17 de outubro de 2013

Especial - São Pedro de Alcântara.


“Para dentro e para fora da Ordem”

Sua vida tem duas vertentes bem diferenciadas e, ao mesmo tempo, complementares: para dentro e para fora da Ordem. Para dentro, foi homem de governo, desempenhando o ofício de guardião, mestre de noviços, definidor provincial e ministro provincial; e reformador da vida franciscana em seus aspectos fundamentais. Para fora, foi homem de conselho e de discernimento, acompanhando espiritualmente homens e mulheres que, sabedores de sua santidade e vida espiritual, a ele recorriam: Carlos V, que o chamou a Yuste para falar de sua alma; reis e infantes de Portugal; condes de Oropesa; Rodrigo de Chaves, a quem dedicou seu Tratado da oração e meditação; Santa Teresa de Ávila e São Francisco Borja.

Frei Pedro viveu um momento histórico, um tempo marcado por intensa inquietude espiritual e grande desejo de renovação de vida. Tempo, como diz um cronista da época, “em que todo o mundo queria entrar no paraíso”. Eram tempos carregados de intensa vida eclesial: celebração de dois Concílios ecumênicos: o Latrão V e o de Trento; três anos santos: o de 1500, com Alexandre VI, o de 1525, com Clemente VII, e o de 1550, com Júlio III; nascimento de numerosas Ordens religiosas: mínimos, barnabitas, teatinos, jesuítas, irmãos de São João de Deus, ursulinas. Tempos de grandes iniciativas missionárias, particularmente na América por obra dos mendicantes, e na Ásia, pelos jesuítas. Eram tempos também de grandes reformas ao interno da Igreja, particularmente a reforma teresiana, e de muitas outras reformas contra a Igreja: a de Martinho Lutero, na Alemanha; a de Henrique VIII, na Inglaterra e Irlanda; a de Calvino, na Escócia; a da igreja nacional na Holanda.

A Ordem dos Frades Menores participou plenamente dessas ânsias de profunda renovação e de dinamismo missionário: início da reforma capuchinha; fortaleceu-se o trabalho missionário da Ordem no Novo Mundo, iniciado pelos chamados “XII Apóstolos”, que saíram para o México em 1523, renovou-se e cresceu com a chegada de mais 150 missionários; na Espanha consolidou-se a reforma dos descalços, iniciada por Frei Juan de Puebla e Frei Juan de Guadalupe e estruturada definitivamente por Frei Pedro de Alcântara com suas Ordenações. Uma reforma que logo se estendeu pela Espanha inteira, Portugal, Brasil, México e Filipinas e que tinha como motor a “estreitíssima observância” da Regra Bulada de São Francisco, lida à luz do Testamento, sem glosas nem comentários acomodatícios.

Como Provincial, Frei Pedro entregou-se aos ofícios humildes, dedicou-se com carinho aos irmãos leigos. Cuidou dos doentes e adotou como lema de sua vida o pensamento de São Pascoal Bailón: “É preciso ter para com Deus um coração de menino, para com o próximo um coração de mãe, e para consigo mesmo um coração de juiz.”

A espiritualidade de São Pedro de Alcântara era de uma profundidade tão grande, que sem interromper a contemplação dedicava-se aos seus deveres de estado. Acima de todos os êxtases ele colocava as obras de misericórdias, o servir Cristo na pessoa dos pobres. Frei Pedro escreveu o “Tratado da Oração e Meditação”.

Frei Pedro foi testemunha privilegiada de todos esses acontecimentos e participou ativamente em muitos deles. Apesar de seu gosto pela solidão e pela oração, não se recusou aos pedidos de conselho e orientação que pequenos e grandes, nobres e plebeus, santos e pecadores lhe faziam para se sentirem seguros nos caminhos da santidade.

São Pedro, consciente de que no seguimento de Cristo nunca se pode dizer que se tenha alcançado a meta e que sempre se pode bater o próprio recorde, se lançou atrás da mais alta santidade, sem olhar o preço que isso lhe pudesse custar, atraindo a si os que, como ele, se sentiam inquietos e desejosos de alcançar a perfeição. No momento em que muitos de seus conterrâneos se lançavam à descoberta e conquista de novos mundos e glórias humanas, Frei Pedro de Alcântara, como um dia fizeram Paulo de Tarso e Francisco de Assis, deixou tudo para ganhar Cristo e viver nele (cf. Fl 3,8).

Sua memória histórica continua viva por onde passou: El Palancar (Cáceres), lugar despojado, rico de solidão e recolhimento, pedra angular de sua reforma, modelo e referência de todas as outras fundações. Frei Pedro, que considerava a alegria espiritual “remo sem o qual não se pode navegar”, começou aqui a última etapa de sua vida; Arrábida, em Portugal, experiência de vida penitente e contemplativa, na qual o importante era manter vivo o “espírito de oração e devoção” com gestos concretos, com a busca intensa da presença de Deus, com “a mente e o coração voltados para o Senhor” (Rnb 22,19); Solitudine, em Piedimonte Matese (Itália), lugar de rigoroso silêncio, de intensa oração e penitência; Arenas de San Pedro (Ávila), com suas ermidas e capelas para recolhimento e solidão orante, onde repousam os restos mortais deste homem que, apesar de sua “áspera penitência – no dizer de Santa Teresa era muito afável… e de privilegiada inteligência”.

Frei Giacomo Bini, então Ministro Geral da OFM, em outubro de 1999, por ocasião do V Centenário de Nascimento de São Pedro de Alcântara.

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