COM SEDE DE PLENITUDE
De seu alimento nos sustentamos como de um manjar de vida, e a nossa alma se delicia com o Sangue precioso de Cristo como numa fonte. E, contudo, temos sempre sede desse Sangue, sempre o desejamos ardentemente. Mas nosso Salvador está perto daqueles que têm sede, e na sua bondade convida todos os corações sedentos para o grande dia da festa, dizendo: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba” (Jo 7,37)
Das Cartas pascais de Santo Atanásio
1. Cristo Jesus é o centro de nossa fé. Na passagem do milênio insistimos muito em dizer e cantar: “Cristo ontem, hoje e sempre”. Gostamos de contemplar os mistérios de Cristo: seu nascimento simples na gruta de Belém, seu rosto transfigurado na montanha luminosa, seu despojamento em tantas circunstâncias de sua caminhada. Os discípulos se detêm, de modo particular, no mistério de seu aniquilamento que culminou com sua morte crudelíssima no patíbulo da cruz. Todas as primeiras sextas-feiras do mês nos comprazemos em admirar, adorar, reverenciar a fissura que foi feita no peito do Mestre depois de morto. Temos um profundo respeito por esta chaga que nos convida ao descanso e nos impele à missão. Não somos devotos “piegas”. A contemplação do Coração, entre outras coisas, faz nascer em nós um desejo de plenitude que, forçosamente, nos arranca de uma religião de “descanso”, sempre um apelo a tornar o Amor amado para usar uma expressão de São Francisco. Os contemplativos são missionários.
2. Em seu belo texto, acima transcrito, Santo Atanásio nos fala do alimento e da bebida que é Cristo Jesus. Pensamos sempre no Cristo ressuscitado que vive no meio de nós. Pensamos na eucaristia, mas antes na totalidade da pessoa e da figura de Cristo Jesus. Ele não é apenas um personagem da história a ser estudado, reverenciado e aclamado, mas uma vida a ser desejada. Santo Atanásio fala de Cristo como alimento e bebida. Desde a mais tenra infância, muitos de nós, fomos tendo nossos encontros com o vigor da Presença do Ressuscitado. Fomos alimentados por ele. Sentimos vontade de seguir seus passos, de nos alimentar das Palavras que foram chegando até o mais íntimo de nós mesmos: um retiro espiritual que nos marcou, um sacerdote que se fez amigo, as visitas do Senhor em nossa intimidade, as chamadas que ele foi fazendo através do rosto dos mais sofredores. Somos dos que andam com sede do Senhor...
3. O texto de Atanásio tem palavras que precisam penetrar em nós: alimento-manjar, sangue precioso que delicia a alma, fonte. Fonte de água que mata a sede, sede de plenitude, desejo que arde. Na realidade, os que são de Cristo vão se afeiçoando a ele e experimentam necessidade dele como se tem necessidade de água para matar a sede. Não basta, efetivamente, um amor de palavras ou uma profissão apenas de verdades secas. Todo esse texto de Santo Atanásio nos leva para a mística, para a união do discípulo com o Mestre. Penetramos nas terras dessa oração do desejo. Claramente isso transparece na prece do salmo: “Vós lhes dar de beber água viva, na torrente das vossas delicias. Pois em vós está a fonte da vida, e em vossa luz contemplamos a luz” (Sl 35, 9b-10).
4. A comemoração votiva das primeiras sextas-feiras nos coloca novamente diante da contemplação da cruz, desse mistério de abandono amoroso e que se conclui com o toque da lança do soldado que fere o peito morto do Redentor. A cruz de Cristo é fonte de vida. João falava de uma água viva que jorra para a vida eterna (cf. Jo 4, 14). Assim escreveu São Columbano comentando estas linhas de João: “Oxalá te dignes admitir-me a esta fonte, Deus misericordioso, bom Senhor, onde eu, com os que têm sede de ti, beberei da onda viva de água corrente, Refeito por sua indizível doçura, esteja sempre unido a ela e diga: Quão doce é a fonte de água viva, donde nunca falta a água que jorra para a vida eterna”. Assim, pedem também os devotos autênticos do Coração de Jesus.
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