FRANCISCO DE ASSIS,
O PERDÃO DE DEUS
A Página Franciscana nos é apresentada pelo grande Chesterton, autor de uma das mais originais biografias de São Francisco. A função da vida de Francisco foi a de dizer aos homens que começassem outra vez.
Francisco de Assis, como já foi dito tantas vezes, era poeta, isto é, uma pessoa capaz de exprimir sua própria personalidade. Ora, homens como esses em geral se caracterizam pelo fato de suas próprias limitações os tornarem ainda mais grandiosos. Eles são o que são, não somente por causa do que possuem como, em certa medida, por causa do que não possuem. Mas os limites que formam os contornos de tal retrato pessoal não podem ser usados como limites para a humanidade inteira. São Francisco é um exemplo bem intenso dessa qualidade de homem genial: nele, mesmo o que é negativo é positivo, por ser parte de seu caráter. Um excelente exemplo do que digo pode ser encontrado em sua atitude com relação à aprendizagem e aos estudos. Ele ignorou e, em certa medida, desestimulou os livros e a aprendizagem por meio de livros, e, de seu ponto de vista e do de sua obra no mundo, tinha toda razão. Toda a essência da sua mensagem era ser simples o suficiente para ser entendido pelo idiota da cidade. Toda a essência de seu ponto de vista estava no fato de olhar com novos olhos um mundo novo, um mundo que podia ter sido criado esta manhã. Fora as grandes coisas primordiais, a Criação e a história do Éden, o primeiro Natal e a primeira Páscoa, o mundo não tinha história. Mas será que se deseja ou é desejável que toda a Igreja Católica não tenha história?
Pode ser que a principal sugestão deste livro seja que São Francisco caminhou pelo mundo como o Perdão de Deus. Quero dizer que seu aparecimento marcou o momento em que os homens podiam se reconciliar não só com Deus, mas também com a natureza e, o que é mais difícil, consigo mesmo. Porque marcou o momento em que todo o paganismo apodrecido, que envenenara o mundo antigo, foi finalmente expulso do sistema social. Ele abriu as portas da Idade das Trevas como se fossem as de uma prisão do purgatório, na qual os homens se purificavam como eremitas no deserto ou como heróis nas guerras bárbaras. Na realidade, toda sua função foi dizer aos homens que começassem outra vez e, nesse sentido, dizer que se esquecessem. Se eles tinham que virar uma página e começar uma nova com as primeiras grandes letras do alfabeto, desenhadas de modo simples e brilhantemente coloridas à maneira medieval, era parte desta satisfação infantil particular que eles colassem à página antiga, que era toda sombria e sangrenta, trazendo coisas terríveis. (...)
A vinda de Francisco foi como o nascimento de uma criança numa casa escura que tivesse acabado com a sua maldição; uma criança que cresce sem ter consciência da tragédia e que a vence por sua inocência. Nele, é preciso não só inocência como desconhecimento. É da essência da história que ele se jogue na grama verde sem ver que ela esconde um cadáver ou que suba numa macieira sem saber que é a forca de um suicida. Foi esta anistia e reconciliação que o frescor do espírito franciscano trouxe ao mundo. Nem por isso se deve impor este desconhecimento a todo o mundo. E creio que esse espírito teria tentado fazer isso. Alguns franciscanos considerariam correto que a poesia franciscana expulsasse a prosa beneditina. Para a criança simbólica, isso era bem racional. Era bastante certo que, para uma criança assim, o mundo fosse um grande quarto das crianças com paredes pintadas de branco em que se pudesse fazer seus próprios desenhos com giz à maneira das crianças, com contornos grosseiros e cores alegres; o começo de toda a nossa arte. Era bem correto que, para ele, esse quarto das crianças parecesse a mansão mais magnífica que a imaginação humana pode conceber. Mas na Igreja de Deus há muitas mansões”.
São Francisco de Assis
A Espiritualidade da Paz
G.K.Cherterton
Ediouro, 2003, p. 168-170
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