20 de setembro de 2011

Especial - Santa Clara de Assis 800 anos


AINDA SÃO DAMIAO NO INÍCIO DOS ANOS VINTE

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Estamos vivendo um tempo de preparação para o Jubileu do começo da vida evangélica das Irmãs Pobres de São Damião que ocorrerá em 2012. Oitocentos anos do início da vida das irmãs de Santa Clara! Olhamos para sua história e pensamos em seu futuro. Veremos hoje novos acontecimentos que se deram em São Damião, alguns mostrando a ligação íntima entre Clara e Francisco, no início dos anos vinte. Este texto é fortemente dependente de Chiara d’Assisi. Un silenzio che grida (Chiara Giovana Cremaschi) p. 85-88. A autora, que é filha de Santa Clara, fez um estudo profundamente sério sobre a Santa.

1. Clara vive na concretude do cotidiano o preceito evangélico que determina que os discípulos lavem os pés uns dos outros. Eles existem para o serviço. Da mesma forma que Francisco, Clara considera essa tarefa essencial na qualidade de serva de todas as irmãs (Regra de Santa Clara 10,5). Tem ela o hábito de lavar os pés das irmãs, de modo particular daquelas que saem do mosteiro e que voltam cansadas e empoeiradas. Não se sabe com certeza o que faziam essas irmãs fora do mosteiro. Há os que dizem que elas cuidariam de leprosos. As irmãs da Úmbria, num estudo sobre a Forma de Vida de Clara excluem esta possibilidade. Afirmam que as saídas se deviam à necessidade de procurar material para o trabalho das irmãs ou para satisfazer outras necessidades comunitárias. O certo é que não esmolavam. Para esta tarefa existiam frades esmoleres. Durante um certo tempo, esse serviço prestado a São Damião, era realizado por Frei Bentivenga. A missão das irmãs que não vivem exclusivamente na clausura estaria vinculada a uma vocação que apresentaria matizes diferentes da vocação das irmãs que vivem sempre fechadas. “Se esta hipótese for verdadeira, ela manifestaria a grande abertura de coração que caracteriza Clara. Numa época em que a Igreja, para as mulheres, reconhece oficialmente somente a vocação monástica, o conceder a possibilidade a algumas de viver a vocação evangélica como a das irmãs pobres sem se sentirem obrigadas a viver uma vida fechada, representa uma passagem muito importante, permitindo a cada irmã responder ao Senhor segundo o dom da vocação” (p. 85).

2. Ouçamos o testemunho de Irmã Inês de Opórtulo: uma vez, lavando os pés de uma dessas serviçais, foi beijá-lo, como costumava, mas a Irmã bateu involuntariamente em sua boca com o pé. A senhora alegrou-se por isso e beijou-lhe a planta do pé (Processo 10,6). O alegrar-se de Clara não quer dizer masoquismo, mas experiência concreta do despojamento vivido por Jesus, mesmo que o gesto em questão tenha sido involuntário. As irmãs querem realçar a postura de humildade da Madre que se abaixa diante de uma pessoa inferior. Clara queria pertencer aos menores. Trata-se de copiar a postura de Jesus.

3. Nesse mesmo período, de intensa vida em São Damião, as irmãs vão se espelhando no exemplo de Clara. Irmã Benvinda de Perúgia diz que a Madre era muito assídua na oração de dia e de noite; e lá pela meia-noite ela acordava as irmãs em silêncio, com certos sinais, para louvar a Deus. Acendia a lâmpada na igreja e, muitas vezes, tocava o sino para as Matinas. E chamava com seus sinais as Irmãs que não se levantavam com o toque do sino (Processo 2, 9). (Obs.: O ofício de Matinas hoje é chamado de Ofício das Leituras. Na Idade Média era celebrado durante a noite, o que sempre foi característica das irmãs pobres de São Damião). Clara convidava para a oração depois de ter permanecido, ela mesma, em longa oração. É sempre muito penoso interromper o sono de modo especial nas gélidas noites de inverno. Por isso, a Madre usa de toda delicadeza no despertar as irmãs. Não deixa, no entanto, de fazê-lo porque a vigília da noite faz com que as irmãs vivam a espera do Esposo que vem para as núpcias e mantém acesa a consciência da centralidade da presença de Cristo no caminho sororal bem como a condição de peregrinos e estrangeiros neste mundo ( Regra 8,2) apontando para a vinda do Senhor. Trata-se de característica de uma vida centrada na união mística com o Senhor, na qual à oração litúrgica são acrescentadas longas horas de silêncio orante. O modo de agir da Madre torna-se espelho e exemplo para as irmãs.

4. A assiduidade de Clara à oração é tema que aparece em muitos dos depoimentos do Processo. Um dia Irmã Benvinda se distrai um pouco da oração observando a Madre, por sua vez, em oração. No lugar em que Clara costumava entrar em oração, Benvinda viu um grande esplendor, tanto que pensou que fosse chama de fogo material (Processo 2, 17). Resta ainda descobrir como as irmãs se tornam participantes das experiências místicas de comunhão de Clara com seu Deus, experiências que superam o sentir ordinário, mas que são narradas com naturalidade na vida de uma sororidade centrada no único Amor. Talvez no início a irmã tenha pensado em apagar um incêndio, depois compreendeu que a chama luminosa brilhava no intimo da Madre e assim o Senhor permitia que ela penetrasse um pouco no mistério da intimidade de Clara com o seu Senhor.

5. Vejamos agora a repercussão da aprovação papal da Regra dos Frades Menores em São Damião. Este acontecimento exterior à vida do mosteiro teve muita importância também para a sororidade (fraternidade de mulheres) de São Damião. A aprovação da Regra dos Frades Menores pelo Papa Honório III, tornando-se documento oficial da Igreja, esse texto que Francisco havia escrito para seus irmãos (Bula Solet anuere, de 29 de novembro de 1223), ganhava peso. Sintetizando aquela outra Regra vivida até aquele momento e que fora sendo formada ao longo dos Capitulos anuais levando em consideração as novas situações que iam surgindo aparecia a Regra bulada. Estamos num momento crucial da vida dos frades. Uma parte importante da Ordem teve dificuldade em aceitar este texto. O texto da Regra não bulada, aquela de 1221, parecia bem mais próximo do ideal e do carisma. Os frades deveriam, no entanto, por obediência, acolher esta nova Regra. Para Clara a Regra bulada representa, de fato, o pensamento de Francisco mesmo que outros tenham ajudado na textura material de expressões que deviam conter um documento adaptado para ser um texto que tivesse aprovação papal. Clara começa a olhar para Regra nova como ponto de referência, sabendo que ela tinha uma autoridade reconhecida pela Igreja. Clara deve ter comparado o novo texto com aquele que ela tinha vivido até aquele momento. Clara parece se dar conta que sua Forma de Vida tinha pontos comuns com Regra aprovada para frades menores.

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