12 de setembro de 2011

Páginas Franciscanas

A VIDA PRECISA SER REINVENTADA

Julien Green, sem ser francês escreve em francês. Green nasceu em 1900. E escreve bem. Aprecia Francisco de Assis a mais não poder. Queria mesmo ser São Francisco. De seu livro Frère François transcrevemos poucas linhas a respeito dessa premente necessidade de reinventar a vida que experimentavam os primeiros frades.

O ideal franciscano brilhava com uma luminosidade semelhante à da aurora, dissipando pouco a pouco as trevas das seitas que iam surgindo aqui e ali. A fraternidade ia se espalhando por toda a Úmbria. Em todos cantos, nas aldeias e vilarejos, iam pipocando esses companheiros alegres vestidos de grosseiro burel, cantando a plenos pulmões ou reunindo as pessoas à sua volta para poderem lhes anunciar a Boa Nova. Podia-se dizer que eram como os membros do Exército da Salvação! Francisco os denominava de malabaristas de Deus tendo nas almas um mistério colocado por Deus. Mendigando o pão, ofereciam em troca seus braços. Trabalhavam: cuidavam do feno, varriam, lavavam e, se soubessem, faziam utensílios de madeira. Nunca aceitavam dinheiro e se acomodavam como podiam, algumas vezes na casa do padre, atrás de um quebra-vento, num sótão ou num barracão-celeiro. Muitas vezes dormiam ao relento...

Eles chamavam atenção. Bem ou mal recebidos, eles pregavam sem perder o fervor de neófitos com uma fé que nascia no mais íntimo deles mesmos. Constituam-se em profetas de um mundo novo em que o desprezo pelas riquezas e a paixão pelo Evangelho transformavam a vida e davam a todos alegria. De que servia escutar os valdenses e esses estrangeiros perfeitos se sua linguagem era incompreensível? A simplicidade franciscana “deletava” a heresia. Ao longo dos caminhos, os novos irmãos iam dois a dois, um seguindo o outro, como aqueles dos quais Francisco havia ouvido os passos numa visão profética.

Esses começos do franciscanismo com suas aparências de doce anarquia deveria dar lugar a uma ordem. A cada ano dobrava o número dos frades provindos de todos os cantos, sendo que entre eles estavam aqueles que haviam de desempenhar um papel importante numa das maiores aventuras das ideias cristãs que foi a aventura franciscana. Mais sensíveis ainda a do que os homens ao apelo místico, as mulheres procuravam em São Damião a paz interior que era ameaçada pela turbulência de um mundo que parecia votado à violência. A luz de Francisco se estendia aos primeiros conventos de mulheres amorosas de Cristo. Um canto novo subia aos céus. Depois nunca mais se encontrou coisa igual. Não se repete esse tipo de “amor à primeira vista...”.

Frère François

Julien Green, Ed. Seuil, p. 189-190

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