24 de janeiro de 2012

A Virgem Maria na Ordem Franciscana (3)


Por Cleiton Robson.

Na Escola Franciscana

Os grandes mestres franciscanos do século XIII, em sua grande maioria, foram contrários à tese da Imaculada Conceição. Fiéis à doutrina da universalidade da lei relativa à propagação do pecado original, achavam que seria uma ofensa a Jesus Cristo, Salvador do universo, subtrair a sua Mãe desta lei e do influxo de sua atividade redentiva. Neste aspecto, segundo a opinião comum, eram de acordo com São Bernardo de Claraval , com o Mestre das sentenças Pedro Lombardo, Santo Tomás de Aquino, entre outros.

Alexandre de Hales, tratando da santificação de Maria no seio materno, aceitou a tese do Mestre das Sentenças, seja por quanto se refere à concepção de pecado original, seja por quanto se refere à santificação no seio materno, mas depois que ela tinha contraído o pecado original.

São Boaventura, cuja mariologia é extremamente rica em conteúdo teológico, também ficou preso na dificuldade proveniente da universalidade do pecado original e na universalidade da redenção operada por Cristo. Por esta razão, não conseguiu conciliar a Imaculada Conceição de Maria com a verdade da fé relativa a Cristo Salvador universal.

O mestre franciscano que por primeiro se distinguiu na defesa da Imaculada Conceição foi Guilherme de Ware, mestre de João Duns Escoto. Antes de tudo, buscou ter presente as três sentenças que circulavam no seu tempo sobre a Imaculada Conceição de Maria:

1.ª) Sustenta a contração do pecado original e sua permanência por um certo período de tempo;
2.ª) Era favorável ao privilégio mariano;
3.ª) Não propriamente decidido quanto à isenção nem quanto à contração.

Guilherme rejeitou a primeira e a terceira sentença e defendeu, energicamente, a segunda. Em seguida, relatou as dificuldades que vêm das autoridades, que podem ser reduzidas às seguintes razões:

a) Universalidade do pecado original e a necessidade de contraí-lo (com exceção de Jesus);
b) Universalidade da redenção de Cristo;
c) Citações explícitas ou implícitas de alguns Padres e teólogos.

Guilherme, tendo presente esses dados, sustenta que o pecado original que reside na alma é causado pela concupiscência da carne. O seu esforço tende a demonstrar que no alto da concepção, antes da infusão da alma, a carne é purificada antes que se torne o corpo da Virgem Maria. Deus intervém com a sua onipotência, para purificar ou preservar da mancha do pecado aquela massa da qual devia ser formado o corpo de Maria. Trata-se de uma purificação no ato da concepção, de modo que o sujeito resulte como purificado da mancha em vista da futura pertença e união com a alma da Virgem. O resultado seria a isenção plena da culpa original.

Deixando claro este ponto, Guilherme provou que é possível a criação da alma com a infusão simultânea da plenitude da graça; então, prova que a isenção do pecado original é devida ao mérito de Cristo. Enfim, sustenta a noção de redenção preservativa, na qual está implícita a noção de possibilidade da Virgem contrair o pecado original. Quanto à prova da Imaculada Conceição, Guilherme insiste sobre a conveniência do privilégio mariano, da qual concluiu que Deus de fato realizou, devendo o Filho honrar a Mãe.

João Duns Escoto, como seu mestre Guilherme, também se deparou com as três possibilidades acerca da concepção de Maria vista anteriormente. Frente a elas, Escoto afirmou que somente Deus sabe qual dessas três possibilidades tenha se verificado em Maria; todavia, pessoalmente, prefere atribuir a ela aquilo que é mais excelente e perfeito. Eis as suas palavras:

“Somente Deus sabe qual destas três possibilidades levou a cabo. Em todo caso, se não está em contradição com a autoridade da Igreja e da Escritura, me parece provável atribuir a Maria o que é melhor”.

Assim, afirmando como certa a possibilidade da concepção de Maria, Escoto procedeu a uma reflexão profunda e sutil para dar as razões de sua experiência mariana. Movido por essa disposição, Escoto logo se deparou com uma dificuldade de ordem teológica. Todos os grandes Mestres da Escolástica eram contra a possibilidade do privilégio mariano, baseando-se no texto paulino “...in quo omnes peccaverunt” (Rm 5,12) – “...porque todos pecaram”. Com isso, a universalidade da redenção operada por Cristo parecia excluir de Maria a possibilidade da sua concepção imaculada.

