4 de setembro de 2012

O perdão que redime!


Por Frei Orlando Bernardi

O capítulo IX da Regra de Sta. Clara, como a de Francisco, traça diretrizes para as Clarissas que pecam contra o projeto de vida assumido. Trata-se, portanto, de reconstrução da harmonia dentro da comunidade e isso se dá através do perdão. Mesmo ao afirmar que tanto a abadessa como as irmãs da comunidade não devam se perturbar com o desequilíbrio de alguma irmã (IX,5), a simples presença da perturbação provoca um transtorno no grupo humano. O restabelecimento do equilíbrio e da paz na comunidade acontece com a presença do perdão, uma vez que as relações humanas se tornam verdadeiramente enriquecedoras apenas quando houver ambiente de paz. Perdão e paz se ligam intimamente, porque, segundo Francisco, existirá paz apenas se antes ela se encontrar no coração.

No entanto, a delicadeza maternal de Clara não deixava que a perturbação se alastrasse pela comunidade. Perspicaz, percebia, de imediato, quando alguma irmã se encontrava em situação de angústia ou aflição e então, como afirma uma testemunha, Clara a chamava, em particular e a consolava entre lágrimas e, por vezes, até se prostrava aos pés (PR. 10,5). Aliás, já havia prescrito no c. 4 da Regra que era função da abadessa consolar as aflitas e ser refúgio das atribuladas, bem como prescrevia ainda (IV,15-21) que ao menos uma vez por semana convocasse as irmãs para um capítulo e nele tanto ela como cada uma das irmãs deviam confessar publicamente as próprias faltas contra o projeto assumido. É claro que se trata daquelas situações que pertencem ao caminhar humano e que se manifestam em negligências, atitudes egoísticas, pequenos maus exemplos, mas que são causas de perturbações da concórdia na comunidade. Tudo isso encontra um caminho de retorno à fidelidade da vida abraçada através da assim chamada correção fraterna ou sororal.

Certamente no pensamento de Clara, bem como de Francisco, devia ser suficiente essa oportunidade para corrigir possíveis desvios da observância do Evangelho. Contudo, ambos estavam também conscientes de que o agir humano é capaz de inventar situações verdadeiramente perturbadoras da paz. É por isso que ambos escrevem que “se uma irmã, por instigação do inimigo, pecar mortalmente contra a forma de nossa profissão e, admoestada duas ou três vezes pela abadessa ou por outras irmãs, não se emendar, deve comer pão e água, no chão, diante de todas as irmãs, por quantos dias for contumaz”. Em caso idêntico Francisco recorre ao sacramento do perdão para resolver o problema.

Clara, por sua vez, não recorda o sacramento, mas permanece dentro da vida comunitária, buscando ali o remédio para a superação do obstáculo. Seria fácil também para ela pedir que a irmã buscasse a correção através do perdão sacramental, mas prefere recorrer ao perdão da comunidade e das irmãs. Parece que para ela bastava a praxe de Jesus: “Se teu irmão pecou… perdoa-lhe” (Lc 17,3); diante da questão dos discípulos de quantas vezes perdoar, Jesus responde: 77 vezes 7 vezes (Mt 18,21; Lc 17,4). Além disso, está bem claro no NT que o perdão mútuo está intimamente relacionado com o perdão concedido pelo Pai celeste: “Se perdoardes… sereis perdoados” (Lc 6,37) e na explicação do Pai nosso: “Se perdoardes as faltas, vosso Pai também vos perdoará” (Mt 6,14; Mc 11,25).

Parece ser um fato que Clara não possui a visão sacramental que Francisco possuía. Aliás, veja-se também a posição de Clara a respeito da Eucaristia. Essa visão clariana torna-se um diferencial bem característico de seu franciscanismo e, talvez, bem mais próximo daquilo que Francisco escreve a um Ministro: “E nisto quero reconhecer se tu amas o Senhor e a mim, servo dele e teu, se fizeres isto: não haja no mundo irmão que pecar, o quanto puder pecar, que, após ter visto teus olhos, nunca se afaste sem a tua misericórdia, caso buscar misericórdia. Se não buscar misericórdia, pergunta-lhe se quer misericórdia. E se depois ele pecar mil vezes diante de teus olhos, ama-o mais do que a mim para trazê-lo ao Senhor. E tenhas sempre misericórdia desses irmãos” (9-11).

Além disso, a visão do perdão em Clara é bem litúrgica, para não dizer eucarística, quando o situa dentro da dimensão da oração e da contemplação: “antes de oferecer o dom de sua oração diante do Senhor” (IX,8). Com isso a pacificação não pode ser retardada, pois somente a partir do perdão é possível abrir o coração para uma oração simples e sincera.


Nenhum comentário:

Postar um comentário