas tão frágeis, tão fadados à mediocridade, tão afeitos ao que os destrói, destinados a morrer. Esse Jesus que morre no alto da cruz tem o peito aberto. Deixa ele sair de suas entranhas uma água que lava não o corpo das pessoas, mas sua história, sua vida, seu passado fazendo que as pessoas renasçam, sejam criaturas novas. Não podemos conservar apenas uma fluida evocação do batismo que recebem quando crianças. Vivemos renovando essa graça, em cada Páscoa, por assim dizer nascemos de novo. A torrente do peito de Jesus que se dirige para o batismo nos cobre das vestes novas e, no dizer de Teodoreto, veste da vida imortal. Tudo isso é obra do peito aberto do Senhor. Dia após dia vamos renascendo. Estamos proibidos de envelhecer porque somos vivificados pela água do peito de Jesus. Somos lavados na fonte viva.

5. São duas torrentes: uma se dirige ao batistério e a outra se derrama na mesa divina. Pensamos aqui na Eucaristia, nessa mesa do pão e do vinho, que são sinais da entrega de Jesus, o pão que é dado, o sangue que é derramado. Os que nascem de novo pelas águas do batismo se aproximam da mesa do pão e do vinho que nasceu da entrega amorosa total de Jesus. Trata-se da Eucaristia. Evidentemente não é apenas questão de missa pela missa. O que se dá, de fato, na celebração? Os fiéis se reúnem em torno do sacerdote ministerial. Há a proclamação das leituras. Há a semente que vai caindo na vida e no coração das pessoas. No centro da celebração o presidente toma o pão e o vinho e então a torrente vivificante se derrama do coração de Jesus sobre o pão e o vinho. Os que têm o hábito de participar da Eucaristia, alguns até mesmo todos os dias, os renascidos são alimentados. Os que se alimentam da torrente que sai do peito de alguém que deu a vida pelos outros, passam, por sua vez, a se gastar pelos outros, a dar a vida no serviço fraterno e na tentativa de colocar condições de um mundo que preste atenção no amor. Na Eucaristia, a torrente alimenta os renascidos como leite aos pequeninos.

6. Terminamos esta reflexão com palavras de São Columbano, abade (sec VII). No seu discurso diz que Cristo é a fonte da vida. “Se tens sede, bebe da fonte da vida; se tens fome, come o pão da vida. Felizes os que têm fome deste pão e sede desta fonte. Sempre comendo e sempre bebendo, ainda desejam comer e beber. Porque é imensamente doce aquilo que sempre se saboreia e sempre se deseja mais” (Liturgia das Horas, IV, p. 144)

Frei Almir Ribeiro Guimarães


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