Duns Escoto, em vez de contornar a dificuldade, enfrentou diretamente mostrando a sua intríseca fraqueza. Se se nega a Maria a possibilidade da concepção imaculada, se vem a negar a eficácia da redenção operada por Cristo. Em sua obra Reportatio Parisiensis, Escoto enfrentou a objeção: Jesus Cristo é Redentor universal, portanto, a Virgem devia contrarir o pecado original, afirmando que é verdadeiro o contrário, ou seja, que ‘a universalidade da redenção operada por Cristo significa que Ele é mediador perfeitíssimo’: “Ex hoc quod Filiius Dei fuit redemptor universalis, sequitur quod fuit perfectissimus mediator”.

No texto da Reportatio, Escoto deduziu a perfeição da redenção, da sua universalidade. Na realidade, a universalidade seria fonte da perfeição ou eficácia da redenção, porque contém todo grau de mediação possível a ser exercido por Cristo aos homens a serem redimidos. A extensão universal da redenção, diretamente, considera a totalidade dos homens que são salvos; sua perfeição ou eficácia no salvar deve ser deduzida da dignidade ou perfeição do Mediador. Assim, em sua obra Oxonense, Escoto fala da mediação universal, mas a fundamenta sobre a excelência ou perfeição suprema do Mediador:

“De fato, o perfeitíssimo Mediador possui o mais perfeito ato possível de mediação em relação a qualquer pessoa pela qual é mediador. Portanto, Cristo tinha o mais perfeito grau da mediação em relação a qualquer pessoa pela qual é mediador; mas por nenhuma outra pessoa tinha um grau mais excelente de mediação como por Maria. Isto, porém, não se teria verificado se não tivesse o mérito de preservá-la do pecado original”.

Com este forte pensamento, Escoto enunciou o princípio de que o perfeitíssimo Mediador possui e, portanto, exerce o grau mais perfeito de possível da mediação, que consiste não mais em libertar uma pessoa do mal já contraído, mas em prevenir que ela o contraia. Aqui, encontramos uma grande novidade no conceito de redenção: ela pode ser libertadora e preservativa. Os predecessores de Escoto tinham somente o conceito de redenção libertadora e, por isso, negavam a Maria o privilégio de sua Imaculada Conceição.

A suma perfeição da mediação de Cristo brota da estrutura de redenção, não é obra de um homem, mas de Deus feito homem, isto é, do Filho eterno de Deus, que entrou, pessoalmente, na nossa história para realizar a salvação.

Dessa forma, Cristo exerceu o máximo de sua mediação em relação à sua Mãe, fazendo com que Ela não contraísse o pecado original. Todas as ações de Cristo eram humano-divinas, sumamente agradáveis à Trindade e por isso, capazes de merecer a salvação. Ora, a aplicação dos merecimentos de Cristo antes da sua aparição sobre a terra já era feita, pelo menos parcialmente, aos Patriarcas. Nenhuma impossibilidade, então, havia para que a Trindade aceitasse os méritos de Cristo de modo pleno e total, para serem aplicados à sua Mãe, a fim de impedir que ela pudesse estar sujeita à lei do pecado original. A razão de tal aplicação era a eleição de Maria para ser a Mãe do Filho de Deus.

A eficácia da mediação de Cristo se enraíza na sua união hipostática e, assim, na infinita perfeição de sua Pessoa. A aplicação de tal eficácia podia e devia ser reservada à sua Mãe. União hipostática e divina maternidade são inseparáveis também na concessão do privilégio da Imaculada Conceição. Na Lectura, Escoto é mais explícito: “Cum ipse fuerit perfectissimus mediator quantum ad personam matris suae, sequitor eam presaervavit a peccato originali”.

A argumentação de Escoto, portanto, se concentra sobre o seguinte ponto: a mediação de Cristo não seria perfeitíssima se não tivesse preservado a sua Mãe do pecado original. Com isso, fundamenta-se a sua célebre frase, que encerra e ‘resume’ toda a sua reflexão: “Deus pôde, quis e a fez Imaculada” – “Deus potuit, decuit et fecit Immaculatam”.

EXTRAÍDO DE : http://www.reflexoesfranciscanas.com.br/

